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O incidente de uniformização dos arts. 476 a 479 do Código de Processo Civil

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A despeito de ser um dos mais velhos institutos do CPC tendentes a uniformizar a jurisprudência, ainda precisa ser alvo de maiores reflexões face ao cenário em que se encontra o direito processual civil.

Sumário • Resumo – 1. Introdução – 2. Nomenclatura, definição, finalidade e considerações outras – 3. Móbil do incidente uniformizador – 4. Diferenciação de outros institutos – 5. Pressupostos – 6. Procedimento – 7. Novas reflexões acerca do velho instituto – 8. Conclusões – 9. Referências bibliográficas.


RESUMO

O presente trabalho apresentará novas reflexões relacionadas ao incidente de uniformização dos arts. 476 a 479 do Código de Processo Civil.

pALAVRAS-CHAVE: Incidente de uniformização – Arts. 476 a 479 do Código de Processo Civil – Novas reflexões.


1. introdução

No âmbito da atividade jurisdicional, a segurança jurídica [01] é alcançada não apenas pela imutabilidade [02] das decisões [03], mas também pela previsibilidade [04] dos seus resultados [05]. ROCHA (2005:168), apesar de enfocar o primeiro ponto, deixa antever que a segurança jurídica também rende tributo à previsibilidade, ao passo que é colocada como essencial à credibilidade e à eficácia jurídica e social do ordenamento:

A segurança jurídica é o direito da pessoa à estabilidade de suas relações jurídicas. Este direito articula-se com a garantia da tranqüilidade jurídica que as pessoas querem ter; com a certeza de que as relações jurídicas não podem ser alteradas numa imprevisibilidade que as deixe instáveis e inseguras quanto ao seu futuro, quanto ao seu presente e até mesmo quanto ao seu passado. Segurança jurídica diz, pois, com a solidez do sistema. É desta qualidade havida no ordenamento que emana a sua credibilidade e a sua eficácia jurídica e social.

E não haveria de ser diferente porque a previsibilidade é indispensável para que o próprio jurisdicionado tenha condições de fazer a análise [06] das suas atividades (se pautadas ou não pela justeza), a partir dos resultados que sabe poder esperar [07]. Passa-se, então, a ser intolerável "tentar a sorte" através da prestação jurisdicional como justificativa para desrespeitar a antevista esfera jurídica do próximo.

Sendo a previsibilidade consectária da segurança jurídica, apresenta-se como necessária a resolução [08] igualitária dos "casos idênticos" [09] (demandas onde os fatos, durante mesmo período histórico, são repetidos) [10]. Aliás, nas palavras de RUBIO LLORENTE (1995:68), a segurança jurídica "está ínsita la confianza del ciudadano em que su caso ou su pretensión será resuelta o merecerá respuesta que se dio em casos anteriores o iguales".

E mais: ao resolver casos idênticos de forma igualitária (a partir de um precedente constituído no âmbito da economia processual [11]), acaba-se por afirmar a isonomia [12] e a duração razoável do processo [13] e, por conseguinte, a legitimação dos pronunciamentos jurisdicionais [14] – sem contar que "a uniformidade na interpretação e aplicação do direito é um requisito indispensável ao Estado de Direito" [15].

Decorre, portanto, a intensa necessidade de se uniformizar os pronunciamentos jurisdicionais, a fim de formar a jurisprudência (entendida como sendo um conjunto de decisões repetidamente proferidas em idêntico sentido) pelo respeito ao precedente judicial. Somente assim é que aquela pode ser vista como uma fonte do direito e não como simples argumento da pretensão processual.

Ciente destas circunstâncias, o legislador inseriu [16], no ordenamento jurídico brasileiro, vários institutos com a finalidade de uniformizar os pronunciamentos jurisdicionais [17]. Um destes é o intitulado "incidente de uniformização de jurisprudência", descrito essencialmente nos artigos 476 a 479 do Código de Processo Civil (desde a redação originária).


2. NOMENCLATURA, DEFINIÇÃO, FINALIDADE E CONSIDERAÇÕES OUTRAS

O ‘nomen iuris’ atribuído pelo legislador ao instituto não foi o mais preciso, porquanto não revela sua verdadeira essência. Realmente, a nomenclatura é digna de crítica, considerando-se que a conjunção dos vocábulos empregados proporciona uma antinomia. É que, se a jurisprudência é um conjunto de julgados encetados repetidamente no mesmo sentido, tornar-se-ia desnecessária a sua uniformização.

