Resumo
Este trabalho tem como objetivos conhecer requisitos de admissibilidade do Recurso Especial e do Recurso Extraordinário e as recentes inovações na matéria, discutindo os possíveis reflexos, na defesa das partes, das limitações impostas à admissibilidade de tais recursos.
Além das restrições contidas na Constituição Federal de 1988 e no Código de Processo Civil, analisam-se as mais recentes mudanças legislativas e a jurisprudência dos tribunais superiores, quanto à interpretação das normas relativas à admissibilidade recursal.
Por essa razão, afirma-se que os institutos processuais que limitam a admissão dos mencionados recursos, a despeito de buscarem uma maior celeridade e efetividade do processo, muitas vezes dificultam o exercício dos direitos das partes, implicando em restrição à garantia constitucional do acesso à prestação jurisdicional.
O trabalho é dividido de modo que serão analisados, primeiramente, os requisitos de admissibilidade dos recursos estudados e, depois, serão investigadas as mais recentes mudanças ocorridas, que influenciam na redução da quantidade de recursos admitidos no STF e no STJ, buscando contrapô-las a possíveis conseqüências, para as partes, da limitação da quantidade de recursos admitidos nas instâncias superiores.
Palavras-chave: Direito Constitucional/ Garantia constitucional/Acesso à Justiça/Direito Processual Civil/Recurso Especial e Recurso Extraordinário/ Requisitos de admissibilidade/Jurisprudência.
Índice:1.Garantia Constitucional do Acesso à Justiça. 2.Recursos Excepcionais na Constituição Federal de 1988. 3.Requisitos de Admissibilidade dos Recursos Excepcionais. 4.Classificação dos Requisitos de Admissibilidade. 4.1.Requisitos Intrínsecos. I-Cabimento. a)Prequestionamento. II- Legitimidade para recorrer. III- Interesse recursal. 4.2.Requisitos Extrínsecos. I- Tempestividade. II - Regularidade formal. III- Inexistência de fato impeditivo ou extintivo do direito de recorrer. IV- Preparo. 5.Novas Limitações à Admissibilidade dos Recursos Excepcionais. 5.1.Repercussão geral da questão constitucional no recurso extraordinário. 5.2.Súmulas vinculantes do STF. 5.3.Recursos repetitivos no STJ. 6.Conclusões. 7.Referências Bibliográficas
Introdução
O Recurso Especial e o Recurso Extraordinário, previstos na Constituição Federal de 1988 têm sido alvo de amplos debates doutrinários e jurisprudenciais, principalmente nos últimos anos, ante as várias mudanças ocorridas nas normas processuais.
Além disso, tais recursos têm merecido especial atenção do legislador, dos tribunais superiores e da doutrina porque são apontados como o responsáveis pela denominada "crise do Poder Judiciário", verificada antes da atual Carta Magna, quanto ao STF, mas, ao que parece, tem se repetido, no âmbito do STJ.
Tais cortes, para não verem suas atribuições inviabilizadas pela crise, causada pela imensa quantidade de feitos judiciais levados à sua apreciação, buscam meios de filtrar os recursos Especial e Extraordinário que serão, efetivamente, analisados.
Portanto, os requisitos de admissibilidade constituem poderosa ferramenta de triagem dos recursos cujo mérito será apreciado por tais tribunais.
Em contrapartida, os litigantes, de modo geral, têm se deparado com crescentes obstáculos para que seus recursos sejam julgados pelas instâncias extraordinárias.
Assim, serão analisados os reflexos dos requisitos de admissibilidade do Recurso Especial e do Recurso Extraordinário, e sua influência na limitação do acesso à Justiça.
1. Garantia Constitucional do Acesso à Justiça
A atual Carta Magna prevê vários direitos relacionados aos litigantes e ao processo judicial, qualificados de garantias, que devem ser resguardadas pelo Poder Público. Tais garantias são reflexos do Estado Democrático de Direito em que é constituída a República Federativa do Brasil.
