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O embargo de obra e a interdição de estabelecimento, de máquinas e de setor de serviço previstos no art.161 da CLT.

Considerações jurídicas

Agenda 21/02/2011 às 08:25

O texto objetiva demonstrar o relevante papel social da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego no resguardo da vida e da integridade física do trabalhador.

O presente texto objetiva demonstrar o relevante papel social da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego no resguardo da vida e da integridade física do trabalhador, por meio de seu superintendente e, por delegação, de seus auditores-fiscais do trabalho, em particular, no que tange a sua competência para interditar estabelecimento, setor de serviço, máquina ou equipamento, ou embargar obra, a fim de prevenir infortúnios de trabalho.

Para tanto, procede-se a análise de natureza jurídica das normas de proteção à saúde do trabalhador e sua relação com a manifestação extrema do poder de polícia do Estado através do embargo e da interdição.

O texto, ainda, tem o condão de situar e sistematizar um assunto de que muito se fala, em virtude de se tratar de medida das mais enérgicas adotadas em um país republicano e no âmbito de um Estado Democrático de Direito, mas que a doutrina tem dedicado pouca atenção.

Conforme previsão feita no artigo 196 da Constituição da República, a saúde, à qual se acham umbilicalmente inseridas a segurança e a medicina do trabalho, é direito de todos e dever do Estado.

Todos os dispositivos pertinentes a essa matéria, tratada na Ordem Social, os artigos 193 a 204 da Constituição da República, revelam a preocupação que teve o legislador constituinte em programar um complexo ideário para atendimento desse direito indisponível, a saúde, que está diretamente relacionada com o mais importante direito humano: a vida. 1

Aborda-se o tema em foco sob a ótica do direito do trabalho e deve-se atentar ao que preconiza o art. 1ª, inciso IV, da Constituição da República ao proclamar que um dos direitos fundamentais no Estado Democrático de Direito são os valores sociais do trabalho, e, também, o art. 6º, caput dispõe que "[...] os direitos sociais são a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, [...], na forma da Constituição."

Ainda em sede de direito constitucional, estabelece a Carta Magna como direito dos trabalhadores a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança (art.7º,inc.XXII, CF/88). Essas normas são imperativas, cogentes e de ordem pública porque o interesse a que visam protegem não só o individual, mas a sociedade como um todo. 2

O artigo 626 da CLT estabelece, como regra geral, que incumbe ao Ministério do Trabalho e Emprego a fiscalização pelo fiel cumprimento de suas normas e declara competir às Delegacias Regionais do Trabalho (atuais SRTE) a promoção e a fiscalização das normas de segurança e medicina do trabalho.

Art. 626 - Incumbe às autoridades competentes do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, ou àquelas que exerçam funções delegadas, a fiscalização do fiel cumprimento das normas de proteção ao trabalho.

Parágrafo único - Os fiscais dos Institutos de Seguro Social e das entidades paraestatais em geral dependentes do Ministério do Trabalho, Indústria e Comérrcio serão competentes para a fiscalização a que se refere o presente artigo, na forma das instruções que forem expedidas pelo Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio.

A Convenção n. 81 da Organização Internacional do Trabalho vigorante no país desde 29 de maio de 1956 dispõe sobre a inspeção do trabalho na indústria e no comércio que é incumbida de: velar pelo cumprimento das disposições legais relativas às condições de trabalho e à proteção dos trabalhadores no exercício da sua profissão; dar assessoria aos empregadores e aos empregados sobre a maneira mais efetiva de cumprirem as disposições legais; levar ao conhecimento da autoridade competente as deficiências ou abusos que a lei não previu.

O artigo 9º da Convenção n.155 da OIT, tratando, também, da fiscalização do trabalho, determina que o controle da aplicação das normas relativas à saúde e segurança deve estar assegurado por um sistema de inspeção apropriado e suficiente. Já o inciso II, do referido artigo, assevera que esse sistema deve prever sanções adequadas em caso de infração. Por outro lado, o seu art. 10 dispõe que devem ser tomadas medidas no sentido de orientar os parceiros sociais com o objetivo de ajudá-los a cumprir as obrigações legais.

