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Licitações e contratos na ciência, tecnologia e inovação

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Agenda 01/04/2011 às 15:56

Sumário: 1 Introdução; 2 Ciência e tecnologia à luz da constituição de 1988; 3 Atual denominação: ciência, tecnologia e inovação; 4 Tratamento jurídico na aquisição de bens destinados à pesquisa científica e ao desenvolvimento tecnológico; 4.1 Princípios constitucionais da licitação; 4.2 Dispensa de licitação na ciência, tecnologia e inovação; 5 Perspectiva legal. Recentes alterações na Lei n. 8666/93 e projetos de leis em tramitação; 5.1 Projetos de lei em trâmite; 6 Considerações Finais. Referências.


1 INTRODUÇÃO

A história da Ciência e Tecnologia – C&T no Brasil - é recente em termos de políticas públicas. A literatura, em geral, assinala o ano de 1968 como o marco histórico, quando se formulou uma política de ciência e tecnologia inserida em um plano de desenvolvimento nacional.

Definida como estratégia para o futuro do país como possibilidade de desenvolvimento social e econômico, a política de ciência e tecnologia compatibilizou-se como os fundamentos da democracia brasileira, na promulgação da Constituição de 1988.

No entanto, a legislação vigente é considerada como um obstáculo para o desenvolvimento das atividades de C&T, e um dos fatores limitadores se deve à interpretação dada às normas legais que se submetem às entidades públicas de pesquisa nas aquisições de bens destinados à pesquisa, ao desenvolvimento tecnológico e à inovação.

Este trabalho demonstra a relevância da C&T consagradas pela Carta Magna, abordando a legislação existente que ampara o processo licitatório nas atividades fim das entidades públicas de pesquisa, com vistas a demonstrar o posicionamento doutrinário e dos órgãos fiscalizadores. Apresenta, ainda, novas perspectivas legais que têm como objetivo estabelecer flexibilidade nos processos licitatórios voltados para as atividades de C&T.


2 CIÊNCIA E TECNOLOGIA À LUZ DA CONSTITUIÇÃO DE 1988

A Constituição da República do Brasil de 1988 deve ser vista como um dos pontos de conquistas institucionais obtidas pelos setores populares em toda a História do Brasil. A sua construção foi embalada pelas demandas políticas, sociais e econômicas que resultaram no fim do regime ditatorial imposto em 1964. E, durante o processo de abertura política, o anseio do povo foi dotar o Brasil de uma nova Constituição.

Em 1º de fevereiro de 1987, foi instalada a Assembleia Nacional Constituinte, configurando um espaço político para o debate de questões acerca do desenvolvimento do Brasil, dentre elas o papel da Ciência e Tecnologia (C&T). Diante da elaboração de uma Constituição eminentemente democrática, não poderia ficar à margem dos trabalhos da Constituinte, sendo assim, um capítulo especial foi dedicado à C&T. Este tema foi previamente avaliado pela Comissão da Família, da Educação, Cultura e Esportes, da Ciência e Tecnologia e da Comunicação, por meio da sua Subcomissão da Ciência e Tecnologia e da Comunicação. Houve participação efetiva de vários segmentos, dentre os quais o Ministério da Ciência e Tecnologia – MCT, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência - SBPC, as universidades e centros de pesquisa (federais e estaduais) e representantes de empresas nacionais.

Desde a primeira versão do Anteprojeto, de autoria da Constituinte Deputada Federal Cristina Tavares, já se vislumbrava que a nova Carta Constitucional tinha como primado a soberania da nação conquistada com o fortalecimento da base científica e tecnológica interna. Além do cuidado com os recursos nacionais -disponíveis e potenciais - e da autonomia de decisões acerca das formas de equacionamento dos desafios, com o propósito de atender as necessidades do país.

