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A teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova adotada no novo Código de Processo Civil.

O modelo pautado na Justiça Processual

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5. DISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS DA PROVA: CARACTERÍSTICAS GERAIS

Em princípio, o ônus da prova é do autor, vez que caberá a ele a responsabilidade de provar os fatos alegados na petição inicial. Quanto ao réu, este pode se limitar a negar a verdade dos fatos afirmados pelo autor, tendo em vista que o ônus da prova pertence àquele que alega os fatos, e não àquele que os negam (probatio incumbit ei qui dicit non ei qui negat). [29]

Denomina-se ônus da prova a conduta processual exigida da parte para que o juiz admita a verdade dos fatos alegados por ela. Decorre do risco que o litigante corre de não conseguir provar os fatos articulados por ele e, portanto, não demonstrar a existência do direito material disputado em juízo. [30]

Consoante Carnelutti, ônus não se confunde com obrigação, porque esta se caracteriza por impor a quem não realiza um determinado ato uma sanção jurídica (execução ou pena), enquanto o ônus gera apenas a perda dos efeitos úteis do próprio ato. [31] O ônus da prova serve para definir a parte da relação processual que deverá responder pela ausência de prova dos fatos necessários ao conhecimento da verdade. São regras de julgamento que somente incidem nas hipóteses em que as partes não conseguem provar os fatos (ou pelo menos convencer o magistrado acerca da existência deles), sendo assim de aplicação subsidiária. [32]

O ônus da prova se relaciona ao risco de um resultado desfavorável que a parte se sujeita, caso não produza a prova do fato aduzido. Nessa argúcia, "o descumprimento desse ônus não implica, necessariamente, um resultado desfavorável, mas o aumento do risco de um julgamento contrário". Isso porque o ônus da prova não se vincula a um resultado favorável, mas sim ao fato da produção da prova proporcionar uma maior probabilidade de convencimento do magistrado a respeito dos fatos articulados. [33]

Havendo prova dos fatos alegados, não será nem mesmo relevante apurar qual das partes a produziu. [34] O que importa é que a verdade dos fatos restou demonstrada nos autos, possibilitando assim o magistrado julgar a demanda sem aplicar a regra de julgamento de ônus da prova.

Consoante a doutrina, o ônus da prova classifica-se em ônus subjetivo ou formal e ônus objetivo ou material.

O primeiro é uma regra de conduta ordinariamente dirigida às partes, as quais tomam conhecimento acerca da incumbência de produzi-la, a exemplo do que acontece com o autor de uma demanda ao saber que a ele cabe o ônus de provar o fato constitutivo. Ocorre que nem sempre a verdade dos fatos aparece nos autos, ou, quando aparece, as partes não conseguem convencer o magistrado a respeito da existência dela. [35]

Nessa hipótese, em que não há prova dos fatos, como o magistrado não pode se esquivar de julgar, já que é vedado o non liquet, surge aí o ônus da prova objetivo ou material, que é uma regra de julgamento dirigida ao juiz, destinada a indicar como o magistrado deve julgar o caso, já que as partes não provaram os fatos narrados. [36]

Superada a caracterização da distribuição do ônus da prova, ocasião em que se definiu se tratar de regra de julgamento, bem como que sua aplicação é subsidiária, apenas na hipótese das partes não conseguirem provar os fatos, ocasião que o juiz se depara com uma situação de perplexidade sobre a causa (dúvida), chega-se ao momento de abordar sobre os dois modelos de distribuição (estática e dinâmica).

5.1. O Modelo Clássico Adotado no Código de Processo Civil de 1973

Após terem sido abordados os principais aspectos pertinentes à distribuição do ônus da prova, passa-se a tratar do Sistema Legal do Ônus da Prova, previsto no Código de Processo Civil de 1973.

