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O controle jurisdicional do mérito do ato administrativo no Estado Democrático de Direito.

Apontamentos para um Direito Administrativo contemporâneo

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Agenda 14/01/2011 às 18:26

RESUMO: Aborda-se o constitucionalismo e as suas implicações na teoria dogmática do mérito do ato administrativo, presente ainda hoje, no Estado Democrático de Direito, analisando as possibilidades que possuem os magistrados frente à Administração Pública, assim como a legitimação do Judiciário para enfrentar o mérito do ato administrativo.


1. A FILOSOFIA POLÍTICA DA REVOLUÇÃO FRANCESA E O LIBERALISMO

Da Revolução Francesa, que foi um marco histórico, surgiu o constitucionalismo, como movimento político. Diz Voltaire Schilling que:

Considera-se a Revolução Francesa de 1789 o acontecimento político e social mais espetacular e significativo da História Contemporânea. Foi o maior levante de massas até então conhecido. Assinala o início de uma era nova, um período em que não se aceita mais a dominação da nobreza, nem um sistema de privilégios baseado nos critérios determinados pela nascimento. Só se admite, então, um governo que, legitimado constitucionalmente [01], é submetido ao controle do povo por meio de eleições periódicas. Seu lema "Liberdade, Igualdade, Fraternidade" universalizou-se, tornando-se uma bandeira da humanidade inteira. (Schilling, 1998, p. 68).

Desse grande marco histórico, que abalou a nobreza como se fosse um terremoto político, temos um dos primeiros gérmens do constitucionalismo. É por isso que ele deve ser estudado e valorizado como um fenômeno originante das Constituições e de novos direitos sociais. Ele significou uma ruptura ou uma quebra de paradigmas vigentes, desconsolidando a soberania política do Rei, para a consagração de novos princípios políticos, que se agregaram ao Liberalismo e se fixaram perenemente nele, vindo inclusive a marcar a nossa atual Constituição Federal de 1988, mas não somente ela, pois vários países da América Latina e da Europa importaram o Código Civil de Napoleão, especialmente dentro da ótica privatista do direito civil, que surgiu da reformulação do sistema de poder ocorrida pela revolução.

Do anseio popular de fuga da opressão e da asfixia social surgiu uma Revolução no sistema político, resultando no ataque e na invasão da Bastilha. Dessa invasão decorreu a reconstituição do poder político e daí surgiram movimentos constitucionais para evitar que acontecessem novamente novas arbitrariedades, o que originou o Liberalismo. Daí adveio o resgate da soberania popular e a destruição – o sistema foi quebrado em "cacos de vidro" sob fortes golpes – do Absolutismo. Tal foi à fúria popular que o poder foi retirado do Rei sob forte violência. O direito liberal gerou a legalização de interesses individuais e daí surgiram novos direitos no século XX e XXI no Brasil, relacionados à coletividade. Analisando a valor da liberdade, diz Locke que: "Uma tal liberdade em relação ao poder absoluto e arbitrário é tão necessária à preservação do homem e lhe é tão intimamente ligada, que não é dado ao homem dela se desfazer a não ser que perca juntamente a preservação e a própria vida". ...(Locke, 2002, pg. 35).

É nesse sentido que a Revolução Francesa desencadeou o surgimento de novas doutrinas políticas, e dessas surgiram outras, em um processo de causalidade e superveniência de novas idéias, tais como o neoliberalismo [02]. É assim que devemos considerar que a Revolução Francesa desencadeou uma série de doutrinas políticas, e muitas fracassaram, outras perduram até hoje, e não podemos negar a influência e a importância de uma série de filósofos políticos, tanto para o estímulo da revolução quanto para a formação do Liberalismo, tais como, segundo Schilling, "... John Locke, Montesquieu, Voltaire, Diderot, D´Holbach, D´Alambert, J.J.Rousseau, Condorcet e o filósofo I.Kant, que, em geral, asseguravam ser o Homem vocacionado ao progresso e ao auto-aperfeiçoamento ético".(Schilling, 1998, p. 68). Paulo Bonavides cita a influência de Hegel na Revolução Francesa. (Bonavides, 2001, p. 122). Essas doutrinas marcaram a Ciência Política e não deixam de ser marcos na História do Pensamento Universal e novas formas de conceber o homem, a sociedade, o Direito e a política, buscando a humanização e a universalização dos direitos humanos.