Destacam-se alguns os trechos do referido Anteprojeto:

Cada vez mais, a vida e as mudanças na sociedade encontram-se intimamente articuladas com o desenvolvimento científico e com o avanço tecnológico. Na verdade, é sobre estes pilares e em sua articulação que se baseiam a capacidade do homem no que tange à organização da sociedade e às possibilidades de vencer os desafios que lhe são postos neste processo. A ciência e a tecnologia poderão contribuir para a solução de diversas ordens de problemas do país, mas não o farão necessariamente. Sendo assim, torna-se necessário que a Carta Magna defina as prioridades nacionais aplicando recursos em áreas estratégicas, gerando incentivos para que a iniciativa privada o faça. (BRASIL, 2010).

Ao tratar da Ordem Social, a Constituição de 1988 dispôs sobre Ciência e Tecnologia, em seus arts. 218 e 219, prescrevendo uma atuação positiva estatal.

É o que determina o art. 218:

Art. 218.O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológicas.

§ 1º A pesquisa científica básica receberá tratamento prioritário do Estado, tendo em vista o bem público e o progresso das ciências.

§ 2º A pesquisa tecnológica voltar-se-á preponderantemente para a solução dos problemas brasileiros e para o desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional.

§ 3º O Estado apoiará a formação de recursos humanos nas áreas de ciência, pesquisa e tecnologia, e concederá aos que delas se ocupem meios e condições especiais de trabalho.

§ 4º A lei apoiará e estimulará as empresas que invistam em pesquisa, criação de tecnologia adequada ao País, formação e aperfeiçoamento de seus recursos humanos e que pratiquem sistemas de remuneração que assegurem ao empregado, desvinculado do salário, participação nos ganhos econômicos resultantes da produtividade de seu trabalho.

§ 5º É facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular parcela de sua receita orçamentária a entidades públicas de fomento ao ensino e à pesquisa científica e tecnológica. (BRASIL, 1988).

A função promocional do Estado, prescrita no referido dispositivo, dá-se mediante adoção de medidas diretas e indiretas nos setores institucionais que fomentam ou se dedicam às atividades científicas de pesquisa, pura e aplicada, com objetivo de impulsionar a capacitação tecnológica.

As ações diretas relacionam-se à função da planificação (em sentido lato) que envolve a adoção de planos/programas/políticas públicas [01] governamentais que exigem atuação direta das entidades públicas que induzem e fomentam a ciência e tecnologia. Sob esse aspecto, o papel do Estado é especialmente desempenhado por intermédio do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia – CNCT e do Ministério da Ciência e Tecnologia - MCT e, no âmbito estadual, pelas Secretarias de Estado de Ciência e Tecnologia, bem como pelas Agências de Fomento, como a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais – FAPEMIG.

Já as ações indiretas envolvem a edição de legislação específica nos setores de educação, trabalho, propriedade intelectual e no setor privado (empresarial), que comportam modalidades de institutos e normas jurídicas de acordo, tal como as diretas, com a concepção e ideologia constitucionais adotadas. Essas ações (indiretas) são consideradas importantes instrumentos inseridos no sistema brasileiro, e se equiparam aos existentes nos países avançados.

Nesse sentido, encontram-se vigentes algumas leis, tais como: Lei n. 9279/96 (regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial); Lei n. 10973/2004 (dispõe sobre incentivo à inovação e a pesquisa tecnologia no ambiente produtivo); Lei n. 11196/2007 (institui o Regime Especial de Tributação para a Plataforma de Exportação de Serviços de Tecnologia da Informação - REPES, o Regime Especial de Aquisição de Bens de Capital para Empresas Exportadoras - RECAP e o Programa de Inclusão Digital, dispõe sobre incentivos fiscais para a inovação tecnológica); Lei n. 11540/2007 (dispõe sobre o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - FNDCT). No âmbito do Estado de Minas Gerais, a Lei n. 17348/2008, conhecida como Lei Mineira de Inovação, (dispõe sobre o incentivo à inovação tecnológica no Estado).

