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Da admissibilidade das sanções políticas no Direito Tributário brasileiro

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Agenda 01/12/2010 às 08:19

"Dizem que c

erta vez um discípulo perguntou a seu mestre qual era o valor da verdade. O mentor lhe deu seu único anel e pediu-lhe fosse a uma loja bem simples para tentar trocá-lo por uma moeda de prata. O jovem voltou entristecido dizendo que só o haviam oferecido algumas de cobre. O mestre, então, mandou que fosse à melhor joalheria da cidade. O aprendiz voltou surpreso, contando que recebeu cem moedas de ouro pela jóia. O mestre, então, arrematou: ´eis o valor da verdade. Ela só tem valor para quem a conhece´ ".

RESUMO

O presente trabalho visa demonstrar a admissibilidade constitucional - e conseqüente aplicabilidade jurídica das sanções políticas - no Direito Tributário brasileiro, figuras tão hostilizadas pela literatura jurídica nacional. Para tanto, vale-se do método conceitual de exposição, exaurindo o estudo do princípio do devido processo legal (due process of law), relativamente ao tema, em sua dupla vertente: o devido processo legal formal (procedural due process) e o devido processo legal material (substantive due process).

Palavras-chave:

Sanções políticas, Direito Tributário Brasileiro, constitucionalidade, devido processo legal.

ABSTRACT

The present work seeks to demonstrate the constitutional admissibility - and consequent juridical applicability of the political sanctions - in the Brazilian Tax Law, illustrations so harassed by the national juridical literature. For so much, it is been worth of the conceptual method of exhibition, exhausting the study of the brazilian due process of law, relatively to the theme, in your couple slope: the procedural due process and the substantive due process.

Word-key:Political sanctions, Brazilian Tax Law, constitutionality, due process of law.

ZUSAMMENFASSUNG

Die gegenwärtige Arbeit versucht, die verfassungsmäßige Zulässigkeit und daraus folgende juristische Anwendbarkeit der politischen Sanktionen, in der brasilianischen Steuer, deshalb von der nationalen juristischen Literatur belästigten Abbildungen, Direkt zu demonstrieren. Für so sehr ist es von der begrifflichen Methode der Ausstellung wert gewesen und erschöpft das Studium des Anfanges vom fälligen gesetzlichen Prozeß (due process of law), relativ zum Thema, in Ihrer Ehepaar Neigung,: der genau formelle gesetzliche Prozeß (procedural due process) und der fällige Prozeß gesetzliches Material (substantive due process of law).

Schlüsselwort:

Politische Sanktionen, brasilianisches Steuerrecht, Konstitutionalität, fälliger gesetzlicher Prozeß.

SUMÁRIO:PROLEGÔMENOS . CAPITULO 1. Do Controle de Constitucionalidade . Do conceito de inconstitucionalidade. Inconstitucionalidade Formal x Inconstitucionalidade Material. Do Fenômeno da Recepção. A Teoria das Normas Constitucionais Inconstitucionais. CAPITULO 2. Do devido processo legal (due process of law) . O devido processo legal em sua acepção formal. O devido processo legal em sua acepção material. CAPITULO 3. Do conceito de sanção . Sanção pena. Sanção administrativa. O atual conceito de "sanção política" em Direito Tributário. ENTENDIMENTO CONCLUSIVO. REFERÊNCIAS


PROLEGÔMENOS

Muito tem sido dito acerca das intituladas sanções políticas, medidas de que se valem muitas autoridades administrativas para reprimir ilícitos tributários. Cuida-se, em verdade, de instituto deveras fustigado pela literatura jurídica e pelo Pretório Excelso [01] sem que, no entanto, verticalizem explanações acerca da questão.

Não há definição precisa do que seja "sanção política". A literatura jurídico-tributária nacional traz, mediante exemplos, eventuais conseqüências dessas repressões, mas não expõe de forma clara e precisa do que se trata.

