2 ANÁLISE COMPARADA DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
Analisando os modelos de controle de constitucionalidade, Alexandre de Moraes [17] ressalta que:
Apesar da diversidade de modelos, historicamente é possível identificar três grandes modelos de justiça constitucional, com base nos sistemas jurídicos adotados pelos diversos ordenamentos para garantia da supremacia da Constituição: modelo norte-americano, modelo austríaco e modelo francês.
Também de todo peculiar o sistema inglês, no qual não há uma constituição dogmática mas sim calcada em costumes e documentos históricos, observando-se que, dentre todos, o sistema brasileiro foi especialmente influenciado pelo sistema norte-americano, adotado a partir da Constituição Republicana de 1891.
2.1 MODELO DE CONTROLE norte-americano
Nos Estados Unidos o Poder Judiciário possui competência para declarar nulos os atos normativos contrários à Constituição, com o controle de constitucionalidade podendo ser praticado por qualquer juiz ou tribunal.
Esclarece Paulo Bonavides [18] que a base desse controle tem o seu princípio na decisão no caso Marbury versus Madison, com o célebre raciocínio do Juiz Marshall sobre a natureza das Constituições escritas, que sustentava a "irrefutável tese da supremacia da lei constitucional sobre a lei ordinária, ao declarar, na espécie julgada, que todo ato do Congresso contrário à Constituição Federal deveria ser tido por nulo, inválido e ineficaz ("null and void and of no effect").
Conforme esposado por Oswaldo Palu [19], o sistema norte-americano é difuso pois todos os juízes e tribunais podem apreciar a constitucionalidade das leis a pedido das partes litigantes ou ex officio, poder esse inerente a todos os magistrados, e a lei não é anulada, mas sim considerada nula, sem qualquer manifestação do Congresso norte-americano no tocante, entendendo-se que a lei nunca foi votada, especialmente em virtude do stare decisis, ou seja, a eficácia vinculante de suas decisões, conferindo assim funcionalidade ao sistema.
2.2 MODELO DE CONTROLE austríaco
Até 1920 o parlamento austríaco possuia relativa supremacia, sem a possibilidade de questionamento de seus atos atos pelos órgãos estatais, nem mesmo pelo Poder Judiciário.
Posteriormente, a Constituição de 1920 criou um tribunal exclusivo para o controle judicial de constitucionalidade das leis e atos normativos, "em oposição ao sistema adotado pelos Estados Unidos, pois não se pretendia a resolução dos caso concretos, mas a anulação genérica da lei ou ato normativo incompatível com as normas constitucionas", como assevera Alexandre de Moraes [20].
2.3 MODELO DE CONTROLE francês
Quanto ao controle francês, Oswaldo Palu [21] ressalta que "a Constituição de 1958 rompeu com o dogma da soberania da lei (que seria incompatível com o controle da constitucionalidade)", sendo que "o controle, quase sempre preventivo, é feito por um Conselho Constitucional", e até então a soberania do parlamento era incontestável, confirmando a ideia de Jean-Jacques Rousseau no sentido de que a lei constitui expressão da vontade geral.
Destarte, verifica-se que na França o controle de constitucionalidade não é exercido por um órgão ordinário do Poder Judiciário, mas apenas por um órgão marcantemente político.
2.4 MODELO DE CONTROLE inglês
Na Inglaterra a Constituição é assentada em costumes e documentos históricos que, por conseguinte, ensejaram uma Constituição histórica, e por essa razão o Estado de direito inglês possui um direito alicerçado em bases costumeiras (direito consuetudinário – common law), não havendo distinção entre leis constitucionais e leis ordinárias.
Assinala Oswaldo Palu [22] que na teoria corrente do direito constitucional "o Parlamento é quem exercita o poder supremo e, por conseguinte, se também os seus atos vão de encontro à Constituição continuam válidos e valem como modificações ou emendas a ela." Todavia, a soberania do parlamento não lhe permite cometer abusos, sendo a common law, os documentos históricos e o direito natural seus limites.