São elas: Devido Processo Legal (art. 5º, LV); Isonomia (art. 5º, caput e I); Juiz Natural (art. 5º, XXXVII e LII); Inafastabilidade do Controle Jurisdicional (5º, XXXV); Contraditório e Ampla Defesa (art. 5º, LIV e LV); Vedação da Prova Ilícita (art. 5º, LVI); Duplo Grau de Jurisdição; Publicidade dos Atos Processuais (art. 5º, LX e art. 93, XI); Motivação das Decisões Judiciais (art. 93, XI); Razoável Duração do Processo ou Celeridade Processual (art. 5º, LXXVIII, introduzida pela emenda Constitucional nº 45/2004).
Todavia, a despeito de haver previsão constitucional de tais garantias, verifica-se que uma delas tem sido alvo de crescentes restrições: a da inafastabilidade do controle jurisdicional, também denominada de "inafastabilidade da jurisdição", "direito de ação", princípio do livre acesso ao Judiciário", "princípio da ubiqüidade da Justiça", "acesso à ordem jurídica justa", "acesso à Justiça", "acesso ao Judiciário" [01] ou "direito à tutela jurisdicional efetiva" [02], notadamente no tocante à admissibilidade dos chamados recursos excepcionais junto ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça.
O acesso à Justiça é garantia prevista no art. 5º, XXXV, CF-88, que assim dispõe: "A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito".
O direito de ação surgiu com a Carta de 1946 e constituiu em inovação na ordem jurídica, à época, pois a ausência de tal garantia possibilitava a ocorrência de sujeição dos indivíduos aos arbítrios do Estado, diante da atitude omissiva dos tribunais. Através de tal direito, todos têm acesso à justiça para pleitear tutela jurisdicional preventiva ou reparatória a lesão ou ameaça de lesão a um direito, seja individual, coletivo, difuso ou homogêneo. Constitui, portanto, um direito público subjetivo, decorrente da assunção estatal de administração da justiça, conferido ao homem para invocar a prestação jurisdicional, relativamente ao conflito de interesses qualificado por uma pretensão irresistível. Consiste num direito subjetivo, genérico, abstrato e incondicionado, dado a todos, sem quaisquer distinções. [03]
Zaneti Júnior [04] entende que tal garantia alcança, também, o inciso LXXIV, do art. 5º, da CF-88 ("o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos"). Entretanto, não concordamos com tal posicionamento, razão pela qual será analisada tal garantia apenas no âmbito do citado inciso XXXV, do art. 5º, da CF-88.
Tal garantia sofreu exceções históricas, em períodos de não-vigência do Estado de Direito, condicionadas à manutenção do Estado autoritário. Desaparecido este, restaura-se a plenitude da acessibilidade ao Poder Judiciário. [05]
Como garantia constitucional, o acesso à Justiça não é absoluto, sujeitando-se aos limites das normas processuais pertinentes, conforme já manifestado pelo Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Agravo de Instrumento nº 209.860-6/PB [06] e o Recurso Extraordinário nº 172.084/MG [07], e nos seguintes termos:
Os princípios constitucionais que garantem o livre acesso ao Poder Judiciário, ocontraditório e a ampla defesa, não são absolutos e hão de ser exercidos, pelos jurisdicionados, por meiodas normas processuais que regem a matéria, não seconstituindo negativa de prestação jurisdicional e cerceamento de defesa a inadmissão de recursos quando não observados os procedimentos estatuídos nas normas instrumentais. [08]
Também, como observa Lenza, tal garantia comporta exceções, quais sejam: Justiça desportiva (art. 217, §§ 1º e 2º, CF-88); habeas data (Lei nº 9.507∕97) e arbitragem (Lei nº 9.307∕96). Bastos e Martins apontam também como exceções ao princípio o julgamento do Presidente da República por crime de responsabilidade, de competência do Congresso Nacional e atos interna corporis dos outros dois poderes da República. [09] A existência de exceções reforça a tese de inexistência de caráter absoluto da citada garantia.