O art. 333, aplicando o princípio dispositivo, reparte o ônus da prova entre os litigantes da seguinte forma. Ao autor, atribui-se o ônus de provar o fato constitutivo do seu direito. Ao réu, atribui-se o ônus de provar o fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

Se o réu contesta negando tão somente o fato em que se baseia a pretensão autoral, o ônus probatório recai sobre este. Nessa hipótese, mesmo sem qualquer iniciativa probatória, o réu ganhará a causa, se o autor não demonstrar a veracidade dos fatos constitutivos do seu direito _ Actore non probante absolvitur reus. De outra banda, quando o réu apresenta resposta pautada em defesa indireta, argüindo fato capaz de alterar ou eliminar as conseqüências jurídicas do fato invocado pelo autor na petição inicial, a regra inverte-se, já que, ao se arrimar em fato modificativo, extintivo ou impeditivo do direito autoral, o réu implicitamente admite como verídico o fato narrado pelo autor na petição inicial. [37]

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Nesse toar, o sistema processual brasileiro, ao definir que a cada parte cabe provar o que alegou, ou contra provar a matéria alegada e provada pelo seu adversário, adotou uma concepção estática do ônus da prova. Isto é, a distribuição do ônus da prova, segundo o Código de Processo Civil de 1973, define-se abstrativamente, levando-se em conta apenas as hipóteses legais, sem sofrer qualquer tipo de influência ou interferência da situação em concreto posta em juízo. [38]

Constata-se, portanto, que o Código de Processo Civil vigente não compreendeu o ônus da prova de modo que as particularidades da causa pudessem, em determinadas hipóteses, alterar a regra comum de distribuição de ônus da prova. Adotando-se a Teoria Clássica (Estática) de distribuição do ônus da prova, as particularidades da causa foram ignoradas, demonstrando assim uma total desarmonia com o modelo constitucional do direito processual civil, pautado na concepção substancial do direito fundamental de acesso à justiça _ justiça processual, que exige uma leitura do processo, de seus procedimentos e de suas técnicas, consoante as particularidades da causa.

5.2. A Distribuição do Ônus da Prova e o Novo Código de Processo Civil

Como dito, a Teoria Clássica da distribuição do ônus da prova, adotada pelo Código de Processo Civil de 1973, ao ignorar as particularidades da causa, não se encaixa no modelo constitucional brasileiro do processo civil, comprometido com a justiça processual. Por conta dessa premissa, tem-se destacado e ganhado espaço na doutrina nacional a Teoria da Distribuição Dinâmica do Ônus da Prova, que toma por filho um modelo de distribuição pautado na dinâmica da própria relação jurídica processual em análise, podendo-se a ela se adequar/ajustar, com o fito de melhor atender às especificidades da causa em apreço.

Consoante a Teoria da Distribuição Dinâmica do Ônus da Prova, o ônus da prova não decorre de uma definição em abstrato do legislador. O ônus deve ser desempenhado pela parte que, conforme as particularidades do caso em concreto, possui as melhores condições de provar os fatos, de trazer aos autos a verdade sobre os fatos narrados. Por meio dessa teoria, a análise a respeito de quem tem o ônus de produzir a prova fica a cargo do magistrado, enquanto gestor da prestação jurisdicional. [39]

Sobre o tema, merece reflexão passagem de Theodoro [40]:

Fala-se em distribuição dinâmica do ônus probatório, por meio da qual seria, no caso concreto, conforme a evolução do processo, atribuído pelo juiz o encargo de prova à parte que detivesse conhecimentos técnicos ou informações específicas sobre os fatos discutidos na causa, ou, simplesmente, tivesse maior facilidade na sua demonstração. É necessário, todavia, que os elementos já disponíveis no processo tornem verossímil a versão afirmada por um dos contendores e defina também a nova responsabilidade pela respectiva produção.

Não se pretende por meio da Teoria Dinâmica do ônus da prova revogar o sistema do direito positivo, mas sim complementá-lo, ou melhor, adaptá-lo aos princípios informadores do ideal de justiça processual proclamados no nosso texto constitucional, que persegue incessantemente a verdade real. [41]

Entende-se como sendo essa teoria a mais acertada, tendo-se como norte o sistema processual civil contemporâneo, que se direciona para a perspectiva de que "a prova incumbe a quem tem melhores condições de produzi-la, à luz das circunstâncias do caso concreto. Em outras palavras: prova quem pode". [42]

A doutrina cita como exemplo de aplicação da Teoria Dinâmica do Ônus da Prova a hipótese de inversão do ônus da prova, prevista no inciso VIII, do art. 6º, do Código de Defesa do Consumidor, adstrita às hipóteses de relação de consumo. Por conta desse preceito legal, o magistrado tem o poder de redistribuir o ônus probandi, invertendo-o, quando presentes no caso em concreto os requisitos autorizadores (verossimilhança e hipossuficiência) da medida paritária. [43]

Essa linha de entendimento se afina ao que já fora tratado nessa pesquisa quando se abordou os princípios do acesso à justiça e do contraditório, redimensionados sob a ótica do nosso modelo de Estado constitucional, comprometido com a realização da justiça no plano concreto. O modelo pautado na perseguição por uma tutela adequada, idealizador de um processo (procedimento e técnicas) justo, exige uma preocupação toda especial com a paridade de armas no processo. E esse é o caso do modelo do direito processual civil brasileiro.

