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A valoração paralela na esfera do profano e o dever de informar-se como óbices ao reconhecimento do erro de proibição inevitável

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Agenda 07/04/2011 às 10:33

4. INSUFICIÊNCIA DAS TEORIAS OU CRITÉRIOS PARA EXPLICAR PROIBIÇÕES PENAIS NÃO DOTADAS DE CONTEÚDO MORAL E O "DEVER DE INFORMA-SE" DE WELZEL

As teorias que procuram explicar e identificar qual é o objeto do conhecimento do injusto tem em comum a necessidade do sujeito ativo da conduta saber que seu comportamento contraria um parâmetro pré-definido. Esta consciência da contrariedade entre o comportamento e o valor pré-definido de acordo com a teoria, é o objeto do conhecimento do injusto, ou seja, o agente que atua sabendo que o seu comportamento é errado (contrariedade como relação ao parâmetro) atua com conhecimento do injusto, e consequentemente, temos a concretização da presença no agente da consciência atual da ilicitude, que constitui-se em um dos elementos da culpabilidade.

Caso o agente atue sem saber que seu comportamento contraria um parâmetro pré-definido, segundo qualquer das três teorias, podemos afirmar que atuou sem o conhecimento atual da ilicitude, incidindo em erro acerca da contrariedade entre o seu comportamento e o parâmetro considerado, a isto se dá o nome de erro de proibição, que afasta a consciência atual da ilicitude, afastando consequentemente a culpabilidade. Mas segundo ensinamento de BINDING, citado por Assis Toledo (1994):

Na quase totalidade dos casos a invocação do desconhecimento da norma não passa duma mentira grosseira e transparente. É que o egoísmo nos revela quais são os atos que não precisamos tolerar, e via de regra nossa razão conclui acertadamente que tais atos devem estar proibidos quando praticados por outrem face à nossa pessoa, ou por nós face a outrem. Essa suposição da existência de uma proibição, que se funda na realidade, basta perfeitamente para produzir um conhecimento suficiente da norma. Por outro lado, é bastante freqüente que o dever jurídico chegue a nós através da chamada lei moral, que basta ao conhecimento da norma, desde que se só se proíba aquilo que realmente é vedado no consenso geral e o procedimento contrário à moral seja proibido no terreno jurídico (ASSIS TOLEDO, 1994. p. 259).

A teoria tradicional que tem como objeto do conhecimento do injusto, a ordem moral e os valores sociais, alinha-se perfeitamente com a valoração paralela na esfera do profano, pois é através dela que o leigo apreende a consciência de que seu comportamento contraria a norma, desde que esta proibição normativa corresponda também a uma proibição de natureza moral. Já a teoria moderna, que tem como objeto do conhecimento do injusto a punibilidade, exige um conhecimento técnico jurídico, que com toda a certeza o leigo não possui. Por fim a teoria intermediária, dominante na doutrina pátria, que tem como objeto do conhecimento do injusto a contrariedade do comportamento com a ordem jurídica, não dispensa na aferição da presença ou ausência do conhecimento da ilicitude, o uso do critério da valoração paralela na esfera do profano.

Mas, todas estas teorias falham ao tentar explicar a ausência do conhecimento da ilicitude por parte do agente quando atua em contrariedade a normas (proibições) que não são dotadas de um conteúdo moral, que não correspondem a uma concepção de injusto material, as chamadas ações moralmente inocentes, como por exemplo o delito de fabricar açúcar, de pesca proibida (ter o agente retirado planta hidrófila, como tal a vitória régia) ou armazenar lenha em depósito sem licença da autoridade administrativa competente. Como afirma Assis Toledo (1994):

Como exigir-se, nesse caso, por parte do agente, que se supõe não ser jurista, motivar-se pelo conhecimento da norma, ou pela antisocialidade, ou pela imoralidade de uma conduta totalmente neutra, ou, ainda, que encontre na "consciência" profana, com algum esforço, o que nela nunca esteve e não está (ASSIS TOLEDO, 1994. p. 259-260).

