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Limitar a responsabilidade do empresário individual é juridicamente possível?

Análise crítica da limitação da responsabilidade do empresário individual mediante separação patrimonial

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Agenda 25/01/2011 às 08:17

5 – SEPARAÇÃO PATRIMONIAL DE DIREITO

5.1 – Considerações iniciais

Examinamos na seção anterior que, quando o empresário individual exercita sua atividade econômica, acaba por agregar mais direitos, bens e obrigações ao seu patrimônio, porém, quando analisada essa agregação patrimonial sob a ótica econômica, temos uma linha tênue que a distingue e, por assim dizer, a separa do patrimônio geral do empresário individual, pois, claramente, trata-se de um patrimônio com caráter empresarial.

Essas duas massas patrimoniais são somente discerníveis sob a ótica econômica, o que não condiciona nenhum efeito na seara jurídica, ou seja, de fato, sob a ótica jurídica, o empresário individual não possui duas esferas patrimoniais distintas e independentes e, uma vez não cumprindo suas obrigações, responderá com todo o seu patrimônio, seja ele de origem empresarial ou não.

Sabemos, no entanto, que a ideia de separação patrimonial tem um substrato fático, o que nos possibilita angariar elementos para dar a esse fenômeno econômico uma realidade jurídica ou um substrato jurídico.

Para culminar nesse fim, respectivamente, examinaremos os seguintes institutos de direito civil: a universalidade de direito, o patrimônio, a pertinência da correlação entre um e outro, e a efetiva separação patrimonial.

5.2 – Universalidades. Conceito

O Código Civil de 2002 classifica os bens sob diversos pontos de vista, que são: os bens considerados em si mesmos (artigo 79 a 91); os bens reciprocamente considerados (artigo 92 a 97); e os bens públicos (artigo 98 a 103). E o que interessa a presente pesquisa é o primeiro prisma utilizado pelo legislador, mais precisamente, uma de suas subclassificações, a universalidade de direito (artigo 91 do Código Civil).

Etimologicamente, a palavra universalidade é derivada do latim universitas, de universales, que encerra a idéia de generalidade ou totalidade. 71

Esse vocábulo, ainda, gramaticalmente, é um substantivo, portanto, tem a finalidade designar algo ou alguma coisa.

Fazendo a conexão entre o sentido etimológico dessa palavra e sua natureza gramatical, é possível depreender que tal vocábulo indica algo ou alguma coisa que possui como característica marcante a totalidade ou a generalidade.

No Direito Privado, o instituto da universalidade significa a consideração unitária de coisas72 singulares ou relações jurídicas, mas que mantém cada uma sua autonomia funcional.

O sentido etimológico e gramatical desse vocábulo, por conseguinte, está presente na sua definição jurídica, porque a idéia de totalidade ou generalidade no Direito, quanto à universalidade, significa consideração unitária ou totalizadora de coisas ou relações jurídicas singulares e independentes.

O doutrinador italiano Roberto Ruggiero acrescenta que tal terminologia foi primeiramente empregada pelos jurisconsultos romanos, pois se baseavam na filosofia estóica, que dividia as coisas em três gêneros 3:

a) os simples: que são as "coisas que constituem uma unidade natural, como a pedra e a viga".

b) os compostos: que é a união corporal de coisas simples, sem que nenhumas destas percam a sua individualidade, como "o edifício, o navio, o armário".

c)e a universalidade: em que coisas individuais são consideradas unas ou um todo, como "o povo, a legião e o rebanho".

Dos ensinamentos romanos essa classificação passou para a doutrina moderna.

Nesse ínterim, é importante frisar e ressaltar que o ato de atribuir agregação ou unidade às coisas e às relações jurídicas individuais e independentes é puramente ideal e que, por conseqüência, não faz parte da natureza intima daquilo que estará sendo abstratamente agregado.74

5.3 Universalidade de direito

Feita a análise da acepção etimológica, gramatical e jurídica desse instituto, é de se antecipar que a doutrina tradicional afirma que tal instituto possui duas subespécies, a universalidade de direito e a universalidade de fato, e que tal dicotomia é devida aos glosadores e, em especial, a Bartolo, que teve contato com as escrituras romanas. 75

A cultura jurídica brasileira absorveu essa divisão, que foi positivada no Código Civil de 1916 (artigo 54 a artigo 57) e no Código Civil atual (artigo 90 e artigo 91).

Das duas espécies apenas uma será analisada, a universalidade de direito, porque esta é que serve aos propósitos desta pesquisa.

Apesar da universalidade de direito estar positivada, o seu conceito causa muita discussão doutrinária, e quanto mais se busca pacificar os entendimentos, menos consenso se obtém.

Clóvis Beviláqua ao planejar o projeto primitivo do Código Civil de 1916, intencionalmente, não quis incluí-la neste diploma legal e, muito menos, a universalidade de fato, pois as considerou artificiais, sem interesse prático e, ainda, em virtude da indecisão da doutrina a respeito, havendo naquela época muita obscuridade que não fora sanada. 76

Bem, a universalidade de direito é de essencial importância para esta pesquisa, porém, não cabe, neste momento, "mergulharmos" nas discussões doutrinárias quanto ao assunto, pelo contrário, nosso problema é de direito positivo, portanto, devemos buscar seu significado real no conteúdo do Código Civil.

5.4 – Conceito. Interpretação do artigo 91 do Código Civil

A definição da universalidade de direito, segundo o atual Código Civil, resulta do artigo 91, no qual está expresso: "Constitui universalidade de direito o complexo de relações jurídicas, de uma pessoa, dotadas de valor econômico".

