Resumo: A possibilidade de afastamento da multa aplicada pelo Ibama pelo pagamento da sanção, na mesma hipótese de incidência, realizada pelos Estados, Municípios e Distrito Federal, prevista no artigo 76 da Lei nº. 9.605/98, não recebeu a devida atenção da doutrina. Assim, esse trabalho pretende apreciar a aplicabilidade do dispositivo, no escopo de contribuir para a harmônica atuação dos entes do SISNAMA.
Palavras-chave: Fiscalização ambiental. Multa. Substituição.
I - INTRODUÇÃO
A estipulação da competência comum à União, Estados, Distrito Federal e Municípios para a proteção do meio ambiente e o combate à poluição em qualquer de suas formas, bem como para a preservação das florestas, da fauna e da flora, inscrita no artigo 23, incisos VI e VII, da Carta Magna, finda por permitir a atuação concomitante de entes diversos na repressão aos ilícitos administrativos ambientais.
Em que pese a importância da atuação conjunta dos diversos entes públicos – desde que harmônica e orquestrada – fato é que há necessidade de regramento para a hipótese de duplo sancionamento, não sendo dado ao Poder Público apenar duplamente a mesma conduta delitiva, na medida em que tal proceder configuraria odiosa violação à vedação do bis in idem.
É nesse contexto que deve ser analisado o artigo 76 da Lei de Crimes e Infrações Administrativas Ambientais (Lei nº. 9.605/98), que assim reza:
"Art. 76. O pagamento de multa imposta pelos Estados, Municípios, Distrito Federal ou Territórios substitui a multa federal na mesma hipótese de incidência."
A adequada compreensão do preceito, todavia, perpassa pela discussão quanto a prevalência da atuação fiscalizatória dos entes, abrangendo ainda discussões sobre as modalidades de quitação da obrigação e a hipótese de divergência entre os valores da multas, que serão objeto de maiores digressões abaixo.
II – DA PREVALÊNCIA NO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE FISCALIZATÓRIA
A análise do devido alcance do dispositivo acima não pode prescindir do confronto com um dos mais tormentosos temas em direito ambiental: a repartição de competência entre os diversos entes componentes do Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA), especialmente no que toca à relação entre as atribuições de fiscalizar e licenciar.
É sabido que a Constituição, nos incisos VI e VII de seu artigo 23, determina que a competência para "proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas" e para "preservar as florestas, a fauna e a flora" é comum à União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
A fixação de competência comum em sede de gestão ambiental, todavia, não implica na inexistência de regramento e na impossibilidade de estabelecimento de limites de atuação entre os diversos entes federativos, eis que o exercício das funções públicas deve ser pautado – inclusive por força de mandamento constitucional (art. 37) – pelo princípio da eficiência, que impõe a racionalização na repartição de tarefas, a fim de buscar a harmonia no exercício desse relevante mister.
Buscando instituir marcos de competência entre os entes federativos – enquanto carente o ordenamento jurídico da lei complementar prevista no parágrafo único do artigo 23 da Constituição – cuidou a Lei de Política Nacional de Meio Ambiente (Lei nº. 6.938/81) de definir parâmetros para a repartição da competência em sede de licenciamento ambiental, nos termos do dispositivo a seguir colacionado, cuja regulamentação esmiuçada coube ao Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), por meio de sua Resolução nº. 237/97:
"Lei nº. 6.938/81
Art. 10 - A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva e potencialmente poluidores, bem como os capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento de órgão estadual competente, integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA, e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, em caráter supletivo, sem prejuízo de outras licenças exigíveis.
§ 1º - Os pedidos de licenciamento, sua renovação e a respectiva concessão serão publicados no jornal oficial do Estado, bem como em um periódico regional ou local de grande circulação.
§ 2º Nos casos e prazos previstos em resolução do CONAMA, o licenciamento de que trata este artigo dependerá de homologação do IBAMA
§ 3º O órgão estadual do meio ambiente e o IBAMA, esta em caráter supletivo, poderão, se necessário e sem prejuízo das penalidades pecuniárias cabíveis, determinar a redução das atividades geradoras de poluição, para manter as emissões gasosas, os efluentes líquidos e os resíduos sólidos dentro das condições e limites estipulados no licenciamento concedido.
§ 4º Compete ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis - IBAMA o licenciamento previsto no caput deste artigo, no caso de atividades e obras com significativo impacto ambiental, de âmbito nacional ou regional."
Observe-se que, a despeito de pontuar critérios para a divisão de atribuição entre os entes federativos em sede de licenciamento ambiental, silenciou a legislação no que toca à competência para exercer a fiscalização das atividades poluidoras do meio ambiente.
