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Os poderes instrutórios do juiz no processo penal brasileiro

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Agenda 11/02/2011 às 14:09

2. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A conceituação do Sistema Acusatório ficou evidenciada numa perspectiva de que esta forma processual se fundamenta na garantia do acusado de todos os seus direitos serão aplicados e no fato de que no processo acusatório serão efetivamente distintos os poderes de acusar e de julgar.

As características básicas da forma acusatorial do processo foram construídas diante da exposição da sua construção histórica e as particularidades de cada tempo em que este sistema esteve presente. No que tange a contemporaneidade pode-se perceber que o sistema acusatório se identifica a partir da separação de acusar e julgar, da publicidade dos atos processuais e principalmente pela segurança das garantias constitucionalmente asseguradas ao acusado.

A Constituição da República do Brasil adotou o Sistema Acusatório quando descreve em seu texto que o poder de acusar processualmente um indivíduo está indisponível e individualmente nas mãos do Ministério Público. Outra evidência de que a Carta Magna adotou esta forma acusatória de processo está no fato de que esta assegura as garantias da ampla defesa, do contraditório e da presunção de inocência do acusado.

Diante da análise de que está adotada pela Constituição brasileira o Sistema Acusatório, foi necessário abordar a aplicação destes direitos e garantias que são inerentes a esta forma processual, já que ficou evidenciado que existem alguns dispositivos infraconstitucionais que contrariam os direitos fundamentais do acusado, assim como, demais garantias asseguradas pela Carta Magna.

O dispositivo que aborda a produção de provas de ofício por parte do juiz, conforme art. 156 do Código de Processo Penal, fere claramente o princípio da inércia do magistrado, assim como o art. 83 do CPP [95], que determina a prevenção do juiz que decidiu sobre as medidas pré-processuais, ferindo assim o axioma da imparcialidade do juiz, haja vista, que o mesmo já decidiu sobre questões processuais antes mesmo do processo existir.

Assim, como forma de confrontar a contaminação dos magistrados e a interferência dos mesmos nas relações processuais, foi abordada a figura do juiz de garantias.

O juiz garante trata-se de um sujeito que vem como uma medida paliativa ao processo penal brasileiro, mediante o anteprojeto do novo CPP, para decidir sobre as questões pré-processuais. Porém, o termo juiz de garantias não se resume a esta figura que decide sobre medidas cautelares, mas sim ao fato de que um juiz de garantias no Sistema Acusatório nada mais é do que um juiz que defende as garantias como finalidade do processo, e não somente um meio.

O juiz de garantias evita assim que o magistrado que decidiu sobre a medidas solicitadas e a produção de provas na parte inquisitória, que antecede ao processo, não seja o mesmo que decidirá sobre a validade de tais provas, e tão pouco seja o mesmo que definirá a condenação do acusado com base no que foi pré-julgado na fase pré-processual.

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Isto posto, foi necessário evidenciar que o magistrado de maneira generalizada utiliza do seu poder como figura decisiva no processo para dispor de suas perspectivas pessoais durante o processo. A partir desta constatação ficou demonstrado que o processo penal do Brasil está a mercê de dispositivos ainda vinculados ao sistema inquisitorial e que a percepção dos magistrados comumente é também neste sentido.

O juiz de garantias veio então como uma forma de tentar combater esta vinculação do magistrado à inquisição, porém, a grande problemática desta questão está no fato que não são apenas os dispositivos legais que estão conectados ao Sistema Inquisitório, mas sim que os valores dos juízes existentes no Brasil se fazem assim vinculados a essa forma processual que por tanto tempo vigorou.

Desta constatação retira-se a conclusão de que ainda existem dispositivos e personagem jurídicos vinculados ao Sistema Inquisitorial, entretanto, a adoção de um sistema que se fundamenta sobre as garantias, não apenas do acusado, mas de toda a sociedade, permitem expor que o progresso das garantias acusatórias está em desenvolvimento.

No sentido de que há uma vertente inquisitória nas práticas dos juízes atuais, ficou demonstrado também que o mito da verdade real fundamenta ainda as condutas inquisitórias dos mesmos, visto que é através da concepção de que o juiz é um perseguidor da verdade dos fatos do processo, que se garante a tais magistrados a possibilidade de agirem conforme acharem melhor para alcançar a reprodução exata do ocorrido.

É, assim, válido ressaltar que o problema mais significativo de toda a relação processual que difere o Sistema Inquisitório do Sistema Acusatório e que impede a adoção total de um processo garantista, consiste na percepção dos magistrados atuais de que são eles "vingadores" sociais. Esta perspectiva de tais juízes e o fato de que eles detêm o poder de decidir sobre a liberdade e os direitos dos outros fundamenta a continuidade da intervenção ilegítima destes magistrados no processo penal.


Notas

I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei

Disponível em http://direitoforadolugarcomum.blogspot.com/2009/05/sindrome-do-panico-penal-wacquant-x.html Acesso em 18 set 2010.