Se não é possível formular um juízo perfeito relativo a uma cidade sem conhecer suas diferentes regiões, da mesma forma não se dá com esse conceito legal, portanto, iremos fragmentá-lo em seus elementos fundamentais, pois conhecendo as partes, conheceremos o todo e poderemos exteriorizar um conceito mais exato.

Da análise da definição legal desse instituto se obtém os seguintes elementos:

a)"o complexo": este é um termo que significa e indica tudo aquilo que abrange ou encerra muitos elementos ou partes.

A universalidade de direito, então, é constituída por algo que abrange ou encerra muitos elementos ou partes.

b)"de relações jurídicas" 77: destes vocábulos conclui-se que a universalidade de direito é formada por vínculos existentes entre pessoas, em virtude de uma norma que cria direitos e deveres. 78

A relação jurídica é um instituto fundamental 79 do direito privado que demonstra ser uma "situação de bilateralidade" existente entre sujeitos, um em posição de poder, e o outro "em correspondente posição de dever". Situações essas criadas pelo direito para a proteção de um interesse, "entendendo-se como interesse a necessidade de bens materiais ou imateriais que constituem em razão para agir". 80

Segundo o texto legal, por conseguinte, o que constitui auniversalidade de direito é cada relação jurídica em que uma determinada pessoa participa.

Não consideramos, porém, que essa conclusão seja a mais correta, só que manifestaremos o nosso posicionamento após a análise do próximo item.

c)"de uma pessoa": o termo "de" é uma preposição, isto é, um elemento gramatical que liga partes de uma oração, exprimindo as relações que elas têm entre si.

No caso em tela, esse vocábulo estabelece uma relação entre os vocábulos: "complexode relações jurídicas" e "uma pessoa".

Essa correlação nos permite inferir que uma pessoa exerce "posse" sobre um complexo de relações jurídicas, ou melhor, que estas lhe pertencem, porém, questionamos: esta conclusão é a mais acertada?

Cremos que não, pois as relações jurídicas, conforme já analisado, são apenas vínculos que interligam duas ou mais pessoas, e nada mais. Quando uma pessoa participa de uma determinada relação jurídica como credor ou devedor, não tem posse, não é dona do vinculo abstrato, o que, efetivamente, ela detém são os direitos e deveres oriundos dele.

Agora,quanto à questão formulada no item retro, podemos respondê-la da seguinte forma: o que constitui a universalidade de direito são os direitos e deveres pertencentes a uma pessoa física ou jurídica.

d)"dotadas de valor econômico": os direitos e deveres, que encerram a universalidade de direito, devem ser apreciáveis pecuniariamente, que são: os direitos reais; os créditos; as dívidas; os direitos à indenização decorrente de danos materiais e morais e etc; e, por conseguinte, não se enquadram: os direitos da personalidade, como o direito à vida, à honra, ao nome, à integridade física, entre outros; os direitos e deveres de família puros, como o poder familiar e a lealdade conjugal e etc.

Ainda, no entanto, resta uma dúvida concernente à correlação da denominação universalidade de direito e o conceito que advenho de nossa conclusão.

O adjetivo direito significa lei, e tal termo, gramaticalmente, imprime qualidade ao substantivo universalidade, o que designa que esta somente é instituída por lei, e tal conclusão é adotada por muitos doutrinadores. 81

A universalidade de direito, assim, é a consideração unitária, feita pela lei, dos direitos e deveres apreciáveis economicamente, que são decorrentes de vínculos jurídicos (relações jurídicas) e que pertencem a uma única pessoa, seja ela física ou jurídica.

5.5 – Finalidade da universalidade de direito

Sabemos o conceito da universidade de direito, porém, qual a sua finalidade jurídica?

São poucos os doutrinadores que analisaram e exteriorizam uma noção de qual seja a finalidade jurídica desse instituto.

Os juristas Roberto Ruggiero, Arnoldo Wald e Barbosa de Magalhães analisaram o fim desse instituto. O primeiro esclarece, de forma literal, que a finalidade da instituição da universalidade de direito pela lei é sujeitar o complexo de direitos e deveres de uma pessoa a um regime jurídico distinto daquele que rege cada um individualmente, o que culmina na criação de um patrimônio separado ou especial. 82 O segundo e o terceiro pensam que a finalidade do instituto é também sujeitar o complexo de direitos e deveres de uma pessoa a um regime jurídico distinto daquele que rege cada um individualmente, porém, são omissos quanto à criação do patrimônio separado. 83

Entendemos que a afirmação do primeiro jurista é mais completa, porque a existência do próprio patrimônio separado pressupõe um regime jurídico diferenciado, isto é, a lei estabelece um conjunto de regras especificas e diferentes das regras que regulam o patrimônio geral.

Esse novo conjunto de normas viabiliza a desagregação de direitos do patrimônio geral, formando um todo único, um patrimônio especial que coexistira e se manterá incomunicável com aquele, entre outros aspectos.

Compreendemos, portanto, e em tese, que a universalidade direito estabelece um regime jurídico diferenciado a determinados direitos de um patrimônio, o que pode redundar na separabilidade patrimonial e, por conseguinte, a criação de um todo independente, o patrimônio especial.

5.6 – Aspectos relevantes à pesquisa

A universalidade de direitopode cumprir, enquanto instituto jurídico, um papel importante no contexto desta pesquisa, pois se se presta realmente a criar patrimônios separados, teremos o que almejamos.

