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O novo panorama do controle de constitucionalidade no Brasil.

"Abstrativização" do controle difuso

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6. ANÁLISE CRÍTICA DA "ABSTRATIVIZAÇÃO" DO CONTROLE DIFUSO

Não obstante o visível crescimento da tese da "abstrativização" do controle difuso, seja na legislação, seja na jurisprudência do STF, e mesmo em âmbito doutrinário, conforme visto até aqui, certo é que o fenômeno não escapa às duras críticas de parcela da doutrina [26], a qual traz importantes questionamentos acerca de sua utilização no ordenamento jurídico pátrio.

De fato, a tese da "abstrativização" encontra sérias barreiras, que impedem sua aplicação, ao menos da forma em que vem sendo utilizada. Senão vejamos.

Em primeiro lugar, vale destacar o fato de que, embora a tese da "objetivização" do controle difuso seja, ao primeiro olhar, atraente, podendo ser eficaz em termos de celeridade e economia processual, a verdade é que falta previsão legal e constitucional que legitimem sua aplicação no ordenamento jurídico brasileiro.

Pedro Lenza, ao tratar do assunto em sua obra de Direito Constitucional, ensina que:

Muito embora a tese da transcendência decorrente do controle difuso pareça bastante sedutora, relevante e eficaz, inclusive em termos de economia processual, de efetividade do processo, de celeridade processual (art. 5º, LXXVIII – Reforma do Judiciário) e de implementação do princípio da força normativa da Constituição (Konrad Hesse), parecem faltar, ao menos em sede de controle difuso, dispositivos e regras, sejam processuais, sejam constitucionais, para a sua implementação. (LENZA, 2008, p. 155-156)

É que, segundo LENZA (2008), os efeitos erga omnes e vinculante encontram previsão legal apenas para os casos de controle concentrado e das súmulas vinculantes. Já no que tange ao controle difuso, a Constituição traz previsão expressa (art. 52, X) exigindo a participação do Senado Federal para suspensão dos efeitos de lei declarada inconstitucional pelo STF. Sem que ocorra tal participação, a lei continuará sendo válida e eficaz, tendo efeito somente inter partes.

Assim, conclui o autor que

Na medida em que a análise da constitucionalidade da lei no controle concreto difuso pelo STF não produz efeito vinculante, parece que somente mediante necessária reforma constitucional (modificando o art. 52, X, e a regra do art. 97) é que seria possível assegurar a constitucionalidade dessa nova tendência – repita-se, bastante "atraente" – da transcendência dos motivos determinantes no controle difuso, com caráter vinculante.

Crítica ainda mais contundente é a lançada por Lênio Luiz Streck e Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira (2008). Assumidamente contrários à tese utilizada pelos Ministros Gilmar Mendes e Eros Grau em seus votos na Reclamação 4335-5/AC [27], referidos autores lançam uma série de questionamentos acerca da tese da "mutação constitucional" defendida pelos Ministros, bem como dos limites da legitimidade da jurisdição constitucional.

Afirmam, em síntese que, se a Constituição atribuiu efeitos diferentes aos sistemas de controle difuso e concentrado, não há como aceitar que os efeitos deste último se estendam ao primeiro, de forma automática. (STRECK e OLIVEIRA, 2008)

Afinal, a Constituição traz previsão expressa acerca da participação do Senado no processo de suspensão da norma declarada inconstitucional pelo STF, em sede de controle difuso e, por isso, "decidir que qualquer decisão do Supremo Tribunal em controle difuso gera os mesmos efeitos que uma proferida em controle concentrado (abstrato) é, além de tudo, tomar uma decisão que contraria a própria Constituição" (2008).

Por isso, a aplicação da tese da "abstrativização" do controle difuso, pode acabar gerando como efeito colateral o próprio enfraquecimento da força normativa da Constituição, princípio utilizado como argumento para sua utilização, conforme já fora abordado linhas acima. E isso ocorre porque, na medida em que o STF nega vigência ao art. 52, X da CF/88, sob a alegação de "mutação constitucional", a Corte acaba por abrir precedente à desobediência de norma constitucional, além do que fere a integridade da própria Constituição.

Dito de outro modo

De uma perspectiva interna ao direito, e que visa a reforçar a normatividade da Constituição, o papel da jurisdição é o de levar adiante a tarefa de construir interpretativamente, com a participação da sociedade, o sentido normativo da Constituição e do projeto de sociedade democrática a ela subjacente. Um tribunal não pode paradoxalmente subverter a constituição sob o argumento de a estar garantindo ou guardando (STRECK e OLIVEIRA, 2008).

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Ademais, a tese da "mutação constitucional" reduz o papel do Senado Federal a um mero órgão de imprensa, cabendo-lhe tão somente publicar a decisão tomada pelo STF, a qual já nasce dotada de efeito erga omnes e força vinculante. E isso, significa "retirar do processo de controle difuso qualquer possibilidade de chancela dos representantes do povo deste referido processo, o que não parece ser sequer sugerido pela Constituição da República de 1988" (STRECK e OLIVEIRA, 2008).

E pior do que isso, além de reduzir a competência do Senado Federal à de uma "secretaria de divulgação", a "mutação constitucional", na forma sugerida pelos Ministros do STF [28] acaba por ferir princípios constitucionais como o do devido processo legal, contraditório e ampla defesa. E isso porque a decisão proferida em controle difuso acabará por atingir indivíduos que não tiveram qualquer participação nos processos que levarão à decisão que os atingirá (2008).