Aderindo aos reclamos da doutrina favorável à dinâmica da distribuição do ônus da prova, o Projeto de Lei nº 8.046/2010, que trata do novo Código de Processo Civil Brasileiro, trouxe essa já defendida possibilidade de dinamização do ônus da prova, conforme:

Art. 261.

O ônus da prova, ressalvados os poderes do juiz, incumbe:

I – ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;

II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

Art. 262. Considerando as circunstâncias da causa e as peculiaridades do fato a ser provado, o juiz poderá, em decisão fundamentada, observado o contraditório, distribuir de modo diverso o ônus da prova, impondo-o à parte que estiver em melhores condições de produzi-la.

§1º. Sempre que o juiz distribuir o ônus da prova de modo diverso do disposto no art. 261, deverá dar à parte oportunidade para o desempenho adequado do ônus que lhe foi atribuído.

§2º. A inversão do ônus da prova, determinada expressamente por decisão judicial, não implica alteração das regras referentes aos encargos da respectiva produção.

Compulsando os preceitos sobreditos, depreende-se que o magistrado terá o poder de dinamizar o ônus da prova, determinando a sua inversão, quando presentes os requisitos autorizadores da medida/técnica de proteção. A inversão beneficiará a parte que não tem as melhores condições de produção da prova dos fatos. A dinamização do ônus da prova, anunciada no projeto do novo código, conduzirá a fase probatória a uma posição de destaque no cenário processual, como dito, comprometido com a realização da justiça. A preocupação doutrinária com o ajustamento ou adequação do procedimento às peculiaridades da causa, sem sobra de dúvidas, impulsionaram a comissão designada para elaborar o novo Código a adotar a Teoria da Distribuição Dinâmica do Ônus da Prova no processo civil brasileiro.

Ao se debruçarem sobre essa dinâmica probatória, Marinoni e Mitidiero [44], com a correção que lhes caracteriza, prelecionam que a dinamização do ônus da prova estará condicionada à presença de requisitos (condicionantes) materiais e processuais, conforme:

Observamos, ainda, que a dinamização do ônus da prova só pode ocorrer mediante o atendimento de suas condicionantes materiais e processuais: do ponto de vista material, requer-se a demonstração de que o caso concreto não pode ser solucionado, sem grave ofensa à paridade de armas, à luz da regra que distribui de maneira fixa o ônus da prova, e que a parte contrária àquela que teria o encargo de provar pode desempenhar o encargo probatório com maior facilidade. Do ponto de vista processual, requer-se fundamentação específica e atribuição do encargo probatório com a correlata oportunidade de provar, tudo, obviamente, precedido de amplo diálogo pelas pessoas do juízo.

Os referidos autores ainda ressaltam que a distribuição dinâmica do ônus da prova não deve ficar reservada às hipóteses de insuficiência técnica. Isso porque, em algumas situações específicas, que se relacionam ao direito material ou ao próprio caso litigioso, pode-se necessitar desse mecanismo para se garantir a paridade de armas entre os litigantes ("equalização da posição das partes em juízo"). [45]

Analisando a disposição prevista no Projeto de Lei nº 8.046/2010, a respeito da distribuição dinâmica do ônus da prova, infere-se, que o legislador proporcionará ao nosso ordenamento jurídico um sistema processual civil, no tocante ao ônus da prova, flagrantemente comprometido com a "paridade de armas", com o contraditório (formal e substancial), com o direito fundamental de acesso à justiça, com a busca incansável por um processo de resultados essencialmente justos. Redimensiona-se a distribuição do ônus da prova conforme o modelo constitucional do processo civil brasileiro, que se preocupa insistentemente em adaptar a técnica processual (forma, veículo) às particularidades do direito material (conteúdo, bagagem), com o fito de se alcançar a justiça (material e processual) no caso em concreto.


