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O princípio da uniformidade de interpretação e aplicação do Direito da Integração

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Agenda 26/01/2011 às 09:26

5. HARMONIZAÇÃO E UNIFORMIZAÇÃO

Primeiramente, temos que estabelecer que estes dois institutos traduzem-se em espécies de um mesmo processo, diferenciados pelos seus instrumentos de aplicação.

Em regra, harmonização [202] refere-se a diretiva [203], enquanto que a uniformização, ao regulamento.

Uniformização é fundamental para qualquer bloco econômico, mas cada um, é claro, com suas peculariedades. Serve para a condução de políticas comuns, evitando as desigualdades das legislações.

A Harmonização [204] é um processo complexo, não passando para alguns de mais mais um "corolário natural da concepção comunitária da Comunidade e da sua Ordem Jurídica" [205], possuindo vários entraves, o que não será abordado no presente estudo, mas ressaltamos desde a falta de competência e legitimidade, até mesmo a falta de consenso entre os Estados.

Embora não exista um caráter imperativo da decisão, nem mesmo delimitação de matérias no Mercado Comum do Sul, vez que a decisão precisa de processo legislativo, sendo de Direito Internacional Público e não de Direito Comunitário, entrando no mundo jurídico nacional como um acordo internanacional passando pelo controle de constitucionalidade, tanto o Mercosul como UE prevêm a harmonização [206], o que não se pode dizer da uniformização, como será abordado no próximo tópico.

A harmonização [207] vive numa interação constante com os princípios da uniformidade e da igualdade na aplicação do Direito Comunitário. A importância de tal instituto é verificável, pois começa a abarcar as próprias Constituições dos Estados Membros [208].

No âmbito da União Européia, sublinhamos que o fato de que ainda que os artigos [209] que a estabelecem sejam diversos, a harmonização é progressiva e deverá limitar-se às disposições que se prenderem diretamente com o estabelecimento e o funcionamento da UEM.

Sabemos que a harmonização deve respeitar a especificidade dos Direitos nacionais, até porque ela envolve não apenas o direito substantivo, mas também o direito adjetivo ou processual, aliás, a harmonização daquele implica a harmonização deste [210].

A influência do princípio da subsidiariedade é demonstrada neste processo de harmonização. Isso porque, este princípio determina que a especificidade dos direitos nacionais só será substituída por um direito comum, se isso for necessário aos objetivos da integração. E mais, ele impõe que só se opte pelo grau superior quando o grau inferior não for suficiente para as necessidades da integração, o que demonstra uma ligação [211] entre tal princípio com o princípio da proporcionalidade.

Harmonização então se restringe ao que for necessário para a integração. Ela faz parte do quadrinômio coordenação/aproximação/harmonização/uniformização ou unificação que pretende exprimir graus progressivos de adaptação dos direitos nacionais ao direito comunitário.


6. OPERACIONALIDADE DO PRINCÍPIO DA UNIFORMIDADE E APLICAÇÃO NO MERCOSUL

Tendo em vista o tema da disciplina do Direito da Integração fundar-se a na relação existente entre os instumentos presentes na União Européia e no Mercosul, abordaremos a par de todos os conceitos já delimitados e superados, se o princípio em estudo aplica-se ou não ao Mercado Comum do Sul.

O Mercado Cumum do Sul tem origem com o Tratado de Assunção [212] e na sua criação possuia como objetivo tanto a livre circulação, seja de bens, pessoas, serviços e capitais, bem como estabelecer uma política aduaneira comum. Salientamosao leitor que a assinatura de um Tratado objetivando a construção de um Mercado Comum é fato inédito na história econômica brasileira.

A personalidade jurídica de Direito Internacional, do Mercosul, foi estabelecida na fusão do Tratado de Assunção com o Protocolo de Ouro Preto, porém necessário que desde já estabeleçamos a fundamental diferença como Bloco europeu, a qual está no fato de não haver primado no Mercosul, o que inevitavelmente, no nosso ponto de vista inviabiliza num sentido amplo, todo o Mercado.

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Ademais, a legislação Mercosulina não é considerada superior aos dos países membros o que demonstra a inexistência da supra-nacionalidade, possuindo caráter intergovernamental [213].

Sinteticamente, observamos que malgrada a sua denominação, o Mercado Comum do Sul, mescla distintas situações de aproximação econômica entre países, segundo a teoria da integração. Em primeiro lugar, refere-se à construção de uma Zona de Livre Comércio na região, tal como indica a eliminação das tarifas alfandegárias e não alfandegárias. Já em segundo momento, ambiciona sustentar uma política comercial externa unificada, com relação a outros países, estabelecendo uma Tarifa Externa Comum, o que caracteriza uma União Aduaneira. E finalmente, objetiva alcançar o patamar superior e derradeiro, da formação de todo Mercado Comum, com a livre circulação dos bens, do capital, do trabalho e do conhecimento.

