3. DA AUTONOMIA DO DIREITO ELETRÔNICO
A partir do que já foi exposto, é possível perceber a maneira que o Direito Eletrônico vem se desenvolvendo como ramo específico do direito, apesar da resistência por parte de alguns estudiosos em aceitá-lo como ramo autônomo.
Por outro lado, percebe-se um número crescente de estudiosos tendente a defender a autonomia do Direito Eletrônico. Pode-se dizer que atualmente ocorre um momento transição, do mesmo modo que aconteceu com o direito do trabalho, direito comercial e o direito agrário, há algum tempo, quando vários apaixonados por essas matérias defendiam suas autonomias.
Primeiramente deve-se lembrar que o direito é uno. O homem formou o sistema jurídico com ramificações em áreas específicas (ou autônomas) com a única e exclusiva finalidade de facilitar o seu estudo.
Nesse contexto, Alfredo Augusto Becker ensina que é falsa a autonomia de qualquer ramo do direito positivo. (BECKER, 1972, p. 28)
Vale a pena conferir um pouco mais da importante lição daquele autor:
Pela simples razão de não poder existir regra jurídica independente da totalidade do sistema jurídico, a ‘autonomia’ (no sentido de independência relativa) do direito positivo é sempre e unicamente didática para, investigando-se os efeitos jurídicos resultantes da incidência de determinado número de regras jurídicas, descobrir a concatenação lógica que as reúne num grupo orgânico e que une este grupo à totalidade do sistema jurídico. (BECKER, 1972, p.27-32)
Com isso, o melhor é ter a idéia de que a autonomia de um determinado ramo do direito tem como função tornar uma importante área específica do direito mais fácil de ser estudada, ou seja, ocorre a sistematização de determinado campo jurídico para fins exclusivamente didático.
Por outro lado, a doutrina estabelece alguns requisitos para que um ramo do direito seja considerado autônomo.
De acordo com José Cretella Júnior um ramo do direito para ter autonomia deve conter objeto próprio, institutos próprios, método próprio e princípios informativos próprios (CRETELLA, 1987, p. 13)
Importante salientar que vários dos requisitos indicados acima pelo Doutrinador José Cretella Júnior, já foram mostrados no presente trabalho, confirmando que o Direito Eletrônico é um ramo Autônomo.
Sobre o assunto Maurício Godinho Delgado, lembra que Alfredo Rocco ensina serem requisitos necessários para que um ramo jurídico alcance sua autonomia científica: a) campo vasto de estudo e pesquisa; b) princípios gerais e institutos jurídicos próprios e c) método próprio (DELGADO, 2003, p. 67)
Entretanto, apesar de o Direito Eletrônico possuir praticamente todos os requisitos elencados pela doutrina, ele ainda não possui uma legislação específica. Há, no máximo, algumas normas esparsas sobre o tema, como, por exemplo, as apresentadas no item 2.2.4.
Todavia, há uma omissão legislativa em relação ao Direito Eletrônico e isso se dá por dois motivos. O primeiro é que as mudanças sociais que deram origem as inovadoras situações jurídicas envolvendo a tecnologia são extremamente recentes.
O segundo motivo que levou os legisladores a ainda não ter regulamentado as novas relações jurídicas advindas da tecnologia é o fato dessas relações não serem mais presenciais, mas sim virtuais, ou seja, houve uma quebra de paradigma quanto à forma relacionamento e de comunicação das pessoas e, em virtude disso, o modelo de regulamentação também exige ser alterado.
Com efeito, a falta de leis específicas para certas situações jurídicas, como já foi visualizada em capítulo próprio, pode gerar uma instabilidade e uma insegurança jurídica, que somente pode ser superada, isto é, resolvida por meio de um estudo direcionado, específico sobre o assunto, sendo esta a proposta do Direito Eletrônico nas instituições de ensino superior jurídico.
Nota-se ao pesquisar a jurisprudência pátria que as questões pertinentes ao Direito Eletrônico estão ocorrendo cada vez com mais freqüência, gerando inúmeras controvérsias. Por conta disso, surgiram inúmeras obras tratando desse ramo do direito, juntamente com encontros regionais, nacionais e internacionais de pessoas interessadas em discutir matéria.
