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O princípio da uniformidade de interpretação e aplicação do Direito da Integração

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Agenda 26/01/2011 às 09:26

4. UNIFORMIDADE E APLICAÇÃO NAS QUESTÕES PREJUDICIAIS

Desde logo, esclarecemos que o problema de suscitar as questões prejudiciais [145], poderiam ser sanados no plano nacional, pela figura do legislador [146].

4.1 Conceito e relevância na ordem jurídica comunitária

Consistem num instrumento da interpretação uniforme do DC, ou como alguns preferem "mecanismo a fim de evitar divergências de jurisprudência nos vários EM" [147], motivo pelo qual as limitações quanto à discussão sobre estas, esgotar-se-ão no entendimento do princípio em estudo. A questão prejudicial [148] surge como uma questão incidental dentro do processo principal, acarretando a suspensão da instância no processo principal. Ela deve ser desprovida de formalidade [149], e corre em algum tribunal nacional.

Consideradas como uma manifestação da cooperação [150] entre os tribunais nacionais e o TJ, as questões prejudiciais dão oportunidades ao juiz nacional para antes de aplicar a norma em litígio de obter do TJ um critério uniforme para interpretação e a apreciação da validade da norma ou do ato em causa. Até porque, se fosse permitido ao juiz [151] resolver a dúvida sozinho e livremente, implicar-se-ia um fraccionamento do DC, quebrando a uniformidade que se pretende atingir na interpretação e na aplicação da ordem jurídica comunitária [152].

Isso é apenas o reflexo do sistema de cooperação que substitui o hipotético sistema de hierarquia [153] entre os TC e os tribunais nacionais, o qual consistia numa via para assegurar a uniformidade na interpretação e na aplicação do DC pelo juiz nacional, mas incompatível com o estádio atual da integração européia.

Algumas observações gerais deste instituto merecem ser destacadas. O TJ não hesita em reformular as questões se entender necessário [154], embora não responda a questão colocada. A fim de delimitar as questões a serem suscitadas, o art. 68 restringe à decisões que não sejam suscpetíveis de recurso. A decisão proferida naquele processo é obrigatória para os órgãos jurisdicionais nacionais, mas não se aplica às decisões que já constituíram coisa julgada.

Assim, as questões prejudiciais sendo um instrumento da integração jurídica, bem como da criação do Direito Comunitário por via pretoriana, devem ser consideradas como o mais importante meio do Contencioso Comunitário, motivo pelo qual foi através dele que o TJ proferiu seus mais célebres e marcantes Acórdãos [155].

Somente ficará assegurada a uniformidade do Direito Comunitário pretendida com as questões prejudiciais, se houver acatamento do juízo de interpretação ou de apreciação de validade do TJ pelo tribunal nacional, bem como se o conteúdo do acórdão prejudicial [156] vincular tanto o "tribunal nacional questionante" e todos os demais tribunais do espaço europeu [157].

4.2 Base legal

As questões prejudiciais, sejam elas de interpretação, sejam estas de apreciação de validade, estão positivadas no art. 234 CE [158], que somente traduz efeitos na ordem jurídica comunitária quando o TJ possa contribuir para interpretação e aplicação uniformes da norma ou do ato em causa [159].

Necessário fazermos um apontamento histórico do surgimento deste dispositivo legal, vez que teve sua inspiração no Tratado da CECA e em alguns direitos nacionais, mais precisamente o direito alemão, o direito italiano e o direito francês. O direito interno dos EM conhecia tais questões nas relações entre os tribunais penais, civis e administrativos [160].

O art. 177 (atual 234) do TCEE teve origem no art. 41 do TCECA. Comparando-se os artigos [161], observa-se: um maior âmbito de aplicação, vez que somente agora é possível que o juiz suscite questões de interpretação, havendo a necessidade de que o juiz nacional suscita a questão prejudicial somente se estiver a julgar em útlima instância. Dentro das razões objetivas deste dispositivo, resta claro que as questões prejudiciais servem para assegurar a uniformidade de interpretação e aplicação do DC.

4.3 Objetivos

Como mencionado no dispositivo legal, as questões prejudiciais podem versar sobre dois objetivos:

4.3.1 Interpretação [162] do Direito Comunitário

Para que se obtenha o entendimento desta espécie do gênero de questões prejudiciais, necessário que o leitor traga consigo tudo o já exposto anterioremente acerca do que se entende por interpretar e qual a relevância de uma correta interpretação no Direito Comunitário, no sentido de que interpretar significa determinar o seu alcance e definir seus efeitos.

