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A novel sistemática de sobrestamento, na origem, dos recursos repetitivos.

Breves apontamentos sobre o art. 543-C do CPC

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Agenda 23/03/2011 às 10:47

3.Processamento, na origem, do recurso repetitivo após o pronunciamento do STJ sobre a questão federal selecionada como representativa

Publicado o acórdão do STJ acerca da controvérsia representativa, a coordenadoria do órgão julgador expede ofício ao Tribunal de origem, comunicando o resultado do julgamento, instruindo-o inclusive com cópia do acórdão (art. 6° da Resolução n° 8/2008) [13]. Ao tomar ciência da aludida comunicação, caberá ao Presidente ou Vice-Presidente do Tribunal de origem adotar uma das seguintes providências com relação aos recursos que ficaram sobrestados:

Se o STJ tiver chegado, no julgamento dos recursos representativos, à mesma conclusão encampada no acórdão recorrido, deverá o Presidente ou Vice-Presidente do Tribunal de origem denegar seguimento aos recursos especiais sobrestados. Uma pergunta que logo aparece é a de que se cabe algum recurso contra essa decisão. Apesar do silêncio da lei, é de se supor que sim, pois, sendo o STJ a instância à qual o recurso verdadeiramente se dirige, deve ele exercer o controle último sobre o processamento do recurso especial. Assim, por analogia ao art. 544 do CPC, tal decisão desafia, em princípio, o recurso de agravo de instrumento, não cabendo qualquer recurso no âmbito do próprio Tribunal local, pelos mesmos motivos anteriormente alinhavados.

Se o STJ tiver chegado à conclusão diferente da encampada no acórdão recorrido, deverá o Presidente ou Vice-Presidente do Tribunal de origem encaminhar os autos ao órgão fracionário que prolatou o acórdão recorrido para que os feitos sobrestados sejam reapreciados [14]. Daí que caso o órgão julgador reconsidere a sua decisão, adequando-a à orientação firmada pelo STJ, fica prejudicado o recurso especial sobrestado, abrindo-se, é claro, novo prazo recursal à parte sucumbente, que pode perfeitamente querer devolver a demanda às instâncias excepcionais. Diferentemente, caso o órgão julgador não reconsidere a sua decisão, mantendo a divergência com a orientação firmada pelo STJ, os autos deverão ser novamente encaminhados ao Presidente ou Vice-Presidente do Tribunal de origem, que aí sim exercerá o juízo de admissibilidade do recurso especial sobrestado, para que se oportunize a análise de sua pretensão diretamente pelo juízo ad quem.

Ressalte-se que, quanto a esta última hipótese, há quem entenda em sentido contrário, defendendo que "se o acórdão recorrido divergir da orientação do Superior Tribunal de Justiça, poderá o Tribunal de origem, pelo órgão encarregado da admissibilidade do recurso especial, reconsiderar a decisão exarada, conformando-se à orientação do Superior Tribunal de Justiça" [15].

Data venia, discordamos de semelhante entendimento por vários entendimentos.

Primeiro motivo: entendimento incompatível com a natureza das atribuições inerentes à Vice-Presidência. Ao exercer o juízo precário (provisório) da admissibilidade de determinado recurso excepcional, o Desembargador Vice-Presidente atua na condição de mero "delegado" do Tribunal ad quem [16], tratando apenas de viabilizar o regular processamento do recurso (bem como de seus eventuais incidentes), não sendo investido de qualquer poder de ingerência ou mesmo de influência sobre o mérito decisão recorrida, sendo-lhe, pelo contrário, terminantemente vedado exercer qualquer espécie de juízo decisório até com relação ao mérito do excepcional - e ipso facto da demanda -, a não ser em hipóteses excepcionalíssimas de devida e motivada viabilidade de invocação da Súmula n° 83 do STJ [17], e ainda assim no âmbito exclusivo do juízo de admissibilidade, tão-somente com o intuito de obstar a subida daqueles recursos que não reúnem a menor possibilidade de êxito.