Em outras palavras, o Direito Eletrônico pode, por enquanto, suprir a falta de autonomia específica com a sua autonomia doutrinária e jurisprudencial.
Nesse contexto, cabe ressaltar a importante lição de Carmem Luci Silveira, vejam:
Não se pode confundir autonomia formal com autonomia cientifica. Autonomia formal decorre da existência de um corpo legislativo diferenciado, já a autonomia cientifica de um ramo do direito decorre de vários outros aspectos: existência de um objeto único ou de objetos relacionados de regulação, existência de princípios e institutos próprios, método interpretativo diferenciado. (LUCI SILVEIRA, 2010, p. 1)
Assim, o Direito Eletrônico é um ramo do direito com autonomia científica e, certamente não demorará muito tempo para que adquira a sua autonomia formal [09]. Porém, não é aconselhável esperar por uma codificação, pois o Direito Eletrônico tem condições de ser enfrentado como ramo autônomo e, ser disciplina integrante dos cursos de direito do Brasil.
Conforme será analisado a seguir, inserir o Direito Eletrônico no ensino superior jurídico do país não é apenas uma vontade daqueles que gostam da matéria e defendem sua autonomia, mas uma real necessidade dos que pretendem seguir uma carreira jurídica.
3.1 A IMPORTÂNCIA DO ESTUDO DO DIREITO ELETRÔNICO
Para melhor compreender a relevância de inserir o Direito Eletrônico nas grades curriculares dos cursos de direito do Brasil, será necessário tecer algumas considerações sobre as universidades, principalmente, referente aos seus objetivos.
Segundo a doutora Elizabeth Silveira a universidade é uma das instituições que possui mais condições de preservar a cidadania e buscar o progresso, contudo, para isso deve entre outras coisas abandonar o apego ao presente para se comprometer com o futuro. (SILVEIRA, 2010)
No entanto, a maioria das instituições de ensino do curso de direito transmitem a idéia de que as questões envolvendo o Direito Eletrônico devem ser objeto de preocupações futuras e as deixam em segundo plano.
Observa-se que esta negligência por parte das entidades de ensino já está sendo percebida, confiram: "As grades curriculares dos cursos de graduação não estão acompanhando a tendência de inserir o estudo das novas tecnologias e das novas mídias que já se incorporaram ao nosso cotidiano". (ATHENIENSE, 2009, p. 1)
O Congresso Internacional de Direito Eletrônico promovido pelo Istituto Brasileiro de Direito Eletrônico – IBDE, também mostrou preocupação e debateu o tema: Ensino Jurídico e o Direito Eletrônico. Vejam o resultado na Carta de Curitiba:
ENSINO JURÍDICO: Renovando o já debatido no III Congresso Internacional de Direito Eletrônico, ocorrido em Maringá, Estado do Paraná, no ano de 2008, a academia deve passar a atender a demanda social, ampliando o debate acerca do Direito Eletrônico e sua inserção na matriz curricular dos cursos de Direito. O ensino do Direito Eletrônico, diante das modernas tecnologias, é de extrema relevância, mormente quando fundado no estudo dos Direitos Fundamentais, aliados à Filosofia, Sociologia, tratando-se, portanto, de matéria de natureza interdisciplinar.
Desse modo, percebe-se que não se trata de questões futuras, mas de problemas presentes na atual sociedade. Outro fator que prova isso é o elevado número de conflitos de interesses de competência do Direito Eletrônico que é possível encontrar na jurisprudência pátria.
Em contra partida, apesar de predominar a ausência da disciplina nos cursos de direito, algumas entidades de ensino já inseriram o Direito Eletrônico como disciplina específica em suas grades curriculares, no entanto, trata-se de disciplina facultativa.
Entre essas entidades estão a Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, Centro Universitário de Lavras, Unidade de Ensino Dom Bosco – UNDB, Instituto de Ensino Superior de Nova Venécia – INESV, Faculdade Boa Viagem – FBV, Universidade Federal de Goiás – UFG, Faculdade de Direito da Fundação Antônio Álvares Penteado – FAAP, Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, entre outras.