A falta de resposta a estas indagações, levou WELZEL a reelaborar o conceito normativo de conhecimento do injusto, introduzindo-lhe um novo elemento, o chamado "dever de informar-se", para transformá-lo na "potencial consciência da antijuridicidade". Segundo Bitencourt (a culpabilidade penal exige não apenas a consciência da ilicitude, mas a potencial consciência desta ilicitude. Em outros termos, não basta, simplesmente, não ter consciência do injusto para inocentar-se. É preciso indagar-se se havia possibilidade de adquirir tal consciência e, havendo essa possibilidade, se ocorreu negligência(censurável desatenção) em não adquiri-la ou falta ao dever concreto de procurar esclarecer-se sobre a ilicitude da conduta praticada (falta do dever cívico de informar-se).

Não podemos esquecer que a culpabilidade é basicamente um juízo de censurabilidade sobre a ação humana, e sendo assim, só haverá erro de proibição inevitável no caso concreto, se este mesmo juízo valorativo por parte do julgador constatar que nas circunstâncias, não está presente uma censurável desatenção ou a falta de um dever cívico de informar-se.

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O Código Penal Brasileiro, em seu artigo 21, parágrafo único, deixa clara a adoção deste novo elemento, "dever de informar-se", introduzido sob os auspícios da doutrina finalista. "Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir esta consciência."

Interessante mencionar, que a presença no agente, quando do comportamento contrário à norma, da censurável desatenção ou da falta do dever cívico de informar-se, impede que se reconheça o erro de proibição inevitável, excludente da atual e da potencial consciência da antijuricidade e consequentemente da culpabilidade. Mas, se presente estes dois elementos acima descritos, que consubstanciam o dever de informar-se de WELZEL, temos o reconhecimento do erro de proibição evitável, que não exclui a culpabilidade, mas tem o poder de atenuá-la.

Tudo isto em virtude do pressuposto básico para que se reconheça o erro de proibição justificável, inevitável, ou seja, a impossibilidade de o agente alcançar o entendimento da ilicitude de seu comportamento. E em face da existência do dever de informar-se, este pressuposto básico do erro de proibição inevitável fica prejudicado, pois, no caso concreto era possível ao agente ter ou atingir o conhecimento do injusto, embora não se possa afirmar que o agente atuou com o conhecimento do injusto, ao contrário, deve-se afirmar que no caso de erro de proibição evitável o agente atuou sem o conhecimento de que seu comportamento era contrário à norma, mas as circunstâncias indicam que era possível àquele agente ter ou atingir este conhecimento, demonstrando assim a existência de uma potencial consciência da antijuridicidade.

A contrariedade de seu comportamento com a norma traz uma culpabilidade mitigada, atenuada, pois apesar de não possuir o conhecimento atual do injusto, possui o potencial conhecimento do injusto, traduzido pela censurável desatenção ou pela falta do dever cívico de informar-se.


5. O DESCONHECIMENTO DO INJUSTO E O DESCONHECIMENTO DA LEI

A falta de conhecimento do injusto por parte do autor, em razão: da falta de um conhecimento técnico jurídico, da impossibilidade de se adquirir este conhecimento através da valoração paralela na esfera do profano (problema dos comportamentos proibidos que não guardam correspondência com as proibições morais), da ausência do dever de informar-se consubstanciada na ausência de uma censurável desatenção e do dever cívico de informar-se, deveria ocasionar o reconhecimento do erro de proibição inevitável, que afasta a culpabilidade do agente. Ocorre que, de acordo com a doutrina e a jurisprudência nacional, isto nem sempre é possível, pois o desconhecimento da lei é inescusável.

Explicando de outra forma, tomemos o exemplo acima referido, do delito de armazenar lenha em depósito sem licença da autoridade administrativa competente (parágrafo único do artigo 46 da lei 9605/98), situação esta, em que a norma proibitiva não corresponde a uma proibição moral. Embora o agente não tenha nenhum óbice dos critérios acima referidos para se reconhecer que agiu sem o conhecimento do injusto, portanto em erro de proibição, parte importante da doutrina insiste que ele deve responder pelo delito, pois, não pode alegar que cometeu o delito por não saber que a conduta era proibida, em razão de que a todos é obrigatório o conhecimento da lei.

