5. Condutas abusivas horizontais no direito da concorrência
Neste capítulo trataremos das condutas abusivas horizontais no direito da concorrência, que são as praticadas entre concorrentes, como os cartéis, ou contra concorrentes, enquanto as verticais afetariam agentes econômicos que atuam em diferentes estágios de produção, a exemplo das práticas que envolvam um produtor e seu fornecedor [65]. As condutas horizontais devem, portanto, envolver agentes econômicos que desenvolvem atividades num mesmo mercado relevante, geográfico e material, estando numa relação direta de concorrência [66]. Tratando-se de acordos entre os concorrentes, seu objeto deve abranger as principais variáveis concorrenciais, quais sejam: preço, quantidade, qualidade e mercado [67]. Já na verticalização, não há competição entre os agentes, pois atuam em diferentes níveis do processo de produção ou de distribuição do bem, contudo, o interesse de tais condutas para a defesa da concorrência residirá na influência que podem ter no nível horizontal, ou seja, o efeito dessas relações no mercado [68].
Segundo definição constante do Anexo I da Resolução CADE nº 20/99 [69]:
"As práticas restritivas horizontais consistem na tentativa de reduzir ou eliminar a concorrência no mercado, seja estabelecendo acordos entre concorrentes no mesmo mercado relevante com respeito a preços ou outras condições, seja praticando preços predatórios. Em ambos os casos visa, de imediato ou no futuro, em conjunto ou individualmente, o aumento de poder de mercado ou a criação de condições necessárias para exercê-lo com maior facilidade.
Em geral, tais práticas pressupõem a existência ou a busca de poder de mercado sobre o mercado relevante. Em diferentes graus, algumas podem também gerar benefícios em termos de bem-estar ao mercado ("eficiências econômicas"), recomendando a aplicação do "princípio da razoabilidade". Desse modo, é preciso ponderar tais efeitos vis-à-vis os potenciais impactos anticompetitivos da conduta. Portanto, uma prática restritiva somente poderá gerar eficiências líquidas caso as eficiências econômicas dela derivadas compensem seus efeitos anticompetitivos."
As situações mais comuns de práticas restritivas horizontais apontadas pela citada Resolução do CADE, ainda que outras sejam possíveis são: a) cartéis; b) outros acordos entre empresas; c) ilícitos de associações profissionais; e d) preços predatórios. As definições apresentadas para cada uma dessas práticas pela Resolução em questão são:
"1.Cartéis: acordos explícitos ou tácitos entre concorrentes do mesmo mercado, envolvendo parte substancial do mercado relevante, em torno de itens como preços, quotas de produção e distribuição e divisão territorial, na tentativa de aumentar preços e lucros conjuntamente para níveis mais próximos dos de monopólio.
Fatores estruturais podem favorecer a formação de cartéis: alto grau de concentração do mercado, existência de barreiras à entrada de novos competidores, homogeneidade de produtos e de custos, e condições estáveis de custos e de demanda.
2. Outros acordos entre empresas: restrições horizontais que envolvam apenas parte do mercado relevante e/ou esforços conjuntos temporários voltados à busca maior eficiência, especialmente produtiva ou tecnológica.
Estes exigem avaliação mais complexa, tanto por terem efeitos anticompetitivos possivelmente menores que os cartéis, quanto pela necessidade de avaliar eventuais eficiências econômicas, requerendo uma aplicação mais ponderada do princípio da razoabilidade.
3. Ilícitos de associações profissionais: quaisquer práticas que limitem injustificadamente a concorrências entre os profissionais, principalmente mediante conduta acertada de preços.
4. Preços predatórios: prática deliberada de preços abaixo do custo variável médio, visando eliminar concorrentes para, em momento posterior, poder praticar preços e lucros mais próximos do nível monopolista."
Como antes apontado, a Lei nº 8.884/94 apresenta no art. 21 uma lista exemplificativa de condutas que caracterizam infração à ordem econômica, desde que também enquadradas nas disposições constantes do art. 21. Em tal lista, temos condutas referentes a práticas horizontais, verticais ou ainda algumas que podem ser realizadas de ambas as formas. Das condutas horizontais por excelência descritas no artigo, destacamos as seguintes: a) fixar ou praticar, em acordo com concorrente, sob qualquer forma, preços e condições de venda de bens ou de prestação de serviços; b) obter ou influenciar a adoção de conduta comercial uniforme ou concertada entre concorrentes; c) impedir o acesso de concorrente às fontes de insumo, matérias-primas, equipamentos ou tecnologia, bem como aos canais de distribuição; e d) combinar previamente preços ou ajustar vantagens na concorrência pública ou administrativa.
