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Estudos sobre o processo de internacionalização dos direitos humanos.

De Westfália às Nações Unidas

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Agenda 03/07/2011 às 08:37

Parte-se da formação dos primeiros Estados Nacionais Europeus, passando pelos acontecimentos que impulsionaram a ascensão e internacionalização dos direitos humanos, com destaque para o papel da ONU.

1. O Estado Nacional Europeu

É no final do período medieval que o modelo estatal europeu denominado de Estado nacional ou Estado-nação encontra suas origens. Neste momento emergiram vários centros de poderes independentes, cada qual exercendo o que se poderia nomear de "soberania medieval", significando tão-somente determinada qualidade de poder que se investia num senhor que a exercia em seu território, ou seja, demonstrava superioridade no poder de governo e na produção de leis somente naquele local.

Entretanto o poder, quando do auge da Idade Média, não era unitário, mas sim fragmentado e negociado entre o rei e os nobres senhores feudais. Não havia, portanto, a ideia de um Estado nacional com um exército nacional, uma moeda nacional e um poder unitário e soberano. (MAGALHÃES, 2002, p. 123).

O aparecimento do conceito de soberania e sua elevação a princípio do direito internacional se deu também nos últimos anos da Idade Média, não por acaso, quando dos primeiros passos dados rumo à formação dos Estados Nacionais, tendo implicado o fim da sociedade feudal e o nascimento de uma nova forma de organização da sociedade.

Para Faria (2004, p. 17) a soberania, então, passa a existir vinculada à concretização desses Estados, denotando um poder de mando incontrastável numa determinada sociedade política, dotado de independência, inalienabilidade, superioridade e, acima de tudo exclusividade. Um poder sem concorrência no âmbito de um território, capaz de instituir normas e comportamentos para todos os seus habitantes.

O Tratado de Westfália, de 1648, pondo fim a Guerra dos Trinta Anos [1], pode ser entendido como um momento histórico de grande valor por assinalar a passagem da sociedade medieval, que se encontrava sob a autoridade da Igreja, para a sociedade do Estado Nacional Moderno, ligada à noção de soberania e a um poder político centralizado.

Ao encerrar a Guerra de Trinta Anos, a Paz de Westfália reconheceu os princípios da soberania e da igualdade interestatal como as bases do equilíbrio político europeu, aceitando, a partir deste novo ideário, o respeito e coexistência entre os diversos entes políticos que emergiam àquele período, enunciando uma nova concepção da ordem internacional, opositora da que vigorava nos séculos anteriores, representando verdadeiro divisor de águas na história das relações internacionais. Estendendo-se de 1648 a 1945, muitos de seus pressupostos ainda se fazem presentes no mundo hodierno, substituindo a ordem internacional da cristandade pela ordem secular do Estado-Nação. A partir de suas composições passa a se consolidar o sistema moderno de Estados, composto por unidades políticas soberanas, que interagem de acordo com propósitos e fins diversificados, iniciando a constituição da sociedade internacional, caracterizada pela existência de normas comuns que prevêem os direitos e obrigações das partes. (AMARAL JÚNIOR, 2011, p. 29-33).

Destaca-se aqui que o começo dessa análise histórica, de acordo com os objetivos perseguidos por essa investigação, dá-se, de fato, no século XVII, com a assinatura dos Tratados de Paz de Westfália, símbolo de um período onde tem início a sociedade internacional moderna, onde os Estados apregoaram princípios como a soberania e a não-intervenção como indispensáveis à garantir-lhes tratamento e respeito mútuos.

Os eventos ocorridos em Westfália têm valor ímpar na construção da ordem internacional, uma vez que o sistema que se formalizou era composto somente pelos governos dos Estados soberanos, não havendo, pois, uma autoridade superior. A partir deste marco, para Celso Lafer (1982, p. 70), os Estados teriam liberdade absoluta para governar um espaço nacional, denominado território, podendo celebrar acordos voluntários, os chamados tratados, regulando as relações externas e intraconexas das mais variadas espécies.

Em face deste quadro, faz-se essencial assinalar que a partir dos Tratados de Westfália entram em cena dois princípios fundamentais, a saber: a) o princípio da soberania estatal; b) o princípio da igualdade entre os Estados.

Muito além dos efeitos práticos de suas disposições e de seus tratados, a partir do marco destacado acima, ocorre a consagração "do reconhecimento oficial da idéia de uma sociedade internacional integrada por Estados iguais e soberanos". (BOSON, 1994, p.162).

A alteração mais expressiva observada foi o advento da figura do soberano como ente político mais elevado em seu território, ou seja, detentor de um poder supremo, o suprema potestas, característica essencial da soberania clássica dos Estados.

Nesta direção compreende Amaral Júnior (2011, p. 31) que:

O Estado moderno concentrou e centralizou o poder de tal modo que, em seu interior, todos os sujeitos têm poder derivado, e só o governo possui poder originário. A soberania é o poder supremo, summa potestas, de declarar o direito num território determinado.

Do mesmo modo leciona Luigi Ferrajoli (2002, p.1):

[...] embora apareça já na Idade Média [...] é indubitável que a noção de soberania como suprema potestas supriorem non recognoscens (poder supremo que não reconhece outro acima de si) remonta ao nascimento dos grandes Estados nacionais europeus [...], no limiar da Idade Moderna.

O Estado passa a se determinar como a instituição política que detém o monopólio da força em dado território, contrapondo-se à Igreja, que possui o direito de distribuir os bens espirituais. (AMARAL JÚNIOR, 2011, p. 30).

Conclui-se, ante ao exposto, que com o Estado Nacional, ao inaugurar do período moderno, abre-se o caminho para o reconhecimento de