Ressalta-se que o art. 218, §§ 1º e 2º da Carta Constitucional, respectivamente, distingue a pesquisa em científica básica – que receberá tratamento prioritário do Estado, tendo em vista o bem público e o progresso da ciência; e pesquisa tecnológica – voltada preponderantemente para solução dos problemas brasileiros e para o desenvolvimento do sistema nacional e regional.

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A previsão constitucional do art. 218, §2º, alberga a concepção segundo a qual o papel da ciência e tecnologia consiste em apoiar o desenvolvimento social, um dos objetivos fundamentais da República Federativa, nos termos previstos no inciso III, do art. 3º, da Carta Magna.

Nesse sentido, José Afonso da Silva (2006) ensina:

A tecnologia, especialmente, há de ser um instrumento de desenvolvimento. Tem que estar a serviço da população, ainda que possa ser também uma iniciativa voltada para mercado. Por isso é que, à vista do disposto no § 2º, a promoção e o incentivo oficial à pesquisa tecnológica se justificam na medida em que sejam voltadas para as soluções dos problemas brasileiros para o desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional. (SILVA, 2006, p. 819).

Observa-se que, em relação ao apoio e estímulo às empresas (norma constitucional contida no § 4º, art. 218), torna-se indispensável uma política pública suficiente e eficiente. A produção do conhecimento e sua transformação em riqueza dependem de apoio decisivo do Estado - comparado aos países desenvolvidos, o envolvimento empresarial, no Brasil, em relação às atividades de ciência e tecnologia requer um maior estreitamento, ou seja, uma melhor articulação.

Com vistas a corrigir essa distorção ou aperfeiçoar o quadro descrito, determinadas leis [02] estabelecem incentivos fiscais às empresas que investem em tecnologia, como algumas das já destacadas.

Ao Estado coube também versar sobre o desenvolvimento social e econômico do País, conforme preceitua o art. 219, do Texto Constitucional:

Art. 219 - O mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e sócio-econômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País, nos termos de lei federal. (BRASIL, 1988).

Analisada sua conformação constitucional, passaremos ao exame do presente panorama da C&T e sua relevância no âmbito mundial e nacional.


3 ATUAL DENOMINAÇÃO: CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO

Hodiernamente, ao binômio C&T foi acrescida a terminologia "Inovação", resultando assim a atual denominação Ciência, Tecnologia e Inovação – C,T&I, visto que a Constituição de 1988 somente tratou da Ciência e Tecnologia. Esse moderno conceito foi consolidado pela Lei Federal n. 10973/2004, que incentiva a inovação e a pesquisa tecnológica no setor produtivo, incorporando nova política de fomento à pesquisa.

Em linhas gerais, a ciência está voltada para as formulações teóricas; a tecnologia, entendida como o aproveitamento da ciência para aplicação prática. Tecnologia representa implantação, no sistema produtivo, do que foi descoberto pela ciência.

Já a inovação, em regra, está associada com Pesquisa e Desenvolvimento – P&D, sendo, porém, distinta e mais ampla. Inovação implica tecnologia, máquinas e equipamentos e ainda contempla mudanças incrementais, novas funcionalidades, melhorias na gestão ou novos modelos de negócios, associados à conquista ou criação de novos mercados.

Atualmente, o contexto mundial da C,T&I é caracterizado por uma competição da qual participam as principais economias do mundo, com a nítida preocupação acerca da manutenção da competitividade de suas economias e, portanto, da sustentabilidade de seu conhecimento.

No Brasil, o desafio tem sido a criação de políticas públicas inseridas como Ações de Estado para consolidar as atividades de C&T associadas à inovação com os mais diferentes setores da sociedade, visando a uma legislação que reflita a realidade da ciência e o estímulo à inovação, à realização de investimentos na área. Tendo em vista, além disso, à diminuição da dependência tecnológica, ao fortalecimento da economia, à promoção do desenvolvimento do país e à melhoria da qualidade de vida da população.

Porém, há ainda outros importantes desafios. Passemos ao tratamento jurídico dado à C,T&I na aquisição de bens destinados à pesquisa, o que representa um grande percalço para as entidades públicas que a fomentam ou a desenvolvem.