  1. LOPES Jr. Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2006. p. 162
  2. Idem
  3. Idem
  4. Idem
  5. Idem
  6. LOPES Jr. Aury. Op. Cit. p. 162
  7. Termo que representa o princípio atual da Inércia do juiz.
  8. ALONSO, Pedro Aragoneses. Apud LOPES Jr., Aury. Op Cit. p. 163
  9. COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. O papel do novo juiz no processo penal. In:_____. Crítica á teoria geral do direito processual penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 32
  10. COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Op. Cit. p. 33
  11. COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Op. Cit. p. 33
  12. Idem
  13. GILISSEN, John. Apud COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Idem.
  14. COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Op. Cit. p. 34
  15. Ibidem p. 35
  16. COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Op. Cit. p. 36
  17. COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Op. Cit. p. 36
  18. LOPES, José Reinaldo de Lima. Uma introdução à História social e política do processo. In: WOLKMER, Antonio Carlos. Fundamentos de História do Direito. . Belo Horizonte: Ed. Del Rey, 2003.p. 423
  19. Idem
  20. PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório: A conformidade Constitucional das Leis Processuais Penais. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 1999. p. 100
  21. Antigo Regime é conhecido por um longo passar de tempo no qual o poder provinha da monarquia clássica. Tal poder é vinculado ao absolutismo, cuja a forma política fica identificada através da instituição de todos os poderes nas mãos de um único soberano. Pode-se dizer que o Antigo Regime trata-se de um período vinculado ao surgimento do estado Moderno, já que o regime absolutista se encontrava conectado a um Estado unido politicamente e centralizado, o qual caracterizava a Monarquia Absolutista. RÉMOND, René. Introduction à l`histoire de notre temps:I. l`Ancient Regime et la Révolution 1750 - 1815. Paris: Editions du Seuil, 1974.
  22. PRADO, Geraldo. Op. Cit. p. 100
  23. Idem
  24. PRADO, Geraldo. Op. Cit. p. 100 – 101
  25. FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 452
  26. LOPES Jr., Aury. Op. Cit. p. 164
  27. PRADO, Geraldo. Op. Cit. p. 114
  28. CONSO, Giovanni Apud PRADO, Geraldo. Op Cit. p. 113
  29. Grifos da autora
  30. PRADO, Geraldo. Op. Cit. p. 116
  31. LOPES Jr., Aury. Op. Cit. p. 77
  32. Idem
  33. LOPES Jr., Aury. Op. Cit. p. 77
  34. Idem
  35. No tocante ao juiz de garantias é necessário diferenciá-lo do juiz instrutor, ou juiz de instrução. O segundo trata-se uma figura adotada por alguns sistemas jurídicos europeus, no qual o juiz exerce a função de instruir as provas de ofício. Aury Lopes Jr. identifica que "nesse sistema a prova não é apenas produzida na presença do juiz instrutor, senão é colhida e produzida por ele mesmo. Nessa atividade poderá atuar de ofício, isto é, independente de qualquer solicitação do MP, ou do acusador privado." Ou seja, este juiz está legalmente legitimado para intervir na gestão probatória. Já o juiz de garantias trata-se do juiz DA instrução e não DE instrução, o qual "não realiza tarefa investigatórias ou instrutoras, senão de garantia, como um verdadeiro garante, atuando no controle da adoção e realização das medidas restritivas de direitos fundamentais do sujeito passivo." É válido explanar que o Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH), já na década de 80, se manifestou pela irregularidade da existência do juiz-instrutor, haja vista a violação ao direito ao juiz imparcial, consagrado no Convênio para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades. LOPES Jr., Aury. Sistemas de investigação preliminar no processo penal. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris 2005. p. 71 – 72, p. 244 e p. 76.
  36. LOPES Jr., Aury., Sistemas de investigação preliminar no processo penal. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris 2005. p. 163
  37. FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. Teoria do garantismo penal. 6 ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais Ltda., 2002. p. 460
  38. Ibidem p. 461
  39. Ibidem p. 465
  40. Idem
  41. FERRAJOLI, Luigi. Op. Cit. p. 455
  42. Anteprojeto do Código de Processo Penal – PL 156/2009, do Senado Federal.
  43. LOPES Jr., Aury. Sistemas de investigação preliminar no processo penal. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris 2005. p. 270
  44. Art. 83 (CPP) - Verificar-se-á a competência por prevenção toda vez que, concorrendo dois ou mais juízes igualmente competentes ou com jurisdição cumulativa, um deles tiver antecedido aos outros na prática de algum ato do processo ou de medida a este relativa, ainda que anterior ao oferecimento da denúncia ou da queixa (arts. 70, § 3º, 71, 72, § 2º, e 78, II, c)
