Resumo: O presente trabalho tem por objeto analisar a questão das condutas abusivas horizontais no direito da concorrência brasileiro, bem como o termo de compromisso de cessão de prática anticoncorrencial, conforme disposto na Lei nº 8.884/94.
Palavras chave: Direito da concorrência. Condutas abusivas horizontais. Termo de compromisso de cessação.
Sumário: 1. Introdução. 2. Breve histórico: teorias econômicas e direito americano. 3. Constituição Federal de 1988 e política de defesa da concorrência. 4. Sistemática da Lei nº 8.884/94. 4.1 A regra da razão e as condutas per se. 4.2 Sujeito ativo. 4.3 Mercado relevante e posição dominante 5. Condutas abusivas horizontais no direito da concorrência. 5.1 Competência e sanções. 5.2 Apuração. 6. Do Termo de Compromisso de Cessação de Prática Anticoncorrencial. 7. Conclusões. 8. Referências Bibliográficas.
1. Introdução
O presente trabalho tem por objeto analisar a questão das condutas abusivas horizontais no direito da concorrência brasileiro, bem como o termo de compromisso de cessão de prática anticoncorrencial, conforme disposto na Lei nº 8.884/94. Justifica-se o presente estudo não só pela escassez de trabalhos sobre o tema no direito brasileiro, mas também pela importância da compreensão de tais questões no contexto da política de defesa da concorrência, visando a sua maior eficácia.
Para tanto, desenvolvemos o trabalho em cinco capítulos. Inicialmente, de modo a contextualizar o leitor no tema a ser tratado, apresentamos uma breve abordagem histórica acerca das teorias econômicas que fundamentam a defesa da concorrência, e o desenvolvimento da questão no direito americano. Após, analisamos brevemente a defesa da concorrência sob a ótica da Constituição de 1988, da respectiva política, bem como a sistemática utilizada pela Lei nº 8.884/94 para tratar das condutas anticoncorrenciais, abordando temas como a regra da razão, condutas per se, e mercado relevante e posição dominante, frente ao que dispõe a Lei.
Posteriormente, desenvolvemos a questão das condutas abusivas da concorrência, com ênfase nas práticas horizontais, competência, sanções e apuração. Na sequência, analisamos o termo de compromisso de cessação de prática anticoncorrencial, com foco nas alterações normativas sofridas e a sua eficácia na realidade brasileira. Por fim, apresentamos as conclusões a que chegamos com o presente estudo.
2. Breve histórico: teorias econômicas e direito americano
Inicialmente, importante a apresentação de um panorama geral acerca das diversas escolas da teoria econômica que fundamentam o direito da concorrência, especialmente de modo a verificarmos como podemos situar o ordenamento jurídico brasileiro nesse contexto. Tal medida se faz necessária ante a constatação de que, no caso da defesa da concorrência, muitas vezes, pretende-se transpor, indiscriminadamente, entendimentos firmados em outros sistemas e países, a exemplo dos Estados Unidos, nos quais tais normas desempenham funções diversas, tendo sido cunhadas em momento histórico próprio e distinto do nosso.
Nesse sentido, como alerta Paula A. Forgini [01], as normas de defesa da concorrência desempenham funções distintas em cada sistema jurídico e momento histórico específico, devendo-se, assim, cuidar para não cair na armadilha de transposição das várias teorias econômicas ao sistema brasileiro, pois o direito da concorrência é instrumento de uma dada política econômica. Ademais, embora semelhanças possam ser verificadas, a forma com que cada política de defesa da concorrência enfrenta as principais questões envolvendo o tema, como as formas de controle quanto aos atos de concentração e condutas de empresas que exercem poder de mercado, varia de país para país, identificando-se "para cada área de aplicação das políticas de defesa da concorrência, certas linhas mestras no que diz respeito à concepção econômica que as guia" [02].
As diversas escolas da teoria econômica que buscam fundamentar a adoção das normas de defesa da concorrência divergem, especialmente, quanto a duas questões centrais: a) qual o objetivo a ser seguido por tais normas; e b) que tipo de concorrência deve ser protegido [03].