Segundo motivo: entendimento temerário sob a ótica do princípio do juiz natural.A interpretação defendida pelo culto Relator parece afrontar o princípio/garantia constitucional do juiz natural, porquanto, ainda que reflexamente, acaba atribuindo à norma do art. 543-C do CPC a roupagem de "regra de competência", de modo a emprestar à sistemática da repetitividade um mecanismo processual de modificação superveniente de competência recursal no âmbito da segunda instância, e, de modo ao menos questionável, incumbindo a um órgão ISOLADO (Vice-Presidente) a função de exercer o CONTROLE sobre uma decisão emanada de um órgão COLEGIADO, e, o que me causa ainda mais espécie, sem sequer que exista entre eles alguma relação de hierarquia, quer do ponto de vista jurisdicional, quer do ponto de vista funcional.

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Com todo o respeito,esse não parece ser o espírito e o propósito das alterações perpetradas pela Lei n° 11.672/2008, as quais, ao que tudo indica, se impuseram apenas no intuito de agilizar o julgamento dos recursos excepcionais, e, consequentemente, de desafogar as pautas dos Tribunais Superiores, sem qualquer pretensão de interferir na sistemática de competência recursal dos Tribunais de origem.

A propósito, prevendo eventuais indagações nesse sentido, já me adianto que a preconizada interpretação não comporta, a pretexto de argumentação sistêmica, qualquer comparação ou mesmo simples paralelo com a sistemática prevista no art. 557 do CPC, eis que não subsiste qualquer similitude entre ambas: enquanto a possibilidade de "reexame" de um recurso pelo Desembargador Vice-Presidente enseja, por tudo e em tudo, uma modificação de competência, porquanto transfere a um órgão (Vice-Presidente) a competência para o (re)julgamento de determinado recurso originariamente atribuída a outro órgão do mesmo Tribunal (Câmara), a sistemática prevista no art. 557 do CPC se opera sempre dentro de uma mesma estrutura orgânica (afinal, o Relator nada mais é do que um dos componentes de seu respectivo colegiado), e, embora faculte ao Relator julgar monocraticamente um recurso, deixa in totum resguardado, pela via do agravo interno, o controle definitivo pelo órgão colegiado originariamente competente.

Terceiro motivo: entendimento discrepante com o que se depreende de uma interpretação sistemática do art. 543-C do CPC. Confesso que toda a controvérsia aqui suscitada tem a sua razão de ser, não ocorrendo por mero acaso. Ela se dá não só em razão da ausência da norma regulamentadora a que se refere o §9° do art. 543-C do CPC, mas também - e principalmente - em decorrência de certa nebulosidade na redação do §7° do art. 543-C, cuja literalidade deixa espaço a ambas interpretações, sobretudo ao atribuir genericamente ao "tribunal de origem" o reexame da decisão recorrida na hipótese de divergência com a orientação firmada pelo STJ em sede do recurso representativo, atribuição essa que, pelo fato de a lei não tecer maiores especificações, poderia perfeitamente recair sobre qualquer órgão jurisdicional pertencente àquele "tribunal de origem".

No entanto, esse "espaço hermenêutico" sucumbe a uma análise sistemática da norma, ou mesmo a uma simples análise combinada de seus §§7° e 8°. Explico:

Dispõe o §7° do art. 543-C que, uma vez publicada a decisão do Superior Tribunal de Justiça, os recursos especiais que estiverem sobrestados na origem serão novamente examinados pelo tribunal na hipótese de o acórdão recorrido divergir da orientação superior. O §8°, por sua vez, dispõe que, caso seja mantida a decisão pelo tribunal de origem, far-se-á o exame de admissibilidade do recurso especial.