Numa primeira tentativa de compreensão do instituto, o que geralmente ocorre com a análise da nomenclatura que lhe atribuída [18], o leitor quedar-se-ia em erro, traído pela imprecisão terminológica empregada pelo texto legal. Não se poderia censurar quem, decifrando a expressão legal, concluísse que o instituto teria uma finalidade oca, utilizando-se para isso a premissa de que a jurisprudência é um conjunto de decisões harmônicas, sendo desnecessária a sua uniformização (a despeito de não se desconhecer a possibilidade de existir "jurisprudência dominante" [19]).

Também é falha a nomenclatura, porque aponta para uma "uniformização" que não necessariamente ocorrerá [20]. É bem verdade que o julgamento do incidente, quando definido em mesmo sentido por quantidade de votos superior à maioria absoluta, enseja a edição de enunciado que compõe a súmula [21] de jurisprudência do tribunal respectivo. Todavia, ele não é vinculante [22] aos demais casos idênticos [23] (embora, no plano ideal, devesse ser). Pior ocorre quando o julgamento dá-se por maioria simples, pois nem a edição de enunciado é proporcionada (é, para a maior parte daqueles que representam a doutrina pátria [24], simples orientação para o caso concreto [25]). Neste trilhar, não se pode falar em "uniformização". É apenas uma tentativa de alcançá-la.

Assim, para ser mais fiel ao significado epistemológico, o instituto deveria ser chamado apenas de "incidente com intuito de uniformização". Caso se desejasse ser mais prolixo, com o intuito de tentar conceituar [26] o instrumento (o que não é o mais indicado [27]), poder-se-ia chamá-lo de "incidente com intuito de uniformização de normas jurídicas concretas destoantes", ou "incidente com intuito de uniformização de precedentes jurisdicionais dissonantes". Enfim, qualquer nomenclatura que, pelo menos, não atentasse o raciocínio jurídico.

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Aqui será utilizada a nomenclatura "incidente de uniformização", por entender que, conquanto não seja vinculativa a decisão proferida pelo órgão plenário, ela pelo menos deve ser orientadora (sendo poucos aqueles que, localizados na hierarquia da organização judiciária em órgão inferior e conhecendo o conteúdo da decisão uniformizadora, insurgir-se-ão contra [28]).

Adotada esta nomenclatura, pode-se dizer que o incidente de uniformização [29] é instituto processual que objetiva evitar, dentro de um mesmo tribunal, a continuidade de interpretações desarmônicas sobre idênticas questões jurídicas, fazendo com que o entendimento interno seja uniformizado a partir da adoção da tese jurídica considerada "correta" [30].

Nos dizeres de SOUZA (2009:351), "o instituto de uniformização de jurisprudência previsto no artigo 476 do Código de Processo Civil é o incidente processual de competência exclusiva dos tribunais judiciários cujo escopo é a pacificação da divergência ‘interna corporis’ acerca da interpretação do direito em tese".

Apesar de se buscar a pacificação da divergência [31], não se quer dizer que o órgão competente para conhecer o incidente e, por consequência, definir a tese jurídica tida como "correta" (a ser observada, pelo menos, no caso concreto em que o instrumento em estudo foi suscitado) tenha de escolher alguma [32] entre as destoantes [33]. A "incorreção" (pela não adoção da tese jurídica entendida como sendo a "correta" [34]) pode se verificar em todos os pronunciamentos jurisdicionais anteriores, que ensejaram a instauração do incidente, pelo que o órgão julgador do incidente não está adstrito à obrigatória adoção de uma das teses jurídicas destoantes. Ele deve (pelo menos tentar) alcançar a tese jurídica "correta", não se descartando a hipótese de aquela escolhida pelo órgão uniformizador não ser a "correta" para o período histórico respectivo, pelo que, depois, pode ser modificada (inclusive em retorno a uma das teses superadas).

Traçado este horizonte, importa revelar que o incidente de uniformização é destinado a fazer com que seja alcançada a unidade dos pronunciamentos internos de determinado tribunal, não servindo (pelo menos de forma imediata) para que um unifique os pronunciamentos de outro(s) tribunal(is) [35]. NERY (2001:921) compartilha deste entendimento, ao professorar que o incidente "é destinado a fazer com que seja mantida a unidade da jurisprudência interna de determinado tribunal". Todavia, unificado o entendimento interno de um tribunal (principalmente aqueles alocados, dentro da organização judiciária interna, em superposição [36]), tal fato poderá influir no posicionamento de outros, fazendo com que eles, não por imposição, mas muitas vezes por orientação (assim como é a jurisprudência como fonte de direito [37]), unifique internamente seus pronunciamentos, independentemente da instauração de incidente local. Até porque prevalece o sentimento comum, ínsito ao ser humano, de que a maior injustiça não é o erro generalizado de aplicação do direito (passível de ocorrência pela instauração do incidente de uniformização), mas, sim, a existência de prestação jurisdicional dissonante a casos idênticos. É preferível que todos os casos idênticos sejam tratados igualmente, ainda que de forma "equivocada", do que apenas alguns alcancem a "correta" prestação jurisdicional.

