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Justiça Estadual: competência delegada X competência residual.

Benefícios não-acidentários e acidentários: cumulação de pedidos

Agenda 23/03/2011 às 12:39

Havendo a identidade física do Juiz Estadual é possível cumular, numa mesma ação, pedidos sucessivos de benefício acidentário com benefício não-acidentário.

1. Introdução

Quando se fala em benefícios pagos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), lembra-se que a propositura de ação contra essa Autarquia Previdenciária, via de regra, deve ser na Justiça Federal.

No Brasil, nem sempre há Justiça Federal em toda a parte. Assim, a Constituição Federal possibilita que o Juiz Estadual, por delegação, assuma essa competência.

Por outro lado, existem alguns benefícios que são pagos pelo INSS que obrigatoriamente são da competência da Justiça Estadual (benefícios acidentários – doença do trabalho ou acidente do trabalho).

Ocorre que nem sempre é possível distinguir o benefício acidentário do não-acidentário antes da realização da perícia técnica da Justiça.

Havendo a identidade física do Juiz Estadual é possível cumular, numa mesma ação, pedidos sucessivos de benefício acidentário com benefício não-acidentário.

Antes, porém, importante entender um pouco mais sobre competência.


2. Breve noção sobre competência em razão do lugar (ou "competência delegada")

O artigo 109 da Constituição Federal, em seu § 3º, faz alusão sobre a competência em razão do lugar.

Na verdade, o § 3º do art. 109. da Constituição Federal, diz que serão processadas e julgadas na justiça estadual, no foro do domicílio dos segurados ou beneficiários, as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado, sempre que a comarca não seja sede de vara do juízo federal, e, se verificada essa condição, a lei poderá permitir que outras causas sejam também processadas e julgadas pela justiça estadual.

Em outras palavras: se no domicílio do segurado inexistir vara da Justiça Federal, a ação judicial proposta pelo segurado contra o INSS será processada e julgada na Justiça Estadual. Ressalva-se que na hipótese de recurso, este será sempre para o Tribunal Regional Federal na área de jurisdição do juiz de primeiro grau (CF, art. 109, § 4º).

Essa é a definição da mencionada competência pelo domicílio dos beneficiários (também conhecida como competência delegada). Obviamente, que é "delegada" porque a Justiça Federal, sob a autorização Constitucional, delega a competência para a Justiça Estadual.

Dessa maneira, quando inexistir Vara Federal no domicílio dos beneficiários para julgamento acerca de ações previdenciárias, será competente o juízo estadual. Repisa-se: na hipótese de recurso, este será dirigido sempre ao Tribunal Regional Federal, na área de Jurisdição do juiz de primeiro grau (art. 109, § 4º da Constituição Federal).

Destaca-se, outrossim, que as ações a serem propostas na Justiça Estadual no caso de competência delegada, por expressa disposição da Lei nº 9.099/95, não podem ser propostas nos Juizados Especiais Cíveis Estaduais.


3. Breve noção da competência residual da ação acidentária

Inicialmente, deve-se lembrar que a ação acidentária não pode ser confundida com a ação previdenciária.

Registre-se, por oportuno, que quando se fala em ação acidentária esta tem haver com benefícios pagos pelo INSS decorrentes de doença do trabalho ou acidente do trabalho.

É importante lembrar que, para fins de benefícios pagos pelo INSS, a doença surgida ou agravada em decorrência do trabalho equipara-se ao acidente do trabalho (daí o sentido de se dizer "benefício acidentário" ou "ação acidentária", mesmo no caso de doença do trabalho).

A Constituição Federal de 1988 não foi explícita a respeito da Ação Acidentária, devendo-se aplicar a regra que reserva aos Estados, ou seja, a "competência derivada residual". Por esse motivo é que a Justiça Estadual possui a competência para apreciar e decidir ações acidentárias.

Portanto, em toda ação cuja matéria trate de acidente do trabalho a competência é da Justiça Estadual.

Assim, por exemplo, nas ações em que se discute a majoração ou revisão de benefício acidentário (mesmo no caso de pensão por morte acidentária) a competência é sempre da Justiça Estadual.

No passado, muito se discutiu sobre quem teria a competência em tais casos.

A dúvida sobre a competência é de certa forma pertinente. Isso porque a matéria abordada numa ação revisional de pensão por morte acidentária (para a aplicação de índices como a ORTN, INPC, etc.), por exemplo, é exatamente a mesma daquela que seria discutida em qualquer outra ação revisional de pensão por morte não acidentária (ou seja, de competência da Justiça Federal).

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No entanto, os pretórios já pacificaram seu entendimento no sentido de que mesmo nestas hipóteses a competência é sempre da Justiça Ordinária Estadual, posto que, como se disse, a matéria é acidentária e deve ser aplicada a regra constitucional da "competência derivada residual".

De acordo com o enunciado da Súmula nº 501 do STF, "compete à justiça ordinária estadual o processo e o julgamento, em ambas as instâncias, das causas de acidente do trabalho, ainda que promovidas contra a União, suas autarquias, empresas públicas ou sociedades de economia mista".