Ora, se a lei, em parágrafos distintos, prevê o exercício de dois juízos decisórios distintos pelo "tribunal de origem, impõe-se convir que seria um manifesto contra-senso outorgar ao Vice-Presidente a competência para, a um só tempo, manter a decisão recorrida e em seguida exercer o juízo de admissibilidade do recurso interposto contra essa mesma decisão. Ao que me parece, as atribuições aqui confrontadas são inclusive incompatíveis: ou se atribui a determinado órgão a competência para examinar uma decisão, ou se lhe atribui a competência para processar os recursos contra ela eventualmente interpostos. Essa é a essência mesma da dinâmica e da teoria da admissibilidade dos recursos, e repousa na necessidade de se resguardar a imparcialidade e o controle efetivo dos atos jurisdicionais típicos. Não é por acaso que, ao assumir a função de Vice-Presidente de um Tribunal, o Desembargador imediatamente se desliga da Câmara de que antes fazia parte, passando a compor um órgão próprio e autônomo, por sua vez dotado de atribuições específicas.

Por conta de todos esses fatores, me parece que a sistemática da repetitividade manteve incólume a estrutura competencial dos recursos no âmbito da segunda instância, nos mesmos moldes de outrora: o mérito da demanda (e/ou recurso), em segunda instância, continua sob o controle dos órgãos colegiados preventos, e a admissibilidade precária dos excepcionais contras as decisões desses colegiados continua sob um controle inicial da Vice-Presidência. O que ocorreu foi apenas uma protraição de cada qual no tempo, tudo a depender da sorte do recurso eleito como representativo da controvérsia.

Caso o legislador realmente quisesse atribuir alguma competência a mais ao órgão incumbido da admissibilidade do recurso especial sobrestado na origem, assim o teria feito discriminadamente, tal como o fez no §1° do dispositivo em epígrafe, enunciativa da regra de que "caberá ao presidente do tribunal de origem admitir um ou mais recursos representativos da controvérsia, os quais serão encaminhados ao Superior Tribunal de Justiça, ficando suspensos os demais recursos especiais até o pronunciamento definitivo do Superior Tribunal de Justiça".

Quarto e último motivo. Contra disposição expressa da Resolução n° 7, de 14 de julho de 2008, do STJ. Como arremate, trago à baila as principais disposições da Resolução n° 7, de 14 de julho de 2008, que também "estabelece os procedimentos relativos ao processamento e julgamento de recursos especiais repetitivos", e cujo teor parece espancar quaisquer dúvidas ainda eventualmente existentes sobre praticamente tudo o que se disse. Vejamos:

Art. 7º Publicado o acórdão do recurso especial afetado, os Ministros que tenham determinado a suspensão de recursos fundados em idêntica controvérsia poderão:

I – julgá-los nos termos do artigo 557 do Código de Processo Civil;

II – caso tenham adotado o procedimento a que se refere o § 2º do artigo 5º desta Resolução, autorizar por ofício a substituição da decisão por certidão de julgamento, a ser expedida pela coordenadoria do órgão julgador.

§ 1º Adotado o procedimento descrito no inciso II deste artigo, o prazo para interposição de recurso, nos processos suspensos, terá início 3 (três) dias após a publicação do acórdão referente ao recurso especial afetado.

§ 2º Os agravos de instrumento, distribuídos ou não, poderão ser julgados na forma estabelecida neste artigo.

(...)

Art. 9º Após o julgamento definitivo do recurso especial afetado, quaisquer outros recursos remetidos a este Tribunal serão julgados pela Presidência, nos termos da Resolução n. 3, de 17 de abril de 2008.

Art. 10 A suspensão a que se refere o artigo 1º, caput, desta Resolução, cessará automaticamente assim que publicado o acórdão do Superior Tribunal de Justiça proferido no recurso especial afetado, aplicando-se aos recursos especiais suspensos as seguintes regras:

I – coincidindo os acórdãos recorridos com o julgamento do STJ, não serão admitidos;

II – divergindo os acórdãos recorridos do julgamento do STJ, serão novamente submetidos ao órgão julgador competente no tribunal de origem, competindo-lhe reconsiderar a decisão para ajustá-la à orientação firmada no acórdão paradigma, sendo incabível a interposição de outro recurso especial contra o novo julgamento.

III – havendo outras questões a serem decididas, além daquelas julgadas no acórdão paradigma, serão submetidos a juízo de admissibilidade.