Pela própria denominação, verifica-se ser tema excessivamente abstrato e que, ipso facto, está a merecer maiores estudos e considerações da tributarística moderna, não apenas em razão de ser figura ordinariamente argüida (e criticada) nesta seara, mas – e principalmente – por se cuidar de figura jurígena que acarreta inúmeras repercussões, mormente na área empresarial, setor de alavancamento econômico do país.

Nesse sentido, propõe-se o estudo mais detido e acurado do tema, a fim de se comprovar que não se cuida verdadeiramente de anomalia jurídica, mas sim de técnica administrativa válida e eficaz de repressão aos abusos perpetrados por particulares contra a Administração Pública.


1. DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE:

Aferir a constitucionalidade de determinada figura é dizer se ela está ou não em consonância com a Carta Política que rege um Estado específico.

No Brasil subsistem dois sistemas distintos desse controle, ambos igualmente válidos e aplicáveis, a saber: o difuso, também chamado de aberto, por via de exceção ou de defesa, que é a permissão conferida a qualquer órgão julgador de verificar in concreto a compatibilidade de um ato questionado com a Constituição da República, e aquele intitulado controle concentrado, também conhecido como por via de ação direta, cuja competência foi atribuída pelo constituinte de 1988 ao Supremo Tribunal Federal.

Através deste último sistema busca-se obter a declaração de inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo em tese, i.e., independentemente da existência dos casos concretos, objetivando-se a invalidação do objeto questionado com vistas à garantia da segurança das relações jurídicas, que não podem ficar sabor de atos inconstitucionais. Com efeito, naquele o efeito do decisum é restrito: atinge apenas as partes diretamente interessadas em um caso específico. Neste, o efeito é erga omnes, atingindo e vinculando todos os tribunais e a administração do país.

No ponto, importante lição é ofertada por JORGE MIRANDA [02],

Constitucionalidade e inconstitucionalidade designam conceitos de relação, isto é, a relação que se estabelece entre uma coisa – a Constituição – e outra coisa – um comportamento – que lhe está ou não conforme, que com ela é ou não compatível, que cabe ou não no seu sentido.

Assim, aferir a constitucionalidade de um ato normativo significa verificar sua compatibilidade com a vigente Constituição, através de seus requisitos formais e materiais. Para tanto, deve o exegeta valer-se de apenas paradigmas positivados, o que o STF chamou de bloco de constitucionalidade [03].

1.1. Do conceito de inconstitucionalidade:

Pelo exposto até o momento é possível verificar que inconstitucionalidade é a desconformidade direta de um ato, público ou privado, com a Constituição da República, seja essa incompatibilidade formal ou material. Desta forma, se um servidor policial adentra a residência de um suspeito altas horas da madrugada a fim de capturá-lo, comete uma conduta flagrantemente inconstitucional por ofender diretamente o Art. 5º, XI, CRFB / 88 [04].

Tal inconstitucionalidade é declarada a partir da retro mencionada técnica do controle de constitucionalidade, que nada mais é que a necessidade de aferição decorrente diretamente da idéia de supremacia constitucional sobre o ordenamento jurídico, da rigidez constitucional e da proteção dos direitos fundamentais. Este último, no dizer de ALESSANDRO PIZZORUSSO [05], é a sua primordial finalidade.

1.2. Inconstitucionalidade Formal x Inconstitucionalidade Material

Cuida-se, aqui, de técnica classificatória dos vícios constitucionais quanto a sua espécie.

Por inconstitucionalidade formal, GILMAR MENDES, INOCÊNCIO COELHO e PAULO GONET [06] ensinam que são os vícios que afetam o ato normativo individualmente considerado, referindo-se aos pressupostos e procedimentos relativos à formulação do ato.

Essa espécie de anomalia pode ser subjetiva, quando referente à fase de iniciativa, ou objetiva, quando pertinente às demais fases do procedimento legislativo.

Já a inconstitucionalidade material, segundo os mesmo autores [07], é a incompatibilidade em sentido substancial, ou seja, aquela referente ao próprio conteúdo do ato, dando causa a um conflito de regras ou princípios estabelecidos na Constituição.