Na verdade, o papel institucional da inspeção do trabalho tem esteio na Constituição Federal, com fulcro no seu artigo 21, inciso XXIV. Sua missão institucional é bem definida e não se confunde com a de outras instituições afins. Em síntese, ao magistrado do trabalho compete aplicar a lei aos casos concretos que lhes são apresentados (pressupõe-se a ação/reclamação e o processo), ao ministério público do trabalho incumbe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis e, ao auditor-fiscal do trabalho compete orientar e fiscalizar administrativamente o cumprimento das normas legais de proteção ao trabalho. 3

É a inspeção do trabalho uma das manifestações do poder de polícia administrativa que age limitando ou regulando a atividade dos particulares e, eventualmente, se necessário, age por meio da coação a fim de proteger o todo social e suas partes contra danos que podem originar-se da atividade humana.

Neste conceito, estão presentes as idéias predominantes de prevenção e do perigo. A prevenção é para impedir que os perigos se transformem em danos. Logo, a fiscalização do trabalho se reveste de particular importância no direito do trabalho porque não é suficiente a edição de leis especiais para a proteção do trabalhador, é importante também, fiscalizar o cumprimento dessas leis e torná-las efetivas.

Trata-se de interesse público que confere ao Estado o direito e o dever de exercer funções fiscalizadoras, sobretudo quando se tratar de norma legal protetora da saúde e da integridade física do trabalhador.

Neste sentido, colacionam-se duas jurisprudências que podem aclarar o entendimento sobre a relevância do Ministério do Trabalho e Emprego e o seu papel na produção e fiscalização de normas de proteção ao trabalhador:

Ministério do Trabalho e Emprego. Previsão constitucional e legal para instituir Normas Regulamentadoras sobre segurança e medicina do trabalho. Nos termos do Art. 7º, inciso XXII, da CF/88, a matéria sobre segurança e medicina do trabalho pode ser regulamentada por normas, e não, necessariamente, por lei no sentido estrito, as quais, por sua vez, podem ser editadas pelo poder executivo. A teor do Art. 200 da CLT, cabe ao Ministério do Trabalho estabelecer disposições complementares às normas de que trata este capítulo, tendo em vista as peculiaridades de cada atividade ou setor de trabalho, especialmente sobre: I. Medidas de prevenção de acidentes e os equipamentos de proteção individual em obras de construção, demolição ou reparos. Tal dispositivo cuida de delegação de atividade administrativa e não legislativa, o que não se insere nas competências dos ministros do estado, a teor do Art. 87, parágrafo único, inciso II, da Constituição Federal. TRT 3ª R., RO 000483-2005-108-03-00-8, 8ª T., Rel. juiz Heliberton de Castro, DJMG 3.9.05.

Normas de proteção ao trabalhador. Fiscalização. Administração Pública. Poder de Polícia. De acordo com o art. 200 da CLT, incumbe ao Ministério do Trabalho estabelecer disposições complementares às normas relativas à proteção ao trabalho, dentre outras, sobre prevenção de acidentes e equipamentos de proteção individual em obras de construção, demolição e reparos (inciso I). O art. 155, inciso II, também da CLT, prevê, ainda, que cabe ao órgão de âmbito nacional competente coordenar, orientar, controlar e supervisionar a fiscalização e as demais atividades relacionadas com a segurança e medicina do trabalho em todo território nacional, inclusive a Campanha Nacional de prevenção de Acidentes do Trabalho. Pertence à Administração Pública o dever de fiscalizar as condições de segurança do trabalho e, consequentemente, o de aplicar penalidades pelo descumprimento às respectivas normas, atribuição que decorre do poder de polícia, consistente em atividade limitadora do exercício de direitos individuais em benefício do interesse coletivo. Esse poder se exerce pela regulamentação de leis e controle de sua aplicação em caráter preventivo, por meio de notificações, licenças e alvarás, ou repressivo, mediante imposição de medidas coercitivas. Constatada a irregularidade, sem que a hipótese exigisse a dupla visita (com notificação prévia à autuação) – foi correta a imposição da multa. Recurso a que se nega provimento. TRT 9ª Reg. REPA 80058-2005-001-09-00-9 – (Ac. SE 09975/06) – Relª Juíza Marlene T. Fuverki Suguimatsu. DJPR 4.4.06, p.258).

Infere-se das jurisprudências citadas que o Ministério do Trabalho e Emprego exerce tanto a regulamentação de leis sobre a saúde do trabalhador, quanto o controle de sua aplicação, visando garantir sua efetivação.

Para tanto, o auditor-fiscal do trabalho conta com os instrumentos legais do embargo e da interdição, previstos no artigo 161 da CLT, e, em pleno vigor:

Art. 161 - O Delegado Regional do Trabalho*, à vista do laudo técnico do serviço competente que demonstre grave e iminente risco para o trabalhador, poderá interditar estabelecimento, setor de serviço, máquina ou equipamento, ou embargar obra, indicando na decisão, tomada com a brevidade que a ocorrência exigir, as providências que deverão ser adotadas para prevenção de infortúnios de trabalho.

