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AIDS e direitos humanos

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Agenda 01/07/2000 às 00:00

Isolamento

Em "Informe de una consulta internacional sobre el SIDA y los derechos humanos", patrocinado pela ONU, afirma-se que "(...) es necesario respetar los derechos humanos y evitar toda discriminación. No hay ninguna razón de salud pública que justifique el aislamiento, la cuarentena ni ninguna otra medida discriminatoria basada exclusivamente en el estado de infección de una persona. Por consiguiente, toda discriminación contra las personas infectadas por el VIH amenaza no solo los derechos humanos sino también la prevención eficaz de la propagación del VIH" (p. 61).

Conforme essas idéias, encontramos Limongi França (p. 16) e Douraki. Esse alerta para o fato de que o "problema da SIDA revelou lados obscuros da sociedade ocidental, entre outros, um racismo e uma tendência a rejeitar certas categorias de pessoas, como os homossexuais, as prostitutas, os drogaditos, os negros, em as marginalizando ao máximo." (p. 234).

Interessante destacar que, na pesquisa realizada não encontrei um único jurista que defendesse o isolamento. Mas, conforme Tomasevski, China, Chile, Cuba, República Dominicana, Finlândia, Coréia, Kuwait, Malásia, Malta, Mônaco, Panamá, Polônia, Romênia, África do Sul, Suécia, Reino Unido e Vietnã são países que, com base na sorologia para o VIH, impõem restrições (isolamento ou hospitalização).


Testagem Compulsória

Se é difícil, moralmente, defender posições de isolamento, não o é quando se trata de propor a obrigatoriedade da testagem compulsória. Os exemplos afloram. Conforme Tomasevski (p. 256-257), Cuba testou 75% da população e a Bulgária 45%; os EUA, Itália, México, Uruguai testaram a população carcerária; a Indonésia, Belize e Coréia do Norte os profissionais do sexo; a Itália, Tailândia e URSS os dependentes de droga; a Guatemala, Síria, Tunísia e URSS os homossexuais.

Em nível nacional, cita-se o Projeto de Lei nº 801, de 1991, do deputado Avenir Rosa, que pretendia obrigar todo trabalhador a ser testado no momento de sua admissão, sendo esse teste repetido a cada seis meses. A justificativa, conforme texto do mui digníssimo deputado federal, encontra-se no fato da

"alta incidência, no Brasil, de uma doença letal como a AIDS, ainda mais considerando-se que os portadores assintomáticos do vírus VIH permanecem, durante anos a fio, como transmissores em potencial, plenamente justifica sua detecção precoce em exames de massa".

No Rio Grande do Sul, partindo de iniciativa do deputado João Odil Haas, existiu o Projeto de Lei nº 138/90, que pretendia obrigar a realização de teste para detecção do VIH nos condenados a cumprimento de pena nos presídios do estado, bem como na Fundação Estadual de Bem Estar do Menor. Inclusive com parecer favorável da Comissão de Constituição e Justiça.

Em sentido contrário, Alain Molla denunciava que "a SIDA coloca em perigo a liberdade. E o primeiro combate do jurista, sua primeira ação deve ser de calar aqueles que escolheram de a censurar, em opondo saúde pública e liberdade individual. Eles o fazem pela reiteração obstinada, histérica, da promoção de testagem, que eles querem, evidentemente, obrigatória e generalizada." (p. 10).

Douraki (p. 238), igualmente contrário à testagem compulsória, alerta para a dificuldade de sua realização devido aos custos elevados e ao falso sentimento de segurança que pode ser criado. Falso devido à possibilidade de resultados errôneos - caso muito freqüente tendo em vista que os exames conhecidos buscam a percepção do anticorpo e não do próprio vírus, o que resulta em período - janela imunológica - em que a pessoa contaminada fornece resultado conhecido como falso negativo.

Tomasevski (p. 263) confirma essa ineficácia, citando exemplos. O primeiro relata experiência realizada em Illinois, EUA, onde se tornou obrigatório o teste antivih pré-nupcial. Um ano depois dessa exigência, o número de certidões diminuiu 22% e dos 155 mil candidatos testados apenas 26 eram soropositivos, o que resultou em um custo de 208 mil dólares para cada resultado positivo. Implantada em 1º de janeiro de 1988, a medida foi revogada em 1989.

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O segundo exemplo é soviético e mostra que enquanto o teste obrigatório de quatro milhões de grávidas identificou seis mulheres portadoras; o teste voluntário de 19 mil pessoas (Tomasevski, p. 264) identificou quatro, ou seja, foi mil vezes mais eficaz que aquele.

Ressalte-se que a pouca eficiência da testagem inclui as ditas instituições fechadas, quer seja em decorrência da janela imunológica, quer seja porque as instituições não são tão fechadas quanto se acredita.

Barros, também para negar a testagem compulsória, alega que "de nada adiantará a adoção de medidas de identificação de portadores do VIH entre aqueles que ingressam no sistema prisional se, efetivamente, não se puder desenvolver um atendimento subseqüente adequado e que respeite a dignidade da pessoa" (p. 7).


NOTAS

  1. É a denominação que eu prefiro e utilizo nesse trabalho, respeitadas as citações em que o autor tenha optado por AIDS e os nomes de entidades que utilizem essa.
  2. A revista Veja, em fevereiro de 1994, anunciava que, entre 1987 e 1993, no Brasil, 35 padres morreram de SIDA.

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Sobre o autor
Dani Rudnicki

mestre em Direito pela Unisinos, professor de Direito Penal na Universidade de Cruz Alta (RS) e Faculdades Reunidas Ritter dos Reis (RS), conselheiro do Movimento de Justiça e Diretos Humanos/RS

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RUDNICKI, Dani. AIDS e direitos humanos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 43, 1 jul. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1875. Acesso em: 24 nov. 2024.

Mais informações

Este texto resume idéias do livro do autor AIDS e Direito: função do Estado e da Sociedade na prevenção da doença (Editora Livraria do Advogado, 1996) e nos artigos SIDA: a função do Direito Penal (Livro de estudos Jurídicos, Rio de Janeiro, nº 6, 1993) e É necessário criminalizar a transmissão da AIDS? (Boletim IBCCrim, São Paulo, maio, 1998).

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