Por fim, cumpre destacar que (e talvez seja esta a crítica mais severa à tese da "abstrativização" do controle difuso) aceitar que o STF possa atribuir efeito vinculante a uma decisão proferida em sede de controle difuso é atribuir muito poder nas mãos da Corte. Observe-se que, a decisão nesse tipo de controle de constitucionalidade é tomada pela maioria de votos, ou seja, basta o voto de seis ministros. E como se sabe, mesmo a súmula vinculante exige quorum qualificado para sua aprovação (oito votos). Desse modo, aceitar a tese da "abstrativização" do modo como vem sendo utilizada, é aceitar que o STF, em decisão única, tomada por seis ministros, vincule uma decisão sem a necessidade de aprovação de súmula.

Com isso, corre-se o risco de que sejam tomadas decisões equivocadas, proferidas sem que a tese tenha sido devidamente aprofundada nos debates da Suprema Corte. Além do que, conferir tamanho poder ao STF, seria transformá-lo em um "poder constituinte permanente e ilegítimo" (STRECK e OLIVEIRA, 2008).

Mais correta seria, então, a aprovação de Súmula Vinculante sobre o tema que se pretende atribuir eficácia geral e força vinculante. Somente procedendo dessa forma pode-se ter a garantia de que o STF não estará ultrapassando os limites da competência que lhe fora atribuída pela Constituição. Além disso, tal precaução permite um maior amadurecimento da discussão sobre o tema entre os Ministros antes que a decisão se torne definitiva e a todos aplicável, com a conseqüente diminuição do risco de se tomar uma decisão incorreta e precipitada, capaz de causar prejuízo a um sem número de pessoas.

Ante todo o exposto, conclui-se que, não obstante o crescimento da tese da "abstrativização" do controle difuso no Brasil, o fenômeno não encontra qualquer autorização no ordenamento que permita sua utilização. Por isso, somente procedendo-se à reforma da Constituição, seja para a retirada do art. 52, X, seja para a inclusão de dispositivo que preveja a regularização do tema, somente assim, seria possível sua aplicação. Nos moldes propostos pelo STF, o fenômeno parece passar por cima dos poderes a ele delegados, extrapolando os limites da legitimidade da jurisdição constitucional, ao deixar em suas mãos poderes muito amplos.


7. CONCLUSÃO

Conforme exposto nesse trabalho, a "objetivização" do controle difuso tem se manifestado tanto na legislação quanto na jurisprudência do STF e ganhou força com a EC45/04, que criou os institutos da Súmula Vinculante e da repercussão geral no Recurso Extraordinário.

No que tange à jurisprudência do STF, a "tendência de abstrativização do controle difuso de constitucionalidade" já se fez presente em algumas decisões da Suprema Corte, e vem ganhando espaço de discussão entre os ministros. Conforme restou demonstrado, o fenômeno pode ser visto no emblemático HC 82.959/SP, bem como no Recurso Extraordinário 197.917-SP, que decidiu sobre o número de vereadores nos municípios do país.

A doutrina, observando a crescente mudança que se tem operado no ordenamento jurídico brasileiro, não se manteve quieta, já apresentando importantes trabalhos sobre o tema, sendo que os adeptos da nova teoria apontam diversos argumentos que fundamentam a referida modificação no controle de constitucionalidade, consoante se demonstrou ao longo da presente explanação.

Acontece que, embora possa trazer avanços ao ordenamento jurídico em termos de celeridade processual e efetividade do processo, além de servir para conferir ao STF o verdadeiro papel de Corte Constitucional, a quem cabe o papel de "guardião da Constituição", a adoção da tese da "abstrativização" do controle difuso, ao menos da maneira que vem sendo aplicada, esbarra em óbice, já que a Lei Maior é expressa ao exigir a participação do Senado no que tange à suspensão da execução da norma declarada inconstitucional pelo STF.

Além do mais, faltam no ordenamento normas que autorizem a sua implementação, sejam constitucionais, sejam infraconstitucionais, de direito material ou processual.

Afinal, o efeito vinculante e erga omnes foi previsto apenas para as Súmulas Vinculantes e para o controle de constitucionalidade pela via direta, nada havendo no ordenamento brasileiro que autorize sua aplicação também para o controle difuso.

Assim, nos parece que, somente através de reforma constitucional seria possível garantir a constitucionalidade da tese da "abstrativização" do controle difuso.

Caso contrário, a tese, ao menos da forma como vem sendo utilizada pelo Supremo Tribunal Federal, acaba por ferir a própria Constituição, enfraquecendo sua força normativa, além de conferir à Suprema Corte poderes muitos extensos, não previstos pelo Poder Constituinte, e sequer sugeridos pela Constituição de 1988. E, nesse caso, quem teria o poder para controlar as decisões proferidas pelo STF?


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Sobre os autores
Karina Ferreira Lanza

Analista do Ministério Público de Minas Gerais . Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Ouro Preto/MG.Especialista em Direito Processual pela Unisul . Pós-graduanda em Direito Público pela UNIFEMM

André de Abreu Costa

Graduado pela Universidade Federal de Ouro Preto/MG. Mestre em Teoria do Direito pela PUC-Minas.Professor de Direito no Instituto Metodista Izabela Hendrix. Professor de Direito da Faculdade de Pedro Leopoldo. Professor da pós graduação em Direito Público da UNIFEMM. Advogado

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LANZA, Karina Ferreira; COSTA, André Abreu. O novo panorama do controle de constitucionalidade no Brasil.: "Abstrativização" do controle difuso. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2830, 1 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18803. Acesso em: 23 dez. 2024.

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