O fato da disciplina já fazer parte da grade curricular de algumas instituições de ensino, ainda que de modo facultativo, evidencia que a sociedade acadêmica está começando a perceber a necessidade de acompanhar as mudanças sociais e a importância do Direito Eletrônico.
Contudo, não é o suficiente.
O Direito Eletrônico deve integrar as grades curriculares dos cursos de direito o quanto antes e como disciplina obrigatória. Isso porque, os problemas relacionados ao Direito Eletrônico, que atingem todos os ramos do direito, são problemas que ocorrem cada vez com mais freqüência, conforme é possível verificar na jurisprudência pátria.
No mais, insta salientar que a tendência é dos avanços tecnológicos ocorrerem de forma cada vez mais veloz na atual sociedade. Isso significa dizer que os problemas jurídicos relacionados às tecnologias também se multiplicarão em pouco tempo, predominando nos assuntos jurídicos, de modo que, será imprescindível o seu estudo por parte dos graduandos.
Note-se que também por esse motivo a simples existência de pós graduação em Direito Eletrônico não é o suficiente para se buscar soluções dos inúmeros conflitos de interesses envolvendo tecnologias. A necessidade é da disciplina ser inserida na grade curricular dos cursos de direito como disciplina obrigatória.
Por outro lado, é importante observar que entre os objetivos das universidades está à socialização do saber. Segundo a doutora Elizabeth Silveira isto significa que "cabe a universidade estender os conhecimentos que produz à comunidade contribuindo para a resolução tanto dos crônicos problemas sociais quanto dos que vierem a surgir". (SILVEIRA, 2010, p. 1)
Com os avanços tecnológicos, principalmente nos setores da informática, da internet e das telecomunicações surgiram várias lacunas no direito, isto é, vários problemas sem solução como, por exemplo, a execução de um contrato virtual, a falta de penalização para certas condutas socialmente reprovadas, entre outras questões ainda não solucionadas pelo direito tradicional.
Referidas lacunas no direito faz com que pessoas lesadas não sejam ressarcidas e, conseqüentemente, que pessoas que praticam ilícitos, seja civil, penal, ou administrativo, fiquem impunes.
Com isso, podem aparecer sérios problemas sociais, como, por exemplo, a desvalorização do poder judiciário e o aparecimento mais freqüente da autotutela ou vingança privada, uma vez que a impunidade gera sensação de injustiça, principalmente daquele que foi lesado.
Por conta disso, as universidades, por possuírem o objetivo de tentar resolver os problemas sociais que vierem a surgir, devem implantar o Direito Eletrônico, uma vez que esse é o caminho mais coerente e eficaz para solucionar os problemas jurídicos e sociais, presentes e futuros, causados em virtude dos avanços tecnológicos. Afinal quanto mais acadêmicos estudando essas questões, mais soluções aparecerão.
Assim, é fácil perceber que a não implantação dessa disciplina no ensino superior jurídico poderá causar problemas sociais crônicos, como a insegurança jurídica e a sensação de injustiça da sociedade gerada pelas lacunas do direito. Ora, se um dos objetivos das universidades é solucionar tais problemas, nada mais certo do que incumbir a elas a obrigação evitá-los, utilizando-se do tão importante estudo do Direito Eletrônico.
Por outro lado, a formação de pesquisadores também constitui um dos objetivos mais relevantes das universidades. Por meio deles, a universidade consegue antever cenários futuros e, por conta disso, tem o dever de tomar medidas adequadas a fim de preparar os graduandos para esses novos desafios. (SILVEIRA, 2010, p. 1)
Novamente constata-se que a implantação do estudo do Direito Eletrônico no ensino superior jurídico certamente é a medida mais adequada a se tomar, haja vista que somente assim é possível preparar os profissionais da área para lidar com os conflitos advindos da evolução tecnológica.
Igualmente, as universidades devem oferecer espaço para o ineditismo, próprio da produção científica, e aceitar as inovações, próprias das tecnologias. Somente desta maneira, as universidades e as demais instituições de ensino poderão atender as novas exigências da sociedade. (SILVEIRA, 2010, p. 1)
A formação de profissionais na área do direito que saibam lidar com questões jurídicas atuais, isto é, que envolvam tecnologias é de competência das instituições de ensino. É delas o papel de lançar no mercado de trabalho um profissional realmente preparado.