4 TRATAMENTO JURÍDICO NA AQUISIÇÃO DE BENS DESTINADOS À PESQUISA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

4.1 Princípios Constitucionais da Licitação

O art. 37, caput, da Carta Constitucional, elenca os princípios informadores da Administração Pública: Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência. Assim, todos os gestores públicos da Administração Direta ou Indireta, devem ter sua conduta administrativa subordinada a tais princípios.

Por força do disposto no inciso XXI, do referido artigo, observa-se o seguinte:

XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica, indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. (BRASIL, 1988).

A licitação pública surgiu como um processo administrativo competitivo, com o objetivo de escolher a proposta mais vantajosa para a Administração Pública e garantia aos participantes condições de igualdade, na conformidade de critérios previamente estipulados e divulgados, por meio de edital.

Coube à União a edição de normas gerais de licitação, nos termos previstos no art. 22, XXVII. Atendendo ao comando constitucional, foi editada a Lei n. 8666/93, que, em seu art. 3º, conceitua a licitação, reportando-se a um conjunto de princípios que a norteia:

Art. 3º - A Licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa para Administração e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhe são correlatos. (BRASIL, 1993).

Na Administração Pública a regra é a de se promover processo de licitação, todas as vezes que pretender celebrar um contrato, adquirir um bem ou realizar alienação. Tal processo não se encontra na esfera de discricionariedade da Administração, que é impedida, a priori, de contratar livremente.

Sobre licitação, ensina Celso Antônio Bandeira de Mello (2001):

Licitação – em suma síntese – é um certame que as entidades governamentais devem promover e no qual abrem disputa entre os interessados em com elas travar determinadas relações de conteúdo patrimonial, para escolher a proposta mais vantajosa às conveniências públicas. Estriba-se na idéia de competição, a ser travada isonomicamente entre os que preencham os atributos e aptidões necessários ao bom cumprimento das obrigações que se propõem assumir. (MELLO, 2001, p.469).

Registra-se que todas as pessoas, na realização de um negócio, buscam escolher a proposta mais vantajosa para si. Para as de direito privado, esta opção é uma faculdade; para as de direito público, as entidades particulares ou pessoas físicas [03], uma obrigação, quando utilizam e gerem recursos públicos.

4.2 Dispensa de Licitação na Ciência, Tecnologia e Inovação

A obrigatoriedade em proceder ao prévio processo licitatório (princípio cogente), porém, não é absoluta. O próprio Texto Constitucional, em seu art. 37, prevê ressalvas para alguns casos inscritos na legislação infraconstitucional:

XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública (...). (BRASIL, 1988).

Essa reserva constitucional deve constar da norma legal que especificará situações para as quais o princípio licitatório deve ser afastado, como as hipóteses de dispensa e de inexigibilidade.

A exceção ao processo licitatório detém a mesma equivalência constitucional que a norma geral. No que se refere à dispensa de licitação, esta se encontra devidamente amparada no artigo 37, inciso XXI, da Carta Magna, possuindo igual garantia constitucional dada aos princípios norteadores da licitação.

Com esse entendimento, José Afonso da Silva (2006, p.345) explicita que "se o princípio é constitucional, a exceção a ele, para ser válida, tem que ter também previsão constitucional."

Essa cláusula excepcionante é a que dá fundamento constitucional às hipóteses previstas na Lei n. 8666/93, de dispensabilidade e inexigibilidade de licitação.

Ademais, a Constituição Federal nivelou a previsão de ressalva da licitação no mesmo patamar de relevância da opção política fundamental (licitação), já que o art. 37 está inserido no capítulo Administração Pública, realçando, assim, que as exceções são disposições constitucionais com o mesmo valor jurídico.