Noutras palavras: o valor justiça está sempre imbricado à igualdade, pelo que deve ser vencida a dissonância [38]. Os tribunais, deste modo, tendem a seguir orientação delineada por outros, fazendo-se, presentemente, de fundamentação "per relationem" ou "aliunde".


3. MÓBIL DO INCIDENTE UNIFORMIZADOR

O incidente de uniformização de jurisprudência possui semelhante móbil que levou o legislador a possibilitar a interposição de recurso especial com fundamento em dissídio jurisprudencial [39]. De fato, se é inaceitável que o direito seja aplicado de forma diversa entre os tribunais (pelo que se autoriza a interposição de recurso especial fundado na alínea "c" do art. 105 da constituição Federal), a diversidade de interpretação dentro do mesmo tribunal (ou seja, intra muros) é ainda mais intolerável. Contudo, sua natureza jurídica não é de recurso, mas sim de incidente processual facultativo (não obriga o órgão judicial a aceitá-lo – conforme: STJ, REsp 3835/PR, DJU 29.10.90) e de caráter preventivo (pelo que o pedido de uniformização pode ser provocado somente até antes de finalizado o julgamento dos recursos, do reexame necessário, ou da apreciação de causas de competência originária dos tribunais).

É preciso, porém, adotar os corretos parâmetros para que sejam afinadas as conclusões logo encimadas (de que o incidente de uniformização é "facultativo" e "preventivo".

Quando se defende o caráter preventivo do incidente de uniformização, adota-se como ponto de referência o caso concreto que ensejou a instauração. Evita-se a "injustiça" do julgamento proporcionada pela dissonância jurisprudencial existente. Assim, finalizado o julgamento, as partes, os terceiros interessados, o Ministério Público e o próprio juiz votante (componente do órgão fracionário) não poderão mais suscitar a instauração. Contudo, se for considerada uniformização como ponto de referência, tem-se que o instituto corrige (ou pelo menos deveria corrigir) o problema da dissonância de pronunciamentos internos.

Assim, dependendo do ponto de referência, é que se pode definir o seu caráter (se preventivo [no sentido de evitar julgamentos injustos] ou corretivo [no sentido de corrigir a divergência jurisprudencial interna]. O Superior Tribunal de Justiça, em seus pronunciamentos, quando diz ser "preventivo" o instituto, considera o julgamento do caso concreto [40] e não o afastamento da dissonância interna.

Noutra toada, conquanto alguns defendam que o pedido de instauração (ou sua provocação judicial) do incidente de uniformização seja uma "faculdade" (vocábulo que se contrapõe à "obrigação", sendo esta a posição do Superior Tribunal de Justiça [41]), não deixa de ser é um dever (obrigação "ex lege") para os legitimados [42], por ser a divergência interna nefasta a valores de ordem constitucional [43], devendo, por isso, ser superada. Reconhecida a necessidade de uniformização, face à verificação atual de pronunciamentos internos destoantes, o incidente deve ser instaurado se apresentando como o remédio adequado [44].

Adiante, no item "Novas considerações acerca do velho instituto", serão tecidas considerações mais aprofundadas acerca do dever de instauração do incidente de uniformização. Passa-se, agora, a traçar os pontos que diferenciam o instituto em análise de outros de finalidade semelhantes, previstos no Código de Processo Civil.


4. DIFERENCIAÇÃO DE OUTROS INSTITUTOS

O incidente de uniformização se assemelha, pelo menos na sua finalidade, a outros institutos delineados pelo CPC. Um deles é o incidente de relevância (também chamado de delegação de competência [45] ou de uniformização de jurisprudência preventiva [46]), previsto no art. 555, § 1º, do CPC. Este dispositivo diz que, ocorrendo relevante questão de direito, que faça conveniente prevenir ou compor divergência entre câmaras ou turmas do tribunal, poderá o relator propor seja o recurso julgado pelo órgão colegiado que o regimento indicar. Reconhecendo o interesse público na assunção de competência, esse órgão colegiado julgará o recurso.

