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Laicidade do Estado.

Uma interpretação a partir do preâmbulo constitucional

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Agenda 26/04/2011 às 10:16

4 Deus nas Constituições dos Estados-membros e nos Poderes Constituídos

Todas as Constituições Estaduais e a Lei Orgânica Distrital, seguindo a Constituição da República de 1988 quanto ao teísmo estatal, declaram (Acre, Amazonas, Bahia, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Minas Gerais, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rondônia, Santa Catarina, Tocantins) ou invocam (Alagoas, Amapá, Ceará, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraíba, Rio Grande do Norte, Roraima, São Paulo, Sergipe) a proteção de Deus em suas disposições preambulares.[4]

Importante destacar, neste ponto, quatro aspectos quanto às disposições constitucionais estaduais.

O preâmbulo da Constituição de Sergipe invoca a proteção de Deus e declara ser Ele "fonte de toda razão e justiça".

Os arts. 28, 50 e 51 do ADCT da Constituição do Amapá estabelecem a construção de uma "Praça da Bíblia", na capital do Estado, para as festividades religiosas; a impressão, em uma página antes da destinada ao sumário constitucional, da expressão "Feliz a Nação cujo Deus é o Senhor, e o povo que ele escolheu por herança" – citação bíblica de Salmos 33.12; e a colocação da Bíblia Sagrada em todas as repartições públicas, inclusive nos estabelecimento escolares, para livre consulta.

A Constituição de Rondônia dispõe que a instrução religiosa no ensino fundamental, como disciplina curricular facultativa, será "aconfessional com princípios bíblicos" (art. 258, I), entendendo o Estado que a Bíblia Sagrada contém valores importantes para a formação do ser humano.

Por fim, temos que a Constituição acreana foi promulgada, originalmente, sem declaração teísta em seu preâmbulo, o que motivou a ADI 2076-5/AC, julgada improcedente.[5] Ocorre que, em 08 de dezembro de 2000, foi aprovada a Emenda Constitucional nº 19 (publicada no Diário Oficial do Estado em 19 de junho de 2002), que alterou o dispositivo para nele incluir a expressão "sob a proteção de Deus". Desta feita, não se pode concluir que a proteção de Deus, invocada ou declarada, o seja apenas para o momento da promulgação da Constituição. Entender o contrário importará desconsiderar a alteração constitucional referida.

Feitas essas considerações, importa-nos destacar outros dados. Lemos, no art. 155, § 1º, do Regimento Interno do Senado Federal, que "Ao declarar aberta a sessão, o Presidente proferirá as seguintes palavras: "Sob a proteção de Deus iniciamos nossos trabalhos". No mesmo passo, o Regimento Interno da Câmara dos Deputados, no art. 79, §§ 1º e 2º, declara:

§ 1º A Bíblia Sagrada deverá ficar, durante todo o tempo da sessão, sobre a mesa, à disposição de quem dela quiser fazer uso. § 2º Achando-se presente na Casa pelo menos a décima parte do número total de Deputados, desprezada a fração, o Presidente declarará aberta a sessão, proferindo as seguintes palavras: "Sob a proteção de Deus e em nome do povo brasileiro iniciamos nossos trabalhos."

Ainda, o "Juramento do Médico Veterinário", encontrado no anexo I da Resolução nº 722/02 do Conselho Federal de Medicina Veterinária, é iniciado com os seguintes dizeres: "Sob a proteção de Deus, PROMETO que, no exercício da Medicina Veterinária, cumprirei (...)." No mesmo passo, o anexo da Resolução nº 06/2002, do CNPCP, que aprovou parecer do Conselheiro Edison Pizarro Carnelós sobre Clonagem Humana, tem o seguinte relatório:

O Ilustre parlamentar e seus pares apresentam Projeto de Lei que proíbe experiências e clonagem de animais e seres humanos, justificando que estas experiências ferem a ética e a dignidade de pessoa humana, abrindo um sério procedente para experiências muito perigosas, com criação inclusive de seres vegetativos para doação de órgãos ou outras aberrações, contrariando o princípio natural da vida criada por Deus. (grifo nosso)

Por fim, citamos o § 1º do art. 6º do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, que trata da posse de Presidente e Desembargador do aludido Tribunal:

§ 1º No ato da posse, o empossando prestará o seguinte compromisso: "Prometo, sob a proteção de Deus, desempenhar leal e honradamente as funções de Presidente (ou desembargador) do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, respeitando as Constituições da República e do Estado de Minas Gerais, as leis e o seu Regimento Interno."