Clarificada a ideia de universalidade de direito e sua finalidade, iremos buscar uma melhor compreensão quanto ao conceito de patrimônio e a sua correlação com aquele instituto, tendo por intuito saber se a universalidade de direito realmente cria um regime jurídico diferenciado tendente a cindir um patrimônio, criar duas esferas patrimoniais distintas e permitir que ambas coexistam harmonicamente.

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5.7 – Patrimônio. Conceito

Patrimônio é, segundo o entendimento comum, a reunião de bens pertencente a uma pessoa e que tenha uma utilidade econômica, de modo a poder avaliar-se diretamente em dinheiro, no entanto, em sentido jurídico, é o complexo de relações jurídicas relativo a uma pessoa, que tem uma utilidade econômica, e são, por isto, suscetíveis de estimação pecuniária. 84

Esse é o entendimento doutrinário, porém, não concordamos.

O problema se localiza na conclusão de equiparar a relação jurídica aos direitos e deveres dela resultantes.

O jurista San Tiago Dantas demonstra bem essa equiparação quando ensina que dizemos "[...] relações jurídicas para abranger seus dois elementos, o direito e o dever. Tanto fazem parte de nosso patrimônio os direitos subjetivos que temos contra outras pessoas, como os deveres que também tenhamos [...]". 85

Para se obter uma noção correta desse instituto, é necessário "separar o joio do trigo".

Conforme já examinado, as relações jurídicas são vínculos abstratos que interligam um credor e um devedor, no mínimo, e que tanto o credor como devedor não podem ser donos ou possuírem relações jurídicas. O que pertencem a eles não são as relações jurídicas propriamente ditas, mas os direitos e deveres que delas advêm.

O patrimônio, portanto, é, mais acertadamente, o complexo de direitos e deveres apreciáveis economicamente, e que pertencem a um sujeito de direito em razão de figurar como credor ou devedor em diversas relações jurídicas.

É de se atentar, também, que todo direito ou dever recai sobre um bem, fato que é melhor analisado, por exemplo, numa operação de venda e compra 86, na qual uma pessoa tem o direito de receber determinada coisa móvel e o dever de pagar em dinheiro por ela, e outra pessoa, respectivamente, tem a obrigação de transferir o objeto da negociação e o direito de receber o pagamento a que faz jus (artigo 481 do Código Civil).

Esses objetos exteriores, no entanto, não são considerados em si mesmos para a conceituação do patrimônio, porém, são considerados em relação aos direitos e deveres que recaem sobre eles, e que pertencem a uma pessoa.

Um bem está na esfera jurídica de alguém, pois esse alguém tem direito sobre ele ou um dever.

O patrimônio é composto de direitos reais, de direitos obrigacionais, dos direitos intelectuais, do direito à indenização em virtude de dano material ou moral, dos direitos de caráter econômico relacionados às relações de família, como, por exemplo, o direito à pensão alimentícia, entre outros.

Em suma, esse enquadramento é exemplificativo, mas o que deve orientar o interprete em cada caso concreto é o que caracteriza os exemplos citados, que é a qualidade dos direitos e deveres serem apreciáveis pecuniarimente.

Ainda, deduzimos que não se incluem no conceito de patrimônio todos os direitos e deveres não apreciáveis economicamente como os direitos da personalidade, os direitos puros de família e etc.

Outro aspecto, que não pode ser esquecido, é que o patrimônio pode ser considerado somente pelo conjunto de direitos e deveres, quando é denominado patrimônio bruto, ou então, descontando-se deste último, o conjunto de débitos, quando se tem o patrimônio líquido. A aplicação tanto de um como do outro, vária para se estatuir regimes jurídicos diversos.

5.8 – Natureza Jurídica

A natureza jurídica do patrimônio é um assunto árido e há uma grande divergência doutrinária.

Sobre tal questão debatem-se vivamente duas correntes: a clássica ou subjetiva e a moderna ou objetiva.

A teoria clássica foi elaborada por dois juristas franceses, Aubry e Rau, que entediam que o patrimônio era um prolongamento da personalidade humana, ou melhor, uma figura econômico-jurídica essencialmente ligada à personalidade, o que nos faz concluir que entre o patrimônio e a personalidade existe um nexo intimo e indissolúvel.

Sob a luz desse princípio, Aubry e Rau afirmam o seguinte, ipsis litteris:

"Por ser o patrimônio a emanação da personalidade e a expressão do poder jurídico de que uma pessoa se acha como tal investida, resulta: 1 - que só as pessoas físicas ou jurídicas podem ter um patrimônio; 2 - que toda pessoa tem, necessariamente, um patrimônio, ainda que atualmente nenhum bem possua; 3 - que a mesma pessoa só pode ter, um patrimônio, segundo o sentido próprio deste vocábulo [...]". 87

Já em contraposição a essa teoria, erige-se a teoria moderna que tem por cerne a afirmação de que inexiste patrimônio quando não há bens efetivamente.

Entendem seus defensores que os adeptos da teoria tradicional não levam "na devida conta a circunstância de representar, o patrimônio, o ter e não o ser de uma pessoa, erro do qual resultou a rigidez de suas conclusões". 88

A teoria moderna nega a tese central de que o patrimônio seja emanação da personalidade, entendendo que a constituição econômica não guarda tal vínculo de dependência.

Para fins dessa tese, portanto, o patrimônio é um conjunto de bens coesos, e o que os interliga ao sujeito de direitos é o fim que a eles é dado 89, ou seja, são bens afetados.