Risco grave e iminente pode ser conceituado como sendo toda e qualquer condição ambiental que esteja na iminência de propiciar a ocorrência de acidente de trabalho, inclusive, em suas variantes de doença profissional ou do trabalho, com lesões graves à saúde ou a integridade de pelo menos um trabalhador, senão a própria morte deste.

Não se confundem os institutos do auto de infração e o do embargo e da interdição. O primeiro tem como um de seus principais requisitos a tipicidade da conduta do infrator, constante de ementário e com as infrações nele capituladas. O embargo e a interdição fundam-se em critérios técnicos, em virtude de constatação de situação de risco grave e iminente. O objetivo destes últimos é salvaguardar a vida e a integridade física do trabalhador.

Aliás, em determinadas ocasiões resta clara a relevância social dos institutos do embargo e da interdição, pois muitas vezes a empresa preferiria pagar multas e dar continuidade a suas atividades a paralisá-las, temporariamente, para equacionar situações de grave e iminente risco para os trabalhadores. Em nome da produtividade relega-se a segundo plano a vida e integridade física do trabalhador, que ainda é visto por muitos como mera peça da engrenagem da produção e, como tal, substituível a qualquer tempo.

É praxe na ciência do direito estudar as semelhanças e diferenças de institutos jurídicos afins. Essa técnica põe termo aos embrólios e confere nitidez aos contornos existentes em institutos jurídicos que, por mais que se assemelhem, guardam significativas diferenças entre si e, em conseqüência, têm finalidades e desdobramentos práticos diversos.

Assim sendo, cotejando os institutos do auto de infração e o do embargo e da interdição, considerados como manifestação do poder de polícia em sentido amplo, os meios que o Estado se utiliza para o seu exercício são semelhantes, a saber: através de atos administrativos e operações materiais de aplicação da lei ao caso concreto, compreendendo medidas preventivas, com o objetivo de adequar o comportamento individual à lei e medidas repressivas, com a finalidade de coagir o infrator ao seu cumprimento, e, através de atos normativos em geral, disciplinando a aplicação da lei aos casos concretos, pode o Executivo baixar decretos, resoluções, portarias, instruções. 4

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Neste ponto é mister fazer-se uma breve digressão sobre estes atos normativos. Inexiste rigor técnico-científico para distingui-los uns dos outros, embora os doutrinadores usualmente aludam a portaria para designar os atos infra-regulamentares mais significativos.

Bem se vê, em hipóteses tais, o ato normativo veiculará normas abstratas e gerais, conquanto muitas vezes – e conforme seria mais comum – se prestem as portarias, os avisos, as instruções e as circulares a introduzirem normas concretas (antecedente concernente a fato pretérito) e individuais (com o conseqüente identificando seus destinatários).

Embora as portarias não possuam um regramento constitucional detalhado e não obstante a Constituição procure restringir o poder normativo do Executivo, não baniu a possibilidade de detalhamento técnico de questões afetas à Medicina e Segurança do Trabalho por meio de portarias editadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego e da Saúde.

Com efeito, estabelece o inciso XXII do art. 7º da Constituição Federal ser direito do trabalhador a "redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança". Assim, de plano verifica-se a eloqüência do silêncio constitucional, ao não mencionar especificamente que tal redução faria por meio de leis e decretos.

Acresça-se que a Magna Carta por diversas passagens deixa claro quais as matérias afetas à legalidade em sentido amplo (art. 5º, VI, VII e VIII, art. 7º, IV, etc.), à reserva complementar (art. 7º, I, art. 59, parágrafo único, por exemplo), suscetíveis de regulamentação por decreto (art. 84, IV e VI). Fosse o thelos das normas constitucionais vedarem a regulação da saúde, higiene e segurança do trabalho por portaria, tal restaria claro no inciso XXII do art. 7º.

E, mais, ao aplicar a expressão "normas de saúde, higiene e segurança", reconhece a Constituição a fluidez da denominação destas espécies normativas inferiores que são as portarias, as resoluções, etc.