O grande embate inicialmente travado deu-se entre as chamadas Escola de Harvard e Escola de Chicago. A Escola de Harvard, também denominada estruturalista, desenvolvida a partir dos anos 50, e cujos principais expoentes destacamos John M. Clarkn, Philip Areeda, D. Turner e Blake, propunha que as excessivas concentrações de poder no mercado deveriam ser evitadas, pois poderiam implicar disfunções prejudiciais ao fluxo das relações econômicas [04]. Esse modelo, ao supor que as condutas são condicionadas pela estrutura, ou seja, que as características das configurações do mercado determinam a sua performance, vai se preocupar, especialmente, com o aumento da concentração do mercado e com a presença de barreiras à entrada de novos atores [05]. Desta feita, o modelo de concorrência a ser buscado é o que possibilita a manutenção ou incremento do número de agentes econômicos no mercado, sendo a concorrência um fim em si mesmo [06].
Já para a Escola de Chicago, que surgiu nos anos 50 com os trabalhos dos economistas Aaron Director e Ronald Coase, e desenvolveu-se nos anos 60 e 70, sobretudo por Robert Bork e Richard Posner [07], as concentrações econômicas não deveriam ser vistas como um mal a ser evitado, podendo ser justificadas em termos de eficiência alocativa, em benefício para os consumidores [08]. Deste modo, para a Escola de Chicago, a ênfase a ser dada pela política econômica no que diz respeito à defesa da concorrência é a eficiência produtiva, passível de justificar a obtenção ou manutenção de posições dominantes no mercado [09], trazendo, assim, a análise econômica ao direito concorrencial como instrumento para o alcance dessa eficiência [10]. Neste ponto, chamamos ainda a atenção para o denominado paradoxo de Bork, no sentido de que a consideração da concorrência como um valor em si mesmo implicaria, necessariamente, em prejuízo ao consumidor, pois impediria a formação de economias de escala que, ao reduzirem custos, permitiriam a redução de preços, sendo, portanto, eficientes [11].
Até meados da década de 70 as duas Escolas marcam uma forte oposição, mas já no final da mesma década, os representantes da Escola de Harvard passaram a aceitar grande parte dos pressupostos da Escola de Chicago, tendo a literatura mais recente poucos traços do embate tradicional [12]. O movimento chamado revisionismo pós-Chicago, que se estabelece a partir dos anos 80, com autores como Laurence Sullivan e Robert L. Steiner, apesar de incorporarem pressupostos da análise econômica introduzida pela Escola de Chicago, criticam-na por ser demasiado simplista, pois algumas condutas, ainda que possam implicar em aparente ganho de eficiência, indicam também prejuízos concorrenciais [13]. A versão contemporânea deste enfoque mantém, assim, a ênfase estruturalista, mas com uma maior preocupação em levar em conta as eficiências que podem contrabalançar as configurações de mercado mais concentradas [14].
Fato é que desde a década de 1970, tanto os estruturalistas como a Escola de Chicago deixaram as posições extremas, que viam a estrutura de mercado como decisiva de um lado, e do outro que raramente consideravam um monopólio como um problema, em direção a posições mais centrais no debate, analisando-se a chamada economia dos custos de transação, que exige um exame mais acurado do mercado relevante e do efetivo poder de mercado [15].
As novas teorias econômicas, no desenvolvimento dessa visão pós-Chicago, ao basearem-se nos recentes métodos econométricos e analíticos, passaram, assim, a se interessar mais pelo comportamento de empresas individuais ou de setores ou subsetores da economia, sendo a consequência, no plano jurídico, o deslocamento do foco do controle das estruturas para o dos comportamentos, significando que, muitas vezes, é possível dar uma resposta comportamental a problemas estruturais [16]. As três principais teorias que podem ser citadas, que compõem essa visão pós-Chicago são: a teoria dos mercados contestáveis (contestable markets), a teoria dos jogos, e a teoria dos custos de transação (transaction costs) [17]. Não cabe, contudo, nos estreitos limites do presente trabalho, desenvolvermos tais teorias, sendo importante ressaltar, apenas, que todas se preocupam mais com a questão comportamental que com a estrutural.
