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O novo panorama do controle de constitucionalidade no Brasil.

"Abstrativização" do controle difuso

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Tal fenômeno se manifesta na doutrina e na legislação, ganhando fôlego com a EC 45/04, que criou os institutos da súmula vinculante e da repercussão geral no recurso extraordinário.

RESUMO: O presente trabalho pretende delinear e fazer uma análise crítica acerca do fenômeno chamado de "abstrativização" do controle difuso [01] de constitucionalidade. Tal fenômeno tem se manifestado tanto na doutrina quanto na legislação e ganhou fôlego com a EC45/04, que criou os institutos da Súmula Vinculante e da repercussão geral no Recurso Extraordinário. Pode ainda ser visto em alguns julgados do Supremo Tribunal Federal, proferidos em sede de controle difuso, nos quais se observa que a "ratio decidendi" desvinculou-se do caso concreto para atingir a todos (efeitos erga omnes e vinculante), alcançando efeitos típicos do controle concentrado. Assim, observa-se uma crescente "objetivização" da tutela constitucional, na medida em que as decisões do Supremo passam a visar não somente um caso concreto, mas a defesa da própria Constituição e sua força normativa, vinculando a todos. Questiona-se, porém a legitimidade e admissibilidade de sua aplicação no ordenamento jurídico brasileiro.

Palavras-chave:Controle de constitucionalidade. Controle difuso. Efeitos. Aproximação.

ABSTRACT: This essay (paper) wants to do a critical analysis on the phenomenon named "abstrativização" of the decentralized judicial review, outlining its more important features. That phenomenon has appeared both in the jurisprudence and in the law e became more important with the Constitutional Amendment n. 45/2004, that created both the institutes "Súmula Vinculante" and "Repercussão Geral" on the Extraordinary Appeal. It can also been see in some decisions from the Supremo Tribunal Federal, on the context of the decentralized judicial review, in which it can be seen that the "ratio decidendi" is free from the concrete situation and intent to reach obligatory and erga omnes effects that are the same of the centralized judicial review. Thus, it perceived an increasing "objetivização" of the constitutional protection, the extent that the decisions from the Supremo Tribunal Federal does not address themselves to a real situation, but intent to defend even the Constitution and its normative force, creating an erga omnes effect. At least, this paper makes the question on the legitimacy and the admissibility of the application of the "abstrativização" inside the Brazilian positive law.

Key words:Controlof constitutionality. Judicial review. Effects. Approximation.

SUMÁRIO:1.Introdução. 2. Breve digressão sobre o controle de constitucionalidade no Brasil. 3. Transformações no controle difuso. 3.1 A Emenda Cosntitucional nº 45 e a introdução da Repercussão Geral e da Súmula Vinculante 4. A nova tendência do STF nas decisões em controle difuso. 5. Argumentos que justificam a aproximação entre as formas de controle de constitucionalidade 6. Análise crítica da "abtrativização" do controle difuso. 7. Conclusão


1.Introdução

O controle de constitucionalidade serve para a garantia e proteção das normas constitucionais em face das normas ou atos jurídicos de hierarquia inferior ou, nas palavras de CARVALHO "controlar a constitucionalidade é verificar a adequação de uma lei ou de um ato normativo com a Constituição, nos seus aspectos formais e materiais" (2009, p. 362).

O Brasil adotou, no que tange ao controle de constitucionalidade, o sistema misto, isto é, o ordenamento jurídico brasileiro prevê tanto o controle concentrado quanto o controle difuso de constitucionalidade.

O controle concentrado é exercido exclusivamente pelo STF, em âmbito federal, e pelos Tribunais de Justiças dos estados federados, quando se tem como parâmetro as Constituições Estaduais. Esse tipo de controle é exercido por via de ação, que somente pode ser proposta por sujeitos predeterminados constitucionalmente. É o chamado controle abstrato, assim chamado porque tem por objetivo analisar a lei ou ato normativo em tese, sem se levar em conta qualquer caso concreto. Além disso, a decisão na ação pela via direta tem efeito erga omnes e força vinculante.

Já o controle difuso, pode ser exercido por qualquer órgão do Poder Judiciário – juiz, tribunais estaduais, federais, superiores, e pelo próprio STF, por meio do Recurso Extraordinário – sendo exercido por meio de exceção. A declaração de (in) constitucionalidade, nesse caso, é apenas a causa de pedir, no interior da análise de uma pretensão deduzida em juízo. É por isso chamado de controle concreto, já que tem por base uma situação concreta, e vincula somente as partes (efeito inter partes).