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1.3. Do Fenômeno da Recepção

Por recepção tem-se o fenômeno jurídico que ocorre quando o ordenamento jurídico pré-constitucional (direito preexistente à nova Constituição) mostra-se compatível com a nova ordem constitucional, sendo por ela admitido como válido e, conseqüentemente, vigente. Em outros termos, cuida-se do

"acolhimento que uma nova constituição posta em vigor dá às leis e atos normativos editados sob a égide da Carta anterior, desde que compatíveis consigo. O fenômeno da recepção, além de receber materialmente as leis e atos normativos compatíveis com a nova Carta, também garante a sua adequação à nova sistemática legal. [08]" (Sem grifos no original)

Em sentido inverso, quando as normas infraconstitucionais forem incompatíveis com a nova Carta Política serão consideradas não recepcionadas, sendo, portanto, inadmitidas no novel ordenamento jurídico. No ponto, cabe uma observação: em que pese se tratar de norma constitucional não admitindo o direito pretérito, o Supremo Tribunal Federal utiliza a denominação revogação [09] para se referir ao tema.

Consoante as lições de MARCELO ALEXANDRINO e VICENTE PAULO [10],

"(...) a própria CF / 88 expressamente tratou da recepção de toda a legislação tributária anterior não compatível com o novo Sistema Tributário Nacional, no seu ADCT, Art. 34, §5º."

Assim, é lícito asseverar que o Código Tributário Nacional foi plenamente recepcionado pela atual ordem constitucional.

Oportuno mencionar que o CTN não é lei de tributação. Como norma complementar à Constituição que é, cuida de leis sobre tributação. É uma lei sobre leis, estabelecedora de regras gerais - como as Normas Complementares mencionadas no Art. 100, III, do próprio CTN, que cuida das práticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas.

1.4. A Teoria das Normas Constitucionais Inconstitucionais

O cerne da teoria em análise (Verfassungswidrige Verfassungsnormen), desenvolvida pelo jus-filósofo OTTO BACHOFF [11], cuida, em breve síntese, da capacidade de conflitos entre regras positivadas de uma mesma Constituição. Haveria, segundo o mencionado professor, a possibilidade de um dispositivo de nível superior conflitar expressamente com um de hierarquia inferior dentro de um mesmo Estatuto Fundamental.

Seriam de grau superior as normas que fossem materialmente constitucionais, i. e., que cuidassem exclusivamente de matérias constitucionais – a exemplo de direitos e garantias fundamentais, da gestão e limites dos Poderes, da organização política do Estado entre outras – e, em contrapartida, seriam inferiores as normas constitucionais que pudessem ser tratadas pela legislação infraconstitucional – como o Art. 242, §2º, da CRFB / 88, que cuida da administração do colégio Dom Pedro II - , prescindindo, pois, de serem analisadas pelo Direito Constitucional. As cláusulas pétreas (Ewigkeitsgarantie) seriam as regras de grau superior por excelência [12].

Desta forma, havendo conflito, nos Estados que adotam essa postura, deve prevalecer a regra de maior dignidade constitucional.

A República Federativa do Brasil, contudo, tem rechaçado essa doutrina.

Conforme se observa na ADI nº 815-3 / DF, Rel. Min. Moreira Alves, o Supremo Tribunal Federal não admite a possibilidade de choque intra-constitucional de preceitos, sejam regras ou princípios. Veja-se a ementa:

"Ação direta de inconstitucionalidade. Parágrafos 1º e 2º do artigo 45 da Constituição Federal. - A tese de que há hierarquia entre normas constitucionais originárias dando azo à declaração de inconstitucionalidade de umas em face de outras e incompossível com o sistema de Constituição rígida. - Na atual Carta Magna "compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição" (artigo 102, "caput"), o que implica dizer que essa jurisdição lhe é atribuída para impedir que se desrespeite a Constituição como um todo, e não para, com relação a ela, exercer o papel de fiscal do Poder Constituinte originário, a fim de verificar se este teria, ou não, violado os princípios de direito suprapositivo que ele próprio havia incluído no texto da mesma Constituição. - Por outro lado, as cláusulas pétreas não podem ser invocadas para sustentação da tese da inconstitucionalidade de normas constitucionais inferiores em face de normas constitucionais superiores, porquanto a Constituição as prevê apenas como limites ao Poder Constituinte derivado ao rever ou ao emendar a Constituição elaborada pelo Poder Constituinte originário, e não como abarcando normas cuja observância se impôs ao próprio Poder Constituinte originário com relação as outras que não sejam consideradas como cláusulas pétreas, e, portanto, possam ser emendadas. Ação não conhecida por impossibilidade jurídica do pedido." (Sem negrito no original)

Nesse ínterim, havendo a menor possibilidade de tal acontecimento, deve o exegeta, segundo o STF, valer-se de dogmas hermenêuticos a fim de coadunar os dispositivos constitucionais supostamente em confronto. Par tanto, exige do intérprete a consideração dos postulados da unidade constitucional, da concordância prática (ou a harmonização), da correção funcional, da eficácia integradora, da força normativa da Constituição, da máxima efetividade, da interpretação conforme a Constituição e da proporcionalidade (ou da proibição do excesso, também chamado da razoabilidade). [13]


2. DO DEVIDO PROCESSO LEGAL (DUE PROCESS OF LAW)

Princípio que remonta à Magna Charta Libertatum, de 1215 [14], hoje conta com previsão até mesmo no Art. XI, nº 1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Segundo a clássica doutrina constitucional [15],

"O devido processo legal configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade, quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições com o Estado-persecutor e plenitude de defesa (direito a defesa técnica, à publicidade do processo, à citação, de produção ampla de provas, de ser processado e julgado por juiz competente, aos recursos, à decisão imutável, à revisão criminal)."

Complementando o exposto, a moderna dogmática constitucional [16] aduz que

"É provável que a garantia do devido processo legal configure uma das mais amplas e relevantes garantias do direito constitucional, se considerarmos a sua aplicação nas relações de caráter processual e nas relações de caráter material (princípio da proporcionalidade / direito substantivo)."

Assim, em síntese esclarecedora, é possível admitir que a cláusula do devido processo legal (due process of law), prevista no Art. 5ª, LIV, CRFB / 88, ostenta que todo procedimento estatal - administrativo, legislativo e judiciário – deve seguir parâmetros legais, previamente definidos no ordenamento jurídico, sob os limites da razoabilidade/proporcionalidade. Possui duas dimensões: a formal e a material.

2.1. O devido processo legal em sua acepção formal

Também chamado de procedural due process of law, deve ser entendido como garantia de acesso à justiça e à observância de procedimentos processuais previamente estabelecidos.

Contudo, consoante as sempre oportunas observações de HUMBERTO THEODORO JÚNIOR [17], "a garantia do devido processo legal não se exaure na observância das formas da lei para a tramitação das causas em juízo", conforme adiante se demonstrará.

2.2. O devido processo legal em sua acepção material

Trata-se da manifestação do devido processo legal em sua órbita substantiva – a do direito material -, conglobante de outros ramos do direito, como o administrativo, o tributário, o penal, dentre tantos outros.

Conhecido modernamente como substantive due process of law,

"(...) realiza, entre outras, a função de um superprincípio, coordenando e delimitando todos os demais princípios que informam tanto o processo como o procedimento. Inspira e torna realizável a proporcionalidade e razoabilidade que deve prevalecer na vigência e harmonização de todos os princípios do direito processual de nosso tempo. [18]"

Nessa perspectiva, é possível constatar que o ordenamento jurídico moderno já não cuida mais apenas de procedimentos, mas também da ponderação na parte material dos atos estatais. Como a jurisprudência demonstra, hoje subsiste verdadeira determinação ao Estado para que seus atos e normas sejam eivados de razoabilidade (reasonableness) e racionalidade (rationality) [19].