Já com relação às normas de defesa da concorrência, historicamente aponta-se a sua origem na reação norte-americana às mudanças econômicas ocorridas no final do século XIX, que implicaram numa extrema concentração, e muitas vezes cartelização, das empresas, com a adoção do chamado Sherman Act, em 1890 [18]. Nesse período, acreditava-se que a concorrência poderia ser lesada em detrimento dos consumidores por meio de acordos entre concorrentes ou concentração monopolística, ou pela ação de uma empresa com poder de mercado no sentido de excluir outras do mesmo, utilizando, por exemplo, preços predatórios ou controlando os insumos e meios de escoamento dos produtos [19].
Posteriormente, em 1914, é editado o Clayton Act, que tipificou algumas práticas restritivas da concorrência, como as vendas casadas, indicando, ainda, que tais condutas para serem ilícitas deveriam restringir a concorrência de forma não razoável ou tenderem à criação de monopólio, sistemática que inspirou muitas legislações, inclusive a brasileira [20].
Em razão da amplitude das restrições constantes do Sherman Act, pois tornara ilegais todos os acordos restritivos da concorrência, a sua aplicação passou a ser flexibilizada pelas Cortes Americanas, com o desenvolvimento do chamado princípio da regra da razão, o que equivaleria, no direito brasileiro, à aplicação ao caso concreto dos princípios da razoabilidade ou proporcionalidade [21]. Como hoje formulada, a regra da razão no direito americano não considera ilegais os acordos que tenham objetivos pró-competitivos, ainda que provoquem efeitos incidentais e inconsequentes na concorrência, proibindo os acordos que tenham por finalidade a restrição da concorrência, ou que tenham uma forte tendência anticoncorrencial, ainda que o seu propósito tenha sido diverso [22].
Ao mesmo tempo em que desenvolvida a regra da razão, a Supre Corte americana passou a elaborar o princípio per se condemnation, no sentido oposto, no qual certos acordos não poderiam ser razoavelmente justificados, ou seja, seriam ilegais per se, bastando a prova da sua ocorrência, sem a preocupação com o eventual objetivo das partes ou dos efeitos sobre o mercado, não sendo possível aplicar-lhes a regra da razão [23]. Como veremos posteriormente, na sistemática do direito brasileiro, não há tratamento de conduta como ilícito per se, sendo, portanto, equivocado transpor considerações do direito americano ao brasileiro quanto a essas questões.
Ademais, no que pertine ao entendimento estruturalista, que aponta como problema em si o fato de agentes econômicos poderosos operarem em estruturas de mercado concentradas, o que permitiria que os detentores de poder de mercado operassem de forma anticoncorrencial, a legislação brasileira também é flexível, como se depreende do art. 54 da Lei nº 8.884/94, pois permite que o CADE autorize a prática de atos que possam limitar ou prejudicar a livre concorrência, ou resultar na dominação de mercados relevantes de bens ou serviços, desde que, entre outros [24], tenham por objetivo, cumulada ou alternativamente: a) aumentar a produtividade; b) melhorar a qualidade de bens ou serviço; ou c) propiciar a eficiência e o desenvolvimento tecnológico ou econômico. Deste modo, no direito brasileiro, o controle estrutural também é permeado pela análise da eficiência, devendo-se cuidar com a transposição não contextualizada do que defendem as respectivas teorias econômicas indicadas.
3. Constituição Federal de 1988 e política de defesa da concorrência
A Constituição Federal de 1988 reconheceu expressamente a livre iniciativa como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, juntamente com o trabalho, aos quais atribui um valor social [25]. Determinou, também, que é assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei [26].
Desta feita, a Constituição estabelece um discurso conciliador entre capital e trabalho, não impondo limites explícitos à livre iniciativa, ou seja, a regra é a liberdade, devendo as exceções ser justificadas e baseadas nos princípios da razoabilidade e da subsidiariedade [27].