Inevitável, assim como a globalização, é que a criação de um Mercado Comum implica o surgimento de um novo Direito, qual seja o Direito Comunitário ou da Integração. Assim, os Estados transformam seus mercados nacionais em um único e compartilhado mercado. E, para além dos efeitos econômicos que gera, altera profundamente a estrutura interna e tradicional dos ordenamentos jurídicos dos Estados-parte [214].

Para alguns [215], para que venha a constituir-se em um verdadeiro Mercado Comum será necessário um Tribunal com características de supranacionalidade, para garantir, uniformizar e harmonizar a legislação comunitária, uma vez que atualmente temos o direito internacional a reger as relações dele decorrentes, embora com algumas especialidades.

Não possuímos um direito comunitário, entendido como ramo autônomo e dotado de primazia com efeito direto e impositivo em relação ao direito interno. Devido a esta inexistência, impossível, a primeira vista, falarmos em uniformizar. E como uniformização e harmonização são espécies independentes, somos do entendimento a harmonização já encontra-se estabelecida expressamente no Tratado [216], o que nos leva a concluir que apenas não poderá ser possível aplicar o princípio da uniformidade.

Ocorre que mesmo que ainda não tenhamos um direito comunitário, com seus princípios próprios e peculiares, mesmo que as regras emanadas e vinculadas ao Mercosul ainda não configurem um direito comunitário, mesmo que dependamos de um procedimento legislativo e de um ato do executivo para que adquira eficácia a norma editada pelos órgãos intergovernamentais, a interpretação a ser dada pelos juízes nacionais ao direito interno não pode distoar dos princípios que regem toda a sua estrutura.

O exemplo das comunidades européias, instituindo um sistema jurídico próprio e autônomo constitui um dos instrumentos fundamentais de qualquer processo de integração a interpretação e a aplicação uniformes do direito da integração na ordem interna [217].

Claro que a ausência de um ente que determine uma interpretação unívoca dos acordos pode gerar uma aplicação disforme entre os Estados partes, mas em algum momento, é imprescindível que haja uma uniformização de interpretação e aplicação das normas constantes no Direito do Mercosul, visando fornecer uma garantia aos terceiros países e para organizações internacionais comunitárias alheias ao Mercosul.


7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como referimos, o objetivo deste estudo versava-se em demonstrar os três níveis em que o princípio da unifomidade de interpretação pode ser visto e aplicado no Direito da Integração. Seja, como princípio constitucional da União Européia, ou como mecanismo de interpretação nas questões prejudiciais ou ainda na relação inevitavelmente estabelecida entre uniformidade x harmonização.

Assim, necessárias algumas considerações finais, tendo em vista já ter referido em alguns aspectos nosso posicionamento no decorrer do presente trabalho.

Como vimos, não há na doutrina uma pacificidade acerca da denominação correta do Direito da Integração, bem como sua natureza [218], uma vez que existem no mínimo três leituras para tentar definir o significado da UE. Uma tese intergovernamental, um suprancional e uma multi-nível, as quais não são auto-excludentes, servindo para momentos específicos do seu desenvolvimento.

A tese intergovernamental parece ser a mais apropriada para explicar e entender os grandes momentos constituintes que tem lugar na UE, ao passo que a tese suprenacional é importante para explicar e entender o dia a dia das Comunidades Européias e assim, o impacto que as instituições supranacionais produzem no processo legislativo comunitário. E, por fim, a tese multi-nível possui um caráter eclético, sendo a mais apropriada para explicar o profuto do processo regulatório administrativo comunitário [219].

Todavia, já estão sendo levantadas dúvidas relacionadas com o futuro político da União Européia. E esse futuro incerto decorre do fato deste bloco estar sem à mercê de uma legitimação social [220], fato que desestabiliza o princípio da supremacia do direito comunitário. Até porque princípios são pilares do ordenamento, mas para que sejam erguidos necessitam de uma base sólida. Se a Europa fosse um Estado, com seu demos a primazia do DC sobre os direitos nacionais estaria legitimada.

Em relação a interpretação e aplicação do Direito Comunitário, o TJ além de precisar o sentido e alcance, ou seja, interpretar, este ainda decide sobre a aplicabilidade da norma precisando em acórdãos as condições da aplicabilidade direta. Assegurar a uniformidade de interpretação e aplicação do DC é assegurar a uniformidade na interpretação e aplicação do DC pelos tribunais nacionais [221].

Tal órgão afirma o princípio da primazia do DC sobre qualquer norma nacional que se lhe oponha e bem assim as implicações desse princípio, da mesma forma que determina os critérios da interpretação das normas comunitárias evocando o princípio da autonomia [222].