Parte da doutrina, entretanto, tem conferido maior amplitude à garantia mencionada. Citando Kazuo Watanable, Dinamarco [10], por exemplo, define o acesso à Justiça como acesso à ordem jurídica justa, ou seja, obtenção de justiça substancial. Segundo o mesmo autor [11], "não obtém justiça substancial quem não consegue sequer o exame de suas pretensões pelo Poder Judiciário".
Marinoni [12], no mesmo sentido, pondera o seguinte:
Tal direito não poderia deixar de ser pensado como fundamental, uma vez que o direito à prestação jurisdicional efetiva é decorrência da própria existência dos direitos e, assim, à contrapartida da proibição da autotutela. O direito à prestação jurisdicional é fundamental para a própria efetividade do ordenamento jurídico, uma vez que esse último, diante das situações de ameaça ou agressão aos direitos, sempre resta na dependência da plena realização do primeiro. Não é por outro motivo que o direito à prestação jurisdicional efetiva já foi proclamado como o mais importante dos direitos, por constituir o direito a fazer valer os próprios direitos.
Assim, parte da doutrina entende que o acesso à Justiça não significa apenas a apreciação da lide pelo Poder Judiciário, que pode ocorrer sem que seja examinado o mérito, mas traduz-se em efetiva análise da causa posta sob tutela jurisdicional.
Continua Marinoni [13]:
O direito à tutela jurisdicional não é apenas o direito ao procedimento idôneo. O direito à tutela jurisdicional é o direito à participação através do procedimento idôneo a prestação jurisdicional efetiva. Engloba, desse modo, o direito ao procedimento, o direito à participação nesse procedimento e, por fim, o direito à resposta do juiz.
O STF já proferiu julgamento no sentido de que "A garantia constitucional alusiva ao acesso ao Judiciário engloba a entrega da prestação jurisdicional de forma completa, emitindo o Estado-juiz entendimento explicito sobre as matérias de defesa veiculadas pelas partes. Nisto está a essência da norma inserta no inciso XXXV do artigo 5. da Carta da República." [14]
Seja a garantia entendida em sentido mais amplo (análise da causa pelo poder Judiciário, com efetiva manifestação sobre as questões discutidas) quanto no sentido mais restrito (apreciação da causa pelo Judiciário, mesmo sem análise de mérito), verifica-se que a inafastabilidade do controle jurisdicional tem sofrido crescentes limitações, notadamente na admissibilidade dos recursos excepcionais, como será exposto.
2. Recursos Excepcionais na Constituição Federal de 1988
Os recursos excepcionais abrangem aqueles que, como a própria nomenclatura sugere, são cabíveis em situações incomuns.
Nesta categoria se enquadram o Recurso Especial e o Recurso Extraordinário, previstos na Constituição Federal de 1988 e cujos requisitos de admissibilidade denotam suas características ímpares. Observa Barbosa Moreira [15] que:
A distinção entre recursos ordinários e recursos extraordinários, a que faz referência o art. 467, parte final, não tem no ordenamento brasileiro relevância teórica nem prática. A rigor, não existe entre nós uma classe de recursos a que se possa aplicar a denominação genérica de extraordinários: há, sim, um recurso assim denominado (v. infra, § 25), que tem – como, aliás, todos eles – as suas peculiaridades, mas insuficientes para fundamentar uma classificação de valor científico.
Segundo Fux [16], "os recursos extraordinário e especial têm um ponto em comum, a saber: tutelam, imediatamente, o direito objetivo, a ordem jurídica e, mediatamente, o direito subjetivo da parte vencida."
Portanto, dado este ponto comum diferenciado, que os tornam distintos dos demais recursos previstos no ordenamento pátrio, os mesmos serão tratados de em conjunto, salvo quando houver alguma particularidade que justifique uma análise em separado.
Observa ainda Fux [17] que, historicamente, "a razão do tratamento inicial comum a ambos os recursos decorre do fato histórico-político de que, anteriormente à Constituição Federal de 1988, o recurso extraordinário abarcava, como causas de pedir, violações à ordem constitucional e à ordem infraconstitucional."