Verifica-se, assim, que o cartel é apenas uma das formas de conduta horizontal restritiva da concorrência, sendo definido, conforme Glossário da Secretaria de Acompanhamento Econômico – SEAE, como "acordos ou práticas concertadas entre concorrentes para a fixação de preços, a divisão de mercados, o estabelecimento de quotas ou a restrição da produção e a adoção de posturas pré-combinadas em licitação pública" [70]. É considerado, universalmente, ante as suas graves conseqüências para o mercado e consumidores [71], como a mais grave conduta anticoncorrencial, constituindo-se, também, como crime contra a ordem econômica, nos termos da Lei nº 8.137/90 [72], bem como nas licitações, conforme disposto na Lei nº 8.666/93 [73].
Outra questão interessante quanto a este ponto diz respeito à prova do eventual acordo, ressaltando Calixo Salomão Filho que se tem fortalecido a visão da necessidade dessa prova, como demonstram as alterações promovidas na Lei nº 8.884/94 pela MP 2.055/00, o que causa dificuldades práticas, que estão sendo contornadas com a tendência em se ampliar o que pode ser considerado como prova [74].
5.1 Competência e sanções
De acordo com a Lei nº 8.884/94 [75], compete ao Plenário do CADE, entre outros, decidir sobre a existência de infração à ordem econômica e aplicar as penalidades previstas em lei, ordenar providências que conduzam à cessação de infração à ordem econômica, dentro do prazo que determinar e aprovar os termos do compromisso de cessação de prática e do compromisso de desempenho, bem como determinar à SDE que fiscalize seu cumprimento. Já as sanções relativas a tais práticas são estabelecidas nos artigos 23 a 25:
"Art. 23. A prática de infração da ordem econômica sujeita os responsáveis às seguintes penas:
I - no caso de empresa, multa de um a trinta por cento do valor do faturamento bruto no seu último exercício, excluídos os impostos, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando quantificável;
II - no caso de administrador, direta ou indiretamente responsável pela infração cometida por empresa, multa de dez a cinqüenta por cento do valor daquela aplicável à empresa, de responsabilidade pessoal e exclusiva ao administrador.
III - No caso das demais pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado, bem como quaisquer associações de entidades ou pessoas constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente, com ou sem personalidade jurídica, que não exerçam atividade empresarial, não sendo possível utilizar-se o critério do valor do faturamento bruto, a multa será de 6.000 (seis mil) a 6.000.000 (seis milhões) de Unidades Fiscais de Referência (Ufir), ou padrão superveniente.
Parágrafo único. Em caso de reincidência, as multas cominadas serão aplicadas em dobro.
Art. 24. Sem prejuízo das penas cominadas no artigo anterior, quando assim o exigir a gravidade dos fatos ou o interesse público geral, poderão ser impostas as seguintes penas, isolada ou cumulativamente:
I - a publicação, em meia página e às expensas do infrator, em jornal indicado na decisão, de extrato da decisão condenatória, por dois dias seguidos, de uma a três semanas consecutivas;
II - a proibição de contratar com instituições financeiras oficiais e participar de licitação tendo por objeto aquisições, alienações, realização de obras e serviços, concessão de serviços públicos, junto à Administração Pública Federal, Estadual, Municipal e do Distrito Federal, bem como entidades da administração indireta, por prazo não inferior a cinco anos;
III - a inscrição do infrator no Cadastro Nacional de Defesa do Consumidor;
IV - a recomendação aos órgãos públicos competentes para que: a) seja concedida licença compulsória de patentes de titularidade do infrator; b) não seja concedido ao infrator parcelamento de tributos federais por ele devidos ou para que sejam cancelados, no todo ou em parte, incentivos fiscais ou subsídios públicos;
V - a cisão de sociedade, transferência de controle societário, venda de ativos, cessação parcial de atividade, ou qualquer outro ato ou providência necessários para a eliminação dos efeitos nocivos à ordem econômica.
Art. 25. Pela continuidade de atos ou situações que configurem infração da ordem econômica, após decisão do Plenário do Cade determinando sua cessação, ou pelo descumprimento de medida preventiva ou compromisso de cessação previstos nesta lei, o responsável fica sujeito a multa diária de valor não inferior a 5.000 (cinco mil) Unidades Fiscais de Referência (Ufir), ou padrão superveniente, podendo ser aumentada em até vinte vezes se assim o recomendar sua situação econômica e a gravidade da infração."