Para que a decisão em controle difuso gere efeitos erga omnes, é necessária a participação do Senado Federal, o qual, de acordo com o art. 52, inciso X, da Constituição de 1988, poderá editar resolução para suspender a execução da lei ou ato declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.

Acontece que, não obstante existirem dois sistemas de controle de constitucionalidade bem definidos e com características próprias, observa-se, no Brasil, uma forte tendência de aproximação do controle difuso ao controle concentrado, ao menos no que no que tange aos seus efeitos.

O fenômeno, chamado de "abstrativização do controle difuso de constitucionalidade", consiste na tendência, cada vez mais difundida, de aproximação dos efeitos das decisões proferidas no controle concreto, aos efeitos da via direta de controle de constitucionalidade, isto é, em alguns casos, a decisão desvincula-se do caso concreto, para atingir a todos (efeitos erga omnes e vinculante).

Essa "objetivização" do controle difuso tem se manifestado tanto na legislação quanto na jurisprudência e ganhou fôlego com a EC45/04, que criou os institutos da Súmula Vinculante e da repercussão geral no Recurso Extraordinário.

A doutrina também já tem se manifestado sobre o tema, sendo que os adeptos da nova teoria apontam diversos argumentos que fundamentam a referida modificação no controle de constitucionalidade. Dentre os argumentos citados pela doutrina pode-se citar a força normativa da Constituição e o princípio da supremacia da Constituição. Fala-se ainda em uma suposta "mutação constitucional", com conseqüente mudança na interpretação do art. 52, X da CF.

No que tange à jurisprudência do STF, a tendência de "abstrativização" do controle difuso de constitucionalidade já se fez presente em algumas decisões da Suprema Corte, e vem ganhando espaço de discussão entre os ministros. O fenômeno pode ser visto no emblemático HC82.959/SP, bem como no Recurso Extraordinário 197.917-SP, que decidiu sobre o número de vereadores nos municípios do país.

Esses exemplos mostram claramente a tendência que será analisada nessa exposição. Assim, observa-se uma crescente "objetivização" da tutela constitucional, na medida em que as decisões do Supremo passam a visar não somente um caso concreto, mas a defesa da própria Constituição, vinculando a todos.

Acontece que não há qualquer dispositivo, seja constitucional, seja na legislação ordinária, que estabeleça ou autorize essa objetivação. Ao contrário, fazendo-se uma interpretação literal do art. 52, X da Carta Magna, observa-se que a "abstrativização", ao menos da forma que tem sido utilizada pelo STF, encontra óbice, já que a Lei Maior é expressa ao exigir a participação do Senado no que tange à suspensão da execução da norma declarada inconstitucional pelo STF.

Ademais, questiona-se se não estaria o STF com excesso de poder nas mãos e, ainda, se não estaria excedendo os limites da legitimidade da jurisdição constitucional.

Por todo o exposto, é oportuna a análise do fenômeno da "abstrativização" do controle difuso, já que, não sem críticas e discussões entre os estudiosos dos direito, vem ganhando espaço na doutrina brasileira, com reflexos na legislação e jurisprudência do STF.

Ressalta-se, por fim, que não tem a presente pesquisa a intenção de encerrar o assunto, mas tão somente trazer a lume algumas características e idéias em relação ao problema proposto, a fim de incentivar e acirrar o debate acerca de tema deveras atual e polêmico.


2. Breve digressão sobre o controle de constitucionalidade no Brasil

Para se compreender a evolução do controle de constitucionalidade no Brasil faz-se necessário proceder a uma análise, ainda que breve, dos dois grandes sistemas jurisdicionais de controle, delineando suas principais características e efeitos, apontando ainda suas semelhanças e diferenças.

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O controle judicial de constitucionalidade [02] no Brasil é considerado misto ou eclético, isto é, o ordenamento brasileiro atual estabelece tanto o controle concentrado quanto o controle difuso de constitucionalidade.

O controle difuso tem origem norte-americana, e surgiu a partir do emblemático caso Marbury v. Madison [03], julgado por Jonh Marshall, no ano de 1803. A esse julgamento é atribuído, se não o nascimento [04], ao menos a consolidação do sistema de controle judicial da constitucionalidade já que, a partir dele, conferiu-se aos juízes a interpretação da lei infraconstitucional e sua não aplicação, caso divergente da norma constitucional. Nesse momento, surgiu também a idéia de supremacia da Constituição.