Há várias divergências na doutrina quanto algumas denominações mencionadas no dispositivo que estabelece as questões prejudiciais, e mais que isso, com relação ao âmbito que se quis dar, uma vez que estas são consideradas como fontes sujeitas à interpretação.

Resumidamente e mais, adotando a doutrina exemplar e majoritária nesta matéria, estabelecemos que a expressão "presente tratado" ao contrário do seu significado vernacular próprio, compreende além dos de Paris e Roma, como todos os instrumentos em anexo que entraram em vigor na mesma época [163].

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Restringimos ainda que a expressão "atos adotados pelos órgãos comunitários" refere-se àqueles adotados pelas instituições [164] da comunidade, independentemente da sua aplicabilidade [165], mas estando excluídos os atos de direito nacional. Recordamos porém que esta regra como tal, admite exceção [166].

Em relação ao que se deve entender por "acordos internacionais em que a Comunidade é parte" deve ser visto de forma mais ampla possível, pois estamos diante de uma mudança no sentido originário onde o tribunal interpretava o ato interno comunitário de conclusão do acordo e do art. 300º do tratado como uma interpretação unilateral, válida apenas para a Comunidade, não oponível ao Estado terceiro com quem a Comunidade contratou. Hoje, com o instrumento das questões prejudiciais, a competência é alargada aos acordos concluídos pelos Estados Membros, em que a Comunidade lhes sucedeu e aos acordos mistos, estendendo também às decisões tomadas pelos órgãos instituídos por um acordo internacional, concluídos pela comunidade, e aos atos não obrigatórios concluídos por esses órgãos [167]. Aqui se inclui ainda as decisões tomadas por órgão de gestão de acordos internacionais. Destaca-se que a competência deve estar no texto do tratado, com exceção quando se tratar da cooperação policial e judiciária em matéria penal [168].

A interpretação prejudicial ainda pode recair sobre disposições do direito nacional que levam a cabo uma remissão explícita para o DC [169] ou que remeta a uma norma comunitária [170]. Como uma função atípica de um dos poderes estatais, pois infringe o art. 234, mas comprova a interpretação teleológica dos tratados e por ser necessária obter uma interpretação uniforme do DC.

Ainda, o Tribunal possui competência [171] para definir o campo de aplicação da norma ou do ato interpretado, bem como para fixar os efeitos destes e ainda para se pronunciar sobre o primado e o efeito direto das disposições interpretadas.

A interpretação [172] como é óbvio, não deve ser excessivamente abstrata, nem muito delimitada, visto que neste termos não só corria o risco de fomentar a rejeição pelo juiz nacional da interpretação formulada, como também desvirtuaria o "suposto" sistema de repartição de competências entre a jurisdição comunitária e a jurisdição dos tribunais nacionais [173]. Sendo malabarista, o tribunal tem que esquecer da matéria de direito e de facto que informam o litígio e fornecer da norma uma interpretação que respeite a competência do tribunal nacional que corresponda a expectativa.

Por fim, a interpretação pode recair também aos "estatutos de organismos criados por acto do conselho, desde que estes o prevejam", desnecessário é que façamos observações neste sentido, visto que nem o detentor desta competência assim a fez.

4.3.2 Apreciação da validade do Direito Comunitário

Devemos ter em mente uma noção de validade ampla, seja porque alguns doutrinadores [174] acreditem que ela possui uma idêntica noção à de legalidade [175], ou seja, porque o estabelecido no art. 234 venha significar a compensação da limitação da protecção jurisdicional conferida pelo art. 230.

Preocupando-se com o que pode [176] ser objeto de apreciação da validade, a doutrina estabeleceu que refere-se apenas ao direito derivado, embora o TJ possa reconhecer uma destas questões de um tratado internacional que obriga a Comunidade ou do ato comunitário da respectiva conclusão [177]. O fato de as partes no litígio principal não terem legitimidade para impugnar o ato em causa não impede que o TJ aprecie a validade do deste num processo prejudicial.

O item ora abordado foi inovado pelo Tratado de Amesterdão [178], quando veio prever as questões prejudiciais obrigatórias e facultativas também no terceiro pilar [179]. Uma das inovações constantes no Protoloco relativo ao Estatuto do TJ, trazido no anexo do Tratado de Nice foi de que a decisão do tribunal nacional que suspende a instância e suscita a questão prejudicial deve ser notificada também aos Estados membros do EEE [180] que não sejam membros da União, além é claro, ao órgão de Fiscalização da EFTA.