Certamente, não há, nos dias atuais, como cumprir essa tarefa sem que o graduando estude o Direito Eletrônico. A doutrinadora Patrícia Peck Pinheiro, faz uma indagação pertinente sobre o tema, vejam:
A grade de ensino da graduação em direito não mais atende às exigências atuais do mercado de trabalho. Como passar cinco anos sem ser instruído sobre Privacidade Online, Crimes Eletrônicos, Territorialidade em Fronteiras da Informação, Coleta de Provas Eletrônicas, Processo Eletrônico, Fisco Eletrônico, Uso Social dos Direitos Autorais, Consumidor Online, Legítima Defesa na Internet, Perícia Digital, Distinção de Dolo e Culpa em Equipamentos computacionais, e tantos outros temas que desafiam o pensamento jurídico vigente no Brasil e também no mundo? (PINHEIRO, 2010, p. 67)
As instituições de ensino ao formarem bacharéis em direito, inserem no mercado de trabalho possíveis juízes, promotores, advogados, delegados de polícia, etc. Todos eles enfrentarão questões ligadas ao Direito Eletrônico e, por isso, precisam estar preparados.
A formação de profissionais despreparados para lidar com os problemas da sociedade da informação tecnológica é uma das principais conseqüências da ausência do Direito Eletrônico nos cursos de direito do Brasil.
Por outro lado, os estragos podem ser ainda maiores, pois o número de conflitos de interesses sem uma tutela jurisdicional ou com uma tutela jurisdicional inadequada levará a um desconforto social, uma sensação de injustiça na sociedade, por conseguinte, a perda da credibilidade do próprio direito.
Como pode ser observado, caso o Direito Eletrônico não se faça presente nos cursos de direito, as conseqüências podem ser desastrosas, tendo em vista que é, não apenas possível, mas provável que o próprio direito não cumpra o seu papel na sociedade.
3.2 DIFICULDADES DE INSERIR O DIREITO ELETRÔNICO NOS CURSOS DE DIREITO DO BRASIL
Tomando por base o que já foi apresentado é possível pensar em algumas dificuldades que o Direito Eletrônico encontra para ser inserido nas grades curriculares dos cursos de direito do Brasil.
Uma grande dificuldade sem dúvida é a falta de legislação específica sobre o assunto, que conforme visto coloca em dúvida inclusive a autonomia do Direito Eletrônico.
Com isso, os docentes, muitas vezes acomodados com as disciplinas tradicionais, procuram fugir do Direito Eletrônico por não se sentirem confortáveis diante da falta de um corpo legislativo sólido. Apesar de que, na maioria das vezes, o que há é um completo ou quase completo desconhecimento do que seja o Direito Eletrônico, e principalmente a sua importância no universo jurídico.
Poderia se pensar em inserir as questões de Direito Eletrônico na ementa das disciplinas tradicionais, não precisando criar uma disciplina autônoma, ou seja, acrescentaria, por exemplo, na ementa da disciplina de Direito Tributário, questões como o fisco eletrônico, a incidência de imposto sobre os programas de computadores, etc. Na ementa do Direito Penal acrescentaria os crimes eletrônicos, no conteúdo da disciplina Direito do Trabalho as questões pertinentes ao Direito Eletrônico e assim por diante.
Contudo, segundo a doutora Elizabeth Silveira, não é raro os professores se angustiarem com o volume de conhecimento estipulado nos programas das disciplinas em que ministram. (SILVEIRA, 2010, p. 1)
Se os professores já se encontram com um curto prazo de tempo considerando a quantidade de conteúdo das disciplinas que lecionam, acrescentar, ainda mais conteúdo seria uma proposta totalmente inadequada.
Nesse caso, ou uma quantidade significativa do conteúdo não seria passado em sala de aula, ou o conteúdo seria visto de maneira superficial. Tanto em um caso, quanto no outro, a conseqüência seria a mesma: continuaria a formação de profissionais despreparados para as questões trazidas com os avanços tecnológicos.
