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O nepotismo e a terceirização de serviços na administração pública.

Aspectos polêmicos do Decreto nº 7.203/2010

Agenda 14/03/2011 às 13:43

Inicialmente, cabe destacar que a questão do nepotismo na Administração Pública vem sendo extremamente combatida pelos órgãos de fiscalização e controle competentes (STF, STJ, TCU, CGU, CNJ), em todas as esferas de governo (Federal, Estadual e Municipal), e em todos os seus poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário).

O nepotismo, segundo explica o Ministro do STF, Ricardo Lewandowski, "tem origem no latim, derivando da conjugação do termo nepote, significando sobrinho ou protegido, com o sufixo "ismo", que remete à idéia de ato, prática ou resultado" [01].

Complementa o eminente Ministro que, apesar do termo nepotismo advir historicamente de outra época, este ganha, atualmente, "o significado pejorativo do favorecimento de parentes por parte de alguém que exerce o poder na esfera pública ou privada." [02]

Para o Conselho Nacional de Justiça, nepotismo é:

"... o favorecimento dos vínculos de parentesco nas relações de trabalho ou emprego. As práticas de nepotismo substituem a avaliação de mérito para o exercício da função pública pela valorização de laços de parentesco. Nepotismo é prática que viola as garantias constitucionais de impessoalidade administrativa, na medida em que estabelece privilégios em função de relações de parentesco e desconsidera a capacidade técnica para o exercício do cargo público. O fundamento das ações de combate ao nepotismo é o fortalecimento da República e a resistência a ações de concentração de poder que privatizam o espaço público." [03]

O nepotismo encontra-se há muitos anos enraizado em nossa cultura, sendo tratado por alguns como algo comum e aceitável. Contudo, a sociedade brasileira amadureceu e, com isto, passa a questionar sobre o problema que este protecionismo e favorecimento provocam na gestão da coisa pública.

A idéia de proibição ao nepotismo no âmbito da Administração Pública advém primeiramente dos princípios orientadores expressos no caput do art. 37 da Constituição Federal, especialmente os da moralidade e da impessoalidade, que, apesar de apresentarem certa carga de indeterminação, acabam por mostrarem-se claramente incompatíveis com o nepotismo.

Com base neste entendimento, observa-se que o Conselho Nacional de Justiça, desde 18 de outubro de 2005, regulamenta a proibição ao nepotismo através de sua Resolução nº 07, onde consta expressamente, no art. 1º, que "é vedada a prática de nepotismo no âmbito de todos os órgãos do Poder Judiciário, sendo nulos os atos assim caracterizados". Referido normativo se aplica apenas no âmbito do Judiciário.

De longa data também vem o STF interpretando no sentido de que o nepotismo fere princípios expressos da Constituição Federal, defendendo a tese de que:

"A indeterminação semântica dos princípios da moralidade e da impessoalidade não pode ser um obstáculo à determinação da regra da proibição do nepotismo. Como bem anota GARCÍA DE ENTERRÍA, na estrutura de todo conceito indeterminado é identificável um "núcleo fixo" (Begriffkern) ou "zona de certeza", que é configurada por dados prévios e seguros, dos quais pode ser extraída uma regra aplicável ao caso. A vedação do nepotismo é regra constitucional que está na zona de certeza dos princípios da moralidade e da impessoalidade." [04]

Tamanha importância tomou o assunto em nossa Corte Suprema de Justiça, que em 21 de agosto de 2008 editou-se a Súmula Vinculante nº 13, que determina:

"A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo e direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal."

Seguindo este movimento político social de efetiva proibição ao nepotismo, em 04 de junho de 2010 editou-se o Decreto Federal nº 7.203, que dispõe sobre a vedação do nepotismo no âmbito da Administração Pública Federal.

Especificamente no que concerne à proibição de prática de nepotismo na contratação de serviços terceirizados pela Administração Pública, previu o Decreto nº 7.203/2010:

"Art. 1º  A vedação do nepotismo no âmbito dos órgãos e entidades da administração pública federal direta e indireta observará o disposto neste Decreto.

Art. 2º  Para os fins deste Decreto considera-se:

I - órgão:

a) a Presidência da República, compreendendo a Vice-Presidência, a Casa Civil, o Gabinete Pessoal e a Assessoria Especial;

b) os órgãos da Presidência da República comandados por Ministro de Estado ou autoridade equiparada; e

c) os Ministérios;

II - entidade: autarquia, fundação, empresa pública e sociedade de economia mista; e

III - familiar: o cônjuge, o companheiro ou o parente em linha reta ou colateral, por consanguinidade ou afinidade, até o terceiro grau.