5.9 – Impasse e solução

Analisamos no tópico 5.6que a universalidade de direito pode dividir um patrimônio. Já no tópico 5.7 concluímos que faríamos o exame do instituto do patrimônio e a sua correlação com o instituto da universalidade de direito, tendo por fito saber se isso resultaria na constituição de dois patrimônios, no entanto, após verificarmos o conceito do primeiro instituto e sua natureza jurídica, nos deparamos com uma situação que poderá não permitir essa correlação, que é a sua natureza jurídica.

A natureza jurídica do patrimônio é um tema complicadíssimo e duas teorias postulam a verdade, porém, nenhuma das duas nos autoriza concluir que a universalidade de direito seja aplicável ao patrimônio e que tal correlação redunde na existência de dois patrimônios, o geral e o especial.

A primeira teoria professa que há uma interligação indissolúvel entre patrimônio e personalidade, o que resulta na unicidade patrimonial e na indivisibilidade da mesma.

A segundo teoria entende que não existe tal interligação e que o patrimônio é apenas um conjunto de bens destinados a um fim, sem considerar a aplicação do instituto da universalidade de direito.

Existe, portanto, um impasse.

Entre essas duas correntes doutrinarias, porém, existem muitas outras.

O jurista português Paulo Cunha alerta que, ipsis litteris:

"[...] rigorosamente não há, no campo das doutrinas, saltos bruscos. Os cambiantes, as modalidades, as modificações aceitas pelos autores; as adoções parciais de teorias diversas, sendo aceito por um escritor certo aspecto que outro repudia, para logo se verificar a hipótese inversa relativamente a um segundo e a um terceiro aspecto; a inevitável interpenetração de doutrinas daí resulta, - tudo isso se dispõe de maneira que de um extremo a outro das concepções em conflito se estabelece insensível transição, uma série de gradações e de pequenas modificações, que permitem ir passando de uma doutrina para outra, sem aparecer flagrante a mudança de concepção.

Das teorias mais exclusivamente personalistas, até as mais rasgadamente objetivistas, pode caminhar-se através de uma gama de modalidades doutrinárias, cujas diferenças são quase imperceptíveis, se formos seriar todas essas modalidades e considerá-las uma a uma". 90

O mesmo jurista, mediante clara lucidez, define sistematicamente o conteúdo de cada uma das teorias que versam sobre a natureza do patrimônio 81, que são:

a) Primeira teoria: o patrimônio constitui emanação da personalidade, e com ela quase se confunde, fato este que lhe imprime três características: a unicidade, a indivisibilidade e a inseparabilidade da pessoa (inalienável e indispojável). Todo e qualquer desvio existente na lei e que se afaste desta concepção é uma anomalia ou desnaturação.

b) Segunda teoria: esta tende a preservar os mesmo princípios da primeira, pois considera que o patrimônio mantém uma noção intimamente ligada á personalidade e, em razão disto, constitui uma unidade única, indivisível e inseparável da pessoa. Mas admite exceções para que tal concepção não se torne dogmática, porque se deve, em alguns momentos, moldá-la à realidade.

c)Terceira teoria: os defensores desta teoria argumentam que é exagerada e, de certa forma, errada a afirmação de que o patrimônio seja uma noção intimamente ligada à personalidade e, por isso, não admitem os princípios da unicidade, indivisibilidade e inseparabilidade do patrimônio.

Ademais, mudam o eixo de análise, pois argumentam que a personalidade é um pressuposto de existência do patrimônio e, ainda, que este é uma universalidade de direito, porém, sem erguer como princípios básicos à ligação do patrimônio à personalidade.

d) Quarta teoria: professam seus seguidores que o patrimônio não é um prolongamento da personalidade, ou que esta seja seu pressuposto e, além disso, recusam a característica do patrimônio ser uma universalidade de direito.

e) Quinta teoria: para esta o patrimônio é um conjunto de direitos subjetivos ou um complexo de bens que pode pertencer a uma pessoa ou não pertencer, fato este que demonstra que o patrimônio, em verdade, pertence a um fim a que está afetado.

f) Sexta teoria: o patrimônio é um complexo de riquezas, e seu pressuposto único é a afetação a que está sujeito, o que torna insignificante a argumentação que o patrimônio pertença a uma pessoa, que seja formado por direitos subjetivos.

É perceptível a complexidade do assunto relativo à natureza jurídica do patrimônio, mas entendemos que a terceira teoria é a que melhor se encaixa aos nossos propósitos e que seus princípios são fundamentos do nosso direito.

5.10 – Personalidade jurídica versus patrimônio

O conceito de personalidade está implicitamente definido no artigo 1º do Código Civil, que expressa: "Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil".

A personalidade jurídica, no texto de lei, é sinônima de capacidade, termo que, numa análise rápida, demonstra ser aplicável, porém, se nos aprofundarmos, constataremos que não é tecnicamente correto, porque o vocábulo "capacidade" possui um sentido estrito.

Capacidade ou capacidade jurídica indica o exercício de fato da personalidade jurídica pelo sujeito de direito. É uma técnica legal cujo sentido mais se enquadra à idéia de restrição ou limitação do exercício da personalidade.

Para nós a personalidade é a aptidão para adquirir direitos e deveres.

É de se esclarecer que a existência de um patrimônio é condicionada ao exercício da personalidade, enquanto aptidão, mas tal condicionamento não quer dizer interligação entre um e outro. A personalidade é apenas um pressuposto de existência, e somente isso.

