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Vícios redibitórios: questões polêmicas

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Agenda 15/02/2011 às 12:36

PRAZO PARA RECLAMAÇÃO SOBRE OS VÍCIOS REDIBITÓRIOS

Talvez de todas as situações relacionadas aos vícios redibitórios, sejam ou não modificações incluídas expressamente pelo legislador no Código Civil de 2002, a que mais discussões traz, bem como dúvidas a respeito de qual a melhor solução, é a previsão do prazo para a reclamação, mencionado no art. 445, §1º do Código Civil.

O prazo para reclamação sobre os vícios redibitórios é de importância ímpar para o instituto, porquanto é a medida da ação a ser proposta pelo adquirente do bem. É através da análise do prazo para a reclamação sobre os vícios redibitórios que o adquirente poderá praticar os atos necessários à efetividade do seu direito subjetivo.

Como todo prazo, seja de direito material ou adjetivo, a constatação do termo inicial é de fundamental importância, pois é nesse momento que se inicia o prazo (decadencial no caso da previsão do art. 445 do Código Civil) para que as medidas necessárias ao restabelecimento da situação anterior, ou ainda, da concessão do abatimento proporcional do preço, possam ser tomadas.

Importante tecer algumas considerações a respeito da intenção do legislador ao tratar de normas como a prevista no art. 445 do Código Civil, de modo a tentar, ainda que não se aprofundando muito no tema, justificar os prazos nele previstos.

Já foi mencionado algures que a responsabilidade pelos vícios redibitórios reside na necessária garantia que o alienante de bem a título oneroso deve conceder ao adquirente, pena de enriquecimento sem causa de sua parte. Isso porque caso o defeito, oculto e que tenha passado desapercebido pelo adquirente, retira de plano o sinalagma existente na relação jurídica e caso não possa ser reclamado como forma de resolução do negócio, ou ainda, dar causa ao abatimento proporcional, por certo levará ao enriquecimento sem causa do vendedor da coisa.

Nesse sentir, é correto afirmar que a preocupação do legislador no caso dos vícios redibitórios é direcionada ao adquirente da coisa para que, constatado o defeito oculto, cuja responsabilidade é inequivocamente do alienante, possa tomar as providências necessárias ao restabelecimento do sinalagma, seja através da ação redibitória, seja da quanti minoris.

Todavia, não é só ao adquirente direcionada a proteção da norma. Além de fornecer meios e ferramentas para o adquirente se valer de seus direitos em relação aos defeitos ocultos encontrados, também não é menos verdade que é necessário buscar na norma a segurança jurídica necessária para todos os envolvidos, direta e indiretamente, na relação jurídica, de modo que reclamações ajuizadas muito tempo após a realização do negócio não possam prejudicar os alienantes, muitas das vezes terceiros de boa-fé.

Isso porque se o prazo para a reclamação for demasiado longo, ou ainda, quando não houver na lei definição precisa a respeito do início da contagem, por certo que traria ao alienante do bem, e até mesmo para terceiros que com ele venham a negociar insegurança jurídica com relação ao tempo de sua responsabilidade, em prejuízo da própria garantia de que se revestem os vícios redibitórios.

Por isso é possível afirmar que a preocupação do legislador não é somente no intento de fornecer proteção para o adquirente, mas também para que o alienante tenha tranqüilidade com relação aos termos de sua responsabilidade, propiciando segurança jurídica ao procedimento, aliado à tentativa de se criar uma maneira eficaz de proteção aos direitos decorrentes de contratos onerosos.

No direito brasileiro, a exemplo do que ocorre no direito romano, não há transmissão de propriedade pela simples declaração de vontade [26], mas sim por atos formais, que no caso dos móveis se dá pela tradição e, nos imóveis, pela transcrição da escritura no registro imobiliário. Justamente por isso é que no caso de compra e venda, exemplos mais correntes de problemas com relação aos vícios redibitórios, é somente no momento em que seja transferida a propriedade, via de regra, que começará a fluir o prazo mencionado no art. 445 do Código Civil.

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A intenção do legislador em relação ao prazo parece ser propiciar ao adquirente o contato com a coisa, para que, a partir de então, seja possível, pela regular utilização, constatar eventuais defeitos existentes e tomar as medidas necessárias, previstas em lei.