3 REQUISITOS DE CONSTITUCIONALIDADE DAS ESPÉCIES NORMATIVAS
Para Alexandre de Moraes [23], "controlar a constitucionalidade significa verificar a adequação (compatibilidade) de uma lei ou um ato normativo com a Constituição, verificando seus requisitos formais e materiais".
3.1 Requisitos formais
Traduzem-se os requisitos formais em regras do processo legislativo constitucional que devem ser obrigatoriamente atendidas, pois "a inobservância das normas constitucionais de processo legislativo tem como consequência a inconstitucionalidade formal da lei ou ato normativo produzido", de acordo com Alexandre de Moraes [24].
Esses requisitos dividem-se em subjetivos e objetivos.
3.1.1 Subjetivos
Quanto aos requisitos formais subjetivos, estes devem estar presentes desde a fase introdutória do processo legislativo, ou seja, quando o projeto de lei é encaminhado ao Congresso Nacional para análise quando poderá ser identificado algum tipo de inobservância à Constituição, que em ocorrendo, representará vício de inconstitucionalidade.
3.1.2 Objetivos
Por sua vez, os requisitos formais objetivos referem-se as outras duas fases do processo legislativo, a constitutiva e a complementar, e dessa forma, assim como na fase introdutória, nestas também poderá ser verificado a incompatibilidade do projeto de lei com a Constituição.
3.2 Requisitos materiais (ou substanciais)
Conforme Alexandre de Moraes [25], tratam-se esses requisitos "da verificação material da compatibilidade do objeto da lei ou do ato normativo com a Constituição Federal", ou seja, se há desconformidade de normas inferiores com a norma superior gerando uma contrariedade vertical, pois de acordo com a supremacia constitucional, todas as normas inferiores têm de estar em plena conformidade com os vetores da Constituição, que está situada no ápice da imaginária pirâmide hierárquica do ordenamento jurídico.
4 SUPREMACIA CONSTITUCIONAL
Esclarece Walter Ceneviva [26] que o conjunto normativo da Constituição consubstancia-se em regras ou princípios que objetivam a organização do Estado e define as competências dos órgãos supremos que o compõem, e sob tal significado, Constituição corresponde a um complexo de normas jurídicas fundamentais.
E como não poderia deixar de ser, esse conjunto de normas fundamentais tem um valor normativo hierárquico superior a quaisquer outras normas. Nesse sentido, J.J. Canotilho [27]:
Ao falar-se do valor normativo da constituição aludiu-se à constituição como lex superior, quer porque ela é fonte da produção normativa (norma normarum) quer porque lhe é reconhecido um valor normativo hierarquicamente superior (superlegalidade material).
Salutar ainda trazer à baila, sobre o assunto, o magistério e José Afonso da Silva [28]:
Para defender a supremacia constitucional contra as inconstitucionalidades, a própria Constituição estabelece técnica especial, que a teoria do Direito Constitucional denomina controle de constitucionalidade das leis, que, na verdade, hoje, é apenas um aspecto relevante da Jurisdição Constitucional.
4.1 Importância do controle de constitucionalidade
A compreensão da Constituição como lei fundamental implica no reconhecimento de sua supremacia na ordem jurídica, oportunizando mecanismos suficientes e eficientes para protegê-la contra quaisquer agressões. Portanto, para assegurar essa supremacia faz-se necessário o devido controle sobre a leis e atos normativos, o chamado controle de constitucionalidade.
Entende Alexandre de Moraes [29] que "controlar a constitucionalidade significa verificar a adequação (compatibilidade) de uma lei ou de um ato normativo com a constituição, verificando seus requisitos formais e materiais".
A verificação de compatibilidade das normas de um determinado ordenamento jurídico com os comandos do parâmetro constitucional em vigor, formal e materialmente (forma, procedimento e conteúdo), visa, portanto, retirar do sistema jurídico (nulificando ou anulando) aquelas que forem incompatíveis com a Constituição.
4.2 Rigidez e forma escrita da Constituição
A supremacia da Constituição é garantida pela sua rigidez e forma escrita, lembrando Gilmar Mendes [30] que "as Constituições escritas são apanágio do Estado Moderno".
