Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

Hermenêutica e aplicação do Direito.

Breves apontamentos sobre a interpretação jurídica no paradigma contemporâneo

Exibindo página 2 de 2
Agenda 24/02/2011 às 10:21

3. Conclusão

A interpretação tradicional punha ênfase quase integral no sistema jurídico, na norma jurídica que deveria ser interpretada e aplicada ao caso concreto. Nela encontraríamos, em proposições genéricas e abstratas, a prescrição para resolução do problema que, por sua vez, forneceria os elementos fáticos sobre os quais a norma incidiria, ou seja, o material fático que nela se subsumiria. O intérprete, por fim, teria uma função meramente técnica de identificar a norma aplicável, revelando seu sentido para aplicá-la ao caso concreto, de forma neutra e objetivamente alcançada, tudo de acordo com uma visão liberal-positivista.

Tal visão não é adequada ao paradigma contemporâneo, em que se reconhece uma atividade criativa do aplicador do direito, entendendo-se a interpretação e aplicação do Direito como faces de uma mesma moeda, como conceitos em simbiose. A norma jurídica, por sua vez, não se confunde com o enunciado normativo (texto), sendo produto da interação entre texto e realidade, de modo que somente poderíamos falar em norma concretizada. Nesse cenário, o problema deixa de ser apenas um conjunto de fatos sobre os quais incide a norma, para se transformar em parte dos elementos que irão produzir o Direito.

Nesse contexto, não se mostra cabível a separação absoluta entre sujeito da interpretação e objeto a ser interpretado. O papel do intérprete não se reduz, invariavelmente, a uma função de conhecimento técnico, voltado para revelar a solução contida no enunciado normativo, tornando-se co-autor ao fazer valorações de sentido ao realizar escolhas entre as soluções possíveis.


4. Bibliografia

ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica. Trad. Zilda Hutchinson Schild Silva. São Paulo: Landy, 2001.

BARROSO, Luiz Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 1 ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

_______________________. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro. P. 23.

_______________________. Interpretação e aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 1996.

_______________________.Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito. O triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 851, 1 nov. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/7547. Acesso em: 10 set. 2009.

BULLOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007.

CARVALHO NETO, Menelick de. Da responsabilidade da administração pela situação falimentar da empresa privada economicamente viável pro inadimplência ou retardo indevido da satisfação dos valores contratados como contraprestação por obras realizadas – ilícito do Estado – igualdade de todos diante dos encargos públicos – princípio da continuidade da empresa – Estado democrático de direito. 1996. Revista da Ordem dos Advogados do Brasil. Brasília, p. 127, jul/dez, 1986.

COMTE, Auguste. Curso de filosofia positiva. Trad. José Arthur Giannotti e Miguel Lemos. São Paulo: Nova Cultural, 1991.

CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza. Jurisdição constitucional democrática. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.

____________________________; et al. O Supremo Tribunal Federal revisitado: o ano judiciário de 2002. Coord. Álvaro Ricardo de Souza Cruz. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003.

DESCARTES, René. Discurso do método. São Paulo: Martins Fontes, 1996

DWORKIN, Ronald. Freedom’s law: the moral reading of the American Constitution. Cambridge: Harvard University Press, 1996

________________. Levando os direitos a sério. Trad. Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

________________. O império do Direito. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método. Trad. Flávio Paulo Meurer. Petrópolis: Vozes, 1997.

GOMES, Alexandre Travessoni. O fundamento de validade do direito: Kant e Kelsen. Belo Horizonte: Mandamentos, 2000

HESPANHA, Antônio Manuel. Panorama histórico da cultura jurídica européia. Sintra: Europa-América, 1998.

HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Tradução de Gilmar F. Mendes. Porto Alegre: Sérgio A. Fabris, Editor, 1991.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

IHERING, Rudolf von. O espírito do direito romano. Rio de Janeiro: Alba, 1943.

__________________. A evolução do direito. Salvador: Livraria Progresso. 1953.

CAMBI, Eduardo. "Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo". In: Leituras Complementares de Processo Civil. 7 ed. Salvador: JusPODIVM, 2009

KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70, 2004.

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 7 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

_____________. Teoria Geral do direito e do Estado. 4 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. O espírito das leis: as formas de governo, a federação, a divisão dos poderes – introdução, tradução e notas de Pedro Vieira Mota. 9 ed., São Paulo: Saraiva, 2008

RAWLS, John. A theory of justice. Cambridge: Harvard University Press, 1999.