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Portanto, as citações supra, notadamente as que encerram normas regimentais de alguns dos "poderes constituídos", nos levam a concluir que o teísmo insculpido nas disposições constitucionais revelam, mais uma vez, a crença do próprio Estado em um Deus, único e supremo.


5 Deus no Direito Constitucional comparado

"Todas as nações do mundo foram fundadas sob princípios teístas ou ateístas". (KENNEDY, 2003, p. 85) Demonstraremos, aqui, através de alguns exemplos estrangeiros, que o teísmo do Brasil, destacado na disposição preambular da nossa Constituição, também é encontrado em outros Estados, com a invocação a Deus sob as mais variadas formas. Pois bem.

Os Estados soberanos[6] podem ser agrupados da seguinte maneira: a) os que invocam a Deus – Nigéria (1999) e Paraguai (1992); b) os que pedem a proteção de Deus ou Suas bênçãos – Argentina (1998), África do Sul (1996), Colômbia (1991), Equador (1998), Honduras (1982), Ilhas Fiji (1988), Panamá (1972) e Venezuela (1999); c) os que invocam o nome de Deus – Costa Rica (1949), Guatemala (1993) e Suíça (1874); d) os que crêem em um Deus Todo-Poderoso, Criador, Misericordioso e/ou Supremo – Antígua e Barbuda (1981), Argélia (1976), Barbados (1966), Canadá (1982), Filipinas (1986), Madagascar (1992), Peru (1993), Trinidad e Tobago (1976), Ruanda (1991) e Suíça (1998); e) os que reconhecem sua responsabilidade perante Deus – Alemanha (1919); f) os que invocam a Santíssima Trindade – Grécia (1975) e Irlanda (1937); e g) os que possuem religião oficial, como o Islamismo – Baren (2002), Kuwait (1962) e Mauritânia (1991) – e o Catolicismo – Bolívia (1967) e Colômbia (1886).

Destacamos, por fim, a Constituição da Nicarágua (1987), que menciona os cristãos, comprometidos com a libertação dos oprimidos, e a polonesa (1997), que enfatiza ser Deus a fonte da verdade, justiça, bem e beleza.


6 Deus: finalidade e importância da citação constitucional de 1988

A separação Igreja-Estado[7] e o respeito aos brasileiros ateus ou materialistas, ainda que minoria da população,[8] foram os principais argumentos dos constituintes de 1987, Haroldo Lima e José Genuíno, que buscavam a supressão de "Deus" da disposição preambular.