José Afonso da Silva [31] assevera que "a rigidez e, portanto, a supremacia da constituição repousam na técnica de sua reforma (ou emenda), que importa em estruturar um procedimento mais dificultoso, para modificá-la".
Quanto às constituições rígidas, Paulo Bonavides [32] entende que:
As constituições rígidas, sendo Constituições em sentido formal, demandam um processo especial de revisão. Esse processo lhes confere estabilidade ou rigidez bem superior àquelas que as leis ordinárias desfrutam. Daqui procede pois a supremacia incontrastável da lei constitucional sobre as demais regras de direito vigente num determinado ordenamento.
David Araujo [33] assinala que considera-se rígida:
A Constituição que exige para sua alteração, qualquer processo mais solene, tendo em vista o critério da lei ordinária. Exemplo de Constituição rígida é a brasileira. Essa rigidez pode ser verificada pelo contraste entre o processo legislativo da lei ordinária e o da emenda constitucional. Enquanto aquela se submete às regras da iniciativa geral (art. 61 da CF) e à aprovação por maioria simples, a outra reclama iniciativa restrita (art. 60 da CF) e aprovação por maioria qualificada de três quintos.
Verifica-se, portanto, que nossa Lex Magna, além de formalmente escrita, é rígida, gozando de supremacia perante todo o ordenamento jurídico.
4.3. Possibilidade do controle sobre emendas constitucionais
Conforme entendimento manifestado por Gilmar Mendes [34], o STF "não admite a existência de hierarquia entre normas constitucionais originárias e, consequentemente, a declaração de inconstitucionalidade de umas em face de outras", o que não contradiz a assertiva de que "o controle de constitucionalidade contempla o próprio direito de revisão reconhecido ao poder constituinte derivado [35]."
Deveras, pois há limitação imposta pela própria Constituição ao Poder Reformador, conforme previsto no § 4º do art. 60 do Texto Fundamental:
§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I - a forma federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais.
Nesse sentido, afirma Alexandre de Moraes [36] que nada obsta o controle de constitucionalidade sobre emendas constitucionais "a fim de verificar sua constitucionalidade ou não, com base na análise do respeito aos parâmteros fixados no art. 60 da Constituição Federal para alteação constitucional".
Esse também é o entendimento consolidado do Supremo Tribunal Federal, ou seja, de que é juridicamente possível o controle abstrato de constitucionalidade que tenha objeto emenda à Constituição Federal quando se alega a violação das cláusulas pétreas inscritas no art. 60, § 4º, da CF, conforme ADIN nº 1.946-5/DF.
5 ESPÉCIES DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
Considerando que as leis e atos normativos devem harmonizar-se com a Constituição, torna-se imperioso o controle de constitucionalidade da legislação infraconstitucional cotejando-a com a Lei Maior, que pode e deve ocorrer de diversas formas e oportunidades.
5.1 Quanto ao momento
O controle de constitucionalidade, quanto ao seu momento, divide-se em preventivo e repressivo.
5.1.1 Preventivo
É aquele tomado antes da entrada em vigor da norma, ainda na fase de formação do ato legal, do estudo e discussão do projeto de lei, sendo exercido no Brasil tanto pelo Parlamento através de suas Comissões Permanentes (art. 58 da Constituição Federal), quanto pelo Poder Executivo, através do poder de veto do Presidente da República, ex vi do § 1º do art. 66 do Excelso Diploma.
5.1.2 Repressivo
Ocorre após a conclusão do ato, da publicação da lei, com o fito de retirar do ordenamento jurídico a norma dita inconstitucional.
No Brasil, é exercido principalmente pelo Poder Judiciário na função jurisdicional, e pelo Poder Legislativo, como p.e., quando da rejeição de medidas provisórias em face da inconstitucionalidade das mesmas.
5.2 Quanto ao órgão que exerce o controle de constitucionalidade
Essa forma de controle de inconstitucionalidade divide-se em três vertentes: político, jurisdicional e misto.
5.2.1 Político
O controle político de constitucionalidade "ocorre em Estados onde o órgão que garante a supremacia da constituição sobre o ordenamento jurídico é distinto dos demais Poderes do Estado", como assinala Alexandre de Moraes [37].