O princípio liberal surgiu como uma doutrina política que buscou a garantia da supressão da arbitrariedade e a renovação da decisão política com fundamento em uma conceitualização paradigmática do homem como um ser particular, dotado de direitos subjetivos. O espírito humano, atormentado pelas crises políticas do abuso do poder administrativo e governamental, queria conter o poder real. Era necessário aliviar os fardos das sociedades perdidas em lutas infrutíferas de sangue e dor, cicatrizar e aliviar o corpo social, construindo um novo Direito, capaz de remodelar e unir os fragmentados pedaços do Absolutismo, quebrado a golpes de indignação, para formar um novo modelo de Estado, política e sociedade. Sobre as dificuldades na renovação do Direito, diz Ihering que:

Sempre que o direito existente esteja defendido pelo interesse, o direito novo terá de travar uma luta para impor-se, uma luta que muitas vezes dura séculos e cuja intensidade se torna maior quando os interesses constituídos se tenham corporificado em forma de direitos adquiridos. Sempre que isso acontece, cada uma das partes que se defrontam ostenta em seus estandartes a divisa da majestade do direito. Uma invoca o direito histórico, o direito do passado, e a outra, o direito sempre em formação e constantemente rejuvenescido, o direito inato da humanidade à contínua renovação. Encontramo-nos diante de um conflito intrínseco, contida na própria idéia do direito. E esse conflito assume proporções trágicas para aqueles que, depois de ter empenhado todas as suas forças e todo o seu ser em prol de uma convicção, vêem-se condenados pelo julgamento supremo da História. Todas as grandes conquistas da história do direito, como a abolição da escravatura e da servidão, a livre aquisição da propriedade territorial, liberdade de profissão e de consciência, só puderam ser alcançadas através de séculos de lutas intensas e ininterruptas. O caminho percorrido pelo direito em busca de tais conquistas muitas vezes está assinalado por torrentes de sangue, sempre pelos direitos subjetivos pisoteados. ... (Ihering, 2003, p.31).

Obtendo a preço de muita luta e suor esse novo direito, surgiu o princípio liberal, como uma doutrina filosófica que buscava incidir nos fundamentos da política e estimular a formação da legalização e particularização dos direitos subjetivos, como estudaremos a seguir. O Liberalismo, composto de uma série de idéias que tiveram gestação no Iluminismo e seus grandes pensadores. Surgiram uma série de direitos subjetivos, e o governo teve de reconhecer a existência de impedimentos a sua atuação. Isso não quer dizer que o Liberalismo Político tenha resolvido todos os problemas do Estado, sido capaz de sanar todas as dificuldades da Administração Pública; no imo do Estado Liberal, ainda residiam sérios problemas, mas que nada eram comparados com as crises do período anterior. É que nenhum sistema político é perfeito e a tendência da humanidade é seguir o princípio do progresso, mas mesmo este é lento, e por isso o Direito tende a se tornar cada vez mais sofisticado à medida que o tempo passa e se notam as falhas das teorias políticas. Isso, porém, não nos dá o direito de renegar a fundamental priorização de novos interesses ocorrida na doutrina liberal, estimulada e surgida em John Locke e fomentada na Revolução Francesa. Diz André Copetti que:

Mas foi na França, em reação aos ordenamentos medievais e absolutistas, à sua pluralidade de poderes concorrentes e à oposição histórica e secular entre a liberdade do indivíduo e o absolutismo do monarca, que se estruturou de forma mais completa o Estado Liberal de Direito, no qual se refletiu a pugna da liberdade e da propriedade contra o despotismo na área continental européia. (Copetti, 2000, p.53).