Parágrafo único.  Para fins das vedações previstas neste Decreto, serão consideradas como incluídas no âmbito de cada órgão as autarquias e fundações a ele vinculadas.

Art. 3º...

§ 3º É vedada também a contratação direta, sem licitação, por órgão ou entidade da administração pública federal de pessoa jurídica na qual haja administrador ou sócio com poder de direção, familiar de detentor de cargo em comissão ou função de confiança que atue na área responsável pela demanda ou contratação ou de autoridade a ele hierarquicamente superior no âmbito de cada órgão e de cada entidade.

...

Art. 5º Cabe aos titulares dos órgãos e entidades da administração pública federal exonerar ou dispensar agente público em situação de nepotismo, de que tenham conhecimento, ou requerer igual providência à autoridade encarregada de nomear, designar ou contratar, sob pena de responsabilidade.

Parágrafo único. Cabe à Controladoria-Geral da União notificar os casos de nepotismo de que tomar conhecimento às autoridades competentes, sem prejuízo da responsabilidade permanente delas de zelar pelo cumprimento deste Decreto, assim como de apurar situações irregulares, de que tenham conhecimento, nos órgãos e entidades correspondentes.

...

Art. 7° Os editais de licitação para a contratação de empresa prestadora de serviço terceirizado, assim como os convênios e instrumentos equivalentes para contratação de entidade que desenvolva projeto no âmbito de órgão ou entidade da administração pública federal, deverão estabelecer vedação de que familiar de agente público preste serviços no órgão ou entidade em que este exerça cargo em comissão ou função de confiança." (grifou-se)

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Preliminarmente, cabe observar que a vedação ao nepotismo alcançará o âmbito dos órgãos e entidades da administração pública federal direta e indireta, definidos pelo art. 2º do normativo como, I - órgãos: "a) a Presidência da República, compreendendo a Vice-Presidência, a Casa Civil, o Gabinete Pessoal e a Assessoria Especial; b) os órgãos da Presidência da República comandados por Ministro de Estado ou autoridade equiparada; e c) os Ministérios;" e II - entidades: "autarquia, fundação, empresa pública e sociedade de economia mista."

Em vista disso, conclui-se inicialmente que a vedação ao nepotismo não se restringe à unidade administrativa gestora de um órgão somente. A vedação é mais ampla, inviabilizando que o nepotismo ocorra também de forma indireta no âmbito do executivo federal, como, por exemplo, a nomeação de parentes de Ministros de Estado a cargos em autarquias ou fundações federais vinculadas ao executivo federal, como expressamente proíbe o parágrafo único do art. 2º.

Em nota publicada pela Controladoria Geral da União em seu site, que compara os termos do novo Decreto 7.203/10 com a Lei 8.112/90 e com a Súmula Vinculante nº 13 do STF, explicou-se que:

"Na exposição de motivos encaminhada ao Presidente Lula, os ministros Paulo Bernardo, do Planejamento, e Jorge Hage, da CGU, lembraram que atualmente as regras sobre a vedação de nepotismo estão baseadas nos princípios constitucionais da moralidade e impessoalidade, na Lei 8.112 e na redação aberta da Súmula Vinculante nº 13, do Supremo Tribunal Federal.

"No âmbito do Poder Executivo Federal, há evidente necessidade de regras mais detalhadas que os princípios da Constituição, mais amplas que a regra da Lei 8.112, e mais minuciosas que a da Súmula Vinculantes", sustentam os ministros.

Hoje, a Lei nº 8.112, apenas veda a nomeação de familiares em cargos de subordinação direta do servidor. Por sua vez, a Súmula Vinculante nº 13 impôs a proibição na mesma "pessoa jurídica". Ambas as opções pareceram insuficientes para equacionar a matéria no âmbito do Poder Executivo Federal. Ao considerar a mesma pessoa jurídica, seriam desconsideradas as entidades vinculadas aos Ministérios, isto é, autarquias e fundações poderiam, indevidamente, abrigar familiares de autoridades da Administração Direta, já que constituem, legalmente, pessoas jurídicas distintas.

Por outro lado, a Súmula engloba órgãos de dimensões gigantescas e sem qualquer relação entre si, de modo que a vedação nesses casos seria excessiva e inapropriada. Assim, um servidor ocupante de função comissionada, por exemplo, no Ministério da Educação, geraria impedimento a que parente seu ocupasse função de assessoria no âmbito do Poder Judiciário, já que ambos integram a mesma pessoa jurídica, a União. Ainda que ambos fossem servidores públicos concursados, aquele que ocupasse o posto em primeiro lugar praticamente inviabilizaria a ascensão funcional do outro, já que a vedação da Súmula Vinculante se estende às funções de confiança" [05].(grifou-se)

Assim, como se observa, o novo regulamento sobre nepotismo não o limita a uma entidade gestora ou setor do ente administrativo. Engloba todo o órgão ou entidade contratante, nos termos do previsto no art. 2º do Decreto.