A omissão da lei, entretanto, em nada impede a compreensão adequada da questão, eis que a repartição de competência em sede de licenciamento ambiental é o ponto de partida para a definição de parâmetros para o exercício da função de fiscalização.
O licenciamento, instrumento da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (art. 9º, inciso IV), é procedimento "pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operaçãode empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais , consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, considerando as disposições legais e regulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso", nos termos do artigo 1º, inciso I, da Resolução CONAMA nº. 237/97.
Da leitura da dicção legal retira-se a lição de que toda conduta capaz de causar poluição – compreendida como qualquer atividade que, direta ou indiretamente, prejudique a saúde, a segurança e o bem-estar da população; crie condições adversas às atividades sociais e econômicas; afete desfavoravelmente a biota e as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; ou lance matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos (art. 3º, inciso III, da Lei nº. 6.938/81) – deve ser objeto de licenciamento ambiental pelo órgão competente.
Ora, ao partirmos da premissa de que toda atividade efetiva ou potencialmente poluidora deve ser objeto de licenciamento, é intuitivo afirmarmos que qualquer ofensa ao meio ambiente – entendida como violação ilegítima, portanto não autorizada pelas normas – é também um atentado contra as regras relacionadas ao licenciamento ambiental, pois este ou não foi promovido ou o foi de forma incorreta e, portanto, irregular.
Noutras palavras, sempre que há violação às "regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente" (art. 70 da Lei nº. 9.605/98) – situação que dá ensejo à infração administrativa, resultado direto da fiscalização ambiental –, ocorre atividade poluente, que deveria ter sido objeto do regular procedimento de licenciamento ambiental por parte do ente federativo definido como competente pela Lei de Política Nacional do Meio Ambiente.
Sob essa ótica, a existência de situações de violação à legislação ambiental mediante a degradação ao meio ambiente caracteriza também ofensa à atribuição do órgão competente para o licenciamento, eis que ao particular cabia obter a essencial anuência do ente ambiental, ocasião na qual seria analisada a viabilidade da atividade e definidas as medidas compensatórias e mitigatórias adequadas.
Assim, ressalvada a hipótese de o dano ambiental decorrer da equivocada análise dos riscos da atividade realizada pelo ente competente no bojo do procedimento de licenciamento ambiental, a ofensa ao ecossistema advém da inexistência de licenciamento ou do descumprimento das determinações – v.g., limites ao exercício da atividade, medidas mitigatórias e compensatórias – exaradas pelo órgão ambiental competente.
É possível, portanto, afirmar a existência de uma espécie de vinculação entre a atividade de licenciamento e a fiscalização ambiental, com a prevalência da atuação do órgão que seria competente para proceder ao licenciamento da atividade em relação aos danos causados pelo descumprimento das regras relacionadas ao exercício de seu poder de polícia.
A assertiva acima, porém, não esgota a questão.
Ao estabelecer critérios de organização do exercício da competência comum em sede de meio ambiente entre os entres federativos, optou a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente por conferir à autarquia federal papel de destaque, sendo-lhe conferida a atribuição não apenas de apresentar ao CONAMA propostas de normas e critérios para o regramento de licenciamento ambiental (art. 8º, inciso I), mas também de exercer a fiscalização dos demais entes componentes do SISNAMA.
Nesse sentido, observam-se os ditames do artigo 11 da Lei nº. 6.938/81, in verbis:
"Art. 11. Compete ao IBAMA propor ao CONAMA normas e padrões para implantação, acompanhamento e fiscalização do licenciamento previsto no artigo anterior, além das que forem oriundas do próprio CONAMA.
§ 1º A fiscalização e o controle da aplicação de critérios, normas e padrões de qualidade ambiental serão exercidos pelo IBAMA, em caráter supletivo da atuação do órgão estadual e municipal competentes.
§2º - Inclui-se na competência da fiscalização e controle a análise de projetos de entidades, públicas ou privadas, objetivando a preservação ou a recuperação de recursos ambientais, afetados por processos de exploração predatórios ou poluidores." (g.n.)
À autarquia federal, portanto, compete exercer a fiscalização da aplicação dos critérios, normas e padrões de qualidade ambiental no bojo dos procedimentos de licenciamento ambiental conduzidos pelos entes estaduais e municipais de meio ambiente, inclusive com a possibilidade de analisar os projetos e procedimentos de entidades públicas ou privadas.