A assertiva acima leva à conclusão de que a transferência da propriedade não é elemento necessário, indispensável para o início do prazo, mas sim a posse, pois é a partir daí que será possível ao adquirente tomar conhecimento dos eventuais problemas da coisa. Tanto é verdade que o art. 445 do Código Civil, segunda figura, prevê que o prazo, em caso de transferência de posse anterior à propriedade, conta-se da alienação, reduzido à metade. E a justificativa para tanto reside no fato de que ao adquirente, com a transferência da posse e, conseqüentemente, possibilidade de utilização do bem, já teria elementos suficientes para constatar eventuais defeitos que eram ocultos quando da celebração do negócio.

A intenção do legislador, portanto, é inequívoca em partir da premissa de que o adquirente após ter efetivo contato com a coisa e exercer sua posse, tenha quase que uma obrigação de constatar os eventuais defeitos ocultos, por isso que em regra é a partir daí que se inicia o prazo para a reclamação. É porque somente assim seria possível afirmar que houve o transcurso de tempo suficiente para o conhecimento dos defeitos, atingindo-se a finalidade da norma.

Da mesma forma que se exige inequívoca boa-fé objetiva por parte do alienante, de dar conhecimento de eventuais defeitos ocultos na coisa, ou ainda, mesmo que deles não tenha conhecimento, por eles responder, em respeito ao princípio da garantia, exige-se do alienante, também em respeito à boa-fé e ao princípio da segurança jurídica, que tenha contato com a coisa através da fruição da posse e tome, em determinado prazo, conhecimento e providências cabíveis com relação a esses defeitos.

No que diz respeito aos vícios ocultos, mas que da mesma forma podem ser constatados pela simples utilização da conta, os prazos são aqueles previstos no caput do art. 445 do Código Civil, parecendo simples a solução fornecida pelo legislador para a sua contagem.

O caput do art. 445 do Código Civil trata de vícios, também ocultos, mas de mais fácil constatação, aqueles que pela simples utilização já se fariam notar. Com relação aos bens móveis, o prazo é de trinta dias a contar da tradição e, dos imóveis, de um ano a contar da data da transcrição no registro imobiliário. Poderíamos citar de exemplo um problema de radiador de veículo alienado com perfuração. Nesses casos, pode ser que no momento da vistoria do imóvel não seja possível de se detectar de plano, mas é correto afirmar que da simples utilização será aferível de constatação.

Como se trata de vício passível de constatação pela simples utilização da coisa, o Código Civil traz prazos, sobretudo no que diz respeito aos móveis, menores de reclamação. E no caso do caput do art. 445 do Código Civil, maiores considerações são desnecessárias, porquanto a constatação do início do prazo para a tomada das medidas cabíveis é de fácil aferição. Importante somente mencionar que no caso de transferência da posse anterior à propriedade o prazo deverá ser contado da alienação, reduzido pela metade. Justifica-se a postura do legislador, porquanto nesse caso o adquirente já teria a posse do bem antes mesmo da transferência da propriedade, sendo-lhe possível, outrossim, conhecer a coisa e verificar eventuais defeitos previstos no caput do dispositivo. Daí porque o prazo se conta do registro do título, quando já houver a posse antes da transcrição da escritura no registro imobiliário.

O maior problema de interpretação do dispositivo, contudo, encontra-se no §1º do art. 445 do Código Civil. A intenção do legislador nesse caso foi tratar de vícios que, por sua natureza, não sejam identificáveis pelo simples uso, senão demandando mais tempo para sua constatação. Considerando que os prazos previstos no caput do art. 445 do Código Civil são relativamente pequenos, notadamente no que se refere aos bens móveis, entendeu por bem o legislador utilizar de outra estratégia para a fruição do prazo para reclamação por vícios redibitórios.

O §1º do art. 445 do Código Civil estabelece que quando o vício, por sua natureza, só puder ser conhecido mais tarde, o prazo contar-se-á do momento em que dele tiver ciência, até o prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias, em se tratando de bens móveis; e de 1 (um) ano, para os imóveis.

Caio Mário da Silva Pereira [27] alerta que a regra é de difícil interpretação e aplicação, e desafia a Doutrina e a Jurisprudência, porque o Código manteve no §1º o mesmo prazo do caput no que se refere aos vícios redibitórios em bens imóveis.