Neste mesmo sentido, a Súmula nº 235 do STF: "É competente para a ação de acidente do trabalho a justiça cível comum, inclusive em segunda instância, ainda que seja parte autarquia seguradora".

Vale ressaltar, ainda, que as ações acidentárias a serem propostas na Justiça Estadual, por expressa disposição da Lei nº 9.099/95, não podem ter o trâmite nos Juizados Especiais Cíveis Estaduais.


4. A Justiça Estadual e a cumulação da competência delegada e da competência residual

Em alguns momentos, a Justiça Estadual ora pode ter o papel de Competência Delegada (isto é, assumindo a função de Justiça Federal nas localidades onde inexiste tal vara), ora assumindo o papel de o papel de Competência Residual no caso de Ações de natureza acidentária.

É que a Constituição Federal reservou para a Justiça Estadual tais circunstâncias, quando se tratar de causas envolvendo benefícios pagos pelo INSS.

Dessa forma, as ações acidentárias são processadas perante o Juiz Estadual, por força do art. 109, I, da Carta de 1988. Ações não-acidentárias são igualmente processadas pelo Juiz de Direito (Juiz Estadual) "sempre que a comarca não seja sede de vara do juízo federal" (art. 109, § 3.º da Constituição Federal).

Portanto, a Magna Carta diz que nesses casos, na localidade onde inexistir Justiça Federal ou Juizado Especial Federal, o Juiz se reveste da Competência Delegada, ou seja, é como se o Juiz de Direito (Estadual) fosse o Juiz Federal, com todos os poderes e competências a ele inerentes. Essa delegação funciona apenas em primeira instância, pois no caso de eventual recurso quem o apreciará será o respectivo Tribunal Regional Federal (e não o Tribunal de Justiça).

Todavia, a mesma Constituição Federal disse também que compete a Justiça Estadual processar e julgar causas que versem sobre acidente de trabalho. Chama-se residual, pois a Constituição Federal de 1988 não foi explícita a respeito da Ação Acidentária, devendo-se aplicar a regra que reserva aos Estados, ou seja, a "competência derivada residual". Por esse motivo é que a Justiça Estadual possui a competência para apreciar e decidir ações acidentárias. Em outras palavras, quando se tratar de ações acidentárias, o Juiz Estadual não está atuando por delegação, mas sim com a própria competência e poderes a ele inerentes. Tanto é assim que se houver recurso, o mesmo será dirigido ao respectivo Tribunal de Justiça.

Ocorre, entretanto, que em algumas localidades pode não existir Justiça Federal e o Juiz Estadual assume o duplo papel em relação às causas que tratam de benefícios concedidos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) – competência residual e competência delegada.

E o pior, muitas vezes não se sabe se o benefício a ser concedido terá natureza acidentária ou não – o que se confirmará apenas após a realização da perícia técnica.


5. O que fazer nesses casos?

O beneficiário poderá propor, na mesma demanda, a cumulação de pedidos, de maneira sucessiva (acidentário ou não-acidentário).

Quer dizer, por exemplo, que na mesma petição inicial haverá o pedido de auxílio-doença previdenciário ou, subsidiariamente, em caso de existência de nexo causal reconhecida pelo perito do juízo, auxílio-doença acidentário.

De outra sorte, pode ser que o requerente tenha feito apenas o pedido de auxílio-doença previdenciário, mas quando o perito entrega o laudo, descobre-se o nexo causal e é reconhecido que o benefício correto seria, por exemplo, o auxílio-doença acidentário.

Nessas hipóteses, tecnicamente é possível fazer esse tipo de pedido quando não há Vara Federal na localidade, em virtude do princípio da identidade física do juiz (ou seja, o juiz, pessoa física, é o mesmo para julgar ambas as demandas).

Alguns juristas discordam desse posicionamento, alegando que embora o juiz (pessoa física) seja o mesmo para julgar ambas as demandas, o juízo é diverso. Por essa corrente, entendem pela impossibilidade de cumulação de pedidos de benefícios acidentários e não-acidentários, eis que, em que pese haver identidade física do juiz, o juízo é diferente, isto é, para conceder-se benefício acidentário, o juízo é estadual, mas para conceder benefício previdenciário, no caso, o juízo é federal por delegação. Em outras palavras, a competência para processá-los é diversa e o inciso II do art. 292, § 1º, do CPC proíbe essa cumulação de pedidos.1

Todavia, não se pode concordar com esse posicionamento.

Como se sabe, a partir do momento em que o Juiz toma conhecimento de lesão ou ameaça de direito, deve pronunciar-se. Isso está dentro do princípio da indeclinabilidade (ou da inafastabilidade, também chamado de princípio do controle jurisdicional por Cintra, Grinover e Dinamarco)2 .

A Constituição Federal dispõe no artigo 5°, inciso XXXV, que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito".