Nesse sentido, o mencionado autor enfatiza:

O que se quer destacar é que tanto o modelo do princípio como o modelo da exceção são disposições constitucionais de mesmo valor jurídico. Se como uma opção política fundamental, a exceção não se diminui de relevância porque se releve igualmente como uma opção política destacada, precisamente, porque, ao retirar ou permitir que se retire da órbita do princípio uma parcela da realidade normada, o constituinte acabou por dar a essa parcela, ou casos excepcionados ou passíveis de ser excepcionados, um valor especialmente destacado. (SILVA, 2006, p. 345).

Conforme visto, uma das obrigações que compete ao Estado é garantir o desenvolvimento social, a promoção e incentivo ao desenvolvimento científico, à pesquisa e à capacitação tecnológica, tornando-se essencial a formação de recursos humanos, nos termos estabelecidos no art. 218, da Carta Magna. Trata-se aqui de um dever estatal, e não de uma faculdade.

Assim, a ciência e pesquisa brasileiras, majoritariamente, são desenvolvidas no ambiente estatal, sobretudo nos Institutos Federais de Ensino Superior – IFES e nas Instituições Científicas e Tecnológicas – ICTs. Por serem entidades que integram a Administração Pública, estão obrigadas a cumprir as regras procedimentais de aquisição e contratação previstas pela Lei n. 8666/93.

A supracitada lei, no entanto, contém exceções ao dever geral de contratação por licitação, em especial, no que se refere às atividades de C,T&I desenvolvidas pelos IFES e ICTs e apoiadas pelas instituições de fomento à pesquisa.

Com efeito, o art. 24, da Lei n. 8666/93, ao estabelecer os casos de dispensabilidade de licitação, prescreve em seu inciso XXI, conforme redação dada pela Lei n. 9648/98:

Art. 24 – É dispensável a licitação:

(...)

XXI - para a aquisição de bens destinados exclusivamente à pesquisa científica e tecnológica com recursos concedidos pela CAPES, FINEP, CNPq ou outras instituições de fomento a pesquisa credenciadas pelo CNPq para esse fim específico. (BRASIL, 1993).

Para aquisição de bens para pesquisa científica e tecnológica, a licitação é, portanto, dispensável. Essa é uma faculdade amparada pela lei; cabe à Administração Pública a opção de licitar ou dispensar a licitação se preenchidos os requisitos contidos na norma específica.

Essa hipótese de dispensa foi prevista em razão das particularidades decorrentes das atividades de pesquisa, que requer mobilidade e agilidade na aquisição de bens. A dispensa licitatória decorre da própria natureza da atividade pesquisa e não de um privilégio dessa atividade, o que, muitas vezes, torna-se incompatível com a rigidez dos procedimentos da Lei n. 8666/93, que enseja uma demora típica do próprio regulamento.

Não obstante, a hipótese de dispensa em tela deverá ser precedida de justificativa, circunstancialmente motivada, com a clara demonstração de ser a opção escolhida, em termos técnicos e econômicos, a mais vantajosa, nomeadamente, para atender as atividades a serem desempenhadas, com vistas a cumprir os princípios constitucionais e compatibilizá-los com as peculiaridades dessa modalidade de contratação direta.

Além disso, os recursos financeiros, para tal aquisição, deverão ser concedidos por entidades específicas, credenciadas no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, como a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES, a Financiadora de Estudos e Projetos – FINEP ou outras entidades estaduais de fomento à pesquisa, a exemplo da FAPEMIG.

Para alguns, a previsão contida no art. 24, inciso XXI, da Lei n. 8666/93, se assemelha à hipótese de inexigibilidade, e não de dispensa.

Em virtude do caráter experimental da pesquisa, o uso de bens é destinado a testes e exames e não a satisfazer diretamente as necessidades públicas. Assim, pode-se reconhecer situação de inviabilidade de competição, enquadrando-se, pois, como inexigibilidade e não dispensa de licitação.