É nesse sentido que devemos compreender o princípio do Liberalismo como uma doutrina que teve repercussões políticas, econômicas e jurídicas, fundamentando uma nova maneira de conceber as relações jurídicas entre o Estado e os governados. Ainda devemos realçar, em relação ao Liberalismo, a sua dupla face, tanto política quanto econômica, e também as suas principais características, tais como a liberdade, o individualismo, o capitalismo, a propriedade e a legalidade. Baseado nessas características, o Liberalismo gerou a reestruturação do Estado e a recontextualização do significado ontológico da filosofia política, amoldando a realidade social em novos prismas, dentro de um enfoque privatista e elitista, ensejando o desenvolvimento de novas doutrinas políticas nos séculos subseqüentes, lembrando um gérmen da democracia, assim como a Magna Carta de 1215 foi uma semente do constitucionalismo, e a Revolução Francesa de 1789 foi a terra no qual se alojou a semente do Liberalismo político e econômico, com sua visão renovadora.

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Em razão da forte opressão política que ocorreu antes da Revolução Francesa e durante ela, era necessário legalizar e constitucionalizar um rol de liberdades individuais que se fundamentassem com sistemas de limitação do poder. É daí que surgiram as normas constitucionais limitativas, que José Afonso da Silva define como sendo "... as que contém os elementos limitativos do poder, consubstanciando especialmente o elenco dos direitos democráticos e individuais do homem, bem como as garantias constitucionais desses direitos". (Silva, 1998, p. 183). Houve o que poderíamos chamar de constitucionalização de direitos subjetivos, legalização da liberdade natural e positivação de normas de proteção do cidadão; dessa forma, o que hoje existe em nossa Constituição Federal, nos artigo 5 e 17, não deixa de ter surgido expressamente com o advento do constitucionalismo liberal. A marca mais forte desse movimento foi à busca da liberdade, a realização de uma utopia. O mundo político anterior a 1789 era regido pela insegurança jurídica, pela inexistência de garantias constitucionais de proteção dos direitos contra o monarca, pela monopolização do poder em uma só pessoa, pela centralização, personalização e individualização do Estado e inexistência da democracia, pois que não haviam eleições e nem meios do povo conter, reter e influenciar no poder de decisão do monarca.

A revolução rompeu com as mordaças que puseram no povo, fez com que os pés das pessoas perdessem suas algemas políticas, de forma tão significativa quanto à abolição da escravatura no Brasil. É por isso que o Liberalismo idealizava a liberdade, e o povo sempre a quis, mesmo porque ela é um direito natural do homem e não precisa estar positivada para que tenha existência na consciência política das pessoas.

Abordando a importância da representação política, John Locke diz que "A liberdade do indivíduo na sociedade não deve estar subordinada a qualquer poder legislativo que não aquele estabelecido pelo consentimento da comunidade, nem sob o domínio de qualquer vontade ou restrição de qualquer lei, a não ser aquele promulgado pelo legislativo conforme o crédito que lhe foi confiado". (Locke, 2002, p. 35). A representação política adveio como forte meio de assegurar a legalização de direitos e garantias, aumentando a liberdade em razão da existência do direito subjetivo. São os fenômenos da positivação dos direitos e da constitucionalização das liberdades. Nesse momento da História do Direito, a opressão do Absolutismo não tinha mais tanto poder. É evidente que essa fase histórica não desencadeou uma liberdade absoluta, pois que esta nem hoje temos, mas não deixou de ser o rompimento dos grilhões que prendiam o povo.

