6 - LIMITACAO DA RESPONSABILIDADE DO EMPRESÁRIO INDIVIDUAL: UMA TENDÊNCIA LÓGICA
6.1 – Considerações iniciais
Agora o objeto de nosso exame neste instante é saber se a responsabilidade do empresário singular pode ser limitada a um conjunto de bens específicos, tendo por fim responder a questão "a" do item 3.4 retro.
Esse ponto será analisado sob dois focos. O primeiro foco diz respeito à análise prévia de que a limitação da responsabilidade do empresário individual é uma tendência lógica da evolução do próprio Direito Empresarial. E o segundo foco é afeto à elaboração de um substrato jurídico que, por si só, possibilite que a responsabilidade do empresário singular seja limitada ao patrimônio especial destinado somente à atividade empresarial.
Apesar de ambos os prismas se referirem ao mesmo objeto, nos os examinaremos apartadamente, pois cada um possui peculiaridades distintas. O primeiro está mais ligado a uma analise histórica do problema, sem se ater a aspectos jurídicos. Já o segundo trata-se exclusivamente de uma analise jurídica da questão.
6.2 – A tendência lógica da limitação da responsabilidade do empresário individual
Antes de qualquer coisa, devemos ter em mente que a responsabilidade civil sob a ótica do Direito Empresarial possui traços técnicos e que possui a sua natureza intimamente ligada à limitação de riscos. Isto tem respaldo na própria realidade da atividade exercida pelos empresários, que é dotada de um risco natural. Por conseguinte, conforme se observará a seguir, nesse ramo do Direito há uma grande preocupação em se criar normas que viabilizem a mitigação de tais riscos, tendo por fito permitir a própria existência de atividades econômicas tão importantes à sociedade. Ademais, nessa linha progressiva também existe uma tendência à limitação dos riscos do empresário singular.
Esses dois aspectos serão verificaremos a seguir, portanto.
Primeiramente, no Direito Romano, o instituto da societas foi a primeira construção jurídica tendente à limitação de riscos. Claro que não se tratava das modernas sociedades empresariais, mas se consubstanciava na união de duas ou mais pessoas que se obrigavam mutuamente a destinar bens pessoais e serviços a um objetivo comum, visando diminuir os riscos que por ventura teriam se buscassem o mesmo fim de forma autônoma. 106
Posteriormente, com o desenvolvimento e a expansão das cidades italianas, surgiram dois novos tipos de sociedades, a sociedade em nome coletivo e a sociedade comanditária. Quanto à primeira, ela sobrevive até hoje e, apesar de atribuir a cada sócio responsabilidade ilimitada e solidária, possui um fator interessantíssimo: nela se evidenciou pela primeira vez a configuração de um patrimônio empresarial distinto que não se confunde com o patrimônio dos sócios. Outro aspecto importante é que nas relações internas desse tipo de sociedade os riscos podem ser divididos em razão daquilo que cada sócio se responsabilizou perante a sociedade. 107108 Quanto à segunda, nela a limitação dos riscos é encarada de forma diferente, porque existem dois tipos de sócios, o sócio comoditado e o sócio comoditário. O primeiro responde solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais, e o segundo responde somente pelo valor da quota investida na sociedade. 108109
Noutro momento, com as transformações ocorridas no inicio da idade moderna, que determinaram um grande desenvolvimento das atividades econômicas, surgiu a sociedade anônima, que se tratou de um novo instituto jurídico capaz de atender ao vulto crescente das operações mercantis e dos respectivos riscos. 110
Isso se caracterizou por ser mais uma evolução da limitação dos riscos daqueles que exercem a atividade empresarial, porque a principal característica da sociedade anônima que podemos abstrair é que ela permitiu que muitos acionistas limitassem suas respectivas responsabilidades no que investiram.
Outra evolução no assunto foi a criação da sociedade limitada, porque a mesma possibilitou que atividades de pequeno porte fossem exploradas por no mínimo dois sócios e que estes também limitassem as suas responsabilidades naquilo que investiram.
Bem, dessa pequena digressão podemos depreender que a responsabilidade civil no âmbito do Direito Empresarial se refere nitidamente à limitação da responsabilidade daqueles que desejam exercer atividades econômicas e, ainda, que ao passar dos tempos foram criados institutos que limitaram a responsabilidade de muitas pessoas como no caso das sociedades anônimas, ou de poucas pessoas como no caso das sociedades limitadas. Porém, outro ponto se erige dessa digressão, que é: se muitos e poucos puderam se beneficiar da limitação de seus riscos, o empresário individual também deveria ser beneficiado, porque exerce atividades econômicas importantes e também está sujeito aos mesmos riscos.
Limitar a responsabilidade do empresário singular é, portanto, uma tendência lógica do progresso do Direito Empresarial. E, ainda mais, representa, nesse assunto, o estágio final da procura de se limitar os riscos empresariais, pois se terá atingido todas as formas de empresários indistintamente.