3. DO CONCEITO DE SANÇÃO

Etimologicamente, sanção significa punição, reprimenda por abuso cometido, seja por comissão (ação) ou de omissão. Já o termo política, na expressão em estudo, traduz a idéia de arbitrário, discricionário. Em suma, uma punição por aquilo que é desconforme o interesse governamental dominante em determinado momento histórico.

Por outro lado, à luz da Teoria das Normas, um preceito primário é um comando normativo voltado àqueles a quem a regra se destina. Caso descumprido tal mandamento, haverá um "castigo" àquele que vilipendiou a norma de conduta pré-estabelecida. É o que leciona ANDRÉ MONTORO [20]:

"(...) a proteção [da norma jurídica] é representada fundamentalmente pela sanção, que pode ser definida como ‘a conseqüência jurídica que atinge o sujeito passivo pelo não cumprimento da sua prestação’, ou, na formulação e GARCIA MAYNEZ, ‘é a conseqüência jurídica que o não cumprimento de um dever produz em relação ao obrigado’. A sanção é uma ‘conseqüência’. Pressupõe um ‘dever’, que não foi cumprido. A ‘sanção’ não se confunde com a ‘coação’. Como vimos, ‘sanção’ é a conseqüência da não prestação, estabelecida pela ordem jurídica. ‘Coação’ é a aplicação forçada da Sanção." (Sem grifos no original)

Complementando o claro ensinamento de ANDRÉ MONTORO, FRANCESCO CARNELUTTI giza que:

"Este meio de diferente natureza em que se resolve a imposição do preceito recebe o nome de sanção; sancionar significa precisamente tornar qualquer [regra], que é o preceito, inviolável ou sagrada. [21]"

"Atuar a sanção quer naturalmente significar pôr em movimento a causalidade, determinando uma transformação do mundo exterior, empregando, assim, a força. Sem esta, nem se prende o ladrão o objeto roubado, nem se leva para a prisão. Deste modo, ao elemento econômico da imposição do preceito junta-se o elemento físico; ou melhor, o elemento econômico funda-se no elemento físico. Por isso dizemos que a sanção implica coação, significando com esta palavra a força empregada contra o homem para vencer a resistência. [22]"

Assim, é possível constatar, sem dificuldades, que sanção é a punição por uma conduta desviada, infratora de uma regra específica (administrativa, civil ou criminal).

Portanto, sanção política deve ser interpretada como toda repressão estatal arbitrária, i.e., sem fundamento legítimo, com vistas à supressão de determinada conduta considerada desinteressante nos negócios públicos pelo governo, figura transitória em todo Estado Democrático. Um ato de governo, não um ato de Estado, pois.

3.1. Sanção penal

Algumas condutas lesionam mais gravemente o interesse coletivo. Em razão disso, foram erigidas também à categoria de crimes [23]. Tratam-se, pois, de infrações merecedoras de repressão (sanção) mais intensa e efetiva em razão da relevância do bem jurídico tutelado pela norma violada. LUCIANO AMARO [24] chega a afirmar que:

"A sanção pelo fato do descumprimento de um dever legal permeia, como se viu, o direito público e o direito privado. Dependendo da gravidade da ilicitude (em função de relevância do direito ferido, ou dos meios empregados, ou da condição da pessoa do infrator, ou dos motivos que o levaram à infração) a sanção pode (e deve) ser mais ou menos severa. Aliás, é de suma importância que a pena seja adequada à infração, por elementar desdobramento do conceito de justiça." (Sem grifos no original)

Fato importante e que deve ser rememorado é o que admite-se a tripla repressão dos ilícitos perpetrados sem que se possa cogitar de bis in idem. Isso se deve ao princípio da independência das instâncias civil, administrativa e penal, preceito largamente admitido e utilizado pelos Tribunais Superiores [25], capaz de punir em estamentos diferentes a conduta indesejada. Aliás, comumente a sanção penal traz como penas acessórias as administrativas [26] e as civis, como a suspensão ou proibição de se obter a permissão ou habilitação para dirigir veículo automotor (Art. 306 da Lei Nacional nº 9.503 / 97) e a obrigação de reparação do dano causado (Art. 74, I, do Código Penal), respectivamente, prescindindo-se, pois, de um processo administrativo ou de um processo civil de natureza cognitiva.