O Liberalismo consolidou muitas coisas que eram consideradas utópicas, que eram parte do imaginário social e que representavam os sonhos das pessoas. Pois tais sonhos se concretizaram. Não que todos tenham se consolidado, mas o primeiro passo foi dado.O monarca não podia mais prender as pessoas na Bastilha sem motivar suas decisões, sem explicar a razão pelo qual a pessoa estava lá, como fazia anteriormente. Antes da Revolução, não havia direito ao contraditório e a ampla defesa e nem relações diretas entre o governo e os cidadãos. O que havia era a imposição de interesses, e quem não os seguisse poderia ser morto ou torturado. É daí que o risco era sempre presente na vida das pessoas e não havia nem ao menos meios de se evitar isso. É por isso que a liberdade conquistada pelo Liberalismo foi o pilar fundamental pelo qual essa doutrina se estruturou.

Ao lado dessa liberdade de direitos, havia um forte individualismo. A conquista de direitos de liberdade havia se concretizado; haviam leis e doutrinas que afirmavam a sua importância, mas um óbice a isto era o forte individualismo presente na época. Dessa forma, devemos considerar que grande parte da liberdade obtida foi formal e não substancial [03]. Grande parte da liberdade obtida adveio da limitação do poder, ou seja, o Estado não poderia agir como bem quisesse com as pessoas, deveria ser controlado. Nesse ponto, efetivamente, houve um fortíssimo progresso, a liberdade que as pessoas tinham de não serem desrespeitadas, mas a liberdade de intervir na política do Estado não estava no mesmo patamar. É por isso que a liberdade política era relativa, que não era assim tão ampla. O efeito da revolução foi à garantia de direitos subjetivos, mas não a existência de direitos sociais, o que são coisas diferentes. Uma coisa é ser respeitado, outra é ser respeitado e poder manifestar sua decisão sobre a política.

A maneira como se compreendia o significado da Política foi modificada pela Revolução, que instituiu a representação, mas isso não assegurou a universalização dos direitos de atuação na vida política, pois a ideologia predominante era a de que o constitucionalismo seria unicamente um meio de limitação ao poder do Estado. Não que essa ideologia política fosse filosoficamente desprovida de sentidos positivos; ao contrário, as normas constitucionais limitativas foram um pilar fundamental de toda a evolução do sistema normativo da França após a Revolução.

Apesar das liberdades terem sido conquistadas, o cenário político da época era individualista. Os representantes, baseando-se em seus interesses, faziam com que as pessoas pobres e de baixa instrução não tivessem nenhum acesso ao poder político e com que a representação se tornasse um instrumento das vontades individuais dos políticos. Abordando a questão do Liberalismo, diz Voltaire Schilling que:

Tratava-se, pois, de substituir a antiga diferenciação social de nobres e plebeus por outra, mais moderna, quiçá revolucionária, baseada no mérito pessoal e no talento individual. As novas forças emergentes, oriundas do dinamismo econômico, desejavam controlar o poder e participar politicamente. Não pretendiam, no entanto, engajar todo o povo na nova sociedade almejada. Somente os que se revelassem talentosos, os ricos e os proprietários de um modo geral é que seriam chamados para o seleto clube dos novos dirigentes sociais [04]. Não importava mais a origem do nascimento, mas sim suas qualidades. (Schilling, 1998, p. 93 e 94).

Tendo sido a Revolução Francesa desencadeada pelo desgosto dos burgueses e do povo com o regime monárquico, era natural que, depois que obtivessem o poder, os burgueses buscassem o predomínio político, de forma que houve o favorecimento político dos ricos proprietários de terras, e por isso o poder ficou na mão dos ricos. A criação da Assembléia Constituinte e a Constituição Francesa de 1791 foram marcos vitais para o Liberalismo. Porém, os ricos agiam com um individualismo moral, pensando em se manter com as suas prerrogativas, de forma que podemos dizer que as preocupações com os direitos e a deslegitimação do individualismo político somente ocorreriam séculos após, de forma a fazer com que o individualismo dos nobres perdesse terreno.

Devemos conceber que o poder político que adveio da Revolução ficou concentrado na mão dos ricos, ou seja, dos grandes proprietários de terra. Na França do século XIX, se analisarmos a divisão de terras, notaremos que a maior parte da população vivia em zonas rurais, e que a nobreza e o clero concentravam quase 30 % das terras, mas representavam aproximadamente 2% da população [05]. Com a acumulação desproporcional de terras no clero e na nobreza, é evidente que a burguesia e o povo queriam novas condições.