Segundo CUNHA JÚNIOR (in NOVELINO, 2008, p. 288):

Com a decisão de MARSHALL, jurídica e logicamente irretorquível, acolheu-se a tese de que as Constituições, sobretudo nos sistemas de Constituições rígidas, são normas jurídicas fundamentais e supremas a quaisquer outras, devendo sempre prevalecer, de tal sorte que, diante da desconformidade entre uma Constituição e uma lei, o juiz é obrigado a aplicar a Constituição e a não aplicar a lei, que, nesse caso, é írrita. Nasceu, portanto, com a célebre decisão, o controle judicial da constitucionalidade das leis. E é isso que importa.

No Brasil, o controle difuso foi inserido no ordenamento jurídico desde a primeira Constituição Republicana, de 1891, estando presente em todas as subseqüentes, inclusive na atual Carta Constitucional, de 1988.

Esse tipo de controle pode ser exercido por qualquer órgão do Poder Judiciário (juiz, tribunais estaduais, federais, superiores, e pelo próprio STF, por meio do Recurso Extraordinário), tendo também ampla legitimidade ativa, vez que pode ser exercido por qualquer pessoa que demanda em juízo, podendo mesmo ser feito ex oficio pelo magistrado, ao exarar um provimento jurisdicional.

O controle da constitucionalidade, nesse caso, é feito por meio de um incidente processual dentro de uma situação concreta, isto é, a questão constitucional é resolvida na fundamentação da decisão judicial, sendo sempre incidenter tantum (DIDIER JÚNIOR, in NOVELINO, 2008). A declaração de (in)constitucionalidade, portanto, é apenas a causa de pedir, no interior da análise de uma pretensão deduzida em juízo.

Por isso, o controle difuso é também chamado de controle concreto, já que tem por base um caso específico, em que as partes demandam em juízo por determinado bem jurídico, sendo a norma a ser declarada (in)constitucional apenas o fundamento para a pretensão, mas não a pretensão em si mesma. Também por esse motivo, os efeitos da decisão acerca da matéria constitucional vinculam somente as partes demandantes (efeito inter partes).

Ademais, fazendo parte da fundamentação do provimento jurisdicional e não do dispositivo da decisão, a decisão de (in) constitucionalidade proferida em sede de controle difuso não está apta a produzir coisa julgada material. Ensina DIDIER JÚNIOR que "obviamente, porque tomada em controle difuso, a decisão não ficará acobertada pela coisa julgada e será eficaz apenas inter partes" (in NOVELINO, 2008, p. 273).

Assim, pode-se dizer que "se cuida de um controle subjetivo, pois desenvolvido em razão de um conflito de interesses intersubjetivos, cuja finalidade principal é a defesa de um direito subjetivo ou de um interesse legítimo juridicamente protegido" (CUNHA JÚNIOR, in NOVELINO, p. 290).

Mencione-se, ademais, que, para que a decisão em controle difuso gere efeitos erga omnes, é necessária a participação do Senado Federal, que, de acordo com o art. 52, inciso X, da Constituição de 1988, poderá editar resolução para suspender a execução da lei ou ato declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.

Por fim, cumpre destacar que a decisão pela inconstitucionalidade, se proferida por tribunal, deve ser dada pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou de seu órgão especial, respeitando-se a cláusula de reserva de plenário, prevista no art. 97 da Constituição Federal.

O controle de constitucionalidade concentrado, por sua vez, tem origem européia e foi idealizado por Hans Kelsen, sendo visto pela primeira vez na Constituição austríaca de 1920 e depois difundida por vários países da Europa (NOVELINO, 2009, p. 257). Por isso, também é denominado sistema europeu ou austríaco.

No Brasil, o controle concentrado ganhou previsão constitucional somente em 1965, através de emenda constitucional que modificou a Constituição Federal de 1946, "com a criação da representação genérica de inconstitucionalidade" (CUNHA JÚNIOR, in NOVELINO, 2008, p. 295)

Desde então, esse tipo de controle vem ganhando força e espaço no ordenamento jurídico brasileiro, sendo consolidado, finalmente, com a Constituição Federal de 1988, a qual aperfeiçoou e ampliou significativamente o sistema de controle concentrado de constitucionalidade, instituindo, ao lado da ação direta de inconstitucionalidade (ADI, prevista no art. 102, I, "a"), já existente nas constituições anteriores, diversos outros mecanismos de controle direto: a ADI por omissão (Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão - art. 103, §2º), a ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental - art.102, §1º), a ADC (Ação Declaratória de Constitucionalidade - art. 102, I, "a") [05], além da Ação Direta de Inconstitucionalidade Interventiva (art. 36, III). Essa última não é novidade na atual Carta Constitucional, tendo seu embrião na Constituição de 1934.

A Lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1999, disciplina o processo e julgamento da ADI e ADC perante o Supremo Tribunal Federal. A Lei nº 9.882, de 03 de dezembro de 1999, regulamenta o procedimento da ADPF.

O controle concentrado é exercido por meio de ação, cujo objeto é a própria análise da adequação de determinada lei infraconstitucional em relação às normas formalmente constitucionais. Em outros termos, o exame da constitucionalidade caracteriza o próprio pedido da ação e não somente a causa de pedir, como ocorre no controle difuso-incidental. A decisão de (in)constitucionalidade integra, pois, o dispositivo do provimento jurisdicional, fazendo coisa julgada material.

Segundo DIDIER JÚNIOR (in NOVELINO, 2008, p. 273) "[...] o controle concentrado, no Brasil, é feito principaliter tantum, ou seja, a questão sobre a constitucionalidade da lei compõe o objeto litigioso do processo e a decisão a seu respeito ficará imune pela coisa julgada material, com eficácia erga omnes"

Além do mais, o controle concentrado é também chamado de controle abstrato, já que, em regra, analisa a lei ou ato normativo em tese, sem se levar em conta qualquer caso concreto. É considerado, por isso, um processo objetivo. Conforme preceitua NOVELINO, o controle concentrado "tem por finalidadeprecípua a defesa da ordem constitucional objetiva, independentementeda existência de lesões concretas a direitos subjetivos" (2009, p. 257).

Os efeitos da decisão em controle concentrado-abstrato são vinculantes e erga omnes, e não apenas intra partes. Aqui, não há necessidade de comunicação ao Senado Federal para a suspensão da norma considerada inconstitucional, já que a própria decisão do STF ou TJ retira a norma viciada do ordenamento jurídico.

Diferentemente do controle difuso-incidental, o controle concentrado é exercido exclusivamente pelo STF, em âmbito federal, e pelos Tribunais de Justiça dos Estados Federados, quando se tem como parâmetro as Constituições Estaduais.

Ademais, esse tipo de ação somente pode ser proposta por sujeitos predeterminados constitucionalmente. Nesse ponto, é importante destacar que, embora a Constituição de 1988 tenha ampliado significativamente o rol de legitimados ativos [06] em relação às Constituições que a precederam [07], ainda se tem um número bem restrito de partes legítimas para a demanda via controle concentrado, se comparado com o número irrestrito de legitimados no controle difuso.

Mas ainda assim, afirmam alguns doutrinadores [08] que a ampliação da legitimação é um dos motivos tem levado ao enfraquecimento do controle difuso, alegando mesmo que este perdeu parte de seu sentido, diante da amplitude de legitimados a propor ação direta.

Compartilha desse entendimento CUNHA JÚNIOR (in NOVELINO, 2008, p. 297), ao afirmar que

Com o novo arranjo jurídico-constitucional traçado pela Constituição vigente, determinante da amplitude das ações especiais e diretas de controle concentrado e da fixação de um extenso rol de legitimados para a propositura dessas ações, o controle difuso-incidental sofreu, sem dúvida, uma significativa restrição.

Como visto, o ordenamento jurídico brasileiro acolheu os dois grandes sistemas de controle judicial repressivo de constitucionalidade, difuso e concentrado, os quais convivem lado a lado, com suas semelhanças e especificidades.

De acordo com o que se mencionou acima, é possível perceber que os dois sistemas de controle encontram diferenças sensíveis, que vão desde a origem até os efeitos alcançados por cada tipo de controle.

Acontece que, não obstante tamanha diferença entre os controles difuso e concentrado de constitucionalidade, pode-se observar uma crescente aproximação entre eles, ao menos no que tange aos seus efeitos, conforme de demonstrará adiante.