(...)

Art. 12 Os processos suspensos em primeiro grau de jurisdição serão decididos de acordo com a orientação firmada pelo Superior Tribunal de Justiça, incidindo, quando cabível, o disposto nos artigos 285-A e 518, § 1º, do Código de Processo Civil.

Art. 13 Será considerada juridicamente inexistente manifestação prévia do relator, no tribunal de segundo grau de jurisdição, a respeito da manutenção do acórdão recorrido desafiado por recurso especial sujeito ao procedimento estabelecido na Lei n.11.672/2008 e nesta Resolução.


4.CONCLUSÕES FINAIS

Em suma:

a)Por força da nova sistemática instituída no art. 543-C do CPC, quando o Presidente ou Vice-Presidente do Tribunal de origem detectar a existência de vários recursos que versam sobre uma mesma questão de direito, lhe caberá selecionar um ou alguns recursos e encaminhá-los ao STJ, antes mesmo de exercer o seu juízo de admissibilidade.

b)Os que não forem selecionados como "representativos", serão sobrestados, aguardando em cartório o pronunciamento definitivo do STJ sobre a questão federal a ele submetida.

c)Nada impede, também, que o STJ determine por sponte propria o sobrestamento na origem dos recursos cuja controvérsia já esteja pendente de análise pelo colegiado. Nesse caso, caberá ao Presidente ou Vice-Presidente do Tribunal de origem apenas cumprir a ordem quanto a todos os recursos relacionados àquela controvérsia.

d)Enquanto o STJ não se pronunciar sobre a questão federal selecionada, compete ao Tribunal de origem apreciar os incidentes e as medidas urgentes referidas ao especial que fica sobrestado na origem. O mesmo, contudo, não deve acontecer com os recursos representativos da controvérsia, pois, mesmo que ainda não tenha sido exercido o seu juízo de admissibilidade, eles já se encontram sob o crivo do Superior Tribunal, e seria contraditório que a instância recorrida emitisse uma ordem a uma instância superior, determinando a sustação dos efeitos de uma decisão cujo controle definitivo sequer lhe compete.

e)Publicado o acórdão do STJ acerca da controvérsia representativa, a coordenadoria do órgão julgador expede ofício ao Tribunal de origem, comunicando o resultado do julgamento, instruindo-o inclusive com cópia do acórdão.

f)Se o STJ tiver chegado, no julgamento dos recursos representativos, à mesma conclusão encampada no acórdão recorrido, deverá o Presidente ou Vice-Presidente do Tribunal de origem denegar seguimento aos recursos especiais sobrestados.

g)Se o STJ tiver chegado à conclusão diferente da encampada no acórdão recorrido, deverá o Presidente ou Vice-Presidente do Tribunal de origem encaminhar os autos ao órgão fracionário que prolatou o acórdão recorrido para que os feitos sobrestados sejam reapreciados. Caso o órgão julgador reconsidere a sua decisão, adequando-a à orientação firmada pelo STJ, fica prejudicado o recurso especial sobrestado, abrindo-se, é claro, novo prazo recursal à parte sucumbente, que pode perfeitamente querer devolver a demanda às instâncias excepcionais. Caso o órgão julgador não reconsidere a sua decisão, mantendo a divergência com a orientação firmada pelo STJ, os autos deverão ser novamente encaminhados ao Presidente ou Vice-Presidente do Tribunal de origem, que aí sim exercerá o juízo de admissibilidade do recurso especial sobrestado, para que se oportunize a análise de sua pretensão diretamente pelo juízo ad quem.

Sobre o autor
Victor Cretella Passos Silva

Advogado em São Paulo.Chefe de Gabinete da Vice-Presidência do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (biênio 2008/2009).Pós-graduando em Direito Constitucional pela PUC/SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Victor Cretella Passos. A novel sistemática de sobrestamento, na origem, dos recursos repetitivos.: Breves apontamentos sobre o art. 543-C do CPC. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2821, 23 mar. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18744. Acesso em: 24 nov. 2024.

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