3. Requisitos de Admissibilidade dos Recursos Excepcionais
Como todos os recursos, o Recurso Especial e o Extraordinário sujeitam-se às normas que determinam os requisitos ou pressupostos que serão objeto do juízo de admissibilidade recursal, previstos na Constituição Federal de 1988.
Tais requisitos se situam no plano da análise preliminar dos recursos e vão possibilitar, ou não, a análise do mérito dos mesmos.
O juízo de admissibilidade, em tais recursos, é bipartido ou dobrado, como denomina Mancuso [18], pois é exercido tanto pelo tribunal recorrido quanto pela corte competente para analisar o mérito do mesmo.
A análise dos requisitos de admissibilidade é obrigatória, pois "constituem matéria de ordem pública, devendo ser examinados ex officio pelo juiz originário, provisoriamente, e pelo tribunal destinatário, de modo definitivo, independentemente de pedido do recorrido." [19]
4. Classificação dos Requisitos de Admissibilidade
Dentre as classificações existentes dos requisitos de admissibilidade, Nelson Nery [20] acolheu a realizada por Barbosa Moreira, e que também será adotada, no presente estudo.
Segundo tal classificação, os denominados pressupostos de admissibilidade são divididos em dois grupos: pressupostos intrínsecos e pressupostos extrínsecos.
Os primeiros, relativos à existência do direito de recorrer, "...são aqueles que dizem respeito à decisão recorrida em si mesma considerada." [21]
Já os pressupostos extrínsecos, relacionados ao exercício do direito de recorrer, "...respeitam aos fatores externos à decisão judicial que pretende impugnar, sendo normalmente posteriores a ela." [22]
São pressupostos intrínsecos: cabimento, legitimação para recorrer e interesse em recorrer.
São pressupostos extrínsecos: tempestividade, regularidade formal, inexistência de fato impeditivo ou extintivo do direito de recorrer e preparo.
4.1. Requisitos Intrínsecos
I. Cabimento
O cabimento é composto de dois fatores: recorribilidade, que diz respeito à previsão legal para a interposição de recurso contra determinado ato judicial, e adequação, onde o recurso deve ser o adequado ao ato que se pretende impugnar.
A lei processual prevê, em rol taxativo, os recursos cabíveis (art. 496, CPC) e quais são os atos judiciais suscetíveis de impugnação. Os despachos são irrecorríveis (art. 504), as decisões interlocutórias são impugnáveis por agravo (art. 522) e as sentenças são impugnáveis por apelação (art. 513).
Os recursos Extraordinário e Especial são cabíveis contra decisões judiciais proferidas em única ou última instância, quando for configurada alguma das situações previstas, respectivamente, nos arts. 102, III e 105, III, da Constituição Federal de1988.
O Recurso Extraordinário é cabível quando a decisão recorrida contrariar dispositivo da Constituição, declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal, julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face da Constituição ou quando válida lei local contestada em face de lei federal.
Já o Recurso Especial é cabível quando a decisão recorrida contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência, quando julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal ou quando der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.
Observa Nelson Nery que os recursos Extraordinário e Especial, como meios excepcionais de impugnação das decisões judiciais, estão subordinados ao prévio esgotamento das instâncias recursais ordinárias. [23]
Assim, o verdadeiro requisito de admissibilidade do REsp e do RE é o cabimento, que só ocorrerá quanto às matérias que tenham sido efetivamente decididas pelas instâncias ordinárias [24], ou seja, que tenham sido prequestionadas.
a)Prequestionamento
Objeto de muitas discussões doutrinárias, o prequestionamento, segundo Nery Jr. [25],está inserido na locução "causas decididas", prevista na Constituição Federal de 1988, ao tratar do cabimento dos recursos excepcionais.