6. CONCLUSÃO

A doutrina nacional e estrangeira vem defendendo ao longo dos últimos anos que o processo civil deve ser reconhecido como uma ferramenta importante para a realização/concretização dos direitos fundamentais. Dessa forma, o processo civil estaria em perfeita harmonia com a perspectiva do Estado constitucional moderno, que exige a leitura do direito de acesso à justiça, sob a ótica de um processo justo, caracterizado pela materialização de uma tutela jurisdicional adequada, efetiva e tempestiva de direitos.

A partir do movimento de constitucionalização do processo civil, a ciência processual brasileira passou a conceber o processo judicial sob o prisma dos resultados práticos à prestação jurisdicional, da proteção efetiva dos direitos materiais postos em juízo. O processo passou a ser visto como veículo a serviço da justiça, que tem a finalidade de fornecer à parte detentora do direito material em litígio o pleno exercício do seu direito. Tornou-se necessário que o processo seja estruturado/municiado por procedimentos e técnicas capazes de fornecer a tutela jurisdicional em sua plenitude, independentemente da espécie de direito material posto em juízo.

Essa vertente encontra-se prestigiada sobremaneira no Projeto de Lei nº 8.046/2010, que trata do novo Código de Processo Civil Brasileiro. De sua leitura, infere-se claramente o destaque dado aos princípios constitucionais do processo e a toda construção contemporânea do direito processual, que, sobretudo a partir da adaptabilidade do procedimento, tem como meta indelével a realização da justiça no plano concreto da demanda. Todavia, a possibilidade de adaptação dos procedimentos deve está reservada para os casos em que sejam atendidos, por meio dessa providência, os fins constitucionais do processo, especialmente os relacionados às garantias processuais.

Nessa esteira, o Projeto de Lei nº 8.046/2010 adotou a Teoria Dinâmica da Distribuição do Ônus da prova, considerada mais acertada e consentânea com a perspectiva constitucional do direito processual, em detrimento da Teoria Estática, prevista no Código de Processo Civil de 1973, vez que permite e exige que o ônus da prova recaia sobre aquele que tem melhores condições de provar os fatos, de acordo com as particularidades da causa. Ou seja, no âmbito da distribuição do ônus da prova, sem sombra de dúvidas, percebe-se que o Projeto assumiu expressamente o compromisso com a realização da justiça no plano concreto.

Essa perspectiva se afina perfeitamente ao estudo contemporâneo dos princípios do acesso à justiça e do contraditório, que, com se sabe, atualmente experimentam um redimensionamento amparado no nosso modelo de Estado constitucional, comprometido com a realização da justiça no plano concreto. Em defesa dessa justiça, o modelo do direito processual brasileiro passou a buscar alternativas que assegurem o fornecimento da tutela jurisdicional adequada, por meio de processos (procedimentos e técnicas) justos.

Analisando a disposição prevista no Projeto de Lei nº 8.046/2010, a respeito da distribuição dinâmica do ônus da prova, infere-se, que o legislador visualizou disponibilizar um sistema processual pautado na "paridade de armas", no contraditório (formal e substancial) e no direito fundamental de acesso à justiça. Redimensiona-se a distribuição do ônus da prova conforme o modelo constitucional do processo civil brasileiro, que se preocupa insistentemente em adaptar a técnica processual às particularidades do direito material, com o fito de se aplicar a justiça no caso em concreto.

Sobre os autores
Adriana Bonfim Rodrigues

Acadêmica do curso de Direito da Fanese e monitora das disciplinas de processo civil I e II.

Arnaldo de Aguiar Machado Júnior

Advogado, especialista em direito processual civil pela Fanese, Mestre em Direito Processual pela Universidade Católica de Pernambuco, professor do curso de graduação em direito na Fase e Fanese, professor do curso de pós-graduação em direito civil e processo civil na Unit, membro do Conselho Seccional da OAB/SE e presidente da Comissão de Acompanhamento Legislativo da OAB/SE.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RODRIGUES, Adriana Bonfim; MACHADO JÚNIOR, Arnaldo Aguiar. A teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova adotada no novo Código de Processo Civil.: O modelo pautado na Justiça Processual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2840, 11 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18880. Acesso em: 26 dez. 2024.

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