Ao dispor sobre a ordem econômica a Constituição de 1988 estabeleceu, ainda, que o seu fundamento é a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa, tendo por finalidade assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados, dentre outros, o princípio da livre concorrência [28]. Além disso, dispôs que a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros [29].
Verifica-se, assim, que a Constituição de 1988 reconhece a concorrência como meio para o alcance da existência digna de todos, de acordo com os ditames da justiça social, sendo, portanto, a sua defesa um instrumento para implementação de políticas públicas, e não uma finalidade em si mesma [30]. Ademais, para a realização da ordem econômica disposta na Constituição, a livre iniciativa deve ser integrada à livre concorrência, pois o acesso ao mercado somente será livre se houver acesso aos meios de produção, o que não é possível onde as forças produtivas não possam atuar concorrentemente [31].
Como alerta Calixto Salomão Filho [32], contudo, não basta a afirmação da natureza constitucional econômicas das normas de defesa da concorrência para a compreensão de seu significado e âmbito de aplicação, sendo necessário perguntar a que são orientadas, ou seja, a que política visam atribuir eficácia. Segundo o citado autor, no caso brasileiro, há uma clara intenção do constituinte na defesa dos interesses não só do consumidor, mas também dos concorrentes, englobando todos os componentes do mercado, sendo a livre concorrência e a proteção do consumidor objetivos que convivem na legislação ordinária, afastando-se a perspectiva puramente focada na eficiência, apresentada no paradoxo de Bork acima referido [33].
Quanto à política de defesa da concorrência decorrente de tais mandamentos constitucionais, podemos entendê-la como o conjunto de ações e parâmetros regulatórios do Estado voltados para a preservação de ambientes competitivos e para o desencorajamento de condutas anticompetitivas derivadas do exercício de poder de mercado, visando preservar e/ou gerar maior eficiência econômica no funcionamento dos mercados [34]. Segundo Possas e outros, tal política pode apresentar duas motivações básicas:
"(i) o reconhecimento de que atitudes cooperativas e de atenuação da rivalidade entre firmas podem - ainda que não necessariamente o façam - ter resultados negativos sobre a eficiência estática, e mesmo dinâmica, do sistema econômico; e, (ii) o reconhecimento de que as firmas podem adotar condutas que geram benefícios privados a partir de um enfraquecimento da concorrência, tais como a prática de preços predatórios para a eliminação de competidores ou o uso de contratos de exclusividade na distribuição de produtos para evitar a entrada de competidores potenciais" [35]
A partir dessas motivações, as ações e parâmetros regulatórios buscarão atuar sobre as condições de operação dos mercados, tanto por meio da influência direta sobre as condutas dos agentes, como por ações visando afetar os parâmetros estruturais que as condicionam, sendo que, no primeiro caso, a implementação da política objetiva desestimular e coibir comportamentos anticompetitivos, tenham natureza vertical ou horizontal, e no segundo impedir o surgimento de estruturas de mercado que aumentem a probabilidade de abuso do poder econômico, ou seja, uma intervenção de caráter estrutural, que também pode ser horizontal ou vertical [36].
Vejamos agora especificamente a questão das infrações à ordem econômica no direito brasileiro, com ênfase no enfrentamento das condutas anticoncorrenciais horizontais.
4. Sistemática da Lei nº 8.884/94
Visando concretizar os ditames constitucionais relativos à defesa da concorrência, em 1994 foi editada a Lei nº 8.884, que dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações à ordem econômica, transformando, ainda, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE em Autarquia.
Na sistemática da Lei nº 8.884/94, os ilícitos são definidos por meio de fórmulas gerais constantes do art. 20, deixando-se para o art. 21 a descrição, de forma exemplificativa, de tais cláusulas gerais [37]. Temos, assim, uma necessária conjugação entre os artigos 20 e 21 da lei, pois as condutas elencadas exemplificadamente no art. 21 somente serão infrações à ordem econômica quando objetivarem ou puderem produzir os efeitos descritos no art. 20, quais sejam: a) limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; b) dominar mercado relevante de bens ou serviços; c) aumentar arbitrariamente os lucros; ou d) exercer de forma abusiva posição dominante. Deste modo, as condutas descritas na Lei são apenas indiciárias da ilicitude, pois somente serão consideradas ilícitas se forem passíveis de produzir os efeitos constantes do art. 20 [38].