Esse é o entendimento de Marçal Justen Filho (2005):

Enfim, quando se consideram pesquisas científicas, não é possível submeter as contratações ao critério imediato da maior vantagem, quer sob o parâmetro de preço como também pelo da qualidade. Daí por que não se trata propriamente de caso de dispensa de licitação. O caso é muito mais de inexigibilidade, eis que não se pode cogitar de "competição". (...) Constata-se, então, que o fundamento da dispensa não reside diretamente na destinação à atividade de pesquisa. Está na natureza dessa atividade. As peculiaridades da atividade de pesquisa excluem adoção dos critérios usuais de julgamento e seleção de propostas. (FILHO, 2005, p. 261).

A interpretação desse dispositivo, contudo, suscita controvérsias: há doutrinadores que restringem a dispensabilidade do certame licitatório.

De acordo com Joel de Menezes Nieburh (2008), a dispensa prevista no art. 24, XXI, da Lei n. 8666/93 deve ser levada a cabo somente em situações cuja peculiaridade seja suficiente para evidenciar que a obrigatoriedade de licitação pública imponha prejuízos ou gravames à pesquisa.

O dispositivo constitucional assegura dispensa do processo de licitação nos casos de aquisição de bens destinados à pesquisa e ao desenvolvimento tecnológico, exonerada de qualquer comprovação de situação emergencial para tal aquisição. Certo é que a C,T&I, por sua natureza, requer agilidade, típica das atividades peculiares desenvolvidas pelas instituições de pesquisa.

Assim, se se tratar de bens destinados à pesquisa e ao desenvolvimento tecnológico e preenchidos os requisitos previstos no art. 24, inciso XXI da Lei n. 8666/93, não há razão para desestimular ou impedir que o gestor público faça uso da exceção legal, obrigando-o a cumprir exigências formais que a própria lei não determina.

A aludida hipótese de dispensa, no nosso entendimento, não pode ser restritivamente interpretada, sob pena de ocasionar transtornos às atividades de C,T&I, ao cumprimento dos objetivos consagrados pela Constituição de 1988 e irremediável prejuízo ao interesse público. Se assim for, tornar-se-á inoperante a ressalva constitucional expressamente contida no art. 37, inciso XXI.

Ressalta-se que, em face das peculiaridades que envolvem as atividades de pesquisa científica e desenvolvimento tecnológico nas aquisições de bens, não é possível contemplar, na maioria dos casos, critérios de maior vantagem, com amparo no menor preço. Deve ser observado aquele fornecedor que melhor atenda aos objetivos da pesquisa, o que, por vezes, afasta qualquer similaridade com as aquisições ou contratações comuns e rotineiras, realizadas pela Administração Pública.

A nosso ver, na aquisição de algum bem ou até mesmo da contratação de determinado serviço, ambos destinados à pesquisa, ao desenvolvimento tecnológico e à inovação, se houver inviabilidade de competição, a própria Lei n. 8666/93 autoriza a respectiva aquisição/contratação por inexigibilidade, nos termos do caput do seu art. 25, vez que o rol de hipóteses de inexigibilidade é meramente enunciativo. A discussão sobre o âmbito de aplicação do art. 24, inciso XXI, da Lei n. 8666/93, não se limita à doutrina.

Embora a Lei n. 8666/93 autorize expressamente a aludida dispensa de licitação, um dos principais obstáculos enfrentados pelas entidades de pesquisa, refere-se ao posicionamento dos órgãos fiscalizadores, seja no âmbito federal ou estadual.

Majoritariamente, os Tribunais de Contas entendem que, para o uso dos recursos públicos destinados às atividades finalísticas da C,T&I, é indispensável a aplicação, na íntegra, das regras contidas na Lei n. 8666/93, prestigiando tão-somente, o formalismo da lei.

Tal interpretação taxativa impede que o gestor público faça o devido uso da exceção constitucional e legal. Não há uma análise sobre os resultados alcançados nas pesquisas e, sim, uma mera conferência estritamente formal das leis aplicadas, em especial a Lei n. 8666/93, pelos órgãos de controle, que acabam por não observar o Princípio da Eficiência.