No nosso sistema jurídico, porém, a essa lógica não corresponde uma realidade normativa, isto é, apesar de se perceber que o empresário individual também deve ser beneficiado com essa medida, o nosso legislador não "arregaçou as mangas" no sentido de criar um instituto apropriado.
6.3 – Considerações finais
Conforme o exposto, verificamos que a responsabilidade no Direito Empresarial se consubstancia na limitação de riscos, e que tal limitação, progressivamente, foi outorgada a vários tipos de empresários. Desse contexto também verificamos que o deferimento de tal medida ao empresário singular seria uma conseqüência lógica que, no entanto, ainda não foi efetivada pelo nosso legislador até o presente momento.
Em razão dessa lógica, na próxima seção buscaremos elaborar um substrato jurídico que de uma realidade jurídica à limitação da responsabilidade do empresário singular e que solucione a questão que levantamos no tópico 3.6, item "b".
7 - RESPONSABILIDADE LIMITADA DE DIREITO
7.1 – Considerações iniciais
Buscaremos nesta seção elaborar um substrato jurídico ao que concluímos no tópico 6.3 retro, ou seja, que a limitação da responsabilidade do empresário individual é uma tendência lógica do Direito Empresarial moderno.
Nesse passo, seguiremos a mesma premissa utilizada na seção 5, isto é, tentaremos resolver esse problema mediante o exame de institutos jurídicos já existentes na realidade do nosso ordenamento.
À pergunta feita no tópico 3.6, item "b" analisaremos exclusivamente o instituto civil da obrigação. Buscaremos o seu conceito e, logo depois, os seus elementos exatos, tendo por fito isolar aquele que é mais pertinente a presente pesquisa, que é exatamente a responsabilidade, pois queremos saber se juridicamente ela pode ser limitada a um patrimônio especial destinado à atividade empresarial.
7.2 – Obrigação. Conceito
A obrigação é um termo amplamente utilizado e, segundo o meio em que é empregado, pode ter variados sentidos, mas, independentemente disto, ela sempre possui um sentido imutável, que é ser um vínculo.
Etimologicamente, tal palavra é oriunda do latim obligatio, do verbo obligare que, literalmente, exprime a idéia de ligação ou vinculação entre duas "coisas" no sentido mais amplo.111
Trasladando esse sentido às relações humanas, a palavra obrigação acaba por significar o vínculo que interliga uma pessoa à outra.
A obrigação pode ter varias causas no seio social, tais como: as regras de conteúdo moral, as regras de convivência, as regras quanto à honra, as regras oriundas dos usos sociais e, também, as normas jurídicas de direito público, bem como as de direito privado. 112
Como se trata da busca do conceito de um instituto jurídico, daremos atenção somente a essa última causa que mencionamos acima e, em especial, à obrigação oriunda do direito privado.
No período clássico do Direito Romano a obrigação foi conceituada, juridicamente, como sendo um vinculo entre pessoas (nexum), ou seja, "um juris vinculum hábil a prender um devedor a um credor". 113
A obrigação tinha por objeto um dare (dar), um facere (fazer) ou um non facere (abster-se) e um prestare (prestar).
O devedor estava sujeito ao credor e, somente se desvinculava de tal situação, se cumprisse um desses deveres, conforme a situação. Caso não cumprisse, responderia pessoalmente, isto é, o seu corpo era a garantia da satisfação do crédito. 114 Aplicava-se, então, o instituto da manus iniectio, "em virtude da qual o credor podia vender o devedor como escravo, ou utilizar diretamente a sua força de trabalho". 115
A natureza pessoal da obrigação permaneceu intacta até 427 a.C., mas se modificou quando entrou em vigência a Lex Poetelia Papira que substituiu a execução pessoal (manus iniectio) pela responsabilidade patrimonial (pgnoris captio). A partir desse instante, uma vez não cumprida a obrigação, o devedor respondia com seu patrimônio. 116
O Direito Moderno não modificou muito a essência do conceito romano de obrigação, sendo para muitos 117 um vínculo jurídico existente entre no mínimo duas pessoas, no qual o devedor está sujeito ao interesse do credor, em razão de ter-lhe de cumprir um dever cujo objeto é: um dar (artigo 233 do Código Civil), um fazer (artigo 247 do Código Civil) ou um não fazer (artigo 250 do Código Civil). E, também, manteve-se a sua natureza patrimonial (artigo 591 do Código de Processo Civil). Entretanto, acrescentam que a natureza da prestação obrigacional deve ser econômica, ou seja, apreciável em dinheiro. 118
7.3 – Elementos da obrigação
A obrigação decompõe-se em três elementos: o elemento subjetivo (os sujeitos), o elemento objetivo (o objeto da obrigação) e o vínculo jurídico.