Este entendimento parece ter como fundamento, a distinção criada pela doutrina entre erro de proibição e ignorância da lei, bem como a interpretação acerca do artigo 21 do Código Penal Brasileiro, que define em sua primeira parte, que o desconhecimento da lei é inescusável, ou seja, ninguém poderá alegar erro sobre a proibição que afasta ou diminui o juízo de reprovação, se este erro advier de falta de conhecimento do dispositivo legislado. O que pode escusar, de acordo com este mesmo artigoé o desconhecimento do injusto, que se inevitável isenta de pena, e se evitável reduz a pena imposta.

Ocorre que sustentar a máxima "ignorantia legis neminem excusat ", é fazer tábula rasa do princípio da culpabilidade, é condenar mesmo que não seja possível estabelecer de forma induvidosa um juízo de reprovação sobre o agente.

A correta interpretação do artigo 21 do Código Penal Brasileiro, é que realmente o desconhecimento da lei é inescusável, salvo se a ignorância é inevitável. E em decorrência da inevitabilidade desta ignorância não se pode compreender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com este entendimento, em virtude de que nos comportamentos proibidos que não guardam correspondência com as proibições morais, só se pode chegar ao conhecimento da norma se for possível o conhecimento do tipo penal respectivo, pois aqui não se aplica a valoração paralela na esfera do profano e muito menos conhecimento técnico-jurídico, pois nem mesmo os mais destacados juristas podem conhecer a infinidade dos tipos penais existentes.

Então a máxima "ignorantia legis neminem excusat " só pode ser aplicada nas situações em que há correspondência entre a proibição legal e a ordem moral e os valores sociais, pois assim é possível a aplicação de outros critérios para se constatar se há ou não a presença do conhecimento do injusto. A interpretação mais consentânea com a realidade social brasileira, deve ser no sentido de que o desconhecimento do injusto se inevitável, sempre deve isentar de pena, mesmo que a falta do conhecimento do injusto decorra inevitavelmente do desconhecimento da lei, isto porque, a obrigatoriedade de se conhecer as leis é uma ficção jurídica que não pode prevalecer sobre uma verdade constatada no caso concreto, que é o desconhecimento do injusto.

Assim, segundo Galvão da Silva (2008, p. 196), o conhecimento do injusto, elemento principal da culpabilidade, é que comanda o princípio da irrelevância do desconhecimento da lei e lhe assinala o seu sentido e limites. Não se pode mais admitir que com base em uma máxima destituída de fundamentos concretos e plausíveis continuem a existir condenações em casos em que o autor não tinha conhecimento do injusto e, assim, agiu sem culpa, violando-se um dos principais pilares do Direito Penal Moderno.


6 . CONSIDERAÇÕES FINAIS

Podemos então afirmar, em virtude do raciocínio até aqui exposto, que a total falta do conhecimento da contrariedade do comportamento com a norma (atual e potencial consciência do injusto – antijuridicidade concreta como objeto do conhecimento do injusto) isenta de pena, mas é de difícil configuração.

Para se reconhecê-la e consequentemente excluir a culpabilidade do comportamento do agente, é preciso primeiramente que o juízo de censurabilidade realizado pelo julgador tendo como objeto o comportamento do agente, procure primeiramente identificar se o agente tinha conhecimento técnico-jurídico (conhecimento da punibilidade do comportamento como objeto do injusto), para avaliar se sua conduta contrariava a norma.

Se não existia este conhecimento técnico-jurídico o julgador deve perscrutar se teria sido fácil para ele, nas circunstâncias, através de uma reflexão, obter esta consciência com algum esforço de inteligência e com os conhecimentos hauridos da vida comunitária de seu próprio meio (critério da valoração paralela na esfera do profano - teoria da ordem moral e dos valores sociais como objeto do conhecimento do injusto).