Cabe ressaltar que, ainda que houvesse a possibilidade de inserir as questões de Direito Eletrônico nas ementas, fazer isso seria inadequado, isto é, prejudicial para a aprendizagem. Isso porque um instituto do Direito Eletrônico, como, por exemplo, o Comércio Eletrônico, pode envolver questões de Direito Civil, de Direito Tributário, de Direito do Consumidor, de Direito Internacional, etc.
Assim, em cada uma dessas disciplinas, que são lecionadas em semestres diferentes, estudaria o mesmo Comércio Eletrônico, sendo que para a aprendizagem seria mais viável uma disciplina autônoma que fale de todos os pontos do Comércio eletrônico em seqüência em vez de ficar estudando fracionadamente o instituto durante todo o curso.
Essa medida sobrecarregaria as outras disciplinas, no sentido de que todas elas teriam em suas ementas diversos conteúdos referentes ao Direito Eletrônico que, na verdade poderiam ser lecionados em um semestre e, por conta disso, proporcionar aos alunos mais clareza e aos docentes um alívio, uma vez que diminuiria o conteúdo da ementas.
Ademais, para inserir o Direito Eletrônico nas grades curriculares dos cursos de direito haveria a necessidade de colocá-lo no lugar de outra disciplina. Isso, não constitui uma tarefa fácil, pois a maioria das universidades e faculdades, após um intenso estudo, construiu suas grades curriculares, considerando, todas as disciplinas ali inseridas como essenciais para a boa formação de seus profissionais.
Por outro lado, as dificuldades de acrescentar conteúdo de Direito Eletrônico nas ementas das disciplinas tradicionais já ministradas nas universidades e de substituir alguma disciplina da grade curricular faz surgir à idéia de aumentar a duração do curso de direito.
A resistência perante essa idéia pode ser enorme, contudo é sabido que o Direito, devido às mudanças sociais das últimas décadas se expandiu extraordinariamente. Com isso vários ramos do direito que tinham relevância reduzida ganharam destaque, como é o caso do Direito Agrário, Direito do Consumidor, Direito Ambiental, o próprio Direito Eletrônico, Direito Empresarial, entre outros. Com isso, o conteúdo a ser estudado no curso de direito também foi ampliado. (BERTASI, 2009, p. 1)
Vale a pena conferir um pouco mais dos ensinamentos de Maria Odete Duque Bertasi, vejam:
Ora, com a duração atual dos cursos e suas grades curriculares, as faculdades de ensino jurídico mal conseguem contemplar de forma satisfatória disciplinas tradicionais, como o Direito Civil, reconhecidamente básicas e fundamentais para todas as demais áreas do conhecimento jurídico e, como conseqüência, da prática eficaz deste saber por parte de advogados, magistrados e representantes do Ministério Público. (BERTASI, 2009, p.1)
Assim, a ampliação do curso de direito deve ser pensado como uma evolução natural do ensino jurídico que deve buscar acompanhar a tendência da sociedade, preparando profissionais para a realidade atual do mercado de trabalho.
Com o aumento da duração do curso de direito, a disciplina Direito Eletrônico poderia ser mais facilmente inserida nas grades curriculares. Além disso, os graduandos sairiam mais preparados aumentando a qualidade do ensino superior jurídico do Brasil.
Outra dificuldade do direito eletrônico em se desenvolver e integrar as grades curriculares se dá pelo fato de que, geralmente, as pessoas que possuem competência para inseri-lo nos cursos de direito são de perfil analogicus.
A doutrinadora Patrícia Peck Pinheiro define as pessoas com perfil analogicus, confiram:
Analogicus – bem presente entre os magistrados e advogados mais experientes e já com altas patentes, em geral, por ser mais comum acima dos 50 anos. Este perfil tem fobia à tecnologia. Aprendeu tudo na era do papel, do mundo mais físico e presencial. (PINHEIRO, 2010, p. 67)
As pessoas que ocupam os cargos mais elevados nas instituições de ensino, e também no governo, geralmente, são aquelas que possuem certa resistência quando se fala em Direito Eletrônico.
Referida resistência é uma dificuldade que deve ser quebrada, pois conforme exposto a ausência dessa disciplina no ensino superior jurídico pode trazer conseqüências desastrosas.
Do mesmo modo, pode-se dizer que o fato dos legisladores serem, em sua maioria, pessoas de perfil analogicus também contribui para a falta de legislação específica na área do Direito Eletrônico.