5.2.2 Jurisdicional
O controle jurisdicional (ou judicial review) é exercido pelos órgãos do Poder Judiciário, no Brasil legitimados pela própria Constituição, podendo somente o Juiz ou o Tribunal apreciar a constitucionalidade da lei sob o aspecto jurisdicional, sendo a regra no Brasil.
5.2.3 Misto
É uma junção dos controles político e judiciário, ocorrendo quando o ordenamento jurídico atribui competência para a realização do controle tanto pelos órgãos políticos quanto judiciais.
5.3 Quanto a forma
Segundo a forma de controle, Daniel Sarmento [38] destaca que "o controle por via incidental, ou incidenter tantum, ou por via de exceção, ou ainda por via de defesa, é aquele exercido na apreciação de casos concretos, enquanto o controle por via principal ou por ação direta é o controle exercido em tese".
Assim, com relação à forma, o controle de constitucionalidade divide-se em concreto e abstrato.
5.3.1 Abstrato
Com relação ao controle abstrato, o constitucionalista português J. J. Canotilho [39] pontifica que:
O controlo abstracto significa que a impugnação da constitucionalidade de uma norma é feita independentemente de qualquer litígio concreto. O controlo abstracto de normas não é um processo contraditório das partes: é, sim, um processo que visa sobretudo a "defesa da constituição" e do princípio da constitucionalidade através da eliminação de actos normativos contrários à constituição.
Ao comentar o controle abstrato ou por via de ação, Paulo Bonavides [40] ensina que:
O sistema de controle por via de ação permite o controle da norma in abstracto por meio de uma ação de inconstitucionalidade prevista formalmente no texto constitucional. Trata-se, como se vê, ao contrário da via de exceção, de um controle direto. Nesse caso, impugna-se perante determinado tribunal uma lei, que poderá perder sua validade constitucional e conseqüentemente ser anulada erga omnes (com relação a todos).
5.3.2 Concreto
E quanto ao controle concreto, leciona Paulo Bonavides [41] que:
O controle por via de exceção, aplicado às inconstitucionalidades legislativas, ocorre unicamente dentro das seguintes circunstâncias: quando, no curso de um pleito judiciário, uma das partes levanta, em defesa de sua causa, a objeção de inconstitucionalidade da lei que se lhe quer aplicar.
Prossegue ainda o autor [42] afirmando que "sem o caso concreto (a lide) e sem a provocação de uma das partes, não haverá intervenção judicial, cujo julgamento só se estende às partes em Juízo".
Esse controle de constitucionalidade é feito de forma incidental, e na síntese de Marcelo Novelino [43] "a decisão judicial sobre a (im)procedência do pedido (consequente) irá depender do juízo formulado acerca da constitucionalidade discutida incidentalmente (antecedente)".
5.3.2.1 Tendência de abstrativização do controle concreto
Salienta Marcelo Novelino [44] que a tendência da abstrativização consiste na interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de controle concreto de constitucionalidade, atribuindo a essa decisão efeito erga omnes, típico do controle abstrato.
Com efeito, a interpretação constitucional dada pelo Supremo Tribunal Federal em seus julgados possui especial relevância face sua função de "guardião da Constituição" (art. 102, caput, CF), e dessa forma a decisão da Suprema Corte, em especial acerca da fixação do alcance das normas constitucionais, evita que interpretações divergentes acabem por enfraquecer a força normativa da Constituição.
A título exemplificativo, pode-se citar o julgamento pelo STF do Habeas Corpus nº 82.959/SP, no qual, embora tratando-se de um controle concreto, a Corte Suprema houve por bem conferir-lhe aparentemente efeito erga omnes, característica do controle abstrato, com a observação do Ministro Nelson Jobim advertindo que o Tribunal não estava apenas decidindo aquele caso, mas a constitucionalidade da vedação da progressão do regime a condenados pela prática de crimes hediondos.