A gênese do conceito da personalidade se resume na característica de ser ativa, isto é, quando uma pessoa a exercita, adquiri de imediato um direito ou um dever, o que efetiva a sua principal função, que é justamente ser aptidão dirigida à aquisição de direitos e deveres.

Tal característica precípua da personalidade também é o que permite a constituição de um patrimônio.

Quando um sujeito exercita a sua personalidade, participando de relações jurídicas, adquire os direitos e deveres que tais relações jurídicas lhe conferem. Se participar de relações jurídicas com características econômicas, como credor ou como devedor, adquirira direitos e deveres apreciáveis pecuniariamente.

Ora, o patrimônio não é justamente o conjunto de direitos e deveres apreciáveis pecuniariamente que pertence a uma dada pessoa?

Evidente que sim.

Os direitos e deveres apreciáveis economicamente adquiridos em razão de uma pessoa participar de relações jurídicas, exercitando claramente sua personalidade, formam um patrimônio.

Se uma pessoa, porém, não for credor ou devedor em relações jurídicas diversas, exercitando para esse fim a sua personalidade, conclui-se que não adquirirá direitos e deveres e, por conseqüência, não terá patrimônio.

Conclui-se, então, que a existência de um patrimônio está condicionada ao exercício da personalidade, o que confere a esta a qualidade de ser um pressuposto de existência do patrimônio, pois se exercitada, ele existirá, se não for exercitada, não existirá.

E, ainda, um aspecto desse fenômeno jurídico comprova que não há um liame indissociável entre personalidade e patrimônio, que é o fato de uma pessoa não exercitar sua personalidade para adquirir direitos e deveres, pois mesmo não existindo um patrimônio, essa aptidão persiste.

5.11 – Patrimônio versus universalidade de direito

O artigo 57 do Código Civil de 1916 esclarecia que o patrimônio era uma universalidade, no entanto, o artigo 91 do atual Código Civil se omite.

Vejamos, logo abaixo, as tabelas que demonstram, respectivamente, as posições de cada diploma legal.

Tabela 1 Tabela 2

 

Art. 57. O patrimônio e a herança constituem coisas universais, ou universalidades, e como tais subsistem, embora não constem de objetos materiais. (grifo nosso)

Art. 91. Constitui universalidade de direito o complexo de relações jurídicas, de uma pessoa, dotadas de valor econômico.

Afinal, o patrimônio é ou não é uma universalidade de direito?

Era mencionado no artigo 57 do Código Civil de 1916 que o patrimônio constitui uma universalidade, no entanto, não diz se é de direito ou de fato.

Um de seus codificadores, Clóvis Bevilaqua, afirma, categoricamente, que para "o código civil, o patrimônio é uma universalidade de direito" 92, e muitos doutrinadores também assim entendem. 93

O atual Código Civil, entretanto, não frisa se o patrimônio é uma universalidade de direito.

Será que a nova sistemática civilista não outorga mais essa característica ao patrimônio?

Pensamos, em verdade, que o artigo 91 do atual diploma legal foi sintético e objetivo, ao contrário do artigo 57 do diploma legislativo anterior, que foi prolixo e exemplificativo ao mencionar como sendo universalidade de direito tanto o patrimônio como a herança.

Tanto o patrimônio como a herança 94 são complexos de direitos e deveres e também são universalidades de direito. O legislador atual nada mais fez do que expressar a essência desses dois institutos nesse artigo. Por isso não recorreu a exemplos.

Está claro, por conseguinte, que para o nosso Direito Privado o patrimônio é uma universalidade de direito, e isto se torna evidente quando analisamos o inadimplemento do devedor e a sujeição de seu patrimônio ao processo de execução instaurado pelo credor.

O artigo 591 do Código de Processo Civil expressa que a pessoa que não cumpre as suas obrigações responderá, para o cumprimento das mesmas, com todo o seu patrimônio ativo. 95

Essa norma, na hipótese de inadimplemento, aplica o instituto da universalidade de direito, porque o vocábulo "todo" demonstra isso.

A palavra todo significa totalidade ou generalidade, e tal termo está diretamente correlacionado com os seguintes termos: "responde" e "o seu patrimônio".

A lei, portanto, considera o patrimônio do devedor como um todo ou uma universalidade, tendo por fim torná-lo uma garantia em prol do credor.

5.12 – Patrimônio e universalidade: viabilidade da separação patrimonial

Dessa breve cognição podemos depreender que a personalidade é um pressuposto do patrimônio, e que este é uma universalidade de direito, mas outro aspecto deve ser ratificado, que é a divisibilidade patrimonial, porque queremos saber se a correlação entre o instituto da universalidade de direito e do patrimônio resulta na divisão deste.

Uma espécie de universalidade de direito brevemente analisada acima, a herança, demonstra ser um fato jurídico muito importante e de grande relevância ao fim que pretendemos culminar.

Havendo a morte de uma pessoa natural seu patrimônio, de imediato, "defere-se como um todo, ainda que vários sejam os herdeiros" (artigo 1.791 do Código Civil), e permanecerá como uma universalidade de direito até a partilha, quando serão divididos os quinhões e transmitidos em definitivo a quem de direito (os herdeiros, caso não haja testamento, pois, se houver, participaram também os legatários). Mas para que o herdeiro, de fato, receba parte do patrimônio do de cujus,deve aceitá-la mediante declaração expressa (por escrito), ou tacitamente (quando o herdeiro age como se fosse dono das coisas que compõem a herança - artigo 1.804 c/c o artigo 1.805 do Código Civil).