Destarte, mesmo existindo norma específica que ampara a dispensa nas aquisições, resta mitigada a autonomia das entidades públicas de pesquisa, sobretudo, dos IFES e ITCs, na execução de suas atividades fim.

Registra-se que a eficiência é o mais moderno princípio da função administrativa e seu cerne é a exigência de resultados positivos para o serviço público, aliada à redução dos custos operacionais da máquina governamental.

Hely Lopes Meirelles (1989) considera a eficiência como dever da Administração Pública e observa que:

[...] o dever da eficiência é o que impõe a todo agente público de realizar suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros. (MEIRELLES, 1989, p. 86).

Contrário ao posicionamento majoritário, o Tribunal de Contas do Estado de Rio de Janeiro, analisando Processo n. 105.449-7/96 da Fundação Estadual Norte-Fluminense (FENORTE), manifestou-se acertadamente sobre a possibilidade de contratação direta (no caso, na hipótese de inexigibilidade) para as atividades de ciência e tecnologia desempenhadas pelas universidades e pelos pesquisadores que compõem o seu quadro, proferindo a seguinte decisão:

A concessão de auxílio a pesquisa refere-se à realização de despesa que, muitas vezes, não pode ser subordinada ao processo normal de aplicação, sendo a universidade dotada de autonomia administrativa e de gestão financeira e patrimonial que a libera, em parte, das regras e controles estabelecidos na Lei de Licitações. (BRASIL, 2010).

Constata-se que esse assunto foi amplamente discutido pela Comissão de Juristas [04] designada pelo Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, para avaliar e propor reformas no atual modelo da Administração Pública.

Segundo Floriano de Azevedo Marques Neto, um dos autores do trabalho referenciado, o controle hoje se volta mais para o processo e verificação formal do cumprimento de prescrições legais, em detrimento da análise do impacto das medidas adotadas, da efetividade dos resultados.

Assim, as atividades próprias da C,T&I não devem ser embasadas no modo legal preconizado pela Lei n. 8666/93.

Como bem asseverou Renato Geraldo Mendes (2008):

Coisas diferentes devem ser resolvidas de forma diferente, essa é a lógica que norteia a natureza das coisas e o Direito, como sistema normativo. Por isso a par da "licitação", existe um procedimento distinto para contratar soluções especiais (dispensa e inexigibilidade). (MENDES, 2008, p.22).

Por esses fundamentos, defende-se a correta interpretação da Lei n. 8666/93, no que se refere à aquisição de bens destinados à pesquisa, ao desenvolvimento científico e tecnológico e à inovação, realizada, direta ou indiretamente pelas IFES e ICTs, pois tal aquisição possui pertinência com a atividade de pesquisa e objetiva promover a ampliação do conhecimento.

A título de ilustração, destaca-se trecho do Documento Referência da 4ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (CNCTI), ocorrida em maio de 2010, que discutiu amplamente o tema:

Em que pesem os avanços, o marco legal ainda se encontra incompleto, o que demanda a edição de novos atos, bem como a revisão de outros documentos legais, a exemplo da Lei n. 8.666/1993. Além disso, é necessário despertar os órgãos de controle e auditoria para as peculiaridades das atividades de inovação que, atuando próximas da fronteira do conhecimento, pressupõem riscos na execução de projetos sem que tais riscos estejam associados ao mau uso de recursos. (BRASIL, 2010, p.15).

Sobre a autora
Ana Paula Soares Amora

Advogada.Assessora da Fundação de Amparo à Pesquisa do Minas Gerais - FAPEMIG lotada na Procuradoria. Atua nas atividades de assessoria preventiva e conteciosa, especialmente no assessoramento jurídico na área de C,T&I. Presidente da Comissão Permanente de Licitações; Coordenadora da Comissão Interna de Processos Licitatórios e Pregoeira.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AMORA, Ana Paula Soares. Licitações e contratos na ciência, tecnologia e inovação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2830, 1 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18813. Acesso em: 22 nov. 2024.

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