Destarte, em sendo a degradação ambiental também uma violação ao dever de licenciamento ambiental das atividades poluidoras, conforme exposto acima, ao Ibama é dado, por conseguinte, fiscalizar as atividades poluidoras cujo licenciamento lhe cabia – de forma supletiva, sob seu juízo discricionário – supervisionar.
Dessa forma, ainda que a atividade poluidora conte com a anuência – por meio do procedimento de licenciamento – do ente originariamente competente para analisar a viabilidade do empreendimento, caso o Ibama repute presente vícios na análise do órgão ambiental, lhe é facultado, no exercício da discricionariedade técnica ínsita à atividade de acompanhamento e fiscalização (art. 11, §1º, da Lei nº. 6.938/81), exercer a fiscalização para fins de aplicação das sanções cabíveis, visando a sustação do ato lesivo ao meio ambiente.
Ademais, em sendo tão-somente à autarquia federal confiada a função de fiscal das atividades dos demais entes do SISNAMA, resta evidente que aos órgãos municipais e estaduais de meio ambiente não é dado exercer a função de fiscal de atividades poluentes – para fins de apuração de responsabilidade e aplicação de sanções –, nas hipóteses de atividades cujo licenciamento seja afeto ao Ibama.
A prevalência do Ibama na fiscalização das atividades cujo licenciamento lhe é atribuído configura-se, nesse caso, em verdadeira vinculação, pois inexiste a possibilidade de atuação concomitante dos demais entes, situação diversa daquela que ocorre quando a fiscalização é confiada aos Estados, Municípios e Distrito Federal, posto que a autarquia federal exerce sobre estes a função de fiscal.
Essa é a razão da redação do artigo 76 da Lei nº. 9.605/98 – objeto do parecer – referir-se tão-somente às hipóteses em que a multa federal será substituída pelo pagamento daquela oriunda dos órgãos municipais, distritais e estaduais de meio ambiente, inexistindo previsão da hipótese contrária.
Ora, se apenas ao Ibama é conferia a possibilidade de exercer a fiscalização da degradação ambiental nos casos de licenciamento da competência dos demais entes – não sendo legítimo aos órgãos estaduais, municipais e distritais aplicar sanções nos casos de licenciamentos afetos ao ente federal, posto que não são do último fiscais – desnecessária se faz a previsão de substituição da multa aplicada pelas outras entidades por aquela lavrada pelo órgão federal, eis que este é o único autorizado a sancionar tais atividades.
Noutras palavras, não há a possibilidade de se aproveitar o pagamento de multa exarada pelo Ibama – nas hipóteses cujo licenciamento seja de sua responsabilidade – para afastar a aplicação de multa da lavra dos entes municipais, distritais ou estaduais de meio ambiente, pela simples razão de que estes não podem lavrar autos de infração nos casos de competência licenciatória da autarquia federal.
Ademais, percebe-se que a legislação não outorgou aos Estados a competência para acompanhar e fiscalizar a atuação dos entes municipais de meio ambiente como responsáveis pelo licenciamento de empreendimentos e atividades de impacto local, prerrogativa exclusiva do Ibama, razão pela qual – nos termos do entendimento acima explanado – não é dado às OEMAS sancionar as condutas lesivas ao meio ambiente cujo licenciamento seja de competência originária do ente municipal.
Daí porque a legislação silencia quanto à possibilidade de a multa aplicada pelo Estado ser substituída por aquela exarada pelo ente municipal, simplesmente em função da impossibilidade de o Estado, legitimamente, imiscuir-se na fiscalização ambiental de assunto afeto à atribuição do ente municipal.
Dessa forma, pode-se afirmar que a aplicação do artigo 76 da Lei nº. 9.605/98, conforme se extrai de sua redação literal, restringe-se à hipótese de o Ibama aplicar a sanção nos casos em que a prevalência da atuação – em razão da competência para licenciar – encontrava-se ordinariamente atribuída aos demais entes do SISNAMA, inexistindo a possibilidade de atuação fiscalizatória legítima dos entes estaduais, distritais e municipais de meio ambiente quando o licenciamento competir à autarquia federal, assim como de atuação dos entes estaduais nas hipóteses de licenciamento atribuído ao órgão municipal de meio ambiente.
III - PAGAMENTO DA MULTA COMO PRESSUPOSTO DA SUBSTITUIÇÃO
Estabelecida a hipótese de cabimento do art. 76 da Lei nº. 9.605/98, cumpre avançarmos para analisar o alcance do dispositivo legal, que prescreve ser "o pagamento de multa imposta pelos Estados, Municípios, Distrito Federal ou Territórios" elemento essencial ao pleito de substituição da multa aplicada pelo Ibama, por força de sua atuação supletiva.
