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"Double jeopardy".

Considerações sobre a aplicação do princípio da vedação do "bis in idem" nos Estados Unidos

A "Double jeopardy Clause" encontra-se prevista na5ª Emenda à Constituição dos Estados Unidos [01], que estabelece que "ninguém poderá ser por duas vezes ameaçado em sua vida ou saúde pelo mesmo crime". Trata-se, na verdade, da chamada regra da vedação da dupla punição pelo mesmo crime ou da aplicação do princípio do "ne bis in idem". Um dos primeiros casos que envolveram a "Double jeopardy" no direito norte-americano é o caso Palko v. Connecticut (1937). Discutia-se, na ocasião, se a proteção conferida pela 5ª emenda à Constituição norte-americana, que consagra o princípio do "ne bis in idem", se aplicava aos casos de condenação do réu à pena de morte. [02]

Os fatos que deram origem ao caso Palko v. Connecticut (1937) tiveram início em 1935, quando Palko roubou uma loja de discos e matou 02 (dois) policiais durante a sua fuga. Pouco tempo depois, ele foi capturado e foi condenado à pena de morte. Palko, então, recorreu para a Suprema Corte com o argumento de que a 5ª emenda vedava que ele fosse julgado e condenado mais de uma vez pelo mesmo crime. A Suprema Corte, ao enfrentar a questão, manteve a condenação de Palko com o argumento de que "o princípio do ‘ne bis in idem’ não estava inserido no rol de direitos fundamentais protegidos pela Constituição norte-americana". [03]

No que concerne ao bis in idem, cumpre tecer algumas considerações sobre o caso Louisiana ex rel. Francis v. Resweber (1947). O caso teve início quando Francis foi condenado e sentenciado a pena de morte na cadeira elétrica. Ocorre que, por uma falha da cadeira elétrica, o sentenciado sobreviveu à primeira tentativa de execução. Sendo assim, o condenado argumentou que uma segunda tentativa de execução representaria uma violação do "ne bis in idem", ou seja, o princípio de que ninguém poderia ser condenado mais de uma vez pela prática do mesmo crime. [04]

Ao enfrentar o caso Louisiana ex rel. Francis v. Resweber (1947), o Excelso Tribunal norte-americano estabeleceu que a execução da pena foi frustrada por uma falha técnica, sem qualquer intenção dolosa do Estado. Dessa forma, a Suprema Corte decidiu que Francis não estava sendo julgado novamente e que, por isso, não se aplicaria ao caso o princípio do "ne bis in idem", nem a "Double jeopardy rule". Dessa maneira, foi permitido que o Estado de Lousiana realizasse outra tentativa para a execução de Francis. [05]

No que tange ao "ne bis in idem", é interessante mencionar o caso Bartkus v. Illinois (1959). Trata-se de um precedente em que se discutiu se a "Double jeopardy clause" prevista na 5ª emenda à Constituição dos Estados Unidos tinha sido incorporada pela 14ª emenda [06]. Ou seja, questionava-se se a cláusula da vedação do "bis in idem" se aplicava aos estados da federação. No mérito, a Suprema Corte decidiu, por maioria, que a 14ª emenda não impunha aos estados a proteção contra a "Double jeopardy" prevista na 5ª emenda. Infelizmente, esse entendimento perdurou na Suprema Corte até o julgamento do caso Benton v. Maryland (1969). [07] [08]

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Cabe salientar que, no caso Benton v. Maryland (1969), firmou-se o posicionamento de que a "Double jeopardy" era proibida nos Estados Unidos desde a publicação da 5ª emenda à Constituição Federal. Dessa forma, entendeu-se que a 14ª emenda à Constituição dos Estados Unidos estendeu aos estados da federação a proibição do "bis in idem", que anteriormente somente era aplicada em âmbito federal. [09]

No tocante à vedação do "bis in idem", é oportuno lembrar o caso United States v. Halper (1988). Trata-se de um caso que teve início quando Halper, gerente de uma empresa prestadora de serviços médicos, foi condenado criminalmente por ter apresentado, de forma fraudulenta, 65 (sessenta e cinco) guias falsas de convênio médico. Ele foi condenado a 02 anos de prisão e ao pagamento de uma multa de US$ 5.000 (cinco mil) dólares. Posteriormente, a União ajuizou uma pretensão em juízo na qual se exigia, com base na legislação civil em vigor, o pagamento da quantia de US$ 2.000 (dois mil) dólares para cada guia apresentada de forma fraudulenta, o que daria um valor de multa de aproximadamente US$ 130.000 (cento e trinta mil) dólares. [10] [11]