5.4 Quanto a competência
Quanto a competência para o controle judicial, esclarece Alexandre de Moraes [45] que "no Brasil, o controle de constitucionalidade repressivo judiciário é misto, ou seja, é exercido tanto da forma concentrada, quanto da forma difusa."
José Afonso da Silva [46], ao comentar os controles difuso e concentrado, assevera que "verifica-se o primeiro quando se reconhece o seu exercício a todos os componentes do Poder Judiciário, e o segundo, se só for deferido ao tribunal de cúpula do Poder Judiciário ou a uma corte especial".
5.4.1 Controle difuso (ou por via de exceção)
Conforme assinala José Afonso da Silva [47], no Brasil o atual sistema de controle "é o jurisdicional instituido com a Constituição de 1891 que, sob a influência do constitucionalismo norte-americano, acolheu o critério de controle difuso por via de exceção, que perdurou nas constituições sucessivas até a vigente".
Sobre o sistema difuso ou por via de exceção, J.J. Canotilho [48] afirma que "a competência para fiscalizar a constitucionalidade das leis é reconhecida a qualquer juiz chamado a fazer a aplicação de uma determinada lei a um caso concreto submetido a apreciação judicial."
E ainda, sistema difuso "é aquele em que o poder de controle pertence a todos os órgãos judiciários de um dado ordenamento jurídico, que o exercitam incidentalmente, na ocasião da decisão das causas de sua competência", segundo afirmado por Mauro Cappelletti [49].
Para a existência do controle difuso ou incidental, inicialmente pressupõe-se a existência de um caso concreto, de uma ação judicial para ser exercido, pois o mesmo é realizado durante o exercício normal da jurisdição do juiz ou do tribunal, que poderá deixar de aplicar uma lei a um caso concreto se considerá-la inconstitucional.
Ademais, "a pronúncia do Judiciário, sobre a inconstitucionalidade, não é feita enquanto manifestação sobre o objeto principal da lide, mas sim sobre questão prévia, indispensável ao julgamento da lide", como lembra Alexandre de Moraes [50].
Essa decisão produz efeito apenas entre os litigantes (intra partes), pois em princípio o processo vincula somente as partes envolvidas.
Para Daniel Sarmento [51] a decisão judicial que reconhece a inconstitucionalidade de uma lei no caso concreto não faz coisa julgada, apenas vincula o objeto do pedido, sendo a constitucionalidade uma questão prejudicial, e que essa manifestação, constitucionalidade ou não da lei, é o fundamento da decisão, a motivação, e conforme o art. 469, I, do Código de Processo Civil, "não fazem coisa julgada os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance a parte dispositiva da sentença", bem como que a regra estatuída no art. 469 do mesmo diploma legal de que "a apreciação da questão prejudicial decidida incidentalmente no processo" não faz coisa julgada.
5.4.1.1 Cláusula de reserva de Plenário
O artigo 97 da Constituição consagra a cláusula de reserva de plenário que trata da declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo por tribunal, a qual deve ser feita através da maioria absoluta da totalidade dos seus membros, sob pena de nulidade da decisão.
Nesse aspecto, Alexandre de Moraes [52] pontifica que:
A inconstitucionalidade de qualquer ato normativo estatal só pode ser declarada pelo voto da maioria absoluta da totalidade dos membros do tribunal ou, onde houver, dos integrantes do respectivo órgão especial, sob pena de absoluta nulidade da decisão emanada do órgão fracionário (turma, câmara ou seção), em respeito à previsão dôo art.97 da Constituição Federal.
O entendimento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que, caso não seja respeitada a cláusula de reserva de Plenário, a decisão colegiada proferida pelo tribunal é absolutamente nula. Porém, a 1ª Turma do Excelso Pretório entende que não haverá nulidade desde que já exista anterior pronunciamento da inconstitucionalidade da lei ou ato pelo Plenário do STF, e ainda, a existência no tribunal a quo de decisão plenária que já apreciou a controvérsia constitucional, mesmo que sem o formal reconhecimento da inconstitucionalidade questionada. Nesse sentido, o Recurso Extraordinário nº 190.725/PR.