O termo pagamento – utilizado pela lei como pressuposto da substituição da multa aplicada pelo Ibama – comporta diferentes significados, eis que está vinculada à noção de cumprimento da prestação objeto de determinada obrigação, o que pode ocorrer, conforme artigos 313 e 356 do Código Civil, por meio de prestação diversa daquela originalmente prevista, desde que haja anuência do credor.
Todavia, nos termos do artigo 315 do Código Civil, a regra é que o pagamento de dívidas em dinheiro seja realizado "em moeda corrente e pelo valor nominal".
Assim, o termo pagamento previsto no dispositivo da Lei nº. 9.605/98 não está umbilicalmente ligado à idéia de quitação em pecúnia, ainda que seja a forma comum de extinção da obrigação, sendo essencial a análise dos preceitos regulamentares para a adequada compreensão da disciplina legal.
III.1. Decreto nº. 3.179/99
A previsão de que o pagamento é a única modalidade – sem que houvesse explicitação do que se compreende como pagamento –, era expressamente ratificada no art. 8º do revogado Decreto nº. 3.179/99, in verbis:
"Art. 8º O pagamento de multa por infração ambiental imposta pelos Estados, Municípios, Distrito Federal ou Territórios substitui a aplicação de penalidade pecuniária pelo órgão federal, em decorrência do mesmo fato, respeitado os limites estabelecidos neste Decreto." (g.n.)
Assim, indiscutível é a afirmação no sentido de que, durante a vigência do Decreto nº. 3.179/99, apenas o efetivo pagamento – compreendido, no silêncio da legislação, como quitação em pecúnia, eis que essa é a regra do art. 315 do Código Civil – do valor cobrado pelos Estados, Municípios e Distrito Federal poderia ser utilizado para fins de substituição da multa aplicada pelo Ibama.
Observe-se que, durante a vigência do supracitado decreto, havia a previsão, inscrita no art. 60, de suspensão da exigibilidade da multa "quando o infrator, por termo de compromisso aprovado pela autoridade competente, obrigar-se à adoção de medidas específicas, para fazer cessar ou corrigir a degradação ambiental", hipótese em que, uma vez cumpridas as obrigações avençadas, subsistia ao infrator a responsabilidade pela quitação do montante de 10% (dez por cento) do valor da multa convertida em serviços de melhoria ambiental.
Todavia, o eventual pagamento do resquício da multa, após a aplicação do desconto de 90% (noventa por cento), não é capaz de possibilitar a incidência do dispositivo acima.
Em primeiro lugar, a ausência de expressa previsão legal impede a utilização do pagamento de 10% (dez por cento) como suficiente para a aplicação do preceito, eis que, em sendo a prescrição legal dirigida ao afastamento do exercício do poder de polícia do Ibama – ainda que supletivo –, portanto expressão de atividade estatal típica, não se admite seja realizada interpretação extensiva. Ademais, após o cumprimento integral das obrigações relacionadas à correção da degradação ambiental, o pagamento do restante do valor é medida acessória, voltada especialmente a conferir caráter educativo e dissuasório à sanção.
Dessa forma, não se pode considerar a quitação do remanescente da multa aplicada, após adotadas as medidas de correção ambiental a que alude o art. 60 do então vigente Decreto nº. 3.179/99, como amparado no conceito de pagamento previsto do art. 76 da Lei nº. 9.605/98, razão pela qual somente se mostrava admissível, para fins de substituição da multa do Ibama – o efetivo pagamento em pecúnia do valor.
III.2. Decreto nº. 6.514/08
A colocação acima exposta restou parcialmente alterada pelo advento do Decreto nº. 6.514/08, nos termos do artigo 12, a seguir colacionado:
"Art. 12. O pagamento de multa por infração ambiental imposta pelos Estados, Municípios, Distrito Federal ou Territórios substitui a aplicação de penalidade pecuniária pelo órgão federal, em decorrência do mesmo fato, respeitados os limites estabelecidos neste Decreto.
Parágrafo único. Somente o efetivo pagamento da multa será considerado para efeito da substituição de que trata o caput, não sendo admitida para esta finalidade a celebração de termo de compromisso de ajustamento de conduta ou outra forma de compromisso de regularização da infração ou composição de dano, salvo se deste também participar o órgão ambiental federal." (g.n.)
O dispositivo, em seu parágrafo único, ratifica a noção restritiva do conceito de pagamento, afastando a possibilidade de substituição da multa aplicada pelo Ibama quando aquela exarada dos demais entes do SISNAMA tenha sido objeto de "celebração de termo de compromisso de ajustamento de conduta ou outra forma de compromisso de regularização da infração ou composição de dano".