O elemento subjetivo se constitui pelos sujeitos de direito que participam de determinada relação jurídica. É dúplice a sua essência, porque de um lado há o credor e do outro o devedor. Ao primeiro defere-se o direito de exigir a prestação a que faz jus, e ao segundo impõe-se o dever de cumprir tal prestação em benefício daquele. 119
No Direito Romano, como já visto, a natureza da obrigação era pessoal, então, não se permitia à substituição dos sujeitos, em virtude do vinculo ser intuito personae. Erigia-se a regra da determinação dos sujeitos portanto. No entanto, os romanos admitiam a atenuação de tal princípio. Havia a possibilidade de se executar a obrigação "em favor de pessoa diferente do reus stipulandi, como ainda outros em que respondia pelos seus efeitos pessoa diversa do reus debendi". 120
Hoje se mantém a regra de que os sujeitos da obrigação devam ser determinados, no entanto, tal princípio é maleável. Tanto o sujeito ativo como o passivo podem ser substituídos, e isto é facilmente percebido quando analisamos os institutos cíveis da cessão de crédito, em que o credor transfere para terceira pessoa seu direito creditício (artigo 286 do Código Civil), e da assunção de dívida, na qual o devedor transfere para outrem, mediante aceitação do credor, a dívida constituída (artigo 299 do Código Civil).
O elemento objetivo da obrigação é a prestação cuja natureza se resume no cumprimento de uma prestação (comportamento), seja ele ativo (dar e fazer) ou passivo (não fazer). 121 Estes deveres são objetos imediatos da prestação. O objeto mediato é "o bem ou serviço a ser prestado, a coisa em que se dá ou o ato em que se prática". 122
Numa venda e compra (artigo 481 do Código Civil) os objetos imediatos são: a obrigação de dar do vendedor, que se consubstancia na transferência do bem; e a outra obrigação de dar do comprador, que é o dever de entregar o dinheiro em pagamento; e, também, o direito do comprador de receber esse pagamento, e o direito do comprador de receber a coisa que comprou. Já o objeto mediato é: o bem que comprador almeja e o dinheiro que vendedor faz jus.
O objeto da obrigação para ser válido deve respeitar os requisitos constantes do artigo 104, inciso II, do Código Civil, ou seja, deve ser lícito, possível, determinado ou determinável.
Objeto lícito é aquele que não ofenda a lei, a moral e os bons costumes. 123
Sua possibilidade deve ser física ou jurídica. A primeira é o respeito às leis físicas ou naturais, e a segunda é o respeito ao ordenamento jurídico. 124
O objeto da obrigação deve ser definido (determinado) ou suscetível de determinação no momento de sua execução. 125
Ademais, todo objeto de uma obrigação dever ser apreciável economicamente, isto é, que seja possível a sua conversão em pecúnia. E isto é perceptível no momento em que a prestação não é cumprida, porque a ordem jurídica possibilita ao credor buscar a satisfação de seu crédito mediante a execução forçada do patrimônio do devedor.
Já o vínculo jurídico é um elemento da obrigação cuja natureza é abstrata e, por meio da qual, credor e devedor estão interligados.
No dizer de Roberto Ruggiero esse elemento é um "vinculo de direito" que limita a liberdade individual do devedor e outorga ao credor o direito de exigi-lo, isto é, constrangê-lo "a determinada atividade (positiva ou negativa) e aquele pode, na falta, pagar-se pelo patrimônio do outro". 126
Existem três teorias que explicam a natureza efetiva do vínculo jurídico. A primeira explica que a natureza deste é a sujeição da pessoa do devedor à pessoa do credor. A segunda concebe esse vínculo jurídico como sendo a interligação entre o credor e o patrimônio do devedor. E a terceira entende esse vinculo em correlação aos atos que o devedor deverá cumprir.
Modernamente, é inconcebível a idéia de sujeição da pessoa do devedor a do credor, pois a sujeição do obrigado não gera nenhum poder ao credor, nem um estado de dependência pessoal do devedor. Ocorre, em verdade, a limitação da liberdade do devedor, o que não quer dizer destruição ou diminuição da mesma. Não é outorgado ao credor o poder de retirá-la do devedor, muito menos ela se constitui em objeto do vinculo, porque é destinada a um comportamento, seja ele ativo ou negativo, "e o devedor (ainda quando a prestação seja estritamente pessoal) pode, violando a obrigação, não cumprir ou cumpri-la, sem que o credor tenha a possibilidade de uma coerção física sobre a pessoa". 127
É de se ressaltar que uma obrigação não cumprida converte-se em perdas e danos 128 e a dívida civil, em nosso país, não mais resulta em prisão, por força do artigo 5º, inciso LXVII, da Constituição Federal, salvo o descumprimento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e o descumprimento causado pelo depositário infiel.