Portanto, a Magna Carta manteve a tradição de admitir o poder normativo de órgãos especializados do poder executivo em questões eminentemente técnicas e específicas de outros ramos do conhecimento humano alheios ao direito e que demandam constante aperfeiçoamento e reformulação à luz das novas descobertas das ciências físicas, e desde que tal normatização se faça, evidentemente, secudum e praeter legem, sob pena de ofensa ao princípio da legalidade. 5

Retomando a distinção entre os institutos cotejados, pode-se dizer que o auto de infração, além da tipicidade da conduta do infrator, constante de ementário e com as infrações nele capituladas, que consta, assim, de rol taxativo, exaustivo, fechado de infrações e tem como hipótese de incidência a efetiva perpetração de conduta irregular que viola preceito legal trabalhista, nos termos do art. 628 da CLT, tem por finalidade, ainda, registrar conduta infracional já consumada no tempo, podendo resultar em punição, por meio de multa, ao infrator. Há de se registrar, ainda, que, nos casos previstos no art. 23, do Regulamento da Inspeção do Trabalho, os auditores-fiscais do trabalho têm o dever de orientar e advertir as pessoas sujeitas à inspeção do trabalho e os trabalhadores quanto ao cumprimento da legislação trabalhista, observando, para tanto, o critério da dupla visita.

De modo diverso, o embargo de obra e a interdição de estabelecimento, setor de serviço, máquina ou equipamento constam de rol exemplificativo, aberto, esparso pelas Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Emprego, uma vez que é impossível às normas alcançarem todas as hipóteses de situações de grave e iminente risco à saúde e segurança do trabalhador. Pode-se citar, a título de exemplo, situações explícitas de risco grave e iminente registrados na Norma Regulamentadora nº 13 do MTE, nos itens 13.1.4, 13.2.5, 13.3.2, 13.3.4, 13.3.12, 13.5.1, 13.6.2, 13.7.4, 13.8.2.1, 13.8.3 e 13.8.11, em relação às caldeiras e vasos de pressão e na Norma Regulamentadora nº 15 do MTE, no Anexo 1-item 7, Anexo 2-item4, Anexo 6- item 1.3.20 e 2.14.3, Anexo 11- itens 3 e 7, e Anexo 13- item 1, em relação às atividade e operações insalubres.

Em muitos casos, a situação de risco grave e iminente existe no ementário sem que este a designe expressamente como tal. É o caso da execução de serviços pelo trabalhador em altura sem a correspondente utilização do cinto de segurança. Se a empresa não possuir o mencionado equipamento de proteção o trabalho deverá ser interrompido imediatamente até que a condição de segurança seja restabelecida.

Os institutos do embargo e da interdição referidos prescindem da necessidade de dupla visita, mesmo nos casos previstos no art. 23, do Regulamento da Inspeção do Trabalho, prescindem, ainda, de previsão em ementa específica, em virtude de ter seu fundamento de validade vinculado ao laudo técnico do serviço competente, nos termos do art. 161 da CLT, afastando-se, no caso, a idéia de tipo.

Registra-se, também, que o embargo e a interdição constituem-se em medida repressiva preventiva que tem os seus efeitos projetados para o futuro, a fim de evitar risco grave e iminente. Além de objetivar resguardar a vida e a integridade física do trabalhador e não punir a empresa, como seria o caso do auto de infração que pode ser convertido em multa, após o crivo do contraditório e da ampla defesa em procedimento administrativo.

Desta forma, não há de se ventilar a incidência de bis in idem na aplicação simultânea dos instrumentos do auto de infração e do embargo e interdição, uma vez que, como demonstrado, tratam-se de institutos jurídicos com fundamentos, objetivos e desdobramentos práticos diversos. Neste sentido é a inteligência do art. 21 da Portaria MTE nº 40, de 14/01/2010, D.O.U 17.01.2011, que disciplina os procedimentos relativos aos embargos e interdições:

Art. 21 A imposição de embargo ou interdição não elide a lavratura de autos de infração por descumprimento das normas regulamentadoras de segurança e saúde no trabalho ou dos dispositivos da legislação trabalhista relacionados à situação analisada.

Aliás, a título de exemplo podem ser consideradas três situações, nas quais os mencionados institutos podem ter, por um lado, aplicação simultânea, ou, por outro, simplesmente, alternativa.

Exemplo clássico de aplicação simultânea dos dois institutos está nas prescrições dos itens 5 e 7, do Anexo 1, da NR-15:

Não é permitida exposição a níveis de ruído acima de 115 dB(A) para indivíduos que não estejam adequadamente protegidos. As atividades ou operações que exponham os trabalhadores a níveis de ruído, contínuo ou intermitente, superiores a 115 dB(A), sem proteção adequada, oferecerão risco grave e iminente.