Segundo Lima, "embora amplamente empregado, não tem definição exata, ou sequer pacífica." [26] O mesmo autor, na contramão da maior parte da doutrina e da jurisprudência dos tribunais superiores, entende que "...o pré-questionamento não é pressuposto essencial de admissibilidade dos recursos especial e extraordinário – mesmo porque não se encontra previsto na Constituição Federal vigente" [27] (...) Isso não significa, porém, que o pré-questionamento não seja relevante para fins de interposição de recurso especial e(ou) extraordinário. O autor entende que sua exigência, tal e qual atualmente verificada na prática forense, é bastante justificável, eis que é a única forma de se vincular a atuação do juízo, haja vista que o tribunal a quo fica adstrito às questões afetivamente aduzidas pelas partes. [28]
O STF e o STJ têm exigido a observância do requisito do prequestionamento, inclusive com entendimento uniformizado em súmulas. Infelizmente, nem sempre resta claro para as partes como é atendido tal requisito, eis que sua definição é, basicamente, jurisprudencial e doutrinária.
Segundo entendimento do STF, o requisito do prequestionamento é exigido na Carta Magna, quando prevê
Segundo tais cortes, caso o acórdão recorrido não tenha se manifestado sobre o ponto a respeito do qual a parte pretende discutir em sede de REsp e RE, deve manejar Embargos Declaratórios, com tal propósito, conforme súmulas nº 282 e 356, do STF, que assim dispõem:
"Súmula 282
É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada."
"Súmula 356
O ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento."
Segundo entendimento do STF, o prequestionamento é atendido pelo simples manejo dos Embargos Declaratórios, ainda que o acórdão embargado permaneça omisso quanto ao ponto objeto de recurso e rejeite os Embargos.
Já o STJ, com entendimento mais rigoroso, exige que haja efetiva manifestação, no acórdão recorrido, acerca dos pontos apontados como omissos. Caso permaneça silente o acórdão embargado e mantenha a omissão apontada em Embargos Declaratórios, deve a parte interessada, em preliminar de Recurso Especial, alegar violação ao art. 535, CPC e requerer a declaração de nulidade do acórdão, sob pena de não atendimento do requisito do prequestionamento e conseqüente inadmissão do Recurso Especial. [29]
Neste sentido é o teor da Súmula nº 211:
"Inadmissível recurso especial quanto à questão que, adespeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo tribunal a quo."
Também é exigido o requisito do prequestionamento ainda que a matéria objeto de recursos excepcionais for de ordem pública, sobre as quais o julgador deva se pronunciar de ofício. As cortes superiores, defendendo o caráter constitucional do prequestionamento, entendem que este se sobrepõe aos arts. 267, § 3º e 301, §4º, CPC, que determinam o pronunciamento de ofício sobre as matérias de ordem pública. Desta forma, as matérias de oredem pública não podem ser levadas à apreciação do STF pela primeira vez, sem que houvesse prequestionamento das mesmas [30].
"A exigência crescente do citado "prequestionamento" é indisfarçavelmente também um meio de barrar número cada vez maior de causas - mas sem critério ou justificativa bem definidos." [31]
II. Legitimidade
De acordo com o art. 499, CPC, são legitimados a interpor recursos: a parte vencida, o terceiro prejudicado e o Ministério Público.
Quanto ao terceiro prejudicado, este deve demonstrar, nos termos do § 1º do art. 499, CPC, "...o nexo de interdependência entre o seu interesse de intervir e a relação jurídica submetida à apreciação judicial." Observa Barbosa Moreira [32] que, apesar da obscuridade do dispositivo, entende que a legitimação do terceiro para recorrer postula a titularidade do direito em cuja defesa ele acorra, não sendo necessário que tal direito haja de ser defendido de maneira direta, bastando que a sua esfera jurídica seja atingida pela decisão, embora por via reflexa.
Já "o Ministério Público tem legitimidade para recorrer assim no processo em que é parte, como naqueles em que oficiou como fiscal da lei." (art. 499, § 2º, CPC). Como observa Medina [33], o Ministério Público não precisa demonstrar interesse.
III. Interesse recursal
Barbosa Moreira [34] pondera que a noção de interesse, no processo, repousa sempre no binômio utilidade+necessidade: utilidade da providência judicial pleiteada, necessidade da via que se escolhe para obter essa providência.