SOUZA (2009:379), ao tratar do incidente de relevância preleciona que:

Se o recurso versar sobre questão de direito já controvertida no tribunal, o relator pode sugerir a transferência da competência para colegiado "ad quem". O mesmo pode ocorrer para prevenir futura divergência "intra murus". Aliás, não só o relator, mas qualquer magistrado da turma ou da câmara pode suscitar o incidente do § 1º do art. 555. Também as partes e o Ministério Público têm legitimidade para arguição. A previsão legal explícita em favor do relator ocorre apenas em razão da maior probabilidade de o incidente poder ser suscitado pelo magistrado responsável pelo processamento do recurso no tribunal, além da redação do relatório.

Se a conveniência da afetação for declarada pela maioria da turma ou câmara, os autos são remetidos ao órgão coletivo "ad quem". Se igualmente reconhecida a existência de controvérsia acerca da questão de direito, ocorre o julgamento imediato do próprio recurso pelo colegiado maior, com participação dos respectivos magistrados. Com efeito, se o incidente de transferência de competência for deferido nos colegiados originários e superior, o próprio recurso é julgado desde logo pelo órgão coletivo "ad quem". Em contraposição, se o incidente de afetação de competência for rejeitado, o recurso é julgado na própria turma ou câmara, mas apenas com a participação dos respectivos magistrados.

O incidente de relevância não se confunde com o de uniformização [47], primeiramente, porque a sua finalidade é prevenir a divergência jurisprudencial, enquanto que o incidente de uniformização a harmoniza. Outra, porque, se for reconhecida a relevância da questão jurídica, o órgão competente para decidir o incidente de relevância (órgão plenário) é o mesmo que julgará o recurso [48]. Enquanto isso, no incidente de uniformização, há uma cisão no julgamento: o órgão plenário tem a função de definir a tese jurídica "correta" a ser aplicada, enquanto que o órgão fracionário de origem julga o caso concreto [49].

O incidente de uniformização, igualmente, não se confunde com os embargos de divergência [50], que é espécie recursal [51] admissível perante STF e STJ e se presta a eliminar divergência jurisprudencial interna causada por turma do respectivo tribunal (com sua interposição, a parte recorrente objetiva, em consequência da uniformização jurisprudencial proporcionada, o alcance da pretensão deduzida em sede de recurso extraordinário ou especial).

Os embargos de divergência têm natureza recursal, enquanto que o instrumento em estudo é incidente processual. O recurso tem finalidade corretiva, enquanto que o incidente, preventiva (pelo menos à luz do caso concreto). Além disso, o recurso só é cabível para atacar decisão proferida pelos órgãos fracionários do STJ ou do STF, enquanto que o incidente pode ser interposto quando do julgamento de recurso, reexame necessário e ação originária em trâmite nos tribunais locais. Outro ponto de diferenciação: de acordo com copiosos precedentes jurisprudenciais [52], não cabe a instauração do incidente de uniformização perante o Supremo Tribunal Federal (face ao silêncio do seu regimento interno e à existência de outros institutos que alcançam a mesma finalidade) sendo lá, ao contrário, possível a interposição de embargos de divergência.

Acerca deste último ponto de diferenciação (impossibilidade instauração do incidente de uniformização perante o Supremo Tribunal Federal), serão tecidas considerações específicas no item "Novas reflexões acerca do velho instituto". No momento presente, serão identificados e analisados os pressupostos de admissibilidade do incidente de uniformização.


5. Pressupostos

Os pressupostos para a admissibilidade do incidente de uniformização são: a) julgamento em curso; b) questão de direito envolvida com o recurso, reexame necessário ou ação de competência originária do tribunal; c) solução dessa questão de direito seja prejudicial ao julgamento restante do recurso, reexame necessário ou a ação de competência originária; d) divergência interna.

Vejam-se cada um deles separadamente:

a)Julgamento em curso: a tempestividade, aferida pelo julgamento em curso, é pressuposto de admissibilidade do incidente de uniformização. A instauração deve anteceder o julgamento colegiado, havendo, desse modo, de ser suscitado por algum dos legitimados até a sustentação oral (exceto no caso de algum juiz votante que, antes de concluído o julgamento, pode arguir a necessidade de instauração [53]).

Até porque o incidente de uniformização, adotando-se como ponto de referência o caso concreto, possui caráter preventivo (e não corretivo). Por este motivo, só pode ser requerido pelas partes, interessados ou pelo Ministério Público nas razões recursais, nas contra-razões, por simples petição ou em sustentação oral antes, logicamente, de finalizado o respectivo julgamento.