Superando isso, e utilizando do principal mecanismo ou instrumento de aplicação do princípio em questão, podemos dizer que com as questões prejudiciais estaria resolvido que nada colocaria em causa a unidade de interpretação ou apreciação de validade, se não fosse o risco de um interpretação equívoca da apreciação de validade, insusceptíveis de reconsideração, o que nos resta apenas contar com a prudência do juiz nacional. E por isso, foi mencionado os aspectos subjetivos indispensáveis tanto da figura do legislador, como da figura do juiz.

Um magistrado incumbido de julgar de acordo com o direito comunitário corre o risco de pensar que está pura e simplesmente a aplicá-lo quando na realidade o submeteu, ainda que inconscientemente, a uma operação mental de interpretação, atribuindo-lhe um sentido e um alcance que lhe parecem evidentes quando é certo que as disposições comunitárias em causa comportam obscuridade que exigem um esforço deliberado de prévia interpretação [223]. E como sabemos, a fronteira entre a interpretação e a aplicação do direito é difícil de definir, até porque o TJ tem competência apenas para interpretar, vez que a aplicação compete às jurisdições nacionais.

A nível legislativo e judiciário, há considerações ao instrumento que melhor aplica a interpretação unifome, e com isso afirmamos que a União Européia foi feliz na redação do art. 234º, embora este não tenha caráter inovador, visto que esta já era a finalidade deste bloco.

A validade como abordado deve ser visto em um sentido amplo, compreendendo sua faceta material e formal e a apreciação desta. A apreciação de validade constitui uma garantia para assegurar a estabilidade do direito derivado [224].

O tribunal não se ocupa em saber se as questõs formuladas são ou não necessárias para a solução do litígio pendente na juridição nacional, o que pode levar a um reenvio desnecessário muitas vezes, tendo em vista a falta de habilidade de alguns juízes, ou interesses alheios ao litígio, que sabemos que existem.

Há dois casos que merecem destaque no nosso estudo. O primeiro é o caso HOFFMANN LAROCHE [225] que evita que se estabeleça em qualquer Estado-Membro uma jurisprudência nacional em desacordo com as regras de DC. E o caso CILFIT [226] que visa evitar que estabeleçam divergências de jurisprudência no interior da Comunidade sobre questões de DC.

Com relação a operacionalidade, as questões prejudiciais nos casos dos Tratados CEE E EURATOM, se um tribunal de instância tiver em dúvida, ou ele resolve ou submete a sua resolução ao TJ, mediante a devolução, a título prejudicial da questão suscitada. E no caso do Tratado CECA a interpretação da norma aplicável é de responsabilidade do juiz nacional. Só o TJ é competente para julgar acerca da validade, sendo por isso as jurisdições nacionais obrigadas a submeter ao seu julgamento [227].

Importante deixarmos estabelecido que o Direito Administrativo nacional tutela interesses públicos comunitários, que encontrando-se confiados na sua execução à Administração Pública dos Estados-membros, encontram naquele as regras orgânicas, funcionais e procedimentais que garantam a sua efetiva execução interna, mas a disciplina procedimental não possui uma regulação uniforme, visto que as normas procedimentais encontram-se dispersas e incompletas no contexto das respectivas regulações materiais, tanto no direito primário como deriado. Por esse motivo, a jurisprudência exerce um fundamental papel através da formulação de princípios gerais de direito [228].

Na relação estabelecida entre uniformidade x harmonização, concluimos que ambas traduzem-se em espécies de um mesmo processo, diferenciados pelos seus instrumentos de aplicação, uma vez que em regra, harmonização refere-se a diretiva, enquanto que a uniformização, ao regulamento.

Embora a harmonização seja mais complexa, imprescindível que se repita que esta vive numa interação constante com os princípios da uniformidade e da igualdade na aplicação do Direito Comunitário refletindo nas próprias Constituições dos Estados Membros. E comparando a União Européia com o Mercosul, concluímos que esta encontra-se regulamentada, diferentemente do que ocorre com a uniformidade, que deve ser entendida num sentido impróprio, como também parte integrante do Mercado Comum do Sul.

Em suma, como já mencionado, não se buscou esgotar o tema, porém, esperamos ter contribuído no sentido de demonstrar o real significado, importância e a necessidade de aplicação do princípio da uniformidade de interpretação e aplicação do Direito da Integração, objetivo expresso deste novo ramo de direito.

Sobre a autora
Lauren Lautenschlager

Advogada, Pós graduada em Direito do Ambiente e em Ciências Jurídico-Políticas da Universidade de Lisboa, atualmente mestranda na referida Instituição.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LAUTENSCHLAGER, Lauren. O princípio da uniformidade de interpretação e aplicação do Direito da Integração. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2765, 26 jan. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18348. Acesso em: 26 nov. 2024.

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