Na esfera jurídica do herdeiro, com a aceitação e até a partilha, existem dois patrimônios, o particular e a herança propriamente dita, e esta não se comunica com aquele em função da lei lhe imprimir a qualidade ser uma universalidade, isto é, torna-se um patrimônio separado com direitos e deveres próprios sujeitos a um regime jurídico singular, e, em função desta ordem de ideias, os credores do falecido terão seus direitos satisfeitos até o montante ativo da herança e não poderão buscar os direitos e bens particulares dos herdeiros.

Não há, porém, somente esse exemplo de separação patrimonial, outros existem no bojo do nosso atual Código Civil.

A título de exemplo, o instituto da comunhão parcial se caracteriza por instituir dois patrimônios distintos em beneficio dos cônjuges, que são, por exemplo:

a) o patrimônio comum: que é o conjunto de direitos e deveres que sobrevierem ao casal, na constância do casamento, e cada um dos cônjuges é titular em comum do mesmo patrimônio (artigo 1.658 e artigo 1.660, incisos I a V, do Código Civil).

b) patrimônio particular de cada cônjuge: que se constitui de todos direitos e deveres que tinha antes do casamento e aqueles que não se comunicam com o patrimônio comum (artigo 1.659, incisos I a VII, e artigo 1.661 do Código Civil).

E, ainda, por lógica, o Código Civil, no seu artigo 1.666, dispõe que as dívidas, contraídas por qualquer um dos cônjuges na administração de seus bens particulares e em benefício destes, não obrigam os bens comuns, o que nos permite concluir que os credores pessoais, em relação a esses bens particulares, não podem buscar os bens comuns, e o inverso também não.

Aquele casal que escolher o regime de comunhão parcial e expressar tal opção no pacto antenupcial (artigo 1.653 do Código Civil), se beneficiará da possibilidade de possuir dois patrimônios diferentes, o comum e o particular.

Enfim, é notório, nesse caso, que a divisibilidade patrimonial é viável e, por conseqüência, a existência de dois patrimônios com finalidades distintas na esfera jurídica do titular.

5.13 – Apontamentos

Corroborada está, portanto, a terceira teoria, que é a adotada pelo nosso Código Civil, pois descobrimos que a personalidade é um pressuposto do patrimônio, que este é uma universalidade de direito e que a correlação entre patrimônio e universalidade viabiliza a divisibilidade patrimonial e, por conseguinte, a existência de dois patrimônios.

O jurista J. M. de Carvalho Santos ao comentar o artigo 57 do Código Civil de 1916 exterioriza o mesmo entendimento, porque para ele a personalidade "não é mais do que um pressuposto exterior; uma qualidade do sujeito", e como tal "não se pode dizer que a personalidade do sujeito penetre no patrimônio", e tanto é assim que este pode ser cindido em beneficio do sujeito "e não é indivisível, como deveria ser, se aquela penetração da personalidade fosse verdadeira. Porque se a personalidade é una, não pode ser cindida pelo sujeito, nem dividida em partes". 96

5.14 – Patrimônio Separado

Cumpre-nos alertar também que, em razão do patrimônio separado ser uma universalidade de direito, a sua constituição somente pode ocorrer se houver disposição legal que assim o permita, caso contrário, não ocorrerá.

O jurista alemão Andréas Von Tuhr afirma que a regra da unicidade patrimonial é norma geral, porém, "excepcionalmente, e por disposição da lei, um grupo de direitos, em certa medida, pode ter existência separada do patrimônio". E conclui que não cabe ao titular "dividir arbitrariamente seus direitos patrimoniais em duas massas distintas". 97

Para que a pessoa física que exerce atividade econômica individualmente possa se beneficiar, assim, deve o legislador positivar o instituto da separação patrimonial atinente à atividade empresária.

Ainda quanto à afirmação de Von Thur, há um princípio explícito que demonstra a sujeição do titular do patrimônio separado a somente integrar nele direitos, o que nos faz deduzir que não poderá isto quanto às obrigações, assim, inicialmente, o patrimônio especial somente se constituirá de direitos; ademais, acrescentamos que tais direitos devem ter por objetos bens livres e desembaraçados, isto é, que não haja sobre eles quaisquer tipos de ônus como o penhor, a anticrese ou a hipoteca, entre outros, que são direitos reais de uma segunda pessoa (o credor) e, por tal razão, servem de garantia (artigo 1.419 e segs. do Código Civil). Se o titular transferisse direitos cujos objetos estão onerados, tal possibilidade se qualificaria como sendo fraude contra credores (artigo 158 do Código Civil).

Neste instante, cabe a seguinte pergunta: um patrimônio especial formado somente por direitos não feriria o conceito geral de patrimônio, já que este é considerado como sendo o complexo de direitos e deveres?

Concluímos que não, pois quem pode o mais, ter um patrimônio formado por direitos e deveres, pode o menos, um patrimônio formado somente de direitos. Além disto, uma universalidade de direito não se forma necessariamente de direitos e deveres, casos há em que não existe um passivo, mas somente o ativo, como a herança, pois o de cujus, quando em vida, pode não ter contraído dívidas.

Outra exemplificação de universalidade de direito formada somente pelo ativo vem do julgamento prolatado pelo STJ em sede de recurso especial, no qual foi relator o Ministro Humberto Gomes de Barros, que diz, in verbis:

"I – PROCESSUAL – FGTS – NATUREZA JURÍDICA - CORREÇÃO MONETÁRIA - LITISCONSÓRCIO UNITÁRIO.