3. TRANSFORMAÇÕES NO CONTROLE DIFUSO

Conforme se destacou linhas acima, os dois sistemas de controle de constitucionalidade presentes no ordenamento brasileiro apresentam diferenças marcantes, dentre as quais se destaca a variação quanto aos efeitos das decisões proferidas em cada um deles. É que, enquanto o controle concentrado-abstrato tem efeito vinculante e eficácia erga omnes, o controle difuso-incidental tem eficácia somente inter partes.

Essa diferença se deve ao fato de que a questão constitucional no controle concentrado é principaliter tantum (objeto do pedido) e no controle difuso é incidenter tantum (questão incidente)(DIDIER JÚNIOR, in NOVELINO, 2008, p. 273).

No entanto, o que se observa é uma tendência de aproximação entre os dois sistemas, na medida em que o controle concreto ganha feições de processo objetivo, se assemelhando ao controle abstrato, ao menos no que tange aos seus efeitos.

Esse fenômeno tem sido chamado de "abstrativização" do controle difuso, porquanto se observa uma mitigação dos efeitos típicos do controle difuso-incidental e uma valorização dos efeitos característicos do controle abstrato, quais sejam, eficácia erga omnes e força vinculante.

A tendência pode ser vista tanto na legislação quanto na jurisprudência, mormente do STF, com reflexos na doutrina, que vem travando importante debate sobre o tema [09].

No que tange à legislação vê-se, num primeiro momento, o surgimento da chamada súmula impeditiva de recursos (art. 557, do CPC), a qual, de maneira discreta, conferiu certa dose de obrigatoriedade às súmulas e jurisprudência dominante dos Tribunais Superiores.

Ademais, a reforma do Judiciário, consolidada na Emenda Constitucional nº45/04 [10], conferiu ainda mais força à aproximação dos sistemas de controle de constitucionalidade, ao estabelecer os institutos da repercussão geral e da Súmula Vinculante.

Esses institutos atribuíram ao Recurso Extraordinário, instrumento de controle concreto, efeitos típicos do controle abstrato, demonstrando uma aproximação entre os dois sistemas de controle, na medida em que as características do controle difuso ficam atenuadas, numa clara "objetivação do Recurso Extraordinário" [11].

É certo que tais mudanças têm o nítido objetivo de conter a avalanche de processos de aportam no STF todos os anos, fazendo com que, mais do que um guardião da Constituição, o Supremo seja apenas mais um grau recursal, destinado a reformar decisões proferidas nas instâncias inferiores, julgando processos que dizem respeito apenas a interesses das partes demandantes.

Nesse sentido, assevera MONTEZ (2008) que "[...] muitas vezes, o recurso extraordinário era utilizado como instrumento a permitir a revisão da decisão por mais uma instância, ou seja, o Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição, passava a atuar como um tribunal recursal de causas meramente privadas".

Acontece que, na ânsia de se reduzir a quantidade de processos na Suprema Corte, acabou-se por retirar do Recurso Extraordinário as características de recurso marcadamente subjetivo, isto é, de defesa de interesses exclusivos das partes, transformando-o em instrumento de defesa da ordem constitucional objetiva.

A seguir, será feita uma análise mais pormenorizada dos dispositivos legais que representam a tendência ora estudada, abordando-se os institutos da súmula impeditiva de recursos, repercussão geral e súmula vinculante.

3.1- A Emenda Constitucional nº 45/04 e a introdução da Repercussão Geral e da Súmula Vinculante

A Emenda Constitucional nº45, de 08 de dezembro de 2004 operou a chamada "Reforma do Judiciário", introduzindo no ordenamento jurídico brasileiro os institutos da Repercussão Geral e da Súmula Vinculante.

A repercussão geral, prevista no art. 102, §3º, da Constituição Federal e regulamentada pela Lei 11.418/06, visa a obstar que questões de cunho unicamente particular sejam levadas a julgamento no STF, por meio do Recurso Extraordinário. Assim, para que o RE seja admitido na Corte Suprema, o recorrente deverá demonstrar a relevância da questão constitucional discutida, o que significa que tal questão deve ultrapassar os interesses subjetivos da causa.

BEÇAK esclarece que "antes, no sistema anterior, havia como que uma pressuposição genérica, a de que, qualquer eventual ofensa objetiva à Constituição seria relevante. Hoje, não mais. É necessário um plus" (2008).

Trata-se, pois, de um novo requisito de admissibilidade do Recurso Extraordinário, cuja principal intenção é conter a enorme quantidade de processos que chegam ao STF, com o único objetivo de reformar sentença proferida em única ou última instância, como se o Supremo fosse apenas mais uma instância judicial, descaracterizando sua função de guardião da Constituição.