A natureza do vínculo jurídico também não se assenta na tese que a considera como sendo a interligação entre o credor e o patrimônio do devedor, porque, para o nosso direito, o patrimônio deste constitui-se em mera garantia do direito creditício do credor (artigo 591 do Código de Processo Civil).
Acertada é a teoria que considera o vinculo jurídico como sendo dirigido a uma ação determinada. O devedor tem sua liberdade limitada em razão do ato ativo ou passivo específico que terá de cumprir, e não em toda a sua liberdade. Ademais, tal situação é temporária, pois se consuma no momento de sua efetivação (cumprimento). Caso contrário,seria uma afronta ao artigo 5º, caput, da Constituição Federal que preconiza a garantia da liberdade para os brasileiros e para os estrangeiros aqui residentes.
7.4 – Colaboração doutrinária: o débito e a responsabilidade
A moderna dogmática jurídica distingue no bojo da obrigação outros dois elementos: o débito (Schuld) e a responsabilidade (Haftung). Coube ao jurista alemão Brinz alertar ao mundo jurídico sobre essa dicotomia no conteúdo da obrigação. Sua iniciativa influenciou muitos outros juristas na Alemanha e, posteriormente, na Itália, onde houve a elaborou-se doutrinariamente uma tese, o que permitiu um entendimento mais completo desse aspecto.129
O dever consiste na prestação positiva ou negativa (dar, fazer ou não fazer) a que o devedor está sujeito a cumprir em benefício do credor. E a responsabilidade é a sujeição do devedor ao poder outorgado pela ordem jurídica ao credor de agredir seu patrimônio quando não cumprir uma prestação para a satisfação do crédito deste.
O Schuld e o Haftung são elementos que estão presentes simultaneamente na maioria das formas de obrigação, no entanto, tal situação não é uma condição necessária, pois casos há em que o débito está desacompanhado da responsabilidade e a responsabilidade também está desacompanhada do débito.
Exemplo claro de que existe dever sem responsabilidade é aquele referente à obrigação natural. Esta é o vínculo que gera para o devedor um dever, mas se este dever não for cumprido, não assiste ao credor o direito de exigir judicialmente o pagamento mediante constrição patrimonial, mas, se cumprido, não se admite por parte do devedor a repetição daquilo que pagou, ou seja, a sua devolução.
As obrigações decorrentes de jogos ou apostas são obrigações naturais (artigo 814, caput, do Código Civil). O credor, nestes casos, não dispõe de poder jurídico (exigibilidade) para buscar no patrimônio do devedor alguns bens suficientes para a satisfação de seu crédito, ou seja, o devedor não possui responsabilidade. Porém, se o devedor cumprir o dever, não poderá requerer a devolução.
Já quanto à responsabilidade sem dívida, podemos mencionar o caso do contrato de fiança (artigo 818 do Código Civil), no qual o fiador garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra. Ao devedor assiste o dever de cumprir a obrigação e ao fiador à responsabilidade.
No processo de execução, o fiador que for indicado ao pagamento total da dívida poderá requerer que os bens do devedor sejam executados primeiro (artigo 827 do Código Civil), mas, se este não tiver bens, ou se tiver e eles forem onerados ou protegidos por lei como impenhoráveis (artigo 648 e artigo 649 do Código de Processo Civil), claramente o fiador responderá pela obrigação e terá de dispor de alguns ou todos os bens de seu patrimônio para a satisfação do crédito do credor até o montante acordado em contrato.
Mesmo sendo inteligível a dualidade de elementos na obrigação (a divida e a responsabilidade), muitos jurista consideram essa tese artificial. Mas existem outros estudiosos que a defendem, como jurista brasileiro Arnoldo Wald que entende, ipsis litteris:
"Ao se decompor uma relação obrigacional, verifica-se que o direito de crédito tem como fim imediato, uma prestação, e remoto, a sujeição do patrimônio do devedor, Encarda essa dupla finalidade sucessiva pelo lado passivo, pode-se distinguir, correspondentemente, o dever de prestação, a ser cumprido espontaneamente da sujeição do devedor, na ordem patrimonial, ao poder coativo do credor. Analisada a obrigação perfeita sob essa dupla perspectiva, descortinam-se os dois elementos que compõem seu conceito. Ao dever de prestação corresponde o debitum, à sujeição, a obligatio, isto é, a responsabilidade". 130
Nós também entendemos que essa teoria é verdadeira e, ainda, acreditamos que ela é prática, porque permite analisar com mais exatidão a obrigação e os casos em que divida e responsabilidade não estão necessariamente unidos, como os mencionados acima.
7.5 – Responsabilidade limitada
A obrigação sendo desta forma analisada também permite verificar duas fases distintas: a primeira consistente pelo cumprimento voluntário de uma prestação, seja ela positiva ou negativa, pelo devedor em favor do credor; e a segunda caracterizada pela responsabilidade do devedor quando não cumpriu a prestação, o que o sujeita ao pagamento mediante a disposição de seu patrimônio em processo executivo.