Quanto à questão específica da terceirização de serviços, tem-se que o art. 7º do normativo prevê a necessidade de os editais de licitação para contratação de empresa terceirizada vedarem expressamente que "familiar de agente público preste serviços no órgão ou entidade em que este exerça cargo em comissão ou função de confiança".

Note-se que a Lei não veda a participação nas licitações de empresas que possuam funcionários parentes de servidores públicos, até porque seria inviável tal proibição. O que a lei veda é que o familiar de agente público preste serviços no órgão ou entidade em que o servidor exerça cargo em comissão ou função de confiança, o que evita favoritismo e tratamento diferenciado ao empregado terceirizado parente do agente público.

Como visto, o nepotismo se manifesta com o favorecimento dos vínculos de parentesco nas relações de trabalho ou emprego, o que poderia levar, eventualmente, à substituição de uma avaliação isonômica do serviço prestado pela valorização dos laços de parentesco.

Ou seja, colocar uma pessoa para prestar serviço terceirizado em órgão com agente público que seja seu familiar, e que ainda exerça cargo em comissão ou função de confiança, pode levar ao estabelecimento de privilégios em função do parentesco, desconsiderando-se a capacidade técnica da pessoa, pelo que, optou a nova legislação em vedar tais situações passíveis de favorecimento.

Veja-se que as dispensas de licitação não foram esquecidas pelo legislador, prevendo igualmente a norma que "é vedada também a contratação direta, sem licitação, por órgão ou entidade da administração pública federal de pessoa jurídica na qual haja administrador ou sócio com poder de direção, familiar de detentor de cargo em comissão ou função de confiança que atue na área responsável pela demanda ou contratação ou de autoridade a ele hierarquicamente superior no âmbito de cada órgão e de cada entidade".

Importante destacar que apesar da norma não prever o procedimento a ser adotado aos contratos já em andamento na Administração, observa-se que o art. 5º do mesmo normativo obriga "aos titulares dos órgãos e entidades da administração pública federal exonerar ou dispensar agente público em situação de nepotismo, de que tenham conhecimento, ou requerer igual providência à autoridade encarregada de nomear, designar ou contratar, sob pena de responsabilidade".

Portanto, é dever da Administração averiguar possíveis situações de nepotismo enquadráveis no art. 7º e, caso existentes, requerer à autoridade encarregada pela gestão do contrato terceirizado a dispensa do funcionário ou outra providência cabível [06], sob pena de responsabilização perante os órgãos competentes.

Em face do exposto, conclui-se que a questão da vedação ao nepotismo, há muito discutida e regulamentada em várias esferas da Administração, finalmente passa a adentrar os contratos de serviços terceirizados firmados pelos entes públicos, sendo agora obrigatória a previsão em editais de licitação a vedação de que familiar de agente público preste serviços no órgão ou entidade em que este exerça cargo em comissão ou função de confiança.

Sendo a licitação orientada pelos princípios da moralidade e da impessoalidade, nada mais óbvio que a vedação ao nepotismo também abarcasse esta esfera da atividade pública.


Notas

  1. STF. RE 579951, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 20/08/2008, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-202 DIVULG 23-10-2008 PUBLIC 24-10-2008 EMENT VOL-02338-10 PP-01876.
  2. Ibidem.
  3. In: http://www.cnj.jus.br/index.php?option=com_content&view=article&id=5771&Itemid=668.
  4. STF. ADC 12-MC/DF.
  5. http://www.cgu.gov.br/Imprensa/Noticias/2010/noticia06710.asp
  6. Em serviços terceirizados o pessoal contratado não mantém vínculo com o contratante e sim com a contratada. Assim, o atendimento a determinação contida no art. 7º pode ser atendida com a remoção do profissional que possui vínculo de parentesco com servidor público do órgão ou entidade contratante, dado que não cabe a esse admitir ou demitir pessoal.
Sobre a autora
Juliana Almeida Ribeiro

Advogada, especialista em Direito Ambiental pela UNICURITIBA, especialista em Licitações e Contratos Administrativos pela UNIBRASIL, consultora jurídica da JML, coordenadora editorial e científica da Revista JML de Licitações e Contratos, colaboradora do livro "Repercussões da Lei Complementar 123/06 nas licitações públicas" (Editora JML 2008).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Juliana Almeida. O nepotismo e a terceirização de serviços na administração pública.: Aspectos polêmicos do Decreto nº 7.203/2010. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2812, 14 mar. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18657. Acesso em: 21 nov. 2024.

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