Sendo assim, é CLÁUSULA PÉTREA CONSTITUCIONAL a garantia de acesso ao Poder Judiciário a todos aqueles que tiverem seu direito violado ou ameaçado, não sendo possível o Estado-Juiz eximir-se de prover a tutela jurisdicional àqueles que o procurem para pedir uma solução baseada em uma pretensão amparada pelo direito.

Sobre o tema, Fernando da Costa Tourinho Filho3 salienta que "se a lei não pode impedir que o Judiciário aprecie qualquer lesão ou ameaça a direito, muito menos poderá o Juiz abster-se de apreciá-la, quando invocado".

Portanto, o princípio da indeclinabilidade diz que o juiz não pode subtrair-se da função jurisdicional, sendo que, mesmo havendo lacuna ou obscuridade na lei, deverá proferir sua decisão.

Para a situação em debate, não resta ao Juiz Estadual outra opção a não ser sentenciar e conceder o respectivo benefício (acidentário ou não).

Alguns, menos avisados, poderiam invocar o princípio da unirrecorribilidade, isto é, de que não se poderia interpor duas apelações, por exemplo, uma para o Tribunal Regional Federal e outra para o Tribunal de Justiça, mesmo no caso de recurso voluntário.

Oras, na hipótese, a exemplo da decisão ter sido no sentido de que o benefício é acidentário, não haveria dois recursos. O recurso seria dirigido ao Tribunal de Justiça, que confirmaria (ou não a decisão). O mesmo raciocínio seria aplicável no caso de ação não-acidentária, onde quem manifestaria seria o Tribunal Regional Federal.

Em qualquer das hipóteses, se for reconhecida a incompetência, o processo seria remitido ao outro juízo (e não extinto, sob pena de evidente prejuízo ao segurado).

Essa situação já ocorre na prática nos processos onde há Justiça Federal na mesma localidade, havendo a remessa da Justiça Estadual para a Federal (e vice-versa) quando verificada a competência correta da matéria. Nessas circunstâncias, o processo é redistribuído para o juízo competente e recebe nova numeração, seguindo todos os trâmites normais.

Nesses casos, a prova pericial já realizada pode ser reaproveitada para o requerimento de benefício na outra ação (de acidentária para não-acidentária – ou vice-versa), dando maior celeridade ao processo novo.


6. Conclusões Finais

Do exposto, observa-se que quando houver a identidade física do juiz, que acumula ao mesmo tempo a competência delegada e a competência residual, será possível a cumulação de pedido de benefício não-acidentário e acidentário.

A perícia é que, na maioria das vezes, acaba delimitando qual o juízo competente.

A despeito de alguns doutrinadores serem contrários, o princípio da indeclinabilidade do juiz assevera que o julgador não pode subtrair-se da função jurisdicional, devendo proferir sua decisão.

Na eventual hipótese de recurso, a Instância Superior tem como declinar a competência e determinar a remessa ao Juízo competente, aproveitando-se as provas até então produzidas, ante o princípio da celeridade e da economicidade processual.

O que é inadmissível é fazer com que o beneficiário (na maioria das vezes doente e que foi injustamente privado de seus rendimentos, eis que não consegue voltar ao trabalho e a Previdência Social lhe negou benefício por incapacidade) tenha o indeferimento de seu pedido na Justiça Estadual, sob o argumento de que o Juízo é incompetente, em que pese o mesmo Juiz acumular ambas as competências.


BIBLIOGRAFIA

BACHUR, Tiago Faggioni. Teoria e Prática do Direito Previdenciário. 2ª Edição. Editora Lemos e Cruz. 2009.

BACHUR, Tiago Faggioni. Como conseguir sua aposentadoria e outros benefícios do INSS mais rapidamente através do mandado de segurança. Ed. Lemos e Cruz. 2010.

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. São Paulo: Malheiros, 19ª ed., 2003, p. 139.

LIMA, Nícolas Francesco Calheiros de Lima. Cumulação de pedidos de benefício acidentário e não-acidentário na mesma demanda (Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2774, 4 fev. 2011. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/18426/cumulacao-de-pedidos-de-beneficio-acidentario-e-nao-acidentario-na-mesma-demanda>. Acesso em: 28 fev. 2011).

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. Vol 2. São Paulo: Saraiva, 25ª ed., 2003. p. 59.

www.bachurevieira.com.br


Notas

1 Nesse sentido é o posicionamento do Procurador Federal Nícolas Francesco Calheiros de Lima, in Cumulação de pedidos de benefício acidentário e não-acidentário na mesma demanda (Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2774, 4 fev. 2011. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/18426/cumulacao-de-pedidos-de-beneficio-acidentario-e-nao-acidentario-na-mesma-demanda>. Acesso em: 28 fev. 2011).

2 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. São Paulo: Malheiros, 19ª ed., 2003, p. 139.

3 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. Vol 2. São Paulo: Saraiva, 25ª ed., 2003. p. 59.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BACHUR, Tiago Faggioni. Justiça Estadual: competência delegada X competência residual.: Benefícios não-acidentários e acidentários: cumulação de pedidos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2821, 23 mar. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18746. Acesso em: 25 nov. 2024.

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