Outro ponto que cabe analisar é que o Direito Eletrônico é uma disciplina que requer dos discentes um conhecimento, no mínimo básico, dos demais ramos do direito.
Em razão disso, ao ser inserido na grade curricular, o Direito Eletrônico deve ser ministrado nos últimos semestres do curso, pois os graduandos já estudaram os principais ramos do direito, estando, desse modo, preparados para aprender o Direito Eletrônico.
Por conta disso, tem-se uma grade resistência quanto à inclusão do Direito Eletrônico nas grades curriculares dos cursos de direito do Brasil. Contudo, considerando a sua importância vale a pena buscar meios de superar todos os obstáculos apresentados.
3.3 PROPOSTAS PARA QUE O DIREITO ELETRÔNICO ALCANCE A SUAS FINALIDADES
Algumas medidas devem ser tomadas em relação ao Direito Eletrônico. Inicialmente deve-se corrigir a omissão que existe por parte do Estado no tocante às questões que dizem respeito a esse ramo do Direito.
A dificuldade de regulamentar as questões de Direito Eletrônico é grande devido a atual forma de relacionamento e de comunicação não presencial. Contudo, não é uma tarefa impossível.
O legislativo precisa passar a inserir no ordenamento jurídico normas gerais, mais flexíveis, dando ênfase nos princípios, relativizando o atual sistema positivado. Somente desse modo será possível regulamentar as questões de Direito Eletrônico.
O Estado já vem tentando regulamentar essas questões, conforme se verifica com o Anteprojeto da lei que estabelece o marco civil da Internet no Brasil. De forma inteligente o Estado publicou o Anteprojeto e vem oportunizando que os internautas colaborem na regulamentação da internet.
Vários internautas e estudiosos do Direito Eletrônico estão debatendo sobre os termos do Anteprojeto, a fim de que não haja falhas e omissão do Estado nos assuntos jurídicos ligados à Internet.
O professor de Direito Digital Marcel Leonardi acredita que o marco civil da internet no Brasil é um grande avanço, segundo ele a "disparidade entre decisões e falta de um arcabouço jurídico consistente na área de direito eletrônico podem gerar uma situação de insegurança jurídica." (LEONARDI, 2010, p. 1)
Desse modo, a falta de legislação sobre a matéria é o ponto mais grave, pois, conforme visto pode gerar uma insegurança jurídica em toda a sociedade, além de colocar em perigo a credibilidade do próprio direito.
Com uma legislação sobre as questões que envolvem o Direito Eletrônico ficará mais fácil inseri-lo nas grades curriculares dos cursos de direito do Brasil. No entanto, conforme visto, para que a disciplina realmente não enfrente barreiras para ser inserido no ensino superior jurídico, talvez seja necessário, além da legislação sobre as questões relacionadas a tecnologias, o aumento da duração do curso de direito.
Com o aumento da duração do curso de direito não haveria a necessidade de substituir disciplinas que já fazem parte da grade curricular. Além disso, o conteúdo das disciplinas, inclusive a do Direito Eletrônico, poderia ser transmitido com tranqüilidade e não de modo acelerado como muitas vezes ocorre atualmente até com as disciplinas tradicionais.
Por outro lado, enquanto o Estado não regulamenta as questões referentes ao Direito Eletrônico, deve-se preocupar em difundir, principalmente, na sociedade acadêmica as possíveis conseqüências da não inclusão do Direito Eletrônico no ensino superior jurídico.
Os profissionais ligados na área da educação jurídica, inclusive as de perfil analogicus, devem começar a perceber a real importância do estudo do Direito Eletrônico, pois, a partir disso acredita-se que efetivamente haverá uma mudança nas grades curriculares dos cursos de direito com o fim de inserir-lo como disciplina obrigatória.
Nesse sentido, as palavras do professor e advogado Alexandre Atheniense:
A demanda nas áreas relacionadas ao Direito e as novas tecnologias é inequívoca. Portanto, é dever das entidades de ensino mostrar estes caminhos aos alunos de Direito em busca de uma educação mais contextualizada. (ATHENIENSE, 2009, p. 1)
Contudo, cabe salientar que não basta inserir o Direito Eletrônico nas grades curriculares, para que a disciplina tenha sucesso e possa realmente preparar os formandos para o mercado de trabalho e melhorar a qualidade do ensino superior jurídico. Para tanto é necessário também algumas modificações quanto a metodologia de ensino.