4.1 A regra da razão e as condutas per se
Como vimos acima, a chamada regra da razão foi desenvolvida no direito americano, em razão da amplitude das restrições constantes do Sherman Act, visando flexibilizar as suas disposições, com o que equivaleria, no direito brasileiro, à aplicação ao caso concreto dos princípios da razoabilidade ou proporcionalidade [39]. Paralelamente, elaborou-se também o princípio per se condemnation, no sentido oposto, no qual certos acordos não poderiam ser razoavelmente justificados, ou seja, seriam ilegais per se, bastando a prova da sua ocorrência, sem a preocupação com o eventual objetivo das partes ou dos efeitos sobre o mercado, não sendo possível aplicar-lhes a regra da razão [40], a exemplo de condutas como a fixação de preços, acordos entre licitantes, divisão de mercados entre concorrentes [41].
Quanto ao tema, Neide Teresinha Malard defende que a adoção de um sistema misto, que congregasse a segurança jurídica à flexibilidade necessária à aplicação eficaz da Lei, talvez fosse a solução mais adequada, a exemplo da alternativa buscada pelo legislador mexicano [42]. Contudo, no caso brasileiro, conforme a Lei nº 8.884/94 não existem condutas per se, em razão do disposto nos artigos 20 e 21 já referidos, pois a conduta potencialmente danosa ao mercado deve ter alguma probabilidade de causar danos adversos à concorrência, já que, de outro modo, não terá objeto anticoncorrencial, ainda que tipificada no art. 21, existindo, assim, uma relação de reciprocidade entre o objeto, conteúdo da conduta, e os efeitos [43].
Não há que se falar, portanto, em conduta ilícita per se no direito brasileiro [44], pois sempre será necessário analisar os seus efeitos no mercado. Se tais efeitos forem inexpressivos, a questão deve ser resolvida no âmbito da responsabilidade contratual ou civil [45], ou mesmo sob a ótica do consumidor, mas não pelo direito concorrencial.
É importante ressaltarmos, neste ponto, que, do ponto de vista concorrencial, a existência de estruturas concentradas de mercado, como monopólios ou oligopólios não é ilegal em si, o que ocorre é uma maior probabilidade, nesses casos, de exercício de poder de mercado, ampliando o potencial de ocorrência de condutas anticompetitivas [46]. Como bem esclarecido no Anexo da Resolução CADE nº 20/99 [47]:
"A análise de condutas anticoncorrenciais exige exame criterioso dos efeitos das diferentes condutas sobre os mercados à luz dos artigos 20 e 21 da Lei 8884/94. As experiências nacional e internacional revelam a necessidade de se levar em conta o contexto específico em que cada prática ocorre e sua razoabilidade econômica. Assim, é preciso considerar não apenas os custos decorrentes do impacto, mas também o conjunto de eventuais benefícios dela decorrentes de forma a apurar seus efeitos líquidos sobre o mercado e o consumidor."
4.2 Sujeito ativo
Com relação ao sujeito ativo da infração à ordem econômica, deve o mesmo ser capaz de praticar atos que tenham efeitos anticoncorrenciais, ou seja, "que o agente, em razão de suas próprias características, de seu porte econômico e do seu poder de mercado tenha condições de afetar a concorrência com suas ações" [48], pois, de outro modo, não poderia praticar conduta que fosse potencialmente danosa ao mercado. Assim, para se verificar e reprimir o abuso do poder econômico deve-se inicialmente investigar acerca da própria existência desse poder [49], o que, como veremos, é indissociável da caracterização do mercado relevante e da posição dominante com relação ao mesmo.