5.2 Apuração
O chamado Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência – SBDC é formado pelos três órgãos encarregados da defesa da concorrência no País: a Secretaria de Acompanhamento Econômico - SEAE do Ministério da Fazenda, a Secretaria de Direto Econômico - SDE do Ministério da Justiça e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE, autarquia vinculada ao Ministério da Justiça. O CADE é a instância judicante do Sistema, funcionando como um tribunal administrativo, sendo que de suas decisões não cabem revisão no âmbito do Poder Executivo, enquanto a SEAE e a SDE atuam de forma analítica e investigativa, sendo responsáveis pela instrução dos processos. A atuação de tais órgãos dá mediante três vertentes básicas: a) o controle das estruturas, por meio da apreciação dos atos de concentração; b) a repressão a condutas anticompetitivas; e c) promoção da advocacia da concorrência [76].
A repressão a condutas anticompetitivas é, assim, uma das vertentes de atuação do SBDC. O processo administrativo visando apurar as condutas nocivas à concorrência pode ser instaurado por iniciativa da própria SDE [77], sempre que ao detectar fortes indícios da existência de infração à ordem econômica, ou a partir da representação de qualquer interessado. Pode, ainda, instaurar averiguação preliminar [78], quando os indícios de infração à ordem econômica não forem suficientes para a abertura do processo administrativo [79].
Nos termos do art. 52 da Lei nº 8.884/94, pode a SDE, quando dessa apuração, aplicar medidas preventivas visando evitar danos irreparáveis ou de difícil reparação aos mercados afetados. Ademais, a SDE, por meio da Advocacia-Geral da União, proceder operações de busca e apreensão de documentos e bens que possam ser relevantes para a apuração, mediante a obtenção de autorização judicial [80].
Após a instrução do processo administrativo, no qual devem ser assegurados o contraditório e a ampla defesa, a SDE emite parecer não vinculativo, encaminhando o feito ao CADE para julgamento, restando a este decidir se restou caracterizada a infração à ordem econômica, aplicando as sanções estabelecidas pela Lei nº 8.884/94. Informada da instauração do processo a SEAE pode emitir parecer econômico sobre o caso, que deve ser apresentado à SDE antes do encerramento da instrução [81].
Das decisões proferidas pelo CADE em tais processos, entre os anos 2000 e 2010, 71,8% foram pelo arquivamento, 26,6% pela condenação, 0,8% pela reabertura de instrução junto à SDE e 0,8% pela suspensão do feito [82].
Como se pode perceber, a grande maioria dos processos administrativos instaurados terminam por ser arquivados, o que pode indicar a necessidade de focar as atividades dos órgãos do SBDC na apuração de condutas mais graves e mais relevantes do ponto de vista da defesa da concorrência. Verifica-se, ainda, que apenas um número ínfimo de tais processos é suspenso, o que se dá por meio da celebração do termo de compromisso de cessação de prática a seguir analisado, o que já demonstra a sua pouca aplicabilidade prática.
6. Do Termo de Compromisso de Cessação de Prática Anticoncorrencial
A redação originária do art. 53 da Lei nº 8.884/94 dispunha que em qualquer fase do processo administrativo poderia ser celebrado, pelo CADE ou pela SDE ad referendum do CADE, compromisso de cessação de prática sob investigação (TCC), que não importava confissão quanto à matéria de fato, nem reconhecimento de ilicitude da conduta analisada. Tal termo deveria conter, necessariamente, as obrigações do representado, no sentido de fazer cessar a prática investigada no prazo estabelecido, o valor da multa diária a ser imposta no caso de descumprimento, nos termos do art. 25, e aobrigação de apresentar relatórios periódicos sobre a sua atuação no mercado, mantendo as autoridades informadas sobre eventuais mudanças em sua estrutura societária, controle, atividades e localização.
A assinatura do TCC, que constituía título executivo extrajudicial, suspendia o processo administrativo respectivo, que deveria ser arquivado ao término do prazo fixado, desde que atendidas todas as condições estabelecidas. Tais condições poderiam, ainda, ser alteradas pelo CADE, se comprovada sua excessiva onerosidade para o representado e desde que isso não acarretasse prejuízo para terceiros ou para a coletividade, e a nova situação não configurasse infração à ordem econômica.