Uma leitura mais apressada do dispositivo levaria à conclusão de que o termo inicial para a fluência do prazo de reclamação dos vícios redibitórios seria o momento em que o adquirente tomou conhecimento do defeito. A interpretação gramatical, literal, levaria a essa conclusão. Todavia, essa interpretação traz sérios inconvenientes, notadamente para a segurança jurídica das relações negociais, demandando uma reflexão mais detida sobre o dispositivo, de modo a se encontrar a solução mais coerente com a sistemática de proteção dos vícios redibitórios em consonância com outros princípios de direito contratual.

Pela interpretação literal do dispositivo em enfoque seria correto afirmar que o prazo para a reclamação dos vícios deveria se iniciar a partir do momento em que dele se tomou conhecimento. Assim, se determinada pessoa adquire, por exemplo, um veículo, que possua defeito oculto, mas que por sua natureza somente pudesse ser constatado mais tarde, e referido defeito fosse descoberto com dez anos da realização do negócio, ainda haveria prazo para reclamar. O mesmo se o defeito fosse constatado, por exemplo, com vinte anos da realização do negócio, sendo que no campo da hipótese é necessário realizar essas conjecturas para testar a viabilidade de aplicação de determinado modo de exegese da lei.

Arnoldo Wald [28], embora pareça concordar com a interpretação literal do dispositivo, não deixa de mostra sua preocupação com as soluções, ou melhor, problemas daí decorrentes, ao afirmar que o Código Civil seguiu uma corrente doutrinária que defende que o prazo deve correr a partir do momento da verificação do vício. De fato, o seu art. 445, §1º, estabelece que, quando o vício, por sua natureza, só puder ser conhecido mais tarde, o prazo será contado da data da ciência da sua existência até o máximo de cento e oitenta dias, para bens móveis, e de um ano, para os imóveis. Por exemplo, na entrega de máquinas, o prazo corre a partir do momento em que foram postas em funcionamento. Parece-nos um critério justo, porém subjetivo, tendente a dificultar a aplicação da justiça e a segurança nas relações contratuais.

Ocorre que mesmo em se aceitando a interpretação literal do dispositivo, sua redação não traz solução clara para o problema da contagem do prazo, porquanto logo após afirmar que o prazo começaria a fluir do momento em que do defeito tenha o adquirente tomado conhecimento, trata do prazo máximo de 180 dias para móveis e um ano para os imóveis. Mas, uma pergunta se faz necessária: 180 dias a contar de que data? Da data em que o defeito foi descoberto (na hipótese dos 10 anos de realização do negócio? Ou da transferência da posse?

Os sistemas jurídicos, quaisquer que sejam, tendem a fornecer a proteção necessária aos direitos subjetivos dos destinatários das normas na maior medida possível para ambos os pólos da relação jurídica, tendo-se notado que ultimamente as reformas, tanto no direito material como processual, tendem a fornecer ao julgador ferramentas mais eficazes para, dentro do particularismo, alcançar a justiça dentro do caso concreto. Ocorre que nem sempre é possível fornecer a almejada proteção para todas as pessoas envolvidas na relação jurídica ou para determinados direitos [29]. Assim, tarefa árdua para o legislador é encontrar o equilíbrio, necessário e indispensável, entre a proteção que se pretende conferir aos participantes da relação jurídica.

No caso dos vícios redibitórios se tem duas figuras que merecem a mesma proteção, notadamente quando se trata de relação regida pelo Código Civil, que é considerado como Código para iguais. O adquirente precisa da segurança de que o sinalagma será mantido, de modo que verificado o defeito posterior deverá exercer seu direito de forma efetiva, seja no sentido de redibir o contrato, ou ainda, de pedir o abatimento proporcional do preço. O alienante, da mesma forma, necessita de segurança de que não permanecerá indefinidamente vinculado ao negócio realizado.

Quer nos parecer que a interpretação literal do art. 445, §1º do Código Civil, no sentido de que o prazo para a reclamação a respeito dos vícios redibitórios deve se iniciar quando constatado o defeito, sendo indiferente o tempo transcorrido entre a celebração do negócio e a constatação, não é a mais adequada, pois, a despeito de conceder inequívoca proteção ao adquirente, coloca não somente o alienante, mas também terceiros de boa-fé, em situação de insegurança jurídica. Ainda, pode trazer o inconveniente inequívoco de perpetuar discussões judiciais a respeito de conflitos de interesses, também em contraposição aos interesses da sociedade de pacificação social através do processo.