1. O FGTS é uma universalidade de direito (CC, Art. 54, II) constituída pela agregação dos saldos em contas vinculadas. Tais saldos, uma vez agregados, perdem individualidade, tornando-se cotas ou frações ideais. Os trabalhadores, donos das contas agregadas, são cotistas (condôminos) do fundo". (grifo nosso) 98

Quanto à constituição do patrimônio separado, Pontes de Miranda traz lições elucidativas que serão importantes a presente pesquisa.

Segundo o doutrinador, o patrimônio especial é formado por aquilo que o seu titular integrou ou, após sua criação, por tudo aquilo que adquirir "em virtude de direito pertencente ao patrimônio, ou pelo que se há de sub-rogar àqueles ou a esses elementos, e pelo que se adquire em virtude de negocio jurídico ou ato jurídico stricto sensu, referente ao patrimônio". E afirma ainda que a "especialidade do patrimônio faz nascerem direitos, pretensões, ações e exceções que não tinha o titular do patrimônio geral". 99

Observada, assim, a lição de Pontes de Miranda, entra na constituição do patrimônio separado tudo aquilo que o titular integrar, vier a integrar, ou tudo aquilo que se sub-rogar nos direitos existentes, o que se qualifica como sendo o ativo do patrimônio especial.

O patrimônio separado também possui um passivo que sujeitará o ativo do mesmo, ou seja, na medida em que a pessoa, titular desse patrimônio, contrai dívidas, tudo aquilo que forma o ativo do patrimônio separado acaba por se tornar numa garantia aos credores, e, assim, ou ele cumpre voluntariamente tais obrigações ou sofrerá uma execução, medida pela qual os seus credores poderão satisfazer seus créditos. E quanto a isto, Pontes de Miranda traz um entendimento salutar, ipsis litteris:

"O passivo do patrimônio especial é o conjunto de dívidas, obrigacionais, situações passivas nas ações e exceções que expõem o patrimônio especial à satisfação dos titulares desses elementos passivos. Por abreviação, mas somente por abreviação, diz-se que são dívidas do patrimônio especial, dívidas da massa concursal, obrigações e situações passivas do patrimônio especial, da massa concursal, etc. Devedor, obrigado, sujeito passivo das ações e exceções é o titular do patrimônio especial. Apenas pelo patrimônio especial e com os elementos do patrimônio especial é que se hão de cumprir (execução voluntária, execução forçada) aqueles deveres, obrigações, ou que for". 100

Do exposto está claro que o responsável pelas obrigações que sujeitam o patrimônio separado é o seu titular e não o próprio patrimônio e, ainda, aquele somente pode responder pelas suas dividas com tudo aquilo que forma este e nada mais. Não pode solvê-las com direitos de seu patrimônio geral e nem os seus credores poderão buscá-los mediante execução forçada. Os créditos destes ficam circunscritos ao patrimônio especial. 101

Outro aspecto importante é a finalidade a que o patrimônio separado está atrelado, porque o fim dele contribui para se determinar a quem está afeta a administração do patrimônio, uma vez que pode ser realizada tanto pelo próprio titular como por um administrador. Quando o patrimônio é administrado pelo próprio titular, é menos clara a separação patrimonial, "e toca ao titular o dever de respeitar a discriminação, com as conseqüências de direito civil, penal e administrativo" 102, o que não ocorre quando a mesma é organizada por um segundo contratado, pois a distinção patrimonial é bem nítida em razão de se saber que o patrimônio geral é organizado pelo titular e o especial pelo administrado em seu nome.

5.15 – Patrimônio separado versus patrimônio autônomo

Devemos, neste ínterim, fazer algumas distinções, porque pode haver confusão entre o instituto do patrimônio separado e o instituto do patrimônio autônomo.

Como já observado, o patrimônio separado é uma universalidade de direito, um complexo de direitos e deveres que são desagregados do patrimônio de uma determinada pessoa, e que acaba por se constituir num segundo patrimônio e que não mantém nenhuma interligação com o primeiro, a não ser a titularidade subjetiva (o mesmo titular).

O patrimônio autônomo não é um patrimônio separado, e não existe nenhuma confusão conceitual entre um e outro. Aquele um é um conjunto de direitos e bens a que a lei atribui personalidade jurídica. 103

A fundação é um exemplo de patrimônio autônomo que se destina a servir a um objetivo, desde o início e por toda a sua duração, e a que a lei outorga personalidade jurídica.

A fundação nasce pela vontade de seu fundador e aprovação do Estado, e somente a este cabe o direito de controlar o seu nascimento.

Não se deve confundir, por conseguinte, patrimônio separado e patrimônio autônomo, uma vez que este é uma pessoa jurídica, e aquele nem a isso chega a ser.

5.16 – Patrimônio separado versus patrimônio de afetação

Existe outra corrente doutrinária que também defende a separação patrimonial, mas denominam de afetação patrimonial.

Seus seguidores entendem que a separação patrimonial somente é inteligível quando se atribuí uma finalidade precisa a um conjunto de direitos e bens, e que tal atribuição é feita unicamente pela lei.

O jurista Pontes de Miranda é um de seus adeptos, pois entende que todo "patrimônio especial tem um fim. Esse fim é que lhe traça a esfera própria, lhe cria a pele conceptual, capaz de armá-lo ainda quando nenhum elemento haja nele". 104

Para essa corrente, então, o patrimônio separado não é resultante da aplicação do instituto da universalidade de direito, mas pela simples afetação legal, que é capaz de criar uma esfera jurídica patrimonial independente do patrimônio geral do titular.