O legislador dá especial atenção a essa segunda fase, tanto que criou instrumentos que permitem ao credor satisfazer seu crédito. No Código de Processo Civil institui várias formas de processos executivos, que são: a execução para entrega de coisa certa; a execução das obrigações de fazer e não fazer; a execução por quantia certa contra devedor solvente; a execução de prestação alimentícia; e a execução por quantia certa contra devedor insolvente. Também instituiu nesse código a denominada execução extrajudicial, que foi reforçada pela lei nº 11. 382, de 6 de dezembro de 2006.
O mesmo legislador entende que o devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, mas, ao mesmo tempo que isto expressa, não preconiza seu entendimento de forma inflexível, pois admite exceções, desde que essas exceções estejam expressas em lei (artigo 591 do Código de Processo Civil).
Uma analise atenta do artigo 591, in fine,do Código de Processo Civil nos permite concluir duas coisas:
a) a responsabilidade do devedor pode ser limitada desde que tal hipótese esteja expressa em lei;
b) uma vez positivada tal hipótese, a responsabilidade do devedor fica circunscrita a um conjunto de bens específicos; e
c) alguns bens do devedor não são alcançados pelos atos expropriatórios inerentes ao processo de execução.
Na seção 4, tópico 4.7, concluímos que a separação patrimonial é possível, e mediante esta assertiva levantamos a questão elaborada na seção 3, tópico 3.6, item "b", isto é, se positiva a separação patrimonial, se era admissível à limitação de uma responsabilidade neste. O artigo 591, in fine, do Código de Processo Civil expressa que é possível a limitação da responsabilidade de qualquer pessoa a um conjunto de bens, com exclusão de outros. Assim, está claro que esse dispositivo legal nos autoriza concluir que a responsabilidade do empresário singular pode ser sim limitada a um conjunto de bens, que, in casu, é o patrimônio separado, o que não permitira aos seus credores buscarem seus bens particulares.
Além disso, o mesmo dispositivo nos possibilita concluir outra coisa, que é: a responsabilidade originaria do inadimplemento de uma obrigação pessoal também será limitada ao patrimônio particular do empresário, não permitindo a incidência da execução sobre o patrimônio especial relativo à sua atividade econômica.
Temos, assim, como certo a possibilidade de se limitar à responsabilidade do empresário singular ao seu patrimônio especial quando se tratar de responsabilidade oriunda de inadimplemento de obrigações ligadas a sua atividade, e também a limitação de sua responsabilidade ao patrimônio pessoal quando se tratar de responsabilidade originaria de obrigações pessoais. Mas, conforme o exposto no artigo 591, in fine, do Código de Processo Civil, a limitação da responsabilidade de qualquer pessoa somente é admissível, se tal hipótese estiver expressa em lei, então, no caso do empresário individual, o legislador para beneficiá-lo deve positivar o que concluímos acima.
7.6 – Acepções diversas relativas à palavra responsabilidade
O doutrinador alemão Ludwig Eneccerus, em seu livro intitulado Derecho de las obligaciones, explica que a palavra Haftung (responsabilidade) "se aplica na Alemanha em diversos sentidos". 131
Portanto, nesse ínterim, cabem alguns esclarecimentos quanto a esse elemento do vinculo jurídico para buscarmos sua real significação.
A doutrina explica que há duas espécies de responsabilidade: a responsabilidade quantitativamente limitada e a responsabilidade objetivamente limitada. 132
Quanto à responsabilidade quantitativamente limitada, Enneccerus nos explica a sua essência quando ensina, ipsis litteris:
"Às vezes a responsabilidade ou sujeição se limita a um valor máximo (responsabilidade quantitativamente limitada). Então se trata de uma delimitação do conteúdo da dívida, de uma obrigação delimitada que nos parece limitada, porque a comparamos com outra de maior alcance. Porém, ao conteúdo delimitado da divida está sujeito todo o patrimônio do devedor, e a execução forçada é admissível sobre os objetos do patrimônio, que estão sujeitos em geral a execução forçada". 133
Sob essa perspectiva, verificamos que a responsabilidade quantitativamente limitada não se refere à limitação de uma responsabilidade, e sim a limitação de outro elemento da obrigação, que é a dívida. E, por consequência, num eventual inadimplemento, o devedor responde ilimitadamente com seu patrimônio, o que não se presta ao nosso propósito.
O legislador brasileiro não faz essa análise e, por conseguinte, comete algumas imprecisões.
Exemplo disso é o artigo 1.052 do Código Civil, no qual está expresso que na "sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social".
Nesse caso, o sócio não tem sua responsabilidade limitada ao valor de suas quotas, mas uma dívida (obrigação) limitada ao valor das mesmas e, além disto, quando não integralizar o capital social, responderá ilimitadamente.