Incluído neste cenário, não se presta o incidente (pelo menos em regra) para uniformizar o julgamento já proferido a outro, do mesmo Tribunal, ainda que através de embargos de declaração (pois que estes visam apenas o aperfeiçoamento do pronunciamento jurisdicional). Esta questão será especificamente enfrentada no tópico "Novas reflexões acerca do velho instituto", disposto adiante.

b)Questão de direito envolvida com o recurso, reexame necessário ou ação de competência originária do tribunal: questão de direito é aquela que trata de uma situação jurídica que deve ser resolvida sem que se tenha de levar em consideração os fatos ocorridos e a sua avaliação enquanto fatos. O incidente se adstringe às questões de direito, porquanto mais abrangentes. Não se justificaria a instauração do incidente para definir a interpretação de questões de fato, porque estas, no mais das vezes, alcançam um universo reduzido de pessoas. Mobilizar a composição do órgão plenário (ou especial) para definir questões de fatos seria economicamente inviável, além do que desprestigiaria o poder de decisão dos órgãos fracionários [54].

Também, a questão, além de ser de direito, deve estar envolvida com o recurso, reexame necessário ou ação de competência originária, porque o incidente só pode ser suscitado perante ou por órgão colegiado integrante do tribunal. Não é possível suscitar o incidente perante ou por órgãos monocráticos. É necessário que o caso concreto esteja sendo analisado diretamente por órgão colegiado fracionário do tribunal. Se a competência originária for do órgão plenário, é desnecessária a instauração do incidente, porque o próprio julgamento delineia a orientação a ser seguida. Não haveria interesse.

c)Solução dessa questão de direito seja prejudicial ao julgamento restante do recurso, reexame necessário ou a ação de competência originária: o incidente de uniformização de jurisprudência tem como consequência a subordinação da decisão colegiada à solução de uma questão jurídica [55] dada pelo órgão uniformizador, sendo esta premissa necessária daquela.

Se não houvesse esta "relação de prejudicialidade", não se justificaria a instauração do incidente. Primeiramente, porque atentaria a economia processual. Outra, porque não se poderia proceder a um "julgamento em abstrato", o qual não seria aproveitado ao caso em deslinde. Por estes motivos, é pressuposto do incidente de uniformização de jurisprudência que a divergência interna acerca de interpretação de questões de direito seja prejudicial ao julgamento definitivo a ser proferido pelo órgão colegiado.

d)Divergência interna: o Código de Processo Civil pontua que o incidente poderá ser instaurado quando, acerca da interpretação do direito: I) verificar que, a seu respeito, ocorre divergência; II) no julgamento recorrido a interpretação for diversa da que lhe haja dado outra turma, câmara, grupo de câmaras ou câmaras cíveis reunidas.

Se a divergência for entre julgados [56] de diferentes tribunais, o remédio processual útil não é o incidente de uniformização. Portanto, a divergência, necessariamente, tem que ser interna ao tribunal. Para que ela exista, deve ser atual. Se a questão tiver sido uniformizada por incidente anterior, pelos precedentes mais recentes da corte, ou mesmo por precedentes de tribunais hierarquicamente superiores, a inadmissibilidade se justifica por ser o incidente desnecessário.

Outrossim, não importa a qualidade da divergência interna (se constitucional federal ou legal federal). Para BUENO (2009:367), "o incidente aqui tratado diz respeito à divergência porventura existente sobre qualquer tese jurídica, sendo de todo indiferente sua hierarquia ou fonte normativa", em qualquer que seja o tribunal. Possibilita-se, inclusive, a instauração do incidente perante o Superior Tribunal de Justiça, para resolver divergência acerca de questão jurídica que envolva matéria constitucional (o que não é uma regra, mas sim uma exceção, conforme será mostrado a seguir no item "Novas reflexões acerca do velho instituto").

Sobre os autores
Rinaldo Mouzalas de Souza e Silva

Mestre em Processo e Cidadania pela Universidade Católica de Pernambuco. Especialista em Processo Civil pela Universidade Potiguar. Graduado em ciências jurídicas e sociais pela Universidade Federal da Paraíba. Membro da ANNEP – Associação Norte e Nordeste dos Professores de Processo. Advogado e consultor jurídico.

Ilcléia Cruz de Souza Neves Mouzalas

Aluna especial do Mestrado em Processo em Cidadania pela Universidade Católica de Pernambuco. Especialista em Direito Penal e Criminologia bem como em ciências criminais lato sensu. Promotora de Justiça no Estado da Paraíba.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Rinaldo Mouzalas Souza; MOUZALAS, Ilcléia Cruz Souza Neves. O incidente de uniformização dos arts. 476 a 479 do Código de Processo Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2879, 20 mai. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19155. Acesso em: 2 mai. 2024.

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