Em 2000, foi publicada a Lei nº 10.149 que, alterando a Lei nº 8.884/94, instituiu o chamado Acordo de Leniência [83], mediante o qual os infratores à ordem econômica que se apresentarem espontaneamente às autoridades competentes, e cooperarem com o Governo na identificação dos demais co-autores, e apresentarem provas concretas, poderão ser poupados do processo administrativo ou ter suas penas reduzidas de um a dois terços, o que também se aplica à esfera penal, com a extinção da punibilidade [84], caso a infração à ordem econômica também se constitua crime de ação penal pública.
Por meio da mesma Lei, incluiu-se um novo parágrafo no art. 53 da Lei nº 8.884/94, excluindo do âmbito de incidência do TCC as infrações à ordem econômica relacionadas ou decorrentes das condutas previstas nos incisos I, II, III e VIII do art. 21, quais sejam:
"I - fixar ou praticar, em acordo com concorrente, sob qualquer forma, preços e condições de venda de bens ou de prestação de serviços;
II - obter ou influenciar a adoção de conduta comercial uniforme ou concertada entre concorrentes;
III - dividir os mercados de serviços ou produtos, acabados ou semi-acabados, ou as fontes de abastecimento de matérias-primas ou produtos intermediários;
(...)
VIII - combinar previamente preços ou ajustar vantagens na concorrência pública ou administrativa;"
Como se pode perceber, as alterações trazidas pela Lei nº 10.149/00, excluiu a prática de atos relacionados aos cartéis da incidência do TCC, diminuindo a sua aplicação e eficácia, passando os cartéis a serem tratados apenas no âmbito do acordo de leniência. Em 2006, contudo, por meio da Medida Provisória nº 346, posteriormente convertida na Lei nº 11.482/2007, a Lei nº 8.884/94 foi novamente alterada visando permitir que empresas e pessoas físicas investigadas por formação de cartel passassem a poder celebrar o TCC. A nova e atual redação do art. 53 da Lei nº 8.884/94 passou, então, a ser a seguinte:
"Art. 53. Em qualquer das espécies de processo administrativo, o CADE poderá tomar do representado compromisso de cessação da prática sob investigação ou dos seus efeitos lesivos, sempre que, em juízo de conveniência e oportunidade, entender que atende aos interesses protegidos por lei.
§ 1º Do termo de compromisso deverão constar os seguintes elementos:
I - a especificação das obrigações do representado para fazer cessar a prática investigada ou seus efeitos lesivos, bem como obrigações que julgar cabíveis;
II - a fixação do valor da multa para o caso de descumprimento, total ou parcial, das obrigações compromissadas;
III - a fixação do valor da contribuição pecuniária ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos quando cabível.
§ 2º Tratando-se da investigação da prática de infração relacionada ou decorrente das condutas previstas nos incisos I, II, III ou VIII do caput do art. 21 desta Lei, entre as obrigações a que se refere o inciso I do § 1o deste artigo figurará, necessariamente, a obrigação de recolher ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos um valor pecuniário que não poderá ser inferior ao mínimo previsto no art. 23 desta Lei.
§ 3º A celebração do termo de compromisso poderá ser proposta até o início da sessão de julgamento do processo administrativo relativo à prática investigada.
§ 4º O termo de compromisso constitui título exclusivo extrajudicial.
§ 5º O processo administrativo ficará suspenso enquanto estiver sendo cumprido o compromisso e será arquivado ao término do prazo fixado se atendidas todas as condições estabelecidas no termo.
§ 6º A suspensão do processo administrativo a que se refere o § 5o deste artigo dar-se-á somente em relação ao representado que firmou o compromisso, seguindo o processo seu curso regular para os demais representados.
§ 7º Declarado o descumprimento do compromisso, o CADE aplicará as sanções nele previstas e determinará o prosseguimento do processo administrativo e as demais medidas administrativas e judiciais cabíveis para sua execução.
§ 8º As condições do termo de compromisso poderão ser alteradas pelo CADE se comprovar sua excessiva onerosidade para o representado, desde que a alteração não acarrete prejuízo para terceiros ou para a coletividade.
§ 9º O CADE definirá, em resolução, normas complementares sobre cabimento, tempo e modo da celebração do termo de compromisso de cessação."