Um exemplo claro de aplicação de apenas um dos instrumentos está registrado no item 18.4.2.8.4, da Norma Regulamentadora nº 18 do MTE, quando trata da questão do uso de chuveiros pelos trabalhadores em áreas de vivência de canteiro de obras: "Deve haver um suporte para sabonete e cabide para toalha, correspondente a cada chuveiro". É certo que a falta de saboneteira e de cabide para toalha traz algum desconforto para o trabalhador, sendo uma irregularidade passiva de autuação, em virtude de estar assim capitulada. Todavia, não se pode sequer cogitar a idéia de se embargar um canteiro de obras, em virtude de os trabalhadores que ali desempenham suas atividades não disporem de saboneteira e cabide para toalha, quando do término do banho.

Outro exemplo em que não caberia a aplicação simultânea dos dois instrumentos estava na nova Norma Regulamentadora nº 12 do MTE, que tem por objeto a obrigatoriedade de obediência a normas técnicas para proteção do trabalhador na utilização segura de máquinas e equipamentos. O descumprimento destas normas, por certo, gera, em grande parte dos casos, situação de risco grave e iminente para o trabalhador, dando ensejo à interdição da máquina e equipamento que não atendam às referidas normas de proteção. Porém, não se podia cogitar, no caso, da lavratura de auto de infração para o descumprimento destas normas, pois as ementas por infrações ainda não haviam sido publicadas quando da edição da norma.

Desta forma, resta claro que o auto de infração e o embargo e interdição são institutos jurídicos afins, como manifestação do poder de polícia, mas que, na verdade, não se confundem, guardando cada um suas peculiaridades.

Feitas estas considerações, passa-se à análise detida dos institutos do embargo e da interdição, nos termos do art. 161 da CLT.

O embargo e a interdição são procedimentos fiscais especiais, na medida em que não correspondem a um processo que resulte, propriamente, em aplicação de multa pecuniária às empresas, mas que proporcionam uma conseqüência mais drástica, qual seja, a paralisação dos serviços em determinada máquina, equipamento, setor de serviço ou mesmo no estabelecimento inteiro.

Tratando-se de medida extrema, o embargo e a interdição devem ser adotados em último caso, ante a iminência do evento danoso ao trabalhador, devendo ser a única maneira necessária a evitar o risco presente no ambiente do trabalho.

O embargo e a interdição devem satisfazer requisitos genéricos e específicos.

Genericamente, cuidando-se de medida exarada com base no poder de polícia do Estado, terá a medida tomada que satisfazer as seguintes regras: - a da necessidade, em consonância com a qual a medida de polícia só deve ser adotada para evitar ameaças reais ou prováveis de perturbações ao interesse público; - a da proporcionalidade, que significa a exigência de uma relação necessária entre a limitação ao direito individual e o prejuízo a ser evitado; e, - a da eficácia, no sentido de que a medida deve ser adequada para impedir o dano ao interesse público. 6

De maneira específica, deverá a medida obedecer rigorosamente o estatuído no art. 161 da CLT e o que dispõe a Norma Regulamentadora nº 3 do MTE, e, que se resume em: elaboração de laudo técnico; situação de risco grave e iminente; e, decisão do Superintendente Regional do Trabalho e Emprego.

Em verdade, embargo e interdição são procedimentos fiscais passíveis de serem adotados pela fiscalização trabalhista, quando ficar constatada, em determinado ambiente de trabalho, a existência de uma ou mais situações de risco grave e iminente. Malgrado os dois mencionados procedimentos fiscais possam ser considerados sinônimos, em razão de propiciar a mesma conseqüência jurídica para a empresa, qual seja, a paralisação total ou parcial das atividades produtivas. O embargo corresponde à paralisação de máquinas, equipamentos, setor de serviço ou estabelecimentos nos quais são desenvolvidas atividades diversas das executadas em canteiros de obras.

Por estabelecimento deve ser entendida cada uma das unidades da empresa, funcionando em locais diferentes, tais como: fábrica, refinaria, usina, escritório, loja, oficina, depósito ou laboratório; canteiro de obra corresponde à área de trabalho fixa e temporária, onde se desenvolvem operações de apoio e execução à construção, à demolição ou a reparo de uma obra.