Segundo Nery [35], à utilidade estão ligados os conceitos de sucumbência, gravame, prejuízo, entre outros, e que há sucumbência quando o conteúdo da parte dispositiva da decisão judicial diverge do que foi requerido pela parte no processo. Assim, o recorrene deve pretender alcançar algum proveito, do ponto de vista prático, com a interposição do recurso, sem o qual não terá interesse em recorrer.
Observa Medina [36] que a melhor doutrina tem entendido que tal requisito aplica-se também aos recursos ditos extraordinários, pois, apesar de terem por finalidade precípua a proteção do direito objetivo, seria descabida a interposição do recurso pelo litigante vencedor ou por aquele que não puder ter sua situação jurídica melhorada.
Neste sentido tem decidido o STF [37] e o STJ [38], que não admitem recursos interpostos por quem não haja sucumbido.
Ademais, o STF não admite a interposição de Recurso Extraordinário apenas contra os fundamentos do julgado, por falta de interesse. Tal entendimento encontra respaldo na lei processual, já que os motivos da decisão, ainda que importantes, não transitam em julgado (art. 469, I, CPC) e foi consagrado nas seguintes súmulas:
"Súmula 283
É inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles."
"Súmula 292
Interposto o recurso extraordinário por mais de um dos fundamentos indicados no art. 101, III, da Constituição, a admissão apenas por um deles não prejudica o seu conhecimento por qualquer dos outros."
"Súmula 528
Se a decisão contiver partes autônomas, a admissão parcial, pelo presidente do tribunal "a quo", de recurso extraordinário que, sobre qualquer delas se manifestar, não limitará a apreciação de todas pelo supremo tribunal federal, independentemente de interposição de agravo de instrumento."
4.2. Requisitos Extrínsecos
I. Tempestividade
O recurso, para ser admissível, deve ser interposto dentro do prazo fixado em lei que, no caso dos recursos Especial e Extraordinário, é de 15 dias (art. 508, CPC). Não sendo exercido o poder de recorrer dentro daquele prazo, se operará a preclusão temporal [39].
Aplicam-se a tais recursos o disposto nos art. 188, CPC, que prevê prazo em dobro para recorrer, em favor da Fazenda Pública e do Ministério Público; e o art. 191, CPC, que estipula prazo em dobro quando os litisconsortes tiverem diferentes procuradores. Também se aplicam a tais recursos o disposto na Lei nº 80/94, que prevê prazo em dobro quando o recorrente é a Defensoria Pública (art. 44, I; art. 89, I e 128, I). Entretanto, não se conta em dobro o prazo para recorrer, quando só um dos litisconsortes haja sucumbido (Súmula nº 641, do STF).
Tanto o STF [40] quanto o STJ [41] têm considerado prematuro e como tal, intempestivo, o Recurso Extraordinário e o Recurso Especial interpostos antes do julgamento dos Embargos de Declaração contra o acórdão que julgou a apelação.
De outro lado, o STJ também tem entendido que é intempestivo o Recurso Especial [42] interposto antes da juntada do mandado de intimação do recorrente e antes da publicação do acórdão recorrido, no Diário da Justiça.
Tais restrições impostas pela jurisprudência dificultam o acesso das partes a tais cortes, restringindo sobremaneira a admissibilidade do REsp e do RE.
Observa Araújo [43], inclusive, que, dadas as atuais facilidades proporcionadas pelo desenvolvimento da informática, onde as partes podem ter acesso aos julgados de qualquer parte do país, o impedimento da interposição de Recurso Especial, pela exigência de publicação do acórdão recorrido como termo inicial para o prazo recursal, importava em formalismo exarcebado. Assim, noticia o autor uma importante mudança de entendimento do STJ, exposta no julgamento dos Embargos de Divergência no Agravo nº 522.249/RS onde a Corte Especial daquela corte assim decidiu [44]:
No entanto, embora tenha o posicionamento acima assinalado, rendo-me, ressalvando meu ponto de vista, à posição assumida pela maioria da Corte Especial deste Sodalício, pelo seu caráter uniformizador no trato das questões jurídicas no país que, com base em recente decisão (EResp 492461/MG), datada de 17/11/2004, consignou que a interposição de recursos contra decisões monocráticas ou colegiadas proferidas pelo STJ pode, a partir de agora, ser realizada antes da publicação dessas decisões na imprensa oficial.""