Os constituintes que se manifestaram pela mantença da "proteção de Deus", agora declarada[9] (lembremos que a Constituição de 1967 apenas invocava a proteção), o fizeram sob vários fundamentos, dentre os quais, destacamos: a) "recusar a proteção de Deus (...) é querer negar a fé que todo o povo brasileiro testemunha e invoca", sendo falso o argumento "de que se pode dispensar esta invocação em respeito aos incrédulos, ateus, céticos ou infiéis"; (Diário da ANC ("C") - constituinte Daso Coimbra) b) apesar de já ter votado, em outras ocasiões, pela "exclusão de qualquer referência a Deus", "mudo" o voto para não "desrespeitar um sentimento deísta e religioso do povo brasileiro"; (Diário da ANC ("C") - constituinte Roberto Freire) c) "faz justiça a toda nossa formação cristã", evocando "aquela mensagem extraordinária do Evangelho, aquele testemunho que estabelece: ‘quando estiverem reunidas em Meu nome, duas ou mais pessoas, eu ali estarei’"; (Diário da ANC ("C") - constituinte José Maria Eymael, p. 860) d) "a fé cristã é predominante na sociedade brasileira"; (Diário da ANC ("C") - constituinte Aluízio Campos) e) "Ninguém pode tirar o sentimento místico do povo brasileiro"; (Diário da ANC ("C") - constituinte Lysâneas Maciel, p. 856) f) a Nação é "totalmente cristã" e "o sentimento de respeito a Deus vai nos trazer a sabedoria, humildade, bom-senso e prudência que só Deus pode colocar em nossas vidas"; (Diário da ANC - constituinte Roberto Augusto) g) "a maioria do povo brasileiro, como nós, invoca o nome de Deus", sendo que há "uma profunda ligação entre invocar o nome de Deus e a participação popular", pois "Ninguém mais do que Cristo se preocupou com os humildes, com os pobres e com aqueles que não tinham as dádivas que só os grandes possuem"; (Diário da ANC - constituinte Brandão Monteiro) h) os comunistas "não aceitam a idéia de que Deus possa existir, de que Deus possa ser respeitado", sendo o Brasil "a maior Nação cristã do mundo"; (Diário da ANC - constituinte Fausto Rocha, p. 6634) i) as "idéias de liberdade, justiça, fraternidade e solidariedade, na alma, no conceito e na linguagem das nações" desembocam "em um vocábulo que em todas as línguas acaba por traduzir-se em poucas, mas profundas e eternas letras: Deus", sendo certo que "a própria alma da Nação brasileira [é], na sua maioria absoluta irmanada no sentimento de cristandade". (Diário da ANC - constituinte José Maria Eymael)

Desta feita, inferimos que, apesar da consagrada separação Igreja-Estado, optaram os constituintes pela "proteção de Deus", entendendo que não haveria qualquer confronto entre os dispositivos.[10]

É inegável a separação entre Igreja e Estado, por nós defendida, e pelo ilustre Relator, consignado no projeto. Entendemos que em nada isto interfere em admitirmos, em aceitarmos, em sentirmos e (sic) necessidade de que todo o trabalho que fizemos em benefício do povo será sempre sob a proteção de Deus. Daí porque, Srs. Constituintes, é necessária a permanência da expressão "sob a proteção de Deus", porque com essa proteção que todos contamos, ainda não temos tido a capacidade suficiente para fazer o melhor para o povo. Imaginemos se Deus não estiver protegendo os Srs. Constituintes, quem nos protegeria? Se Deus não nos protege, quem nos protegerá? Se não tivermos a inspiração e a orientação de Deus, onde buscaremos essa inspiração, se Deus é a fonte de toda a sabedoria e de toda a inspiração?

Srs. Constituintes, desejo encerrar as minhas breves palavras, porque o substitutivo ou o destaque de supressão não pode encontrar amparo nos corações e nas mentes de todos quantos aceitam a Deus como protetor, como criador, como sustentador do homem e de todas as coisas, porque todas as coisas foram feitas e criadas por Deus. O salmista Rei Davi disse: "Bem-aventurada é a nação cujo Deus é o Senhor." Busquemos sempre a proteção do nosso Deus, para sermos uma Nação bem-aventurada. (Diário da ANC ("C") - constituinte Enoc Vieira)

Sobre o respeito aos comunistas, que buscavam a supressão da "proteção de Deus" do preâmbulo constitucional, assim se manifestou o constituinte Fausto Rocha:

Respeitamos os comunistas. Cristo morreu também pelos comunistas, ateus, agnósticos. Deu sua vida para que essas pessoas possam reformular o seu pensamento e, em aceitando a Jesus Cristo como seu único e suficiente salvador, regenerar sua vida, ter amor pelo próximo e defender todas as liberdades; inclusive essas que citei [de culto, de expressão, sindical e partidária]. (Diário da ANC - constituinte Fausto Rocha, p. 6634)