Risco Grave e Iminente pode ser conceituado como sendo toda e qualquer condição ambiental que esteja na iminência de propiciar a ocorrência de acidente de trabalho, inclusive em suas variantes de doença profissional ou do trabalho, com lesões graves à saúde ou a integridade de pelo menos um trabalhador, senão a própria morte deste. 7

Oportuno enfatizar que a aplicação propriamente dita de sanções administrativas em face das empresas que descumprem a legislação trabalhista, inclusive as violações às normas jurídicas de proteção à saúde e integridade física dos trabalhadores, é ato da competência privativa do Superintendente Regional do Trabalho e Emprego. Compete ao Auditor-Fiscal do Trabalho, via de regra, dar início ao procedimento fiscal, seja com a lavratura do auto de infração, etapa primeira do processo de aplicação de multa administrativa, seja com lavratura do laudo técnico de embargo ou de interdição, fase inicial do processo de embargo ou interdição, pois, tanto numa hipótese quanto na outra, a decisão de aplicar ou não a sanção administrativa é do Superintendente Regional do Trabalho e Emprego.

Ao constatar, em determinado ambiente de trabalho, a existência de uma situação de risco grave e iminente, o auditor-fiscal do trabalho lotado e em exercício na Superintendência Regional do Trabalho e Emprego, SRTE, procederá à lavratura do laudo técnico de embargo ou interdição e, em seguida, mediante protocolo na SRTE, solicitará ao Superintendente Regional do Trabalho e Emprego a concretização propriamente dita do embargo ou interdição, paralisando parcial ou totalmente as atividades de um estabelecimento ou canteiro de obras.

Se, porém, o Superintendente Regional do Trabalho e Emprego, por meio de portaria específica, houver concedido poderes para tanto, poderá o auditor-fiscal do trabalho proceder à imediata paralisação dos serviços e em seguida submeter tal ato a posterior referendum do superintendente, o qual, obviamente, poderá manter ou suspender a medida adotada pela fiscalização. 8

A delegação de competência é, na atualidade, eficaz instrumento de desconcentração administrativa e, por isso, o Decreto-lei n.200, de 25.2.66, diz em seu art. 12 ser facultado ao Presidente da República, aos Ministros de Estado e, em geral, às autoridades da Administração Federal delegar competência para a prática de atos administrativos, conforme se dispuser em regulamento. Deve o ato de delegação indicar, com precisão, a autoridade delegante, a autoridade delegada e as atribuições objeto da delegação. Foi o preceito regulamentado pelo Decreto n. 62.460, de 25.3.68, que adverte, em seu art. 1º, que a delegação de competência terá por objetivo acelerar a decisão dos assuntos de interesse público. 9

O ato administrativo da delegação se funda no reconhecimento que, nesses casos, a demora na adoção de medida de efeito direto e imediato pode torná-la ineficaz para impedir a ocorrência do infortúnio, com graves conseqüências e danos irreparáveis aos trabalhadores.

Neste sentido é a prescrição do art. 3º da Portaria MTE nº 40, de 14/01/2010, D.O.U 17.01.2011, que disciplina os procedimentos relativos aos embargos e interdições:

Art. 3º Quando a competência prevista no caput do art. 161 da CLT e no seu §5º for delegada pelo Superintendente Regional do Trabalho e Emprego aos Auditores-Fiscais do Trabalho, com vistas a garantir a agilidade e efetividade da medida, deverá a portaria de delegação destinar-se a todos os Auditores-Fiscais do Trabalho em exercício na circunscrição da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego, inclusive aos integrantes dos grupos móveis de fiscalização.

Esses mesmos Auditores-Fiscais do Trabalho estão, ainda, autorizados, com base no princípio do direito administrativo do paralelismo das formas, a levantar a interdição ou o embargo, desde que eliminadas por completo as condições de risco. Por certo que a todo levantamento de interdição e a todo desembargo, precederá sempre o relatório técnico correspondente, terminologia essa usada na mencionada Portaria MTE nº 40 para designar o laudo técnico do art.161 da CLT, obedecendo-se, assim, aos mesmos trâmites anteriores, É o que dispõe o parágrafo único, do art. 11 da Portaria MTE nº 40, de 14/01/2010, D.O.U 17.01.2011: "O relatório técnico servirá de base para a manutenção ou levantamento do embargo ou interdição pelo Superintendente Regional do Trabalho e Emprego ou pelo Auditor-Fiscal do Trabalho, no caso de competência delegada."