Quando duas ou mais pessoas decidem contratar a formação de uma sociedade do tipo limitada, eles, claramente, deverão expressar o acordado em um instrumento de contrato, que é o contrato social (artigo 997 do Código Civil).
Esse contrato social deverá ser inscrito no Registro Civil das Pessoas Jurídicas do local da sede da sociedade nos trinta dias subseqüentes (artigo 998 do Código Civil). Após essa inscrição o contrato social surte seus efeitos naturais, e um desses efeitos é a criação de uma pessoa jurídica (artigo 45 do Código Civil) que, por si só, adquire direitos, assume obrigações e procede judicialmente, por meio de administradores com poderes especiais, ou, não os havendo, por intermédio de qualquer administrador (artigo 1.022 do Código Civil).
Outro efeito decorrente é o nascimento de uma relação jurídica entre os sócios e a pessoa jurídica que exerce a atividade empresária (sociedade empresária). E, também, tal relação jurídica confere direitos e deveres a cada um (artigo 1.001 do Código Civil).
Bem, a integralização do capital é uma dívida consistente numa obrigação de dar, cujo objeto mediato pode ser pecuniário, bens móveis ou imóveis, ou uma obrigação de fazer, cujo objeto mediato é uma prestação de serviços, conforme o caso. Quando o sócio, efetivamente, integraliza o capital social a que se comprometeu no contrato social, solve de imediato a sua dívida perante a sociedade (pessoa jurídica). Porém, se não cumprir essa prestação, sujeitará todo o seu patrimônio ao poder constritivo daquela (responsabilidade ilimitada), conforme o expresso no artigo 591 do Código de Processo Civil.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo possui farta jurisprudência, na qual consta que, uma vez não integralizado o capital social pelo sócio em beneficio da sociedade limitada, emerge para esta o direito de buscar no patrimônio pessoal daquele um conjunto de bens suficientes para a efetiva satisfação de seu crédito. Exemplo de tal posição é a seguinte decisão: "PENHORA - Bens particulares de sócio - Sociedade por cotas de responsabilidade limitada - Integralização do capital social não comprovada - Constrição válida - Inteligência do art. 2º do Dec. 3.708/19". 134 (grifo nosso)
A responsabilidade objetivamente limitada, assim, não tem por fim o que buscamos, que é a limitação da responsabilidade em um conjunto patrimonial específico, pois não se trata de responsabilidade limitada, e sim de dívida limitada e também de responsabilidade ilimitada num eventual descumprimento de dever.
Refutada a ideia acima, devemos analisar doravante se a responsabilidade objetivamente limitada resulta ou não em uma efetiva limitação de responsabilidade.
Enneccerus explica também esse tipo de responsabilidade, ipsis litteris:
"Porém também há casos nos quais a responsabilidade ou sujeição se limita a determinados objetos do patrimônio, de sorte que só ‘estes’ estão afetados e, portanto, a execução forçada só pode recair sobre os mesmos (sujeição ou responsabilidade limitada quanto aos objetos ou as coisas)". 135
O mesmo jurista alemão ensina que a responsabilidade objetivamente limitada pode circunscrever-se em patrimônios separados, porque dá como exemplo o caso do herdeiro que só responde pelas dívidas da herança com os bens deixados pelo de cujus. 136
Com essas afirmações, temos elementos suficientes para formarmos um juízo mais correto, que consistirá na constatação que a responsabilidade objetivamente limitada cumpre efetivamente a missão de limitar a responsabilidade em razão de um conjunto patrimonial especial.
Sylvio Marcondes chegou à mesma conclusão, porque concluiu em seus estudos que, ipsis litteris:
"A responsabilidade limitada manifesta-se, em sentido próprio e com rigor, no campo patrimonial do devedor, se demarca uma área circunscrita de bens, destinada a suportar, no caso de inadimplemento, a ação de credores, cuja eficácia se confina nos lindes intransponíveis dos valores ai realizados. Trata-se, então, da responsabilidade objetivamente limitada". 137
7.7 – Argumentos contrários
Há muito preconceito quanto à limitação da responsabilidade do empresário individual a um patrimônio especial ou separado.
Orlando Gomes, quando elaborou seu anteprojeto tendente a reformar o Código Civil de 1916, no artigo 348 do mesmo, afirmou que não há empecilho algum em se criar um "patrimônio separado precisamente para o fim de se limitar a responsabilidade, uma vez que se cerque a constituição de cautelas para impedir as formações fraudulentas, e se exija a publicidade necessária [..]" 138, no entanto, há outros juristas que não aceitam essa medida.
O jurista e doutrinador Calixto Salomão Filho, em sua tese de mestrado denominada "A sociedade Unipessoal", argumenta que a limitação da responsabilidade ao patrimônio separado do empresário singular não é possível. Para ficar mais claro analisemos literalmente sua afirmação, ipsis litteris:
"O art. 591 do Código de Processo Civil contém a regra geral de responsabilidade patrimonial integral do devedor pelos seus débitos, à exceção das previsões legais contrárias. Essas exceções legais expressas são as previstas no art. 649 do mesmo código. Nelas não se encaixa a hipótese de patrimônio separado para fins da de exercício da atividade de empresa. Nenhuma disposição existe quanto aos bens destinados a uma determinada atividade comercial.