5.4.1.2 Controle difuso e Senado Federal (art. 52, X, CF)
Há previsão constitucional de que a decisão proferida em um caso concreto tenha a sua abrangência ampliada, passando a ser oponível contra todos (eficácia erga omnes).
Conforme disposto no art. 52, X, da Lex Major, o Senado Federal pode suspender a execução de lei (municipal, estadual ou federal), declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal. Tal atribuição permite, a ampliação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade originária de casos concretos (via difusa).
A suspensão da execução será procedida por meio de resolução do Senado Federal, que é provocado pelo STF, cujos efeitos vincularão a todos apenas após a publicação da resolução. Nesses casos o efeito é irretroativo, pois é para terceiros, ou seja, possui efeitos ex nunc.
Todavia, como bem esclarecido por Alexandre de Moraes [53], tanto o STF quanto o Senado Federal entendem que não há obrigatoriedade da Casa Legislativa a proceder a edição da resolução suspensiva do ato estatal cuja inconstitucionalidade foi declarada in concreto pela Suprema Corte em caráter irrecorrível, sendo pois ato discricionário do Senado Federal, classificado como deliberação essencialmente política.
5.4.2 Sistema concentrado (abstrato)
Esclarece Paulo Bonavides [54] que "o sistema de controle por via de ação permite o controle da norma in abstracto por meio de uma ação de inconstitucionalidade formalmente prevista no texto constitucional", contrariamente à via de exceção, de controle direto, que em sendo declarada inconstitucional, é removida da ordem jurídica com a qual se apresenta incompatível.
No caso, as ações diretas no sistema concentrado tem por mérito a questão da inconstitucionalidade das leis ou atos normativos federais e estaduais.
Pontifica J. J. Canotilho [55] que "chama-se sistema concentrado porque a competência para julgar definitivamente acerca da constitucionalidade das leis é reservada a um único órgão, com, esclusão de quaisquer outros".
E ainda quanto a esse sistema, Alexandre de Moraes [56] frisa que através do mesmo "procura-se obter a declaração de inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo em tese, independentemente da existência de um caso concreto, visando a invalidação da lei, a fim de garantir-se a segurança das relações jurídicas".
Não se discute no controle concentrado interesse subjetivo por não haver partes litigantes envolvidas no processo. Assim, ao contrário do sistema difuso, o sistema concentrado possui natureza objetiva, visando discutir a constitucionalidade da lei e a manutenção da supremacia constitucional.
Somente podem propor a inconstitucionalidade quem detém legitimidade para tanto, conforme rol previsto no art. 103 da Constituição Federal, ou seja, o Presidente da República; a Mesa do Senado Federal; a Mesa da Câmara dos Deputados; a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; o Governador de Estado ou do Distrito Federal; o Procurador-Geral da República; o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; partido político com representação no Congresso Nacional; e confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
Todavia, não há previsão para o controle de constitucionalidade por via ação quando tratar-se de leis anteriores a atual Constituição, propondo-se apenas em casos de leis contemporâneas à atual Constituição. Contudo, é permitida a análise em cada caso concreto da compatibilidade ou não da norma editada antes da atual Constituição com seu texto face o fenômeno da recepção que dá nova roupagem formal a lei até então existente que está sendo absorvida pela nova ordem constitucional. Também não há autorização constitucional para o controle concentrado contra atos administrativos ou materiais, bem como contra leis municipais.
Ressalta Alexandre de Moraes [57] que o STF não admite ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo já revogado ou cuja eficácia já tenha exaurido-se, como, p.e., medida provisória não convertida em le, por perda do objeto, bem como de lei ou ato normativo impugnados mas que venham a ser revogados antes do julgamento final da ADI.
Insta observar que a Constituição Federal contempla as seguintes espécies de controle concentrado: ação direta de inconstitucionalidade (genérica: art. 102, I, a; interventiva: art. 35, III; por omissão: art. 103, §§ 2º); ação declaratória de constitucionalidade (art. 102, I, a, in fine; EC nº 03/93); e argüição de descumprimento de preceito fundamental (art. 102, § 1º).
5.4.2.1 Ação direta de inconstitucionalidade
Como visto alhures, a ação direta de inconstitucionalidade (ADI) divide-se em genérica, por omissão e interventiva.