Quando o caso chegou ao conhecimento da Suprema Corte dos Estados Unidos, discutia-se se a penalidade da lei civil, que era bem superior ao prejuízo de 500 (quinhentos) dólares causado pelas guias falsificadas, não representava uma dupla punição ao condenado, o que seria vedado pela "Double jeopardy rule". No mérito, o Excelso Tribunal norte-americano decidiu, de forma unânime, que apesar da segunda punição ter sido baseada em uma lei civil, a penalidade imposta era tão extrema e tão diferente do prejuízo efetivamente causado que consistia, na realidade, uma punição que violava a "Double jeopardy Clause" prevista na 5ª emenda à Constituição Federal. [12] [13]

Por todo o exposto, sem ter a menor pretensão de se esgotar o tema, observa-se que a "Double jeopardy Clause" prevista na 5ª emenda à Constituição norte-americana foi estendida aos estados da federação pela Suprema Corte dos Estados Unidos no julgamento do caso Benton v. Maryland (1969). Ademais, é importante destacar que a Suprema Corte dos Estados Unidos tem o entendimento de que a vedação do "bis in idem" e a "jeopardy clause" encontram-se diretamente relacionadas com o instituto da coisa julgada (res judicata) na esfera criminal e com a doutrina da preclusão colateral (doctrine of collateral estoppel), conforme estabelecido no julgamento do caso Ashe v. Swenson (1970). [14]


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

  1. CABRAL, Bruno Fontenele; CANGUSSU, Débora Dadiani Dantas. Aplicação da pena de morte no Direito norte-americano de 1937 a 2002. Jus Vigilantibus. Disponível em: <http://jusvi.com/artigos/43502>. Acesso em: 02 dez. 2010.
  2. ESTADOS UNIDOS. Constituição dos Estados Unidos. 5ª Emenda. Disponível em: <http://topics.law.cornell.edu/constitution/billofrights>. Acesso em: 02 dez. 2010.
  3. ESTADOS UNIDOS. Constituição dos Estados Unidos. 14ª Emenda: Disponível em: <http://www.embaixada-americana.org.br/index.php?>. Acesso em: 02 dez. 2010.
  4. ESTADOS UNIDOS. Suprema Corte. Ashe v. Swenson (1970). Disponível em: <http://supreme.justia.com/us/397/436/>. Acesso em: 02 dez. 2010.
  5. ESTADOS UNIDOS. Suprema Corte. Bartkus v. Illinois (1959). Disponível em: <http://www.law.cornell.edu/supct/html/historics/USSC>. Acesso em: 01 dez. 2010.
  6. ESTADOS UNIDOS. Suprema Corte. Bartkus v. Illinois (1959). Disponível em: <http://law.jrank.org/pages/23634/Bartkus-v-Illinois-Double-Jeopardy-Wholly-Uncivilized.html>. Acesso em: 01 dez. 2010.
  7. ESTADOS UNIDOS. Suprema Corte. Benton v. Maryland (1969). Disponível em: <http://law.jrank.org/pages/23635/Benton-v-Maryland-Significance.html>. Acesso em: 01 dez. 2010.
  8. ESTADOS UNIDOS. Suprema Corte. United States v. Halper (1988). Disponível em: <http://www.oyez.org/cases/1980-1989/1988/1988_87_>. Acesso em: 02 dez. 2010.
  9. ESTADOS UNIDOS. Suprema Corte. United States v. Halper (1988). Disponível em: <http://www.leagle.com/xmlResult.aspx>. Acesso em: 02 dez. 2010.
  10. ESTADOS UNIDOS. Suprema Corte. United States v. Halper (1988). Disponível em: <http://caselaw.lp.findlaw.com/cgi-bin/getcase.pl?court=us&>. Acesso em: 02 dez. 2010.

NOTAS:

  1. ESTADOS UNIDOS. Constituição dos Estados Unidos. 5ª Emenda: "No person shall be held to answer for a capital, or otherwise infamous crime, unless on a presentment or indictment of a grand jury, except in cases arising in the land or naval forces, or in the militia, when in actual service in time of war or public danger; nor shall any person be subject for the same offense to be twice put in jeopardy of life or limb; nor shall be compelled in any criminal case to be a witness against himself, nor be deprived of life, liberty, or property, without due process of law; nor shall private property be taken for public use, without just compensation". Disponível em: <http://topics.law.cornell.edu/constitution/billofrights>. Acesso em: 02 dez. 2010.
  2. CABRAL, Bruno Fontenele; CANGUSSU, Débora Dadiani Dantas. Aplicação da pena de morte no Direito norte-americano de 1937 a 2002.Jus Vigilantibus. Disponível em: <http://jusvi.com/artigos/43502>. Acesso em: 02 dez. 2010.
  3. CABRAL, Bruno Fontenele; CANGUSSU, Débora Dadiani Dantas. Aplicação da pena de morte no Direito norte-americano de 1937 a 2002.Jus Vigilantibus. Disponível em: <http://jusvi.com/artigos/43502>. Acesso em: 02 dez. 2010.
  4. CABRAL, Bruno Fontenele; CANGUSSU, Débora Dadiani Dantas. Aplicação da pena de morte no Direito norte-americano de 1937 a 2002.Jus Vigilantibus. Disponível em: <http://jusvi.com/artigos/43502>. Acesso em: 02 dez. 2010.
  5. CABRAL, Bruno Fontenele; CANGUSSU, Débora Dadiani Dantas. Aplicação da pena de morte no Direito norte-americano de 1937 a 2002.Jus Vigilantibus. Disponível em: <http://jusvi.com/artigos/43502>. Acesso em: 02 dez. 2010.
  6. ESTADOS UNIDOS. Constituição dos Estados Unidos. 14ª Emenda: "Todas as pessoas nascidas ou naturalizadas nos Estados Unidos e sujeitas a sua jurisdição são cidadãos dos Estados Unidos e do Estado onde tiver residência, Nenhum Estado poderá fazer ou executar leis restringindo os privilégios ou as imunidades dos cidadãos dos Estados Unidos; nem poderá privar qualquer pessoa de sua vida, liberdade, ou bens sem processo legal, ou negar a qualquer pessoa sob sua jurisdição a igual proteção das leis". Disponível em: <http://www.embaixada-americana.org.br/index.php?action=materia&id=643&submenu=106&itemmenu=110> Acesso em: 02 dez. 2010.
  7. ESTADOS UNIDOS. Suprema Corte. Bartkus v. Illinois (1959). Disponível em: <http://law.jrank.org/pages/23634/Bartkus-v-Illinois-Double-Jeopardy-Wholly-Uncivilized.html>. Acesso em: 01 dez. 2010.
  8. ESTADOS UNIDOS. Suprema Corte. Bartkus v. Illinois (1959). Disponível em: <http://www.law.cornell.edu/supct/html/historics/USSC>. Acesso em: 01 dez. 2010.
  9. ESTADOS UNIDOS. Suprema Corte. Benton v. Maryland (1969). Disponível em: <http://law.jrank.org/pages/23635/Benton-v-Maryland-Significance.html>. Acesso em: 01 dez. 2010.
  10. ESTADOS UNIDOS. Suprema Corte. United States v. Halper (1988). Disponível em: <http://www.oyez.org/cases/1980-1989/1988/1988_87_1383>. Acesso em: 02 dez. 2010.
  11. ESTADOS UNIDOS. Suprema Corte. United States v. Halper (1988). Disponível em: <http://caselaw.lp.findlaw.com/cgi-bin/getcase.pl?court=us&>. Acesso em: 02 dez. 2010.
  12. ESTADOS UNIDOS. Suprema Corte. United States v. Halper (1988). Disponível em: <http://www.oyez.org/cases/1980-1989/1988/1988_87_1383>. Acesso em: 02 dez. 2010.
  13. ESTADOS UNIDOS. Suprema Corte. United States v. Halper (1988). Disponível em: <http://www.leagle.com/xmlResult.aspx?xmldoc=19781012590F2d422_1901.xml&docbase=CSLWAR1-1950-1985>. Acesso em: 02 dez. 2010.
  14. ESTADOS UNIDOS. Suprema Corte. Ashe v. Swenson (1970). Disponível em: <http://supreme.justia.com/us/397/436/>. Acesso em: 02 dez. 2010.
Sobre os autores
Bruno Fontenele Cabral

Delegado de Polícia Federal. Mestre em Administração Pública pela UnB. Professor do Curso Ênfase e do Grancursos Online. Autor de 129 artigos e 12 livros.

Débora Dadiani Dantas Cangussu

Bacharelanda em Direito pelo Centro Universitário UNIEURO

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CABRAL, Bruno Fontenele; CANGUSSU, Débora Dadiani Dantas. "Double jeopardy".: Considerações sobre a aplicação do princípio da vedação do "bis in idem" nos Estados Unidos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2740, 1 jan. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18186. Acesso em: 21 nov. 2024.

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