Ao contrário do que acontece na interpretação, o TJ não admite questões prejudiciais de apreciação de validade dos seus próprios acórdãos, vez que isso colocaria em causa a repartição de poderes [181].

O pronunciamento do TJ ocorre apenas a título prejudicial, e por isso os efeitos dos acórdão prejudicial não podem ser em hipótese alguma confundidos com os do acórdão proferido pelo TJ sobre a validade de uma norma ou de um ato num processo de recurso de anulação [182].

Sabemos que, assim como todo e qualquer assunto acerca do Direito Comunitário inclusive o tema deste relatório, esta passando por um processo de melhoramento constante, fato natural de um Direito moderno. Atualmente, o TJ tem entendido que a obrigação e suscitar a questão prejudicial pelo tribunal nacional pode até ser dispensada [183].

O acórdão do TJ sobre a questão de apreciação de valide não declara erga omnes a nulidade do ato, limitando apenas a declarar sua invalidade. Ao julgar uma questão de apreciação de validade o TJ pode reconhecer o ato impugnado como inválido ou declarar que seu exame não resultou o apuramento de qualquer vício capaz de afetar a validade do ato [184].

Nas questões prejudiciais de apreciação de validade, a declaração de invalidade do ato não se confunde com a anulação do recurso e isso decorre do fato da mesma ser analisada a título prejudicial, embora ela vincule os tribunais dos Estados Membros, obriga os órgãos o dever de extrair todas as consequências jurídicas [185]. Temporalmente, os efeitos do acórdão prejudicial [186] são de que o acórdão interpretativo possui efeitos retroativos, sendo esta também a REGRA nos acórdãos de apreciação de validade, salvo nos casos de declaração de invalidade.

4.4 Competência para interpretar ou apreciar da validade

Pertence ao Tribunal de Justiça as interpretações acerca do presente Tratado, quanto dos atos (adoptados pelas instituições da comunidade e pelo BCE, bem como sua validade) e dos estatutos (dos organismos criados por acto do Conselho, desde previstos no estatuto) [187].

O Tratado de Nice foi a fronteira para mudança jurisdicional. Até ele, o conhecimento das questões prejudiciais constituía competência exclusiva do TJ. Tendo em vista a necessidade de descongestionar o monopólio do julgamento das questões prejudiciais e a nova redação do art. 225, o TPI tornou-se em tribunal de primeira instância para todos os meios contenciosos.

Em matérias específicas o TPI [188] é competente para conhecer das questões prejudiciais e o quando este considerar que a causa exige uma decisão que possa afetar a coerência poderá remeter essa causa ao TJ. As questões proferidas pelo TPI podem ser reapreciadas a título excepcional pelo TJ nas condições do Estatuto.

4.5 Competência para suscitar questões prejudiciais

Quanto a questão da noção de jurisdição, ou consideramos como tribunal qualquer órgão como tal qualificado na ordem jurídica interna dos Estados da Comunidade, buscamos numa noção comunitária [189] de jurisdição, critérios que permitam qualificar como tal um determinado órgão interno [190].

Não podemos deixar de mencionar, embora sinteticamente, acerca das teorias para verificar quais são os Tribunais obrigados a suscitar tais questões. A teoria orgânica, aponta que apenas os supremos tribunais estão obrigados a suscitar as questões prejudiciais, ao passo que a teoria do litígio concreto abrange que o tribunal cuja decisão não é susceptível de recurso judicial ordinário, previsto no direito interno está obrigado, ou seja, não o supremo tribunal, mas o tribunal supremo naquele litígio concreto [191].

Para que não fossem enviadas questões prejudiciais de órgãos não qualificados de tribunal, necessário foi que se definisse o seu conceito, o que para tanto utilizou-se de um requisito de natureza orgânica e outro de caráter funcional.

O tribunal de justiça dispõe de uma competência de atribuição, enquanto os tribunais nacionais constituem as jurisdições de direito comum habilitadas a aplicar o DC aos casos concretos que lhe são submetidos. A obrigação de reenvio [192] está relacionada com o caráter do tribunal, e não com a natureza do processo, pois as decisões dos tribunais inferiores são normalmente susceptíveis de recurso [193].

Numa edição recente, foi observado que os órgãos jurisdicionais internacionais e os estranhos à Comunidade não podem colocar questões prejudiciais ao TJ. No entanto o tribunal já admitiu questões prejudiciais suscitadas por tribunais que não fazem parte do sistema judicial de qualquer EM e até por tribunais internacionais [194].