SARMENTO, Daniel. "A dimensão objetiva dos direitos fundamentais: fragmentos de uma teoria". In: Jurisdição Constitucional e Direitos Fundamentais. coord José Adécio Leite Sampaio. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.

SAVIGNY, Friedrich. Carl von. Sistema del drecho romano actual. Trad. Jacinto Mesia e Manuel Poley. 2 ed. Madrid: Centro Editorial de Gôngora, 1933, t. I.

SOUZA SANTOS, Boaventura de. Um discurso sobre as ciências. 12 ed. Porto: Afrontamento, 2001.


Notas

"Art. 1º São proibidos os casamentos entre judeus e cidadãos de sangue alemão ou aparentado. Os casamentos celebrados apesar dessa proibição são nulos e de nenhum efeito, mesmo que tenham sido contraídos no estrangeiro para iludir a aplicação desta lei.

Art. 2º As relações extra-matrimoniais entre Judeus e cidadãos de sangue alemão ou aparentado são proibidas.

Art. 3º Os Judeus são proibidos de terem como criados em sua casa cidadãos de sangue alemão ou aparentado com menos de 45 anos.

Art. 4º Os Judeus ficam proibidos de içar a bandeira nacional do Reich e de envergarem as cores do Reich. Mas são autorizados a engalanarem-se com as cores judaicas. O exercício desta autorização é protegido pelo Estado.

Art. 5º Quem infrigir o artigo 1º será condenado a trabalhos forçados. 3) Quem infrigir os arts. 3º e 4º será condenado á prisão que poderá ir até um ano e multa, ou a uma ou outra destas duas penas.

Art. 6º O Ministro do Interior do Reich, com o assentimento do representante do Führer e do Ministro da Justiça, publicarão as disposições jurídicas e administrativas necessárias à aplicação desta lei."

  1. Segundo Gomes: "O fundamento do direito em Kant é a liberdade, entendida enquanto autonomia da razão. (...) A liberdade fundamenta a existência de leis internas, que criam deveres internos, na forma de imperativos categóricos. Mas a mesma liberdade interna fundamenta a existência de leis exteriores, que tornam possível o convívio das liberdades individuais (arbítrio). O direito, é, portanto, a liberdade exteriorizada. (...) Como somente no Estado Civil há direito positive, isto e, há garantia do convívio das liberdades individuais mediante uma lei universal de liberdade, o homem tem o dever de sair do estado de natureza e a ele nunca voltar."(GOMES, 2000, p. 79-80)
  2. Exemplo disso são as Leis de Nuremberg (1935), com clara índole discriminatória. Tendo como base a origem dos quatro avós de um indivíduo, se estabelecia se este era alemão (os quatro avós alemães), judeu (os quatro avós judeus) e mestiço se descendia de um ou dois judeus. Baseados nesta distinção, os nazistas determinaram leis de segregação racial, que proibiam a união matrimonial, coabitação e relações sexuais entre judeus e alemães, além de estabelecer uma divisão social que relegava os judeus a cidadãos de segunda categoria. Veja-se os termos da lei:
  3. O teatro nos oferece m exemplo elucidativo. Alguém que atualmente resolva produzir "O Mercador de Veneza" deve encontrar uma concepção de Shylock que possa evocar, para o público contemporâneo, o complexo significado que a figura de um judeu tinha para Shakespeare e seu público, e por esse motivo sua interpretação deve, de alguma maneira, unir dois períodos de "consciência" ao transpor as intenções de Shakespeare para uma cultura muito diferente. (DWORKIN, 1999, p. 68).
  4. "O significado da ordenação jurídica na realidade e em face dela somente pode ser apreciado se ambas – ordenação e realidade – forem consideradas em sua relação, em seu inseparável contexto, e no seu condicionamento recíproco. Uma análise isolada, unilateral, que leve em conta apenas um ou outro aspecto, não se afigura em condições de fornecer resposta adequada à questão." (HESSE, 1991, p. 13)
Sobre o autor
Ari Timóteo dos Reis Júnior

Especialista em Direito Tributário pelo IBET. Ex-Procurador do Estado de Minas Gerais. Procurador da Fazenda Nacional.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REIS JÚNIOR, Ari Timóteo. Hermenêutica e aplicação do Direito.: Breves apontamentos sobre a interpretação jurídica no paradigma contemporâneo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2794, 24 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18553. Acesso em: 22 nov. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!