Entretanto, questão de suma relevância é a dos delitos praticados por pessoas jurídicas.

Por não possuírem vontade própria, essas entidades não devem ser responsabilizadas criminalmente. Essa é a clássica manifestação do princípio da culpabilidade. Todavia, não se ignora a existência de determinação constitucional para a incriminação dessas entidades (Arts. 173, §5º, e 225, §3º, da CRFB / 88).

Como adverte LUIZ FLÁVIO GOMES [27], "(...) a responsabilidade da pessoa jurídica não é propriamente ‘penal’, no sentido estrito da palavra." Deve se buscar, segundo o citado jurista, um meio termo entre o Direito Penal e o Direito Administrativo. Um tertius genus, ainda em desenvolvimento, que ele chamou de direito sancionador.

Como conciliar os dois comandos não é o desiderato desta obra. Busca-se, tão somente, demonstrar que, no caso em tela, o direito penal não se coaduna perfeitamente ao caso em estudo. Nesse sentido, importante se faz a presença das regras hermenêuticas supra mencionadas e das intituladas "penas acessórias", notadamente as administrativas, verdadeiros "penduricalhos" que seguem a pena principal - privativa de liberdade, em razão de sua procedência criminal.

3.2. Sanção administrativa

À luz do exposto, constata-se que a repressão administrativa pode ser impingida como pena principal, quando aplicada isoladamente - no caso de multa de trânsito, por exemplo -, ou acessória, quando cumulada a outra de maior gravidade.

Além disso, o Direito Tributário, integrante que é do Direito Público, naturalmente se submete às normas administrativistas, reitoras da máquina pública. Portanto, o ilícito fiscal decorre da violação das regras administrativo-tributárias. Exemplo corriqueiro é o descumprimento de uma obrigação principal ou acessória, que traz como sanção, via de regra, uma multa.

Quando há o desrespeito de determinada regra tributária, portanto, a sanção administrativa pode e ensejar punição isolada ou cumulativa, conforme a lesão resultante da conduta do agente. É a gravidade desta que determina a quantidade e a espécie de punição, consoante o magistério de LUCIANO AMARO [28]: "Noutras palavras, a sanção deve ser estabelecida para estimular o cumprimento da obrigação tributária". O citado professor segue seu raciocínio concluindo que deve se graduar a sanção conforme a gravidade da infração, vale dizer, da gravidade do dano ou da ameaça que a infração representa para a arrecadação de tributos.

Insta rememorar que tributo não se confunde com penalidade. As exações têm por desiderato arrecadar fundos para o Estado, em quanto que a penalidade visa a observância da norma jurídica.

Não se deve confundir, pois, Direito Penal Tributário com Direito Tributário Penal, que, segundo GERD ROTHMANN [29],

"O Direito Penal Tributário é Direito Penal que versa sobre matéria tributária. O Direito Tributário Penal é Direito Tributário que trata das infrações no âmbito administrativo."

KIYOSHI HARADA verticaliza um pouco mais as explanações sobre o ponto, trazendo à colação que

"O Direito Tributário Penal abarcaria todas as infrações tributárias decorrentes do descumprimento de obrigações tributárias principais ou acessórias, vale dizer, alcançaria todas as condutas comissivas ou omissivas que, por afrontosas às normas tributárias de natureza substantiva ou formal, ensejam sanções de natureza administrativa. (...) Já no chamado ‘Direito Penal Tributário a disciplina contra o crime é mais rigorosa ou destacada’, exigindo, ‘em boa técnica, a expedição de uma lei configurando crime e cominando pena’ [30]".