Nos termos da lei nº 8.884/94, tratando sobre a responsabilidade pela prática de infração à ordem econômica, estabeleceu, de forma ampla que seus dispositivos alcançariam as pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, bem como quaisquer associações de entidades ou pessoas, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente, com ou sem personalidade jurídica, mesmo que exerçam atividade sob regime de monopólio legal [50]. Além disso, reconheceu expressamente a responsabilidade solidária entre a empresa e a individual de seus dirigentes ou administradores, bem como as empresas ou entidades integrantes de grupo econômico, de fato ou de direito, que praticarem a infração [51], podendo ser desconsiderada a personalidade jurídica da empresa responsável quando houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social, ou ainda quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade provocados por má administração [52].
Visando dimensionar o poder de mercado dos agentes econômicos, a Lei nº 8.884/94 adotou o critério da participação no mercado, aplicando, subsidiariamente o faturamento para fins de submissão de atos de concentração econômica ao CADE [53] [54], o que não faz parte do escopo do presente trabalho, pois o foco são as condutas abusivas horizontais, e não os atos de concentração.
O critério da participação no mercado é estabelecido pela Lei no sentido de que ocorre posição dominante quando uma empresa ou grupo de empresas controla parcela substancial de mercado relevante, como fornecedor, intermediário, adquirente ou financiador de um produto, serviço ou tecnologia a ele relativa, sendo esta posição presumida quando a empresa ou grupo de empresas controla 20% (vinte por cento) do mercado relevante, podendo este percentual ser alterado pelo CADE para setores específicos da economia [55].
Como se verifica, é necessária a definição do que venha a ser o mercado relevante em cada caso para que se possa concluir acerca da dimensão da participação de um agente econômico e sua eventual posição dominante com relação ao mesmo. Deste modo, não se pode examinar o abuso do poder econômico, sem que se compreenda o que significam mercado relevante e posição dominante [56]. Com isso, faremos a seguir uma breve explanação do que consistem tais conceitos.
4.3 Mercado relevante e posição dominante
Como ressaltado acima, a conduta abusiva da concorrência deve ser realizada no espaço de atuação do agente, qual seja, o mercado relevante [57]. Para compreendermos o conceito, contudo, é necessário atentarmos para que o termo em português se constitui, na realidade, num anglicanismo, decorrente da tradução literal de relevant market, sendo que relevant corresponderia a pertinente ou correspondente, e não relevante no sentido de importante [58].
Nesse sentido, para a caracterização do mercado relevante, devemos considerar a possibilidade de substituição de produtos ou serviços entre si, numa determinada área geográfica, e num certo espaço de tempo, integrando esse mercado os concorrentes, sejam efetivos ou potenciais [59]. Para tanto, a análise da substitutibilidade do bem deve levar em conta a resposta do consumidor ao aumento do preço de um produto, levando-o a mudar sua preferência para outro, o que se denomina na teoria econômica como elasticidade cruzada da demanda [60]. Ademais, o fato de existirem produtos que tecnicamente são passíveis de substituição por outro não deve ser significativo na caracterização do mercado relevante, se o público em geral não os substitui, ou seja, o hábito dos consumidores quanto a essa substituição deve ser levada em consideração como fator decisivo [61].
Já para a verificação da dimensão geográfica do mercado, deve-se considerar a localização dos compradores, os métodos de venda, os possíveis obstáculos ao ingresso de novos produtos na área, e as preferências do consumidor. No que pertine ao aspecto temporal, a análise deve considerar o tempo necessário à entrada do produto no mercado geográfico [62].
Deste modo, para a análise das condutas abusivas da concorrência, não há que se falar em um só mercado, e sim em vários mercados que se interrelacionam, delimitando-se o espaço econômico no qual os agentes se relacionam, com a finalidade de verificar o nível da concorrência do mercado e o poder econômico exercido por cada um [63].
Estabelecido o mercado relevante, passa a ser possível a análise do poder de mercado de um dado agente econômico, ou seja, a sua capacidade de elevar preços acima dos níveis de competição, sem que tal medida reduza suas vendas a ponto de tornar a elevação não lucrativa, traduzindo-se, portanto, numa situação de domínio. Com isso, deve-se compreender a posição dominante como um poder de influenciar o comportamento dos concorrentes, bem como agir de forma independente dos mesmos, sendo capaz de controlar preços, produção ou distribuição de bens de uma parcela significativa do mercado [64].