Depois da revolução, a liberdade política era proporcional à riqueza e as terras. Foi dessa forma que se estruturou o liberalismo. A liberdade econômica assegurava a liberdade política. A renda e a propriedade representavam liberdade, valor, status, honra e poder. É por isso que se pode dizer que o Liberalismo era materialista (Schilling, 1998, p. 94) pois, mesmo com a vitória popular, a política ainda era campo seleto dos ricos, das pessoas presas aos interesses materiais.

Se o individualismo é a face espiritual do liberalismo, a propriedade é a sua expressão material [06]. Só é livre o proprietário. As instituições existentes, especialmente o Estado, devem assegurar primordialmente o direito à propriedade. (...) Dispor de seus bens como bem entender e estar consciente de que nenhuma autoridade poderá usurpa-lo ou confisca-lo sem justa indenização, é a maior garantia de liberdade que um súdito pode ambicionar junto ao seu soberano. É o pleno usufruto dessa propriedade que torna o homem livre. (Schilling, 1998, p. 93).

Analisando isso sociologicamente, se nota o valor que a sociedade francesa atribuía ao status social da pessoa, a propriedade e a riqueza material, a tal ponto de só permitir que fossem representantes os ricos, como se isso fosse condição para a qualidade da representação. Segundo as ideologias da época, é como se as condições materiais fossem um certificado da capacidade intelectual e da qualidade e valor moral do político, de forma que com isto ele teria a qualificação necessária para atuar no Estado.

Advém da Revolução Francesa o famoso e clássico princípio da legalidade, inscrito na nossa atual Constituição no artigo 5º, II, da seguinte forma: "ninguém será obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei". O código penal o institui no seu artigo 1º: "Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal". Tal é a importância histórica desse princípio que a Constituição Federal de 1988 declara-o como um dos primeiros e principais princípios democráticos e o Código Penal manifesta-o como seu primeiro artigo. Decorre deste princípio que só pode haver obrigação jurídica e só pode ser imputado a alguém que aquilo que estiver previsto em lei previamente vigente a conduta ou omissão. É assim que todo crime exige lei prévia e não pode haver criminalização de condutas sem que hajam leis que assim disponham.

A legalidade surgiu como um instrumento de limitação do poder. O Estado estaria submetido a normas jurídicas, não podendo violar direitos. O direito a vida, a locomoção, a dignidade, a honra seriam respeitados, pois em lei estariam regulados e disciplinados. É da Revolução Francesa que surgiu a legalidade como meio de contenção do poder administrativo do governo político. Rousseau diz que:

Se indagais em que consiste justamente o maior bem de todos, que tal deve ser o fim de todo sistema de legislação, achá-lo-eis resumido nestes dois objetos principais, a liberdade e a igualdade; a liberdade, porque toda a dependência particular é outra tanta força tirada ao corpo do Estado; a igualdade, porque sem ela não pode subsistir a liberdade. (Rousseau, 2003, p. 58).

Esse filósofo político diz também que... "É precisamente porque a força das coisas tende sempre a destruir a igualdade, que a força da legislação devem sempre tender a conservá-la". ... (Rousseau, 2003, p. 59). Este filósofo quer dizer que a legislação deve preservar a ordem das coisas, a própria liberdade e a igualdade. Concebe a lei como uma fortaleza dos direitos subjetivos, de forma que a entende como instrumento necessário para que isso ocorra. As leis visariam à proteção da liberdade e da igualdade, de forma que garantiriam a conservação da ordem.