O único dispositivo que poderia aproximar-se da hipótese aqui discutida é o inc. I do art. 649 do Código de Processo Civil, que diz serem impenhoráveis os bens inalienáveis e os bens declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução. Poder-se-ia ter a impressão que o legislador teria aberto uma brecha para a separação voluntária de patrimônios. Não foi o que ocorreu, no entanto. Em primeiro lugar, o dispositivo refere-se aos bens absolutamente impenhoráveis. Assim sendo, no caso de um comerciante pretendesse utilizá-lo para formação de seu ‘patrimônio separado’, qualificando como não sujeito à execução os bens nele compreendidos, a conseqüência seria pura e simplesmente que esses bens não seriam também pouco penhoráveis pelas dívidas comerciais. Ou seja, na prática, o comerciante não teria bens livres para dar em garantia e, consequentemente, não teria crédito.
Mas essa hipótese, além de sua inviabilidade prática, é também sistematicamente inadmissível. Com efeito, uma tal interpretação seria incompatível com o art. 591do Código de Processo Civil, segundo o qual as exceções à responsabilidade patrimonial integral decorrem de lei e não da vontade das partes. Isso porque nesse caso a impenhorabilidade estaria sendo claramente utilizada como artifício para obter a limitação de responsabilidade. A conclusão é, portanto, pela inexistência de reconhecimento legislativo do patrimônio separado no Brasil". 139
Entendemos, porém, que tal argumentação é insubsistente.
Primeiramente, esse jurista afirma que as únicas hipóteses de limitação de responsabilidades são aquelas constantes do artigo 649 do Código de Processo Civil, no entanto, se esquece que o rol desse artigo é apenas exemplificativo. Há outras hipóteses em leis esparsas, como, por exemplo, o que está expresso no artigo 1º da Lei 8.009, de 29 de março de 1990, que é, in verbis:
"O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei". 140
O bem de família, por força de tal Lei, é impenhorável, assim toda e qualquer pessoa responde com todos os seus bens quando não adimplir suas obrigações, com exceção daquele.
A limitação da responsabilidade de qualquer pessoa somente é possível se a lei assim o determinar, essa é a interpretação exata que podemos depreender do artigo 591 do Código de Processo Civil. Assim, se cabe a lei limitar a responsabilidade de qualquer pessoa, por via indireta, cabe ao legislador estipular quais bens são ou não impenhoráveis. Se não fosse essa a interpretação mais acertada, o referido jurista estaria correto em seu argumento, porém, os fatos demonstram a veracidade de nossa constatação. Cabe ao legislador estabelecer as hipóteses de limitação da responsabilidade, e tanto é assim que elaborou uma hipótese fora do rol do artigo 649 do Código de Processo Civil, que é o artigo 1º d Lei 8.009.
Os juristas que defendem a limitação da responsabilidade do empresário singular mediante a separação patrimonial buscam isto por meio da atividade legislativa, ou seja, oferecem subsídios jurídicos para que o legislador institua através da lei a limitação da responsabilidade do empresário singular, e não pela subversão do sistema legislativo.
Em segundo, realmente não é possível utilizar-se do inciso I, do artigo 649, do Código de Processo Civil, mas não porque o mesmo impede a limitação da responsabilidade do empresário mediante a criação de um patrimônio de forma voluntária, porém, pela própria característica do patrimônio separado, que é criado somente se houver disposição legal nesse sentido. 141
E, por último, é interessante observar que o referido jurista argumenta que se deve respeitar o artigo 591 do Código de Processo Civil no sentido de não adotar a limitação da responsabilidade do empresário singular, pois isto se constituiria numa afronta ao artigo. Mas em outro ponto de sua tese de mestrado, afirma que muitos criticam a adoção da sociedade unipessoal por se tratar de um meio que afronta o sistema legislativo vigente, isto é, toda sociedade é formada por no mínimo duas pessoas e não uma, como é o caso da sociedade unipessoal, entretanto, ao mesmo tempo em que isso demonstra, acredita que o respeito ao sistema legislativo vigente deve ser deixado de lado, porque ordens de natureza fática, como as sociedades fictícias, impulsionam o legislador a estabelecer exceções. Ora, ou se respeita o sistema legislativo ou não. 142
Os adeptos da teoria objetiva em todo momento tenderam a criar um instituto que respeite a ordem legislativa posta, sem elucubrações. A criação de um patrimônio especial é embasada no instituto da universalidade de direito, e a limitação da responsabilidade é fundamentada na ação do legislador neste sentido com o devido respeito ao artigo 591 do Código de Processo Civil.