Da comparação entre as duas redações do art. 53 da Lei nº 8.884/94, constata-se que, além de revogar a proibição de celebração de TCC para condutas envolvendo a prática de cartel, outras alterações também foram inseridas, sendo que as principais passam a ser apresentadas na sequência. O TCC passou a poder ser celebrado apenas pelo CADE, e não mais pela SDE ad referendum do CADE, tendo sido excluída a menção de que a celebração do termo não importaria em confissão quanto à matéria de fato, nem reconhecimento de ilicitude da conduta analisada, e incluída a previsão de que o TCC somente será celebrado a juízo de conveniência e oportunidade, sempre que o CADE entender que tal medida atende aos interesses protegidos por lei. Ademais, a nova redação faz menção expressa ao momento de propositura do Termo, qual seja, o início da sessão de julgamento do processo administrativo relativo à prática investigada.
Criou-se, ainda, uma contribuição pecuniária ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos, cujo valor não poderá ser inferior ao mínimo previsto no art. 23 [85], a ser aplicada quando a infração objeto da investigação estiver relacionada com as condutas previstas nos incisos I, II, III ou VIII do art. 21, ou seja, quando se tratar de prática envolvendo cartel.
Outro ponto que merece destaque é o § 9º do artigo que confere ao CADE a possibilidade de definir, em resolução, normas complementares sobre cabimento, tempo e modo de celebração do TCC, pois, com base nele o CADE editou as Ementas Regimentais nº 46/2007 e 51/2009. Por meio de tais normas que alteraram o seu Regimento Interno [86], estabeleceu o CADE, entre outros, que a proposta de celebração do TCC, a que pode ser atribuído tratamento confidencial, somente pode ser apresentada uma única vez, e deve conter: a) a especificação das obrigações do representado para fazer cessar a prática investigada ou seus efeitos lesivos, bem como as obrigações que entender cabíveis; b) o valor da contribuição pecuniária ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos, quando cabível; c) a possibilidade de adoção de um programa de prevenção de infrações à ordem econômica; e d) em caso de empresa e/ou administrador, o valor do faturamento bruto anual da empresa no exercício anterior à instauração do processo administrativo ou averiguação preliminar, conforme for o caso [87].
Criou-se, ainda, no âmbito do CADE a chamada Comissão de Negociação, formada por três servidores, com a função de auxiliar o Conselheiro-Relator durante as negociações do TCC. Concluído o período de negociação, a versão final do compromisso será pautada para julgamento pelo Plenário, dispondo tais normas que somente poderá haver a aceitação ou rejeição da proposta, não podendo ser feita contraproposta [88]. Esse dispositivo além de conferir muito poder ao Conselheiro-Relator, e à respectiva Comissão de Negociação, engessa sobremaneira o procedimento, além de não ser muito transparente, pois somente a versão final é apresentada.
Merece também destaque, o estabelecimento por tais normas de que nos casos em que houver sido celebrado acordo de leniência pela SDE, o compromisso de cessação deverá necessariamente conter reconhecimento de culpa por parte do compromissário, sendo que, nos demais casos, a exigência da confissão de culpa fica a critério do próprio CADE [89], o que não está previsto na Lei. Por fim, transcorrido o prazo para o cumprimento do Termo, estabelece a Resolução nº 51/2009, que a Procuradoria junto ao CADE submeterá nota técnica à aprovação do Relator, que atestará ou não a regularidade do cumprimento integral das obrigações, submetendo o procedimento em mesa ao referendo do Plenário.
Quanto à divulgação dos TCCs, dispõe, ainda, a norma que no prazo de cinco dias de sua celebração, o seu inteiro teor deve ser disponibilizado no endereço eletrônico do CADE, durante todo o período de sua vigência. Da listagem dos TCCs disponibilizada pelo CADE [90] em seu endereço eletrônico, contudo, desconsiderando-se os Termos de mesmo teor referentes a vários autores pelo mesmo fato, verifica-se apenas cerca de trinta Termos, que representam uma pequena média por ano num universo bem maior de processos em análise.
A pequena quantidade de TCCs celebrados demonstra a ineficácia do instituto na realidade brasileira, o que não se verifica em países como os Estados Unidos, no qual cerca de noventa por cento dos acusados criminalmente pela prática de cartel nos últimos vinte anos admitiram e celebraram acordo com a Divisão Antritruste do Departamento de Justiça [91]. A experiência americana demonstra que o processo de negociação deve indicar benefícios e incentivos tanto para o Governo quanto para os infratores, sendo necessário que seja transparente e claro para ser eficaz, ou seja, o acusado deve ser conseguir prever como será tratado se cooperar, e o que acontecerá se não o fizer [92], o que não verificamos no caso brasileiro.