Em 1971, alguns pensadores preocupados com a qualidade do ensino superior jurídico se reuniram e fizeram a denominada Carta de Juiz de Fora reconhecendo várias mudanças que deveriam ocorrer no curso de direito. (DIREITO, 1981, p. 1)
Referida reunião aconteceu em virtude da constatação da péssima qualidade do ensino superior jurídico da época.
Entre as medidas a serem tomadas estava "a indispensabilidade da reformulação da metodologia tradicional do ensino do direito no sentido de fazer com que o aluno participe ativamente no processo didático". (DIREITO, 1981, p. 1)
A participação do aluno em sala de aula é extremamente importante para a aprendizagem, pois quando o discente interage com o professor o conhecimento é melhor assimilado.
Vale ressaltar que, no mês de setembro de 2009 aconteceu o I Seminário Nacional de Educação Jurídica, oportunidade em que foi elaborada a Carta de Natal, reforçando o que já tinha sido debatido no ano de 1981 na Carta de Juiz de Fora.
Com isso, entre outros pontos importantes, a Carta de Natal estabelece que: "O Professor transformado em educador deve ser integrado no processo educacional, com estimulo à pesquisa e constante aproximação com o educando." (SARAIVA, 2010, p. 1)
Desse modo, tomando como base os ensinamentos da doutora Elisabeth Silveira, tem-se que o professor não pode definir tudo o que deve ser feito na sala de aula, controlar o tempo e as falas, desvalorizar aquilo que foge do seu conhecimento e expor apenas as verdades em que acreditam. (SILVEIRA, 2010, p. 1)
Fazendo isso, os alunos tornam-se meros sujeitos passivos, que apenas ouve, sem nenhuma participação no processo de aprendizagem, quando na verdade o professor deveria desafiar os alunos, fomentar a capacidade deles de problematizar, levando eles a buscarem respostas próprias. (SILVEIRA, 2010, p. 1)
Assim, relacionando como deve ser o papel do professor em sala de aula com as peculiaridades do Direito Eletrônico como, por exemplo, o fato de não possuir temas com soluções prefixadas, chega-se a conclusão de que essa disciplina facilita o docente a utilizar o método de ensino acima exposto.
O Direito Eletrônico, por ser constituído de temas novos e muitas vezes sem solução, propicia a aplicação do moderno modelo do ensino-aprendizagem, colocando os alunos para construir o conhecimento, debatendo os problemas, participando ativamente, criando e contribuindo efetivamente com novas descobertas e teorias.
Assim, o professor em vez de trazer conceitos preconcebidos pode desafiar os alunos a resolver as celeumas existentes. Nessa situação, o Estado teria os acadêmicos como verdadeiros aliados na busca de soluções dos problemas relacionados ao Direito Eletrônico.
Contudo, os professores deveriam passar por uma reciclagem, se capacitando tanto em relação ao conteúdo da disciplina Direito Eletrônico, quanto ao método de ensino a ser utilizado em sala de aula.
Essa reavaliação do método de ensino é extremamente importante, pois há a necessidade que o discente realmente adquira certo grau de conhecimento nos assuntos ligados ao Direito Eletrônico, pois somente assim as entidades de ensino cumprirão com a finalidade de formar profissionais preparados para o mercado de trabalho.
Com a implantação do Direito Eletrônico e com a sua correta aplicação em sala de aula, não apenas aumentaria a qualidade do ensino superior jurídico ao lançar profissionais realmente preparados no mercado de trabalho, mas também evitaria todas as possíveis conseqüências da sua não inserção nas grades curriculares dos cursos de direito do Brasil.
Espera-se que tais providências sejam tomadas o quanto antes, pois as instituições de ensino que não adotarem o Direito Eletrônico certamente serão menos apreciadas do que aquelas que enxergaram a necessidade de acompanhar as transformações sociais e integraram em suas grades curriculares o Direito Eletrônico a fim de continuar alcançando seus principais objetivos.