5.4.2.1.1 Genérica
Assevera Pedro Lenza [58] que a ADI genérica busca "o controle de constitucionalidade de ato normativo em tese, abstrato, marcado pela generalidade, impessoalidade e abstração".
Visa, portanto, a retirada do ordenamento jurídico de lei contemporânea estadual ou federal incompatível com a Constituição, invalidando-a, ficando a cargo do STF processar e julgar originariamente a ADI de lei ou ato normativo federal ou estadual.
Para alguns legitimados do art. 103 da Constituição, o STF exige a presença da chamada "pertinência temática", que nada mais é do que a demonstração da utilidade na propositura daquela ação, interesse, utilidade e legitimidade para propô-la, necessária nos casos em que os legitimados não são universais, que estão elencados no artigo 103, incisos IV, V e IX da Lei Maior.
A propositura de uma ação desse tipo não está sujeita a nenhum prazo de natureza prescricional ou de caráter decadencial, pois sendo o vício imprescritível, os atos constitucionais não se invalidam com o passar do tempo, devendo seguir o rito prescrito na Lei nº 9.868/99.
Com a declaração da inconstitucionalidade da lei ou ato normativo pela ADI, a decisão (i) terá efeitos ex tunc, retroativo como conseqüência do dogma da nulidade, que por ser inconstitucional, torna-se nula, por isso perde seus efeitos jurídicos; (ii) erga omnes, sendo assim oponível contra todos; (iii) vinculante, para os órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública Federal, Estadual e Municipal, e também para o legislador que não mais poderá editar nova norma com preceito igual ao declarado inconstitucional; e (iv) represtinatório, pois em princípio irá restaurar a lei revogada pela norma declarada inconstitucional.
5.4.2.1.2 Por omissão
Para Alexandre de Moraes [59], pretendeu o constituinte de 1988, com a previsão da ADI por omissão, "conceder plena eficácia às normas constitucionais, que dependessem de complementação infraconstitucional", e assim sendo, a essa ação tem cabimento quando o poder público se abstém de um dever que a Constituição lhe atribuiu.
Assim, se o Poder Público deixar de regulamentar ou criar uma nova lei ou ato normativo, estará ocorrendo uma inconstitucionalidade por omissão, e essa conduta é tida como negativa, e essa incompatibilidade (conduta positiva exigida pela Constituição e a conduta negativa do Poder público omisso) resulta na chamada inconstitucionalidade por omissão.
Ressalte-se que o mandado de injunção deve ser usado na via difusa para evitar a inércia do Poder Público, cabendo na via concentrada a ação direta de inconstitucionalidade por omissão.
Os legitimados para a ADI por omissão são os mesmos da genérica, devendo ser seguido o mesmo procedimento, e caso declarada a ADI por omissão, o STF dará dar ciência ao Poder ou órgão competente para, se for um órgão administrativo, adotar as providências necessárias em 30 dias, e caso seja o Poder Legislativo, também lhe dará ciência dessa decisão, mas sem estabelecer prazo preestabelecido.
Ainda, registre-se que a ADI por omissão possui efeitos retroativos (ex tunc) e erga omnes, não sendo cabível a concessão de liminar.
5.4.2.1.3 Interventiva
Já a ADI interventiva é uma medida excepcionalíssima, e encontra-se prevista no art. 34, VII da Constituição Federal.
No caso, em havendo violação pelo Poder Público no exercício de suas funções de um dos princípios do inciso VII do art. 34 da Constituição Federal, os denominados princípios sensíveis, "a requisição exsurgirá de provimento, pelo Supremo Tribunal Federal, de representação do Procurador-Geral da República", como esclarece David Araujo [60], que limitar-se-á a suspender a execução do ato impugnado se essa medida bastar ao restabelecimento da normalidade.
Nessa espécie de ADIN descabe a possibilidade de controle político, pois a Constituição Federal exclui a necessidade de apreciação pelo Congresso Nacional, e sua duração, bem como os limites, serão fixados no Decreto Presidencial até que ocorra o retorno da normalidade do pacto federativo.