Nesse instante, portanto, estamos diante de um impasse.

O doutor Manoel Justino Bezerra Filho, em sua tese de doutorado apresentada à Universidade de São Paulo, constatou que existem várias denominações outorgadas ao fenômeno da separação patrimonial (patrimônio especial, patrimônio separado e patrimônio de afetação), cada uma afeta as teorias que analisamos acima, e concluiu sua posição do seguinte modo, ipsis litteris:

"Os termos ‘patrimônio especial’, ‘patrimônio separado’ ou ‘patrimônio de afetação’ têm sido usados indiferentemente pelos autores, para significar o mesmo fenômeno jurídico consistente na especialização de determinada quantidade de bens que se caracterizam pelo fato de estarem destinados a uma finalidade própria, diferente da finalidade do patrimônio geral, que é a de servir de garantia ao cumprimento das obrigações assumidas pelo titular do patrimônio.

[...]

Sem adentrar aqui a discussão sobre a oportunidade de valer-se de nomes diversos para identificar o mesmo fenômeno e sem tentar precisar eventuais diferenças teóricas, ainda assim faz-se necessário tentar extrair a diferenciação que se pretende estabelecer para termo ‘afetação’, o que será necessário para o exame futuro da ‘afetação’ como forma de garantia de obrigações. A rigor, todo patrimônio especial é patrimônio separado, no sentido de que esta separado do patrimônio geral, este patrimônio separado sempre se configurará também como patrimônio de afetação, na exata medida em que estará sempre a um determinado fim". 105

O citado jurista, como pode ser observado, conjuga a característica precípua da teoria da separação patrimonial, que é o fenômeno da separação do patrimônio especial em face do patrimônio geral, com o principal aspecto da separação patrimonial mediante afetação legal, que é a separação aliada a uma finalidade, portanto, concluindo que o patrimônio especial é um patrimônio separado pelo simples fato de estar apartado do patrimônio geral, e que também é um patrimônio afetado, na justa medida de estar sua a criação condizente com um fim especifico.

Concluímos, entretanto, que a teoria da separação patrimonial mediante a aplicação do instituto da universalidade de direito prevalece sobre a teoria da separação patrimônio por meio da afetação legal.

A primeira teoria, efetivamente, já guarda em seu âmago as duas características que Manoel Justino Bezerra Filho conciliou, pois:

a) o patrimônio resultante é uma universalidade de direito e, por isso, é um todo unitário que não se comunica com o patrimônio de origem, o que o torna um patrimônio separado; e

b) o legislador sempre busca um fim especifico quando permite a separação patrimonial, e tal finalidade somente é discernível caso a caso.

Ademais, a característica natural da universalidade de direito, a sujeição de direitos de um patrimônio qualquer a um novo regime jurídico, se sobreleva ao aspecto da afetação da segunda teoria, porque para termos a figura do patrimônio especial, não basta haver direitos e bens destinados a um fim qualquer, mas é mais necessário que esses elementos sejam organizados num todo em razão de um regime jurídico próprio, constituindo, assim, uma universalidade de direito, um complexo de direitos e deveres com vida própria, e que permanece incomunicável com os elementos do patrimônio geral.

E, ainda, como a separação patrimonial é analisada por nós sob a ótica das regras civilistas, não haveria lógica de se renegar o instituto da universalidade de direito, que também é um instituto de direito civil, e, por conseguinte, aplicar a teoria da afetação patrimonial.

5.17 – Considerações finais

A conceituação e análise interior do instituto da universalidade de direito e sua correlação com outro instituto, o patrimônio, nos proporcionou concluir que é possível a divisibilidade do patrimônio da pessoa física em dois, e que ambos coexistam harmonicamente. Portanto, tal conclusão responde a pergunta que fizemos no tópico 3.6, item "a", porém, não soluciona a segunda pergunta formulada no mesmo tópico, só que no item "b", ou seja, questionamos se sendo juridicamente admissível a separação patrimonial da pessoa física, se também era possível limitar a responsabilidade do empresário individual no patrimônio especial resultante, posto que a regra geral é a responsabilidade ilimitada.

Ora, analisaremos essa questãona próxima seção.

Sobre o autor
Luciano Batista de Oliveira

Advogado sócio do escritório Oliveira & Mattisen Advocacia especializada. Graduado em Direito pela Universidade São Francisco em 2008 e especialista em Direito Imobiliário pela FMU (Faculdades Metropolitanas Unidas) em 2010. Pós-graduando em Engenharia do Meio Ambiente pela FMU (Faculdades Metropolitanas Unidas). Membro da Comissão de Direito Ambiental da Ordem dos Advogados do Brasil, Secção São Paulo (OAB/SP). Ex-Aluno da Escola de Formação da Sociedade Brasileira de Direito Público (SBDP) em 2008, apresentando monografia sobre o tema: A caracterização da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental pelo Supremo Tribunal Federal. Ex-monitor a Escola de Formação da Sociedade Brasileira de Direito Público (SBDP) em 2011, no curso: Constituição e Política, sob a supervisão do Prof. Me. Daniel Wei Liang Wang. Ex-monitor de Direito Empresarial, sob a supervisão do Prof. Me. Sérgio Gabriel, na Universidade São Francisco, 2008.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Luciano Batista. Limitar a responsabilidade do empresário individual é juridicamente possível?: Análise crítica da limitação da responsabilidade do empresário individual mediante separação patrimonial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2764, 25 jan. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18346. Acesso em: 23 nov. 2024.

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