Ressalvamos que mesmo os tribunais que não julgam em última instância, se tiverem dúvidas quanto a validade do ato devem suscitar as questões ao TJ, embora sejam competentes para considerarem o ato como válido e rejeitarem as causas de invalidade invocadas. Essa interpretação contra legem do art. 234 é fundamentada na doutrina [195].

4.5.1 Faculdade do órgão competente

Em face da repartição de competências ser imperativa, a faculdade de suscitar as questões prejudiciais não pode ser restringida por convenção das partes, nem mesmo por regras de processo internas. [196].

É facultativo quando ao considerar que uma decisão sobre questão suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros seja necessário o pronunciamento do Tribunal. Da mesma maneira, se da sentença do tribunal que tem dúvidas, couber recurso jurisdicional de direito interno, o tribunal pode suscitar a questão junto ao TJ.

Devido os tribunais nacionais exercerem funções híbridas, os tribunais de cujas decisões não haja recursos podem, considerando sempre que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, solicitar ao TJ que lhes forneça a correcta interpretação da norma comunitária ou que se pronuncie sobre a validade do acto comunitário em causa, o que será feito mediante um "acórdão vinculante" [197].

4.5.2 Obrigatoriedade do órgão competente

De forma obrigatória, sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal de Justiça, embora tal obrigação não seja absoluta.

Nos casos de interpretação, a obrigatoriedade deixa de existir quando a questão não for necessária nem pertinente para o julgamento do litígio principal, ou quando se verificar uma identidade material da questão prejudicial com outra que já foi decidida pelo TJ ou ainda na hipóteses do juiz natural tiver verificado que a interpretação da norma em questão é clara. Já, nos casos de apreciação de validade, o TJ entende que os tribunais que não são de última instância são livres de suscitar ou não quando concluam pela validade, não o sendo quando convencidos da respectiva invalidade. Só o TJ poderá decidir, mesmo a título prejudicial, pela invalidade de um acto de Direito Comunitário.

Nas questões de apreciação, a declaração de invalidade do acto, por ter sido feita a título prejudicial, não se confunde com a anulação do ato. Já, a declaração pelo TJ, a título prejudicial, da invalidade do ato, para além de vincular os tribunais dos Estados Membros gera a todos o dever de extrair dessa declaração todas as consequências jurídicas.

Assim, os tribunais supremos são obrigados a solicitar ao TCE que lhes forneça a correcta interpretação da norma comunitária ou que se pronuncie sobre a validade do acto comunitário em causa. E ainda, se em um tribunal administrativo nacional for invocada a invalidade de um ato de DC, como o juiz nacional é desprovido de competência para declarar a nulidade ou anular este ato, se este se inclinar pela invalidade ou se considerar que tem dúvidas, ele é obrigado, mesmo que da sentença do tribunal em causa caiba recurso jurisdicional de direito interno, a suscitar perante o TJ a questão prejudicial de apreciação da validade do acto do DC [198].

Antes de abordarmos o próximo tópico, traremos algumas observações sobre as questões prejudiciais no âmbito do Mercado Comum do Sul, visto que tal ligação com a União Européia deve, sempre que possível, ser analisada.

No referido Mercado, há três fases procedimentais: conciliação, consulta e arbitragem [199], o que demonstra o nível light de institucionalização [200], embora saibamos que isso não poderá perdurar na evolução do mercado comum.

Mais uma vez, a doutrina [201] trás o modelo seguido pelo Direito europeu vez que se apreseNta "surpreendente e instigante", valendo-se de um instituto considerado a chave mestra, ou a válvula estabilizadora do todo o Direito Comunitário: a possibilidade dos efetivos aplicadores do Direito Comunitário, poderem consultar por via prejudicial a Corte de Justiça Européia, para que pronuncie a correta interpretação da norma comunitária que deve incidir sobre o caso em concreto.

Ocorre que o Mercosul é determinado por princípios diversos da União Eupéia, designadamente, pelo princípios da independência e da livre convicção da magistratura o que seguramente nos impossibiltam de aplicarmos tal instituto.

Sobre a autora
Lauren Lautenschlager

Advogada, Pós graduada em Direito do Ambiente e em Ciências Jurídico-Políticas da Universidade de Lisboa, atualmente mestranda na referida Instituição.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LAUTENSCHLAGER, Lauren. O princípio da uniformidade de interpretação e aplicação do Direito da Integração. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2765, 26 jan. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18348. Acesso em: 23 dez. 2024.

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