5.4.2.2 Ação declaratória de constitucionalidade
Salienta David Araujo [61] que a ação declaratória de constitucionalidade (ADC), incorporada à Constituição pela Emenda nº 3/93, posteriormente alterada pela Emenda nº 45/03, "não obstante possua regime jurídico similar ao da ação direta de inconstitucionalidade e tenha sido tratada também pela Lei n º 9.868/99, apresenta algumas diferenças fundamentais a ela".
A ação declaratória de constitucionalidade é uma modalidade de controle por via principal, concentrado e abstrato, e tem por objetivo, conforme asseverado por Alexandre de Moraes [62], "afastar a insegurança jurídica ou o estado de incerteza sobre a validade de lei ou ato normativo federal", buscando assim preservar a ordem jurídica constitucional, cabendo ao STF, nos termos do art. 102 da Constituição Federal, processá-la e julgá-la.
Para a propositura dessa ação (ADC), os legitimados são os mesmos que podem propor a ação declaratória de inconstitucionalidade (ADI), conforme "caput" do art. 103 da Magna Carta, com a nova redação dada pela EC nº 45/2004.
Para a propositura da ação declaratória de constitucionalidade torna-se necessário a demonstração de controvérsia jurisprudencial a ensejar o pleito perante o STF, e "quando julgado definitivamente o mérito (o que se entende que pela procedência ou improcedência), a decisão tem efeito erga omnes e vinculante para os Poderes Judiciário e Executivo", como assinalado por David Araujo [63].
Também uma vez proposta a ação declaratória, não caberá mais desistência e nem intervenção de terceiros. A decisão será irrecorrível em todos os casos, admitindo-se apenas interposição de embargos declaratórios.
5.4.2.3 Argüição de descumprimento de preceito fundamental
A argüição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), prevista no § 1º do art. 102 da Constituição Federal, foi regulamentada pela Lei nº 9.882/99, que legitimou para sua propositura aos mesmos autores da ação direta de inconstitucionalidade previstos no artigo 103 do Excelso Diploma, com as observações sobre a pertinência temática da ADI genérica, sendo competente para o seu julgamento o Supremo Tribunal Federal.
Pedro Lenza [64], citando o Professor Cássio Juvenal Faria, conceitua preceitos fundamentais como sendo aquelas normas qualificadoras, que veiculam princípios e servem de vetores para a interpretação das demais normas constitucionais, por exemplo, os princípios fundamentais do Título I (arts. 1º ao 4º); os integrantes da clausula pétrea (art. 60, § 4º); os chamados princípios constitucionais sensíveis (art. 34, VIII); os que integram a enunciação dos direitos e garantias fundamentais (Título II); os princípios gerais da atividade econômica (art. 170; etc.
No entender de Alexandre de Moraes [65], a lei possibilita a arguição de descumprimento de preceito fundamental em três hipóteses: (i) para evitar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público; (ii) para reparar lesão a preceito fundamental resultante de ato do Poder Público e (iii) quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre a lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição, como prescrito no artigo 1º e parágrafo único da Lei nº 9.882/99.
Ressalte-se que a arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) possui caráter autônomo no caso do artigo 1º da Lei nº 9.882/99 por ter como objetivo prevenir ou reprimir lesão a algum preceito fundamental, resultante de ato do poder público, tendo como pressuposto a inexistência de qualquer outro tipo de meio eficaz que possa evitar a lesividade; ou incidental se na forma prevista no inciso I do artigo em comento, essa mais restrita e exigente.
O teor do princípio da subsidiariedade, visto por muitos como uma regra, está inserido no § 1º do art. 4º da Lei 9.882/99, e desse dispositivo legal depreende-se que há requisitos os quais, se ausentes, inviabilizam a propositura da ADPF.
Com isso, a subsidiariedade desse princípio deve ser invocada para casos estritamente objetivos, onde a realização jurisdicional possa ser um instrumento disponível capaz de sanar, de maneira eficaz, a lesão causada a direitos básicos, de valores essenciais e preceitos fundamentais contemplados no texto constitucional.