John Locke, sobre o Poder Legislativo, diz que:

Por ser o objetivo primordial de o homem formar sociedade o desfrute da propriedade em paz e segurança, e sendo as leis estabelecidas seu grande instrumento e meio, a primeira providencia positiva e fundamental de todas as comunidades é justamente estabelecer o poder legislativo; e a primeira lei natural básica que deve nortear até o próprio poder legislativo consiste na preservação da sociedade e, até onde seja compatível como o bem público, de todos seus membros. O poder legislativo não é, pois, somente o poder supremo da comunidade, mas sagrado e intocável, nas mãos a que a comunidade o confiou; nem pode um edito, seja de quem for, concebido como de qualquer modo ou apoiado por qualquer poder, ter a força e a validade de lei se não tiver sanção do poder legislativo eleito pela comunidade; faltando isso, a lei não teria o que é imprescindível à sua natureza de lei: o consentimento da sociedade sobre a qual ninguém tem o poder de legislar, a não ser por seu próprio consentimento e autoridade que outorga. (Locke, 2002, p. 98).

John Locke também afirma que "O poder do legislativo tem seus limites restritos ao bem geral da sociedade. E não tem outro objetivo senão a preservação, e, portanto, não poderá nunca destruir, escravizar ou propositadamente empobrecer os cidadãos". (Locke, 2002, p. 99 e 100). Indo contra o absolutismo, diz Locke que:

O poder absoluto arbitrário ou o governo sem leis fixas estabelecidas não se harmonizam com os fins da sociedade e do governo, por cujas vantagens os homens abandonam a liberdade do estado de natureza, se não fosse para preservar-lhes a vida, a liberdade e a propriedade e, para garantir-lhes, com suas normas estabelecidas de direito e de propriedade, a paz e a tranqüilidade. Não é viável imaginar que quisessem, posto que pudessem fazê-lo, conceder a um ou a mais homens um poder arbitrário sobre as pessoas e as propriedades, que pusesse nas mãos do magistrado a força para executar tiranicamente a própria vontade. Fazer isso seria, seria colocar-se em condição pior que o estado de natureza, quando tinham ao menos a liberdade de defender o próprio direito contra as agressões e dispunham da mesma força para sustenta-lo, fosse tal direito por um só homem ou por muitos. (Locke, 2002, p. 101). [07]

John Locke manifesta um forte apreço pelo Poder Legislativo, porque o concebia como meio de alcançar os direitos subjetivos das pessoas, mas concebia-o como um executor do interesse público, de forma que assim ele teria legitimidade. Considerava as leis como representantes do interesse social e como meios mais adequados de resolver conflitos do que o estado de natureza. O Legislativo seria o maior dos 3 poderes, porque nele a sociedade viveria fortemente, e ele idealizava a proteção da paz, da segurança, da vida, da liberdade e da propriedade pelas leis, de forma que somente o legislador teria competência para cria-las, conforme o princípio da legalidade. Também devemos realçar o valor que ele tinha pelas leis, que considerava como legítimas expressões da sociedade.

Do conjunto da revolução, das idéias de Locke, Rousseau e dos Iluministas, surgiu o princípio da legalidade, gerando obrigações para os cidadãos e para o Estado, sendo a lei escrita e formal um meio que gerou uma nova operacionalização do Direito, pois ela gerou o princípio da segurança jurídica, e também promoveu a valorização do princípio do contraditório, da ampla defesa, do interesse público e de outros princípios.

É assim que a Lei surge como um instrumento jurídico-político, um verdadeiro pacto político, um meio de se evitar o estado de natureza, e no Liberalismo se manifestou como meio de conter e limitar o poder, de forma que ele fosse exercido legitimamente pelos representantes, com o fim de promover o interesse público, circunscrevendo a Administração Pública na legalidade.

Sobre o autor
Logan Caldas Barcellos

Advogado. Mestre em Direito Público pela UNISINOS/RS. Especialista em Direito Previdenciário pela Faculdade IDC/RS. Graduado em Direito pela UNISINOS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARCELLOS, Logan Caldas. O controle jurisdicional do mérito do ato administrativo no Estado Democrático de Direito.: Apontamentos para um Direito Administrativo contemporâneo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2753, 14 jan. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18275. Acesso em: 23 nov. 2024.

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