Assim, nos termos do que já expomos, reafirmamos que a citação de Deus no preâmbulo da nossa Carta Política tem como objetivo traduzir o sentimento teísta do próprio Estado, e não da maioria do povo brasileiro, simplesmente. A constituinte Sandra Cavalcanti discursou: "votaremos um texto de preâmbulo que coloque, de fato, o Brasil sob a proteção de Deus". (Diário da ANC ("C") - constituinte Sandra Cavalcanti, p. 854)

Quanto à importância da disposição, temos que se trata do reconhecimento estatal, em primeiro plano, da existência de Deus e do poder que O mesmo tem para proteger não só os constituintes, mas toda a nação. Além disso, nos parece que o Estado se dispõe a aceitar Sua palavra, Seus mandamentos e Suas ordenanças para orientá-lo e conduzir suas decisões.

À exceção das Constituições de 1891 e 1937, inspiradas, respectivamente no ideal positivistas (sic) e na doutrina totalitária, os preâmbulos das demais Cartas Políticas brasileira (sic) sempre se reportaram a Deus, não obstante a absoluta separação da Igreja e do Estado, declarada na Constituição Federal de 1891 (art. 11, § 2º) e mantida nas Constituições posteriores. Entretanto, ressalta-se que a referência que as Constituições brasileiras fazem a Deus, no preâmbulo (sic) não contraria a regra normativa da separação da Igreja e do Estado, mas é o reconhecimento de que a sociedade política brasileira aceita a irradiação, em seus seguimentos, do humanismo cristão. (MARÇAL, 2001, p.54)

e

A entronização do Ser Supremo no vestíbulo da Lei Fundamental não é mera formalidade ou exteriorização de pieguismo, desprovida de conseqüências jurídicas, como poderia parecer a alguém menos avisado.

Ao ser incorporado ao texto constitucional, Deus é projetado no ordenamento constitucional, transformando-se, automaticamente, num referencial jurídico dos mais expressivos.

(...)

Aceito Deus no universo jurídico, como verdadeira categoria jurídica, a primeira conseqüência inevitável é que nenhuma norma como também nenhuma ação estatal poderia ir de encontro ao valor jurídico consagrado no Estatuto Fundamental. O princípio teísta não poderá jamais ser afastado.

(...)

Deus é sumo bem, Deus é a justiça, Deus é a misericórdia, Deus é a verdade, Deus é amor. Assim, se o divino permeia a estrutura jurídica, há a perspectiva de que a caridade, o amor predomine nas relações sociais.

(...)

O grande contributo da lembrança a Deus, vertida no preâmbulo, é o de afastar a Nação do materialismo ateu, com suas implicações políticas daí decorrentes.

Com efeito, a história mundial recente aponta para uma correlação estranha e doentia entre a ausência de Deus e tirania, ateísmo e falta de democracia. A existência de uma zona de aproximação entre o Misericordioso e o Estado contribui, com certeza, para o aprimoramento das instituições, para uma vivência social mais humana.

(...)

De fato, quem se der ao trabalho de meditar um pouco sobre o tema, perpassando as páginas da história mundial recente, compreenderá a importância singular dessa ponte, unindo Deus e as coisas do Estado. (NÓBREGA, 1999, pp. 43-4 e 46-7)

Sobre o autor
Antonio Carlos da Rosa Silva Junior

Bacharel em Direito, Especialista em Ciências Penais, Especialista em Direito e Relações Familiares, Mestrando em Ciência da Religião, Membro da Coordenação Jurídica Nacional da FENASP, Membro do Juristas de Cristo, Presidente do Projeto Desperta, Professor, Escritor e Conferencista

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA JUNIOR, Antonio Carlos Rosa. Laicidade do Estado.: Uma interpretação a partir do preâmbulo constitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2855, 26 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18975. Acesso em: 23 dez. 2024.

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