II. Regularidade formal
Os recursos previstos no ordenamento pátrio são sujeitos a formas predeterminadas, necessárias à observância de um mínimo de clareza e uniformidade, para a interposição dos mesmos.
Quanto aos recursos Extraordinário e Especial, determina o art. 541, CPC que deverão ser interpostos perante o presidente ou o vice-presidente do tribunal recorrido, em petições distintas, que conterão a exposição de fatos e de direito, a demonstração do cabimento do recurso e as razões do pedido de reforma da decisão recorrida. Tal dispositivo, com redação dada pela Lei nº 8.950/94, repetiu o que já era previsto no art. 26, da Lei nº 8.038, de 1990.
Doutrina e jurisprudência são uníssonas no sentido de que as razões recursais devem acompanhar o recurso, sob pena de não conhecimento do mesmo. Tal entendimento é defendido por Nery [45] que pondera que "as razões de recurso são elemento indispensável para que tribunal, ao qual se o dirige, possa julgá-lo, ponderando-as em confronto com os motivos da decisão recorrida que lhe embasaram a parte dispositiva."
Especificamente quanto ao Recurso Especial, no caso de alegação de dissídio jurisprudencial, deve o recorrente fazer prova da divergência, mediante certidão, cópia autenticada ou pela citação do repositório de jurisprudência, oficial ou credenciado, inclusive me mídia eletrônica, em que tiver sido publicada a decisão divergente, conforme art. 541, parágrafo único, CPC, com redação dada pela Lei nº 11.341/2006.
O art. 255 e §§, do Regimento Interno do STJ [46], detalha como deverá ser provada a divergência, inclusive descrevendo quais são os repositórios oficiais de jurisprudência admitidos, para a hipótese.
A regularidade formal exigida para os recursos excepcionais não tem afetado o acesso das partes às cortes superiores, eis que estas não são exigentes quanto a tal requisito. Ademais, as mudanças mais recentes são mínimas e não trouxeram maiores dificuldades às partes, ao contrário, como ocorreu, por exemplo, com a admissão de prova de divergência jurisprudencial por meio de mídia eletrônica, inserida pela Lei nº 11.341/2006, tem facilitado a atuação das partes, neste ponto.
Assim, o atendimento à regularidade formal dos recursos extraordinários não causa maiores dificuldades às partes.
III. Inexistência de fato impeditivo ou extintivo do direito de recorrer
Há situações que levam à não-admissão do recurso, conhecidas por pressupostos negativos de admissibilidade recursal.
São fatos impeditivos do direito de recorrer: a desistência do recurso ou da ação, o reconhecimento jurídico do pedido, a renúncia sobre o direito em que se funda a ação.
A desistência do recurso consiste em "ato pelo qual o recorrente manifesta ao órgão judicial a vontade de que não seja julgado, e portanto não continue a ser processado, o recurso que interpusera" [47]. Tal ato, segundo o art. 501, CPC, independe da anuência do recorrido.
A desistência da ação, de conteúdo mais amplo, para surtir efeitos, depende de homologação por sentença, nos termos do art. 158, parágrafo único, CPC.
O reconhecimento jurídico do pedido, segundo Nery Jr. [48], é "ato privativo do réu, que tem como conseqüência natural o julgamento de procedência do pedido do autor (CPC 269 II), se presentes os requisitos de validade e eficácia do reconhecimento."
A renúncia sobre o direito em que se funda a ação é ato privativo do autor (art. 269, V, CPC) em relação a direito disponível, produz efeitos desde que observados os pressupostos para a validade dos atos jurídicos em geral e impossibilita o autor de propor outra ação pleiteando o direito renunciado. Havendo renúncia ao direito material objeto do litígio, segundo Nery Jr. [49], não poderá o autor interpor recurso em virtude de existir preclusão lógica, pois a renúncia impede o poder de recorrer.
São fatos extintivos do direito de recorrer: a renúncia ao recurso e a aquiescência à decisão.