7.8 – Artigo 591 do Código de Processo Civil versus o artigo 391 do Código Civil
Sabemos que o artigo 591 do Código de Processo Civil autoriza ao legislador limitar a responsabilidade do empresário singular se assim dispuser em lei, no entanto, o artigo 391 do Código Civil expressa que "pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do devedor", sem estabelecer exceções no seu bojo.
A regra constante do artigo 591 Código de Processo Civil estaria revogada pelo Código Civil, já que este é uma norma posterior e não estatui exceções a regra da responsabilidade ilimitada?
Primeiramente, é de se salientar que, apesar de não existir exceções no artigo 391 do Código Civil, há hipóteses de exceção nos demais dispositivos deste diploma legal como, por exemplo, a já citada responsabilidade limitada do herdeiro com a aquisição da herança do de cujus, bem como a responsabilidade limitada do cônjuge no patrimônio particular.
Idealizemos, porém, que tais exceções não existam.
Se ficássemos presos às regras de aplicação das normas jurídicas, concluiríamos que a limitação da responsabilidade do empresário individual estaria frustrada, no entanto, tal conclusão é extremamente superficial. Concluir isto é aceitar um sofisma que é carecedor de conteúdo.
A responsabilidade realmente é um instituto de direito privado, no entanto, se efetiva mediante a aplicação de regras processuais.
Quando o credor se vê numa situação em que o devedor não cumpriu a prestação que avençaram como sendo o objeto de determinada obrigação, de imediato, para ter satisfeito seu crédito, propõe uma ação executiva tendo por finalidade o pagamento forçado do devedor em seu beneficio ou a constrição de alguns bens do patrimônio deste para que os aliene judicialmente e com o fruto de tal medida (dinheiro) ver-se ressarcido.
Não se vê por ai a constrição de bens de maneira extrajudicial, até porque não existe previsão legal, e se realmente ocorresse, a sua efetivação por qualquer credor consistiria em um crime, isto é, cometeria o crime de exercício arbitrário das próprias razões (art. 345 do Código Penal), o que resultaria numa pena de detenção, de quinze dias a um mês, ou multa, além da pena correspondente à violência, se houver.
A "operacionalização" da responsabilidade é matéria afeta ao Código de Processo Civil, e não ao Código Civil, que, por conseqüência, disciplina algo que não lhe compete.
Afastados, por conseguinte, estão os efeitos do artigo 391 do Código Civil, e, para nós, o artigo 591 do Código de Processo Civil surte seus efeitos de forma plena.
7.9 – Considerações finais
Conceituamos o instituto civil da obrigação, abstraímos os seus principais elementos e, por último, isolamos o elemento mais pertinente a presente pesquisa, que foi justamente a responsabilidade. Esse elemento, conforme verificamos acima, tem uma realidade bem definida, que condiz com a sujeição de todo o patrimônio do devedor à execução em beneficio do credor, o que significa uma responsabilidade ilimitada. Porém, esse elemento pode ser limitado ou circunscrito a um conjunto de bens, possibilitando que o devedor responda pelo inadimplemento de suas obrigações somente com os bens destinados a tal fim, permitindo também a exclusão de outros bens não correlacionados.
Essa conclusão veio por força da análise que fizemos do artigo 591, in fine, do Código de Processo Civil, pois o mesmo institui uma exceção ao pesado princípio da responsabilidade ilimitada que se configura nas seguintes linhas:
a) a responsabilidade do devedor pode ser limitada desde que tal hipótese esteja expressa em lei;
b) uma vez positivada tal hipótese, a responsabilidade do devedor fica circunscrita a um conjunto de bens específicos; e
c) alguns bens do devedor não são alcançados pelos atos expropriatórios inerentes ao processo de execução.
Entendemos, portanto, que a questão formulada na seção 3, tópico 3.6, item "b", foi superada, uma vez que é admissível a limitação de uma responsabilidade a um patrimônio separado.
Noutro passo, podemos também dar uma realidade jurídica àquela tendência mencionada na seção anterior, isto é, o exame da obrigação e da sua respectiva limitação nos possibilitou dar um substrato jurídico ao último passo lógico que o Direito Empresarial deveria tomar, que é a limitação da responsabilidade do empresário individual.
Também verificamos que o instituto da responsabilidade limita é detentor de duas acepções, a responsabilidade quantitativamente limitada e a responsabilidade objetivamente limitada. Dessas duas denominações podemos apreender que somente a última condizia com a gênese do instituto, porque a responsabilidade do devedor estava adstrita a um conjunto de bens, enquanto que a primeira estava mais relacionada a uma divida limitada e, que se não fosse adimplida, resultava numa responsabilidade ilimitada.
Felizmente, assim, concluímos que a responsabilidade do empresário individual é possível sob a ótica da teoria objetiva em face do nosso ordenamento jurídico.