Cumpre ponderarmos que o preceito acima finda por afastar-se do elemento axiológico basilar do direito ambiental, qual seja a busca por instrumentos de composição e reparação dos danos ao ecossistema. Isso porque, ao impedir aquele que promove recomposição dos danos junto ao ente estadual, municipal ou distrital de meio ambiente de afastar a multa aplicada pelo Ibama na idêntica hipótese fática, o regramento legal serve de desestímulo à adoção de medidas reparatórias, manifestamente mais favoráveis ao meio ambiente do que o pagamento do montante em pecúnia.
No entanto, a previsão normativa acima abre espaço para a substituição da multa aplicada pelo Ibama, nos casos em que o órgão ambiental federal tenha participado do instrumento de regularização da infração ou composição do dano.
Sendo assim, após o advento do parágrafo único do art. 12 do Decreto nº. 6.514/08, com redação conferida pelo Decreto nº. 6.686/08, não apenas a quitação em pecúnia, mas também outros instrumentos de composição do dano causado, desde que promovidos com a participação do Ibama, podem ser utilizados na substituição da multa exarada pelo ente federal.
A participação do órgão federal no compromisso firmado não está cingida à assinatura, conjuntamente ao infrator, órgão ambiental e eventuais terceiros – como sói ocorrer com o Ministério Público – do termo de reparação e/ou recuperação da área.
Também a anuência posterior do Ibama – devidamente precedida de análise e manifestação técnica quanto à adequação do compromisso firmado ao escopo de proteção e melhoria ambiental – deve ser considerada como participação para fins de aplicação do art. 76 da Lei nº. 9.605/98, eis que o essencial é que a autarquia federal – enquanto supletivamente responsável, in casu, pela fiscalização ambiental dos danos perpetrados ao meio ambiente – ratifique materialmente a gestão realizada pelos demais órgãos do SISNAMA.
Essa é a única interpretação capaz de conferir máxima efetividade ao preceito normativo, aproximando-o do objetivo constitucional de assegurar o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente sadio, o qual – nas hipóteses de áreas já degradadas – realiza-se por meio do estímulo a práticas de recomposição dos danos.
Assim, após a vigência do Decreto nº. 6.686/08, responsável pela inserção da ressalva relacionada à participação do Ibama, também é possível a substituição com base em outras formas de regularização do dano, diversas do pagamento em pecúnia, sendo a participação da autarquia federal compreendida também quando houver anuência posterior ao termo já firmado.
Em sede de aplicação intertemporal da norma, é de se destacar que a novel redação do decreto, ao ampliar legitimamente o conceito de pagamento, representou ampliação da esfera de direitos dos administrados, não se tratando, pois, de norma de natureza processual.
Assim, àqueles que realizaram, antes da vigência do Decreto nº. 6.686/08, o pagamento da multa devida ao Ibama mesmo quando promovidas, por meio de termo de compromisso, atividades de reparação ambiental dos danos causados com o fito de substituir a multa aplicada por Estados, Distrito Federal ou Municípios, não é dado exigir da autarquia federal a restituição do valor, haja vista que, ao tempo do pagamento, inexistia o direito à substituição.
Noutro giro, o exercício do direito de substituição pode se dar a qualquer momento antes do efetivo pagamento da multa devida ao Ibama, de forma que – ainda que o instrumento de reparação tenha sido firmado anteriormente ao Decreto nº. 6.686/08 – o administrado pode requisitar ao Ibama a anuência ao termo firmado, com o fito de possibilitar a substituição da multa exarada pelo ente federal.
Ademais, ao administrado que efetua o pagamento da multa devida ao Ibama, mesmo após a vigência do Decreto nº. 6.686/08, quando já possuía instrumento de reparação dos danos celebrado com outro ente do SISNAMA, na mesma hipótese fática, não é dado requisitar qualquer restituição, eis que, ao silenciar no tocante à celebração do compromisso, adveio a preclusão de seu direito à substituição.
Portanto, pode-se afirmar que, após a vigência do Decreto nº. 6.686/08, que alterou a redação do parágrafo único do art. 12 do Decreto nº. 6.514/08, não apenas o efetivo pagamento em pecúnia, mas também a celebração de instrumento de reparação/composição do dano, desde que conte com a participação do Ibama – conceito que abrange a anuência posterior – é suficiente para permitir a substituição da multa aplicada pelo Ibama por aquela exarada pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, na mesma hipótese fática.