O julgador ao perceber que nem com conhecimento técnico jurídico, nem com a valoração paralela na esfera do profano, o agente podia atingir o conhecimento do injusto, em virtude de se estar frente a uma ação moralmente inocente, ou seja, comportamento criminalizado que não corresponde a nenhuma proibição moral, terá de identificar a presença ou a ausência de censurável desatenção ou falta do dever cívico de informar-se (dever de informar-se de WELZEL), se presente o dever de informar-se, teremos a falta da atual consciência do injusto, mas em contrapartida a presença da potencial consciência do injusto, que não afasta a culpabilidade, mas a atenua. Ausente este dever de informar-se, teremos finalmente configurado o chamado erro de proibição inevitável que como vimos afasta a atual e a potencial consciência do injusto, impedindo assim que a realidade de fato psicológica se eleve ao conceito de culpabilidade.

Por fim, nos comportamentos proibidos que não guardam correspondência com as proibições morais - as chamadas ações moralmente inocentes mas penalmente proibidas – onde só se pode chegar ao conhecimento da norma se for possível o conhecimento do tipo penal respectivo, não se poderá aplicar a máxima "ignorantia legis neminem excusat", pois, nestes casos deve-se entender que o desconhecimento do injusto sobreleva-se em importância em relação ao desconhecimento da lei, tendo como conseqüência inarredável o reconhecimento de que não deve haver juízo de reprovação sobre o comportamento do agente, em virtude deste não possuir o conhecimento do injusto.

E em uma ênfase redundante, mas necessária, devemos ter em mente que: o conhecimento do injusto, elemento principal da culpabilidade, é que comanda o princípio da irrelevância do desconhecimento da lei e lhe assinala o seu sentido e limites, então, se ausente o desconhecimento do injusto - mesmo que haja o desconhecimento da lei - podemos afirmar que não deve haver juízo de reprovação ao comportamento do agente, não prevalecendo assim a máxima de que ninguém se escusa de cumprir a lei alegando que não a conhece, pois, o que deve prevalecer, limitando a máxima "ignorantia legis neminem excusat", é o erro de proibição inevitável.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARAUJO, Luiz Alberto David e JÚNIOR, Vidal Serrano Nunes. Curso de Direito Constitucional. São Paulo. Editora Saraiva, 2005.

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JESUS. Damásio E. de, Direito Penal Parte Especial. São Paulo. Editora Saraiva. 1999

MIRABETE. Julio Fabrini. Manual de Direito Penal. São Paulo. Editoras Atlas S.A.2004.p.362

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MUNHOZ NETO, Alcides. A ignorância da antijuridicidade em matéria penal. Rio de Janeiro: Forense, 1978.

SILVA, Robson Antônio Galvão da. O desconhecimento do injusto e o desconhecimento da lei. Revista Eletrônica da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção do Paraná – n. 1. – Jan/Jul 2008 Disponível em: <https://www.oabpr.org.br/revistaeletronica/artigos/184-197.pdf> acesso em: 29 julho.2009.

SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal: Parte Geral. 3ª ed. Curitiba: ICPC, Lumen Juris, 2008.

TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal: de acordo com a Lei n. 7.209, de 11-7-1984 e com a Constituição Federal de 1988. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1994.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl, PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. 3ª edição. São Paulo: RT. 2001.


Notas

1 SILVA, Robson Antônio Galvão da. O desconhecimento do injusto e o desconhecimento da lei.

2 SILVA, Robson Antônio Galvão da. O desconhecimento do injusto e o desconhecimento da lei.

Sobre o autor
Nelson Vidal

Delegado de Polícia em Santa Catarina. Especialista em Direito Penal e Processo Penal pela Faculdade Anhanguera de Taubaté. Especialista em Processo Civil pela Universidade de Taubaté - UNITAU.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIDAL, Nelson. A valoração paralela na esfera do profano e o dever de informar-se como óbices ao reconhecimento do erro de proibição inevitável. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2836, 7 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18850. Acesso em: 23 dez. 2024.

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