É mister que para o embargo ou interdição elabore-se laudo técnico circunstanciado e fundamentado, que conclua existir na atividade empresarial examinada a potencialidade de risco grave e iminente. É o que está prescrito nos arts. 4º e 5º da Portaria MTE nº 40, de 14/01/2010, D.O.U 17.01.2011:

4º Quando o Auditor-Fiscal do Trabalho (AFT) constatar, em verificação física no local de trabalho, grave e iminente risco que justifique embargo ou interdição, deverá lavrar, com a urgência que o caso requer, Relatório Técnico em duas vias, que contenha: I – identificação do empregador [...]; II – endereço do empregador [...]; III – identificação precisa do objeto da interdição ou embargo; IV – descrição dos fatores de risco e identificação dos riscos a eles relacionados; V – indicação clara e objetiva das medidas de proteção da segurança e saúde no trabalho que deverão ser adotadas pelo empregador; VI – assinatura e identificação do AFT [...]; e, VII – indicação da relação de documentos que devem ser apresentados pelo empregador quando houver a necessidade de comprovação das medidas de proteção por meio de relatório, projeto, cálculo, laudo ou outro documento. 5º o embargo e interdição deverão se fundamentar no Relatório Técnico, e ser formalizados por meio de Termo de Embargo ou Termo de Interdição, a partir dos modelos de conteúdo mínimo previstos nos Anexos I e II desta Portaria, com numeração seqüencial do órgão regional ou com numeração seqüencial precedida do número da CIF quando emitido por AFT.

O embargo e a interdição são atos administrativos, uma vez que assim são consideradas todas as manifestações unilaterais de vontade da Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenham por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos administrados ou a si própria. 10

Importante se registrar que o embargo e a interdição, como atos administrativos, constituem-se como emanação do Poder Público, e, como tal, trazem em si certos atributos que os distinguem dos atos jurídicos privados e lhes emprestam características próprias e condições peculiares de atuação. Esses atributos são a imperatividade, a auto-executoriedade e a presunção de legitimidade.

Em virtude de sua relevância na análise dos institutos ventilados passa-se a abordagem detida do último atributo mencionado.

A presunção de legitimidade é qualidade inerente a todo ato da Administração Pública, qualquer que seja sua natureza. Este atributo deflui da própria natureza do ato administrativo, está presente desde o nascimento do ato e independente de norma que o preveja.

O fundamento da presunção de legitimidade dos atos administrativos é a necessidade que possui o Poder Público de exercer com agilidade suas atribuições, especialmente na defesa do interesse público. Esta agilidade inexistiria caso a administração dependesse de manifestação prévia do poder judiciário quanto à validade de seus atos toda vez que os proferisse.

Portanto, regra geral, o ato administrativo obriga os administrados por ele atingidos, ou produz efeitos que lhe são próprios, desde o momento de sua entrada no mundo jurídico, ainda que apontada a existência de vícios em sua formação que possam acarretar a futura invalidação do ato. Este requisito autoriza, portanto, a imediata execução de um ato administrativo, mesmo se eivado de vícios ou defeitos aparentes; enquanto não pronunciada sua nulidade ou sustados temporariamente seus efeitos, deverá ser cumprido. Enquanto não decretada a invalidade do ato pela Administração ou pelo Poder Judiciário o ato inválido produzirá normalmente seus efeitos, como se plenamente válido fosse, devendo ser fielmente cumprido. 11

Cabe lembrar, entretanto, que a presunção de legitimidade não impede que, desde que utilizados os meios corretos, possa o particular sustar os efeitos de um ato administrativo defeituoso. Existem remédios aptos a sustar a produção de efeitos dos atos administrativos reputados defeituosos, como recursos administrativos, quando possuem efeito suspensivo, liminares em mandados de segurança etc. É o que prescreve o art. 13 da Portaria MTE nº 40, de 14/01/2010, D.O.U 17.01.2011:

Art.13 Contra os atos relativos a embargo ou interdição, cabe a interposição de recurso administrativo à Coordenação-Geral de Recursos – CGR da Secretaria de Inspeção do Trabalho, que poderá atribuir efeito suspensivo ao recurso, nos termos do § 3º do art. 161 da CLT.

Todavia, ainda que o ato administrativo venha a ter suspensa a produção de seus efeitos em face de determinados recursos, a presunção de legitimidade, e essa é outra importante conseqüência desse atributo, faz com que a obrigação de provar a existência de vício no ato seja de quem aponta esse vício.

Não é obrigação da Administração que proferiu o ato provar sua validade, pois já existe presunção nesse sentido. Aquele que afirma existir defeito no ato é quem possui o encargo de prová-lo.