  45. LOPES Jr., Aury. Op. Cit. p. 270
  46. Ibidem. p. 271
  47. Art. 279, 1ª parte, Código de Processo Penal do Paraguai – DUARTE, Christian Bernal. Reforma del processo penal en Paraguay y El juez penal de Garantías y sus funciones. In: COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda; CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de. (ORG). O novo processo penal à luz da Constituição (Análise Crítica do Projeto de Lei n. 156/2009, do Senado Federal). Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2010. p. 141
  48. Ibidem p. 143
  49. LOPES Jr., Aury., Sistemas de investigação preliminar no processo penal. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris 2005. p. 464
  50. COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. O papel do novo juiz no processo penal. In:___. p. 42
  51. Ibidem. p. 42 – 43.
  52. MARQUES NETO, A.R. Apud COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Op. Cit. p. 45
  53. ROSA, Alexandre Morais da. Decisão Penal: a Bricolage de Significantes. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006. p. 299
  54. ROSA, Alexandre Morais da. Op. Cit. p. 299
  55. FERRAJOLI, Luigi. Op. Cit. p. 464
  56. Idem
  57. Idem.
  58. Idem
  59. FERRAJOLI, Luigi. Op. Cit. p. 464 - 465
  60. LOPES Jr., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2009. Volume I. p. 110
  61. Idem
  62. Ibidem p. 111
  63. Ibidem p. 112
  64. FERRAJOLI, Luigi. Op. Cit. p. 473
  65. FERRAJOLI, Luigi. Op. Cit. p. 474
  66. LOPES Jr., Aury. Op. Cit. p. 113
  67. BARRETO, Jovenita de Lima. O Sistema Acusatório e os seus resquícios inquisitoriais. Disponível em http://www.artigos.com/artigos/sociais/direito/o--sistema--acusatorio--e---seus---requicios---inquisitoriais.-1652/artigo/ Acesso em 23 set 2010.
  68. Constituição Federal - Art. 129 - São funções institucionais do Ministério Público:
  69. LOPES Jr., Aury. Op. Cit. p. 113
  70. LOPES Jr., Aury. Op. Cit. p. 124
  71. Idem
  72. BASTOS, Marcelo Lessa. Processo penal e gestão da prova. Os novos arts. 155 e 156 do Código reformado (Lei nº 11.690/08). p. 8 – 9. Disponível em http://jus.com.br/artigos/11593 Acesso em 01 out 2010.
  73. BASTOS, Marcelo Lessa. Op. Cit. p. 11
  74. Ibidem p. 9
  75. Art. 4o do Anteprojeto do Código de Processo Penal – PL 156/2009, do Senado Federal - O processo penal terá estrutura acusatória, nos limites definidos neste Código, vedada a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação.
  76. FOUCALT, Michel. A verdade e as formas jurídicas. Rio de Janeiro: NAU Ed., 2003.
  77. FERRAJOLI, Luigi. Op. Cit. p. 487
  78. COGO, Sandra Negri. O mito da verdade real em tempos pós-modernos (uma abordagem a partir da ética weberiana). In: COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Op. Cit. p. 251
  79. COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda Apud COGO, Sandra Negri. Ibidem p. 250
  80. FERRAJOLI, Luigi. Op. Cit. p. 488
  81. LOPES Jr., Aury. Sistemas de investigação preliminar no processo penal. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris 2005. p. 202.
  82. LOPES Jr., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2009. Volume I. p. 530
  83. LOPES Jr., Aury. Ibidem. p. 532
  84. Idem
  85. FERRAJOLI, Luigi. Op. Cit. p. 488
  86. ROSA, Alexandre Morais da. O juiz e o complexo de Nicolas Marshall. Disponível em http://alexandremoraisdarosa.blogspot.com/2009_01_01_archive.html Acesso em 11 dez 2009.
  87. Art. 345 - Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite.
  88. ROSA, Alexandre Morais da. Op. Cit.
  89. VALLE, Juliano Keller do. Síndrome do pânico penal: Wacquant x Oprah Winfrey.
  90. Idem
  91. ROSA, Alexandre Morais da. Op. Cit.
  92. ROSA, Alexandre Morais da. Op. Cit.
  93. LOPES Jr., Aury. Op. Cit. p. 116
  94. Idem
  95. Art. 83 (CPP) - Verificar-se-á a competência por prevenção toda vez que, concorrendo dois ou mais juízes igualmente competentes ou com jurisdição cumulativa, um deles tiver antecedido aos outros na prática de algum ato do processo ou de medida a este relativa, ainda que anterior ao oferecimento da denúncia ou da queixa (arts. 70, § 3º, 71, 72, § 2º, e 78, II, c)
Sobre a autora
Fernanda Martins

Advogada - Bacharel em Direito e Bacharel e Licenciada em História

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINS, Fernanda. Os poderes instrutórios do juiz no processo penal brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2781, 11 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18472. Acesso em: 23 dez. 2024.

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