Segundo LENZA (2008, p.476) "[...] trata-se de importante instituto seguindo a tendência de se erigir o STF a verdadeira Corte Constitucional e, também, mais uma das técnicas trazidas pela Reforma do Judiciário na tentativa de solucionar a denominada "Crise do STF e de Justiça."

Se a Constituição Federal, ao estabelecer a repercussão geral (art. 102,§3º) deixava dúvida quanto sua caracterização, a Lei 11.418/06, que regulamentou o instituto, dirimiu, ao menos em parte, as dificuldades. É que referida lei alterou o Código de Processo Civil, inserindo os artigos 453-A e 453-B, trazendo um maior detalhamento acerca da conceituação e características da repercussão geral.

O §1º, do art. 543-A, traz um conceito genérico, ao estabelecer que

§ 1º  Para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa.

Estabeleceu-se, ademais, uma hipótese específica, aonde, independentemente do caso concreto, a repercussão geral estará sempre presente. Trata-se do §3º do art. 543-A:

§ 3º  Haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal.

Além do mais, mencionada lei regulou o procedimento a ser utilizado para a subida dos recursos ao STF, além de tratar do incidente de análise da repercussão geral por amostragem, que é a hipótese de julgamento de processos múltiplos fundados em idêntica controvérsia.

Nesse caso, serão escolhidos alguns processos que representem a discussão comum, ficando os outros sobrestados até ulterior decisão nos processos selecionados. Proferida a decisão, esta será aplicada automaticamente aos processos suspensos.

Na lição de DIDIER JÚNIOR (in NOVELINO, 2008, p. 280)

O STF julgará um, ou alguns, recurso (s) extraordinário(s), que envolva(m) a mesma questão de direito – a(s) decisão(ões) recorrida(s) tem(êm) a mesma ratio decidendi. Se negar a existência de repercussão geral, todos os demais, que não subiram ao STF, reputam-se não-conhecidos, Eis o julgamento por amostragem.

Nesse ponto, pode-se verificar que o julgamento por amostragem é um procedimento que muito se aproxima dos institutos do controle concentrado, já que tem natureza objetiva. A decisão, nesse caso, desprende-se do caso concreto para atingir a todos os processos sobrestados, fundados em idêntica controvérsia. Ou seja, a decisão proferida em um único processo tem força vinculante em relação aos demais, que nem mesmo foram objeto de análise pelo Supremo.

Resta demonstrado, assim, o caráter obrigatório e vinculante das decisões proferidas pela Suprema Corte, corroborando tudo o que já fora até aqui falado acerca da aproximação entre o controle difuso-incidental e o controle concentrado-abstrato.

LENZA (2008, p. 476), ao se referir sobre o tema, assevera que

Em interessante tendência de aproximação do controle difuso aos efeitos do controle concentrado (influência do Ministro Gilmar Mendes), o art. 453-A, §5º, do CPC, introduzido pela Lei 11.418/06, estabelece que, sendo negada a existência da repercussão geral (do caso concreto, individualizado), a decisão valerá para todos os recursos sobre matéria idêntica, que serão indeferidos liminarmente, salvo revisão da tese, tudo nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

E arremata dizendo que "parece, então, que se trata de mais uma hipótese de súmula impeditiva de recurso, no caso do recurso extraordinário, servindo como "barreira" para o acesso ao STF de todos os casos que tratem da mesma matéria, ou melhor, de recurso com fundamento em idêntica controvérsia"

Assim, fica claro que a repercussão geral surgiu como um importante instrumento que, para além de servir como forma de racionalização e diminuição do número de processos no STF, tem uma nítida função de retirar do Recurso Extraordinário seu caráter subjetivo, voltado para a defesa de interesses privados, passando a ser ferramenta de análise da validade das normas frente à Constituição. Devolve-se ao STF, dessa forma, o papel de guardião da Constituição, função para a qual foi criado.

Por fim, destaca-se a lição NOVELINO, o qual afirma que "este novo requisito intrínseco de admissibilidade recursal demonstra que o recurso extraordinário vem perdendo seu caráter eminentemente subjetivo, para assumir a função de defesa da ordem constitucional." (2009, p. 659).

A Súmula Vinculante foi criada com a mesma finalidade da repercussão geral, assim como de toda a Reforma do Judiciário, qual seja, a de controlar os incontáveis processos que chegam ao STF, muitos deles versando sobre casos idênticos e muitas vezes desafiando questões já pacificadas ou mesmo sumuladas pelo Tribunal.