Imagine-se o inconveniente de uma pessoa que aliena determinado bem e após transcorridos mais de dez anos do ato vem a ser demandado em juízo para a restituição da coisa, com devolução de valores. Por certo que o numerário decorrente da transação já teria sido utilizado em outros investimentos ou gastos e, ainda, a própria defesa na demanda restaria séria, senão irremediavelmente, prejudicada, porquanto a possibilidade de reunir provas e documentos seria ínfima, dado o tempo transcorrido.

Algumas soluções são vislumbradas para a problemática instaurada pela infeliz redação do art. 445, §1º do Código Civil.

Uma delas seria a de considerar que os prazos para a reclamação, qualquer que seja a natureza dos defeitos, aqueles mencionados no caput ou no §1º do art. 445 do Código Civil, deve necessariamente ser contado da entrega efetiva da coisa. Essa solução traria maior segurança jurídica, por certo, ao termo final para a reclamação, de modo que tanto adquirentes quanto alienantes teriam condição, através de um critério objetivo e imune a questionamentos, do termo inicial e final para a reclamação dos problemas. Traria, todavia, riscos induvidosos de injustiça, notadamente porque em relação aos bens imóveis o prazo para reclamação é o mesmo, independente da natureza do problema, ou seja, de um ano da realização do negócio.

Essa solução tem ainda outro inconveniente. Imagine-se uma situação em que um defeito, por sua característica, seja considerado aquele do §1º do art. 445 do Código Civil. Nesse caso, e seguindo a linha de interpretação acima, teria a parte somente 180 dias (no caso de móveis) para reclamar, a contar da tradição. Escoado esse prazo sem que o defeito fosse constatado, perder-se-ia o direito à reclamação. Mas, e se o defeito fosse encontrado no 179° dia da transação? Haveria tempo hábil para exercer o direito que dos vícios redibitórios decorre? Ainda que a resposta seja afirmativa, em respeito à argumentação, o direito de ação também restaria seriamente prejudicado.

Outra solução, todavia, parece possível, com vistas a resguardar a necessária diferenciação de prazos entre os diferentes tipos de vícios reconhecidos pela legislação, e ainda, fornecer segurança jurídica para todos os envolvidos na relação jurídica, que é a de sempre considerar o prazo a partir da entrega da coisa, mas com diferenciação entre o prazo final para reclamação. Assim, para os bens móveis o prazo seria de 180 dias, a contar da tradição e, quando verificado o defeito, aplicar-se-ia ainda o prazo do caput, i.e., mais 30 dias.

Para os imóveis, a mesma solução. Conta-se o prazo de um ano da transmissão da posse e, constatado o defeito nesse prazo, ter-se-ia, conforme o caput do art. 445 do Código Civil, mais um ano para a reclamação.

Essa solução, a nosso ver, traz a conveniência de evitar a abstração exacerbada sobre o início do prazo para reclamação dos vícios redibitórios, fornecendo, ainda, maior segurança jurídica a todos os envolvidos na relação jurídica, sempre atento ao princípio da garantia, mola propulsora do instituto.

Sobre o autor
Gustavo Passarelli da Silva

Advogado e Professor de Direito Civil e Direito Processual Civil na Universidade Federal do Estado de Mato Grosso do Sul - UFMS, Universidade Católica Dom Bosco - UCDB, Universidade para o Desenvolvimento da Região do Pantanal - UNIDERP, em cursos de graduação e pós-graduação, de Direito Civil na Escola Superior do Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul e Escola da Magistratura do Estado de Mato Grosso do Sul. Especialista em Direito Processual Civil e Mestre em Direito e Economia pela Universidade Gama Filho do Rio de Janeiro - UGF/RJ, Doutorando em Direito Civil pela Universidad de Buenos Aires - UBA. Diretor-Geral da Escola Superior de Advocacia/ESA da OAB/MS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Gustavo Passarelli. Vícios redibitórios: questões polêmicas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2785, 15 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18500. Acesso em: 2 nov. 2024.

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