Exatamente no mesmo sentido caminha o magistério de RUY NOGUEIRA:

"Tendo em vista a própria legislação vigente, podemos verificar que certos ilícitos tributários estão configurados apenas em leis administrativas fiscais e são em princípio de apreciação dos órgãos administrativos fiscais. Outros, além de constituírem infração fiscal e quanto a esta estarem sujeitos a julgamento administrativo, incidem também no Direito Penal (CP, leis penais, e Lei das Contravenções Penais) e neste último aspecto submetidos à competência judiciária. (...) Por isso é que certos autores falam mesmo em um Direito Administrativo Tributário Penal e em um Direito Penal Tributário para distinguirem-se os ilícitos abrangidos e punidos pelo próprio Direito Tributário dos configurados e sancionados pelo Direito Penal. [31]"

"Portanto, as chamadas infrações fiscais são os desatendimentos das obrigações tributárias principais ou acessórias e a cominação de penalidades para essas ações ou omissões está prevista nessa mesma legislação administrativo tributária. Estas penalidades são impostas e julgadas pelas autoridades fiscais administrativas por meio do procedimento de lançamento (...). Por isso, está matéria é de Direito Administrativo Tributário Penal. [32]"

Portanto, não há como se equivocar. A matéria é clara e pacífica. Existem gritantes diferenças nos tratamentos entre as meras infrações fiscais e os crimes tributários.

3.3. O atual conceito de "sanção política" em Direito Tributário

Em última análise, no Direito Tributário Brasileiro a expressão sanção política indica, consoante a literatura jurídica nacional [33], a restrição ou proibição impingida a um contribuinte como forma oblíqua de obrigá-lo ao pagamento de exações. Diz-se que tal medida é inconstitucional porque ofensiva ao direito de livre iniciativa laboral (Art. 5ª, XIII), à liberdade profissional (Art. 170, parágrafo único) e ao devido processo legal (Art. 5º, LIV), todos do Estatuto do Contribuinte [34].

Argúem que semelhante medida administrativa não se coaduna com a definição legal de tributo (Art. 3º do Código Tributário Nacional), traduzindo, no fundo, verdadeira sanção, o que seria proscrito pela própria definição legal de tributo. Bradam, em coro, que as Súmulas 70, 323 e 547 do Supremo Tribunal Federal, são elementos claramente capazes de identificar e impedir a indigitada sanção.

Segundo essas mesmas vozes, o Estado se vale do poder de tributar para, coagindo o sujeito passivo através de atos abusivos, obter a prestação do crédito tributário que lhe é próprio.

Nessa esteira, o bedel HUGO DE BRITO [35] cita como exemplos costumeiros deste fenômeno a apreensão de mercadorias, a inscrição em cadastro de inadimplentes, a recusa do fornecimento de Certidões Negativas de Débito – CND quando inexiste lançamento consumado contra o contribuinte, o regime especial de fiscalização, dentre outros. Enfim, consoante o aludido jurista, são as mais variadas formas de restrições a direitos do contribuinte, como forma de impingi-lo ao pagamento de tributos.

Rogata maxima venia, críticas abertas e sem fundamento.

Conquanto sejam sedutoras e pareçam procedentes as argüições supra mencionadas, na verdade não resistem a um exame mais atento. Cuida-se de figura que ostenta plena validade constitucional, conforme a seguir se concluirá.

Sobre o autor
Raphael Ferreira de Souza

Analista Judiciário 01 - Área Judiciária. Especialista em Direito Tributário, Ciências Penais, Direito Previdenciário e Direito do Estado.Pós-Graduando em Direito do Estado, em Direito Previdenciário e em Gestão Pública Municipal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Raphael Ferreira. Da admissibilidade das sanções políticas no Direito Tributário brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2709, 1 dez. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17972. Acesso em: 23 dez. 2024.

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