Essa presunção, porém, não é absoluta, mas iuris tantum, pois admite prova em contrário. Assim, por se tratar de presunção relativa tem como real conseqüência a transferência do ônus da prova para quem invoca a ilegitimidade do ato. Neste sentido é a jurisprudência abaixo colacionada:

Interdição de máquinas pelo Delegado Regional do Trabalho*. Manutenção do ato administrativo em decisão liminar. Ausência de ilegalidade ou de abuso de poder. Segurança denegada. Preenchido o suporte fático da norma prevista no caput do art. 161 da CLT. Laudo técnico demonstrando grave e iminente risco para o trabalhador, não configura ilegalidade ou abuso de poder o ato de interdição total ou parcial da empresa praticado pelo Delegado Regional do Trabalho*. Presunção de legalidade e legitimidade do ato administrativo que somente pode ser revisto se demonstrada de forma cabal a existência de equívoco no laudo que o embasa. Segurança denegada. TRT 4ª R., MS 03159-2007-000-04-00-9, PSD-I, Rel. Juiz Milton Carlos Varela Dutra, DOERS 16.1.08.

Não resta dúvida, portanto, que a vida do trabalhador prevalece sobre qualquer interesse material ou econômico da empresa. Frise-se que a regulamentação do art. 161 da CLT, com a publicação da Portaria MTE nº 40, de 14/01/2010, D.O.U 17.01.2011, visa estabelecer regras de ação das autoridades competentes com o fito de equacionar harmonicamente os interesses do trabalhador, da empresa e da sociedade.

De tudo que foi exposto, chega-se às seguintes conclusões:

a)são plenamente compatíveis com o Estado Democrático de Direito os institutos do embargo e da interdição, uma vez que visam preservar, em última análise, o mais importante direito humano: a vida;

b)como decorrência da relevância social e do caráter de urgência de que se revestem estes institutos e tendo em vista a natureza preventiva dessas medidas, constatada a situação de grave e iminente risco, surge a necessidade da autoridade competente adotá-las imediatamente, a fim de salvaguardar a vida e a integridade física do trabalhador;

c)por se tratar de medidas extremas, estes instrumentos só devem ser utilizados quando não houver outro meio eficaz para alcançar-se o mesmo objetivo. Além disso, estes atos administrativos devem, ainda, satisfazer os requisitos genéricos e específicos já abordados.


REFERÊNCIAS

1 FERRARI, Irany; MARTINS, Melchiades Rodrigues. CLT: doutrina – jurisprudência predominante e procedimentos administrativos: segurança e medicina do trabalho artigos 154 a 201.São Paulo: LTr, 2007. p. 15.

2 FERRARI, Irany; MARTINS, Melchiades Rodrigues. CLT: doutrina – jurisprudência predominante e procedimentos administrativos: segurança e medicina do trabalho artigos 154 a 201.São Paulo: LTr, 2007. p. 16.

3 REIS, Jair Teixeira dos. Processo administrativo do trabalho: doutrina e prática. São Paulo: LTr,  2009. p. 14.

4 DI PIETRO, Marya Sylvia Zanella. Direito administrativo. 11. Ed. São Paulo: Atlas, 1999. p.112.

5 FABRE, Luiz Carlos Michele. Fonte do Direito do Trabalho. São Paulo: LTR, 2009. p. 141-142.

6 DI PIETRO, Marya Sylvia Zanella. Direito administrativo. 11. Ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 115-116.

7 GONÇALVES, Edwar Abreu. Manual de segurança e saúde no trabalho. 3. Ed. São Paulo: LTR, 2006. p. 68-69.

8 GONÇALVES, Edwar Abreu. Manual de segurança e saúde no trabalho. 3. Ed. São Paulo: LTR, 2006. p. 70.

9 SAAD, Eduardo Gabriel; SAAD, José Eduardo Duarte; BRANCO, Ana Maria Saad C. CLT comentada. São Luis: LTR, 2010. p. 291.

10 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 24. Ed. Atual. São Paulo.Malheiros Editores, 1999. p. 132.

11 ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito administrativo. 6. Ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2004. p. 344.

* Nota: No texto da época chamado de Delegado Regional do Trabalho, atualmente, recebe a designação de Superintendente Regional do Trabalho e Emprego, de acordo com a reestruturação do Ministério do Trabalho e Emprego.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AMORIM JUNIOR, Cléber Nilson Ferreira. O embargo de obra e a interdição de estabelecimento, de máquinas e de setor de serviço previstos no art.161 da CLT.: Considerações jurídicas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2791, 21 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18541. Acesso em: 2 nov. 2024.

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