A renúncia é negócio jurídico unilateral, consistente em "ato pelo qual uma pessoa manifesta a vontade de não interpor o recurso de que poderia valer-se contra determinada decisão" [50]. Conforme art. 502, CPC, "a renúncia ao direito de recorrer independe da aceitação da outra parte."
A aquiescência à decisão ou aceitação consiste no conformismo da parte com o julgado, deixando transcorrer o prazo recursal sem que pratique ato destinado a obstar o mesmo, deixando ocorrer o trânsito em julgado. Pode ser total ou parcial, consoante se refira a todo o conteúdo impugnável da decisão, ou só a uma parte dele; e expressa ou tácita [51].
Considerando que tais fatos somente ocorrem mediante manifestação de vontade da parte, seja de modo comissivo (reconhecimento jurídico do pedido, por exemplo) ou omissivo, (aquiescência tácita à decisão, por exemplo), a não admissão de Recurso Especial ou Extraordinário pela existência de algum fato impeditivo ou extintivo do direito de recorrer não implica em restrição às garantias das partes, que não podem deixar de ser exercitadas.
Assim, a disposição da parte para praticar ato que extinga ou impeça a interposição de recurso às instâncias extraordinárias não afeta a garantia constitucional processual do acesso à Justiça.
IV. Preparo
O preparo consiste no pagamento prévio das custas relativas ao processamento do recurso [52] e do porte de remessa e retorno [53].
Tratando-se de serviço público, a prestação jurisdicional deve remunerada de algum modo, no caso, através das custas, cuja natureza jurídica é de taxa, segundo o STF. [54]
Conforme art. 511, CPC, com redação dada pela Lei nº 9.756/98, no ato de interposição do recurso, o recorrente comprovará, quando exigido pela legislação pertinente, o respectivo preparo, inclusive porte de remessa e retorno, sob pena de deserção [55].
Este é o teor da Súmula nº 187, do STJ: "É deserto o recurso interposto para o superior tribunal de justiça, quando o recorrente não recolhe, na origem, a importância das despesas de remessa e retorno dos autos."
Entretanto, o STJ admite que o porte de remessa e retorno possa ser comprovado no ato de interposição do recurso no último dia do prazo, após o encerramento do expediente bancário, quando, então, poderá ser admitido o preparo no dia seguinte [56].
A insuficiência no valor do preparo implicará em deserção apenas se o recorrente, uma vez intimado para supri-lo, não o fizer no prazo de cinco dias (Art. 511, § 2º, incluído pela Lei nº 9.756, de 17.12.1998).
A própria lei processual prevê isenção no pagamento de custas, em algumas circunstâncias, tanto objetivas (interposição de Agravo Retido e Embargos de Declaração – art. 522, pár. único e art. 536, CPC) quanto subjetivas (quando o recorrente é a Fazenda Pública, o Ministério Público ou os que gozam de isenção legal – art. 511, § 1º, CPC).
Poder-se-ia alegar que a exigência de preparo para a interposição de recurso dirigido às instâncias extraordinárias limitaria o acesso à prestação jurisdicional, eis que a maior parte da população não teria condições financeiras de arcar com as despesas do processo.
Entretanto, a Lei nº 1.060, de 05.02.1950, que "estabelece normas para a concessão de assistência judiciária integral e gratuita aos necessitados", prevê isenção legal do pagamento de custas, taxas judiciárias, emolumentos, selos, despesas com publicação, honorários e outros dispêndios (art. 3º) àqueles que atendem aos requisitos nela previstos (art. 4º), norma que dá efetividade à garantia constitucional prevista no art. 5º, LXXIV, CF-88 ("o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos").
Assim, o beneficiário da assistência judiciária gratuita é isento das custas e do pagamento do porte de remessa e de retorno [57].
Portanto, em vista das normas vigentes, a exigência de preparo recursal não chega a dificultar o acesso dos recorrentes ao STF e ao STJ, já que há garantia constitucional e previsão legal de isenção das custas e outros gastos, para que o administrado usufrua da prestação jurisdicional.