A súmula de efeito vinculante é também um importante instrumento de "abstrativização" do controle difuso, na medida em que confere efeito obrigatório ao posicionamento sumulado pela Corte Suprema, ainda que a decisão da controvérsia que deu origem à referida súmula tenha sido proferida em sede de controle difuso-incidental.

Conforme leciona NOVELINO (2009, p. 661-662):

Ao conferir um efeito próprio do controle abstrato a um entendimento adotado em decisões proferidas a partir da análise de um caso concreto, a súmula vinculante se insere neste ambiente reforçando ainda mais a tendência de abstrativização do controle concreto de constitucionalidade.

A súmula vinculante foi prevista no art. 103-A da Constituição Federal, e regulada através da Lei 11.417/06.

A Emenda Constitucional nº 45/04, responsável pela introdução do instituto no ordenamento jurídico brasileiro, atribuiu competência para a instituição da Súmula de efeito vinculante somente ao órgão Supremo do Poder Judiciário, a quem cabe, precipuamente, a guarda da Constituição.

A súmula vinculante tem por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas constitucionais, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica. Além do mais, só poderá ser aprovada depois de reiteradas decisões sobre o mesmo assunto.

Depois de aprovada pela Suprema Corte, por dois terços de seus membros, referida súmula terá efeito vinculante e obrigatório em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário bem como à administração pública, direta e indireta, em todas as esferas de poder (federal, estadual e municipal). Só não ficam vinculados o próprio STF e o Poder Legislativo, evitando-se, com isso, o temido engessamento do Direito.

Além disso, poderá o STF, de ofício ou mediante provocação, proceder à revisão, cancelamento ou revisão da súmula, na forma estabelecida pela Lei que a regulamenta (Lei nº 11.417/06).

Não se pode deixar de mencionar ainda que, o art. 103-A, § 3º é expresso ao conferir àquele que for lesado ou ameaçado de lesão por ato administrativo ou decisão judicial que contrariar ou aplicar indevidamente súmula vinculante legitimidade ativa para propor a reclamação perante o Supremo Tribunal Federal, visando a garantir a autoridade de suas decisões vinculantes.

Exsurge, pois, a Súmula Vinculante como um remédio capaz de dotar de agilidade e eficácia a máquina emperrada da Justiça, evitando repetição inútil de causas, bem como o dissenso de vários órgãos julgadores em instâncias inferiores, quando já houver uma decisão pacificadora em Corte Superior no mesmo sentido, diminuindo assim, o número de demandas em curso nos tribunais.

Mais do que isso, a súmula vinculante, assim como a repercussão geral, têm importante significado na "abstrativização" do controle difuso, uma vez que confere uma aproximação dos efeitos do controle difuso em relação ao controle concentrado.

Nas palavras de NOVELINO (2009, p. 243)

O efeito vinculante, típico do controle abstrato, conferido a um enunciado de súmula aprovado a partir de reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aponta para uma tendência de abstrativização. Por outro lado, a exigência de demonstração da repercussão geral das questões constitucionalmente discutidas, como requisito intrínseco de admissibilidade recursal, demonstra que o recurso extraordinário vem perdendo seu caráter eminentemente subjetivo para assumir um papel de defesa da ordem constitucional objetiva.

Vistas as principais inovações trazidas pela EC nº 45/04 e sua contribuição para o crescimento do fenômeno ora estudado, passa-se a seguir ao estudo da jurisprudência do STF acerca do tema.

Sobre os autores
Karina Ferreira Lanza

Analista do Ministério Público de Minas Gerais . Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Ouro Preto/MG.Especialista em Direito Processual pela Unisul . Pós-graduanda em Direito Público pela UNIFEMM

André de Abreu Costa

Graduado pela Universidade Federal de Ouro Preto/MG. Mestre em Teoria do Direito pela PUC-Minas.Professor de Direito no Instituto Metodista Izabela Hendrix. Professor de Direito da Faculdade de Pedro Leopoldo. Professor da pós graduação em Direito Público da UNIFEMM. Advogado

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LANZA, Karina Ferreira; COSTA, André Abreu. O novo panorama do controle de constitucionalidade no Brasil.: "Abstrativização" do controle difuso. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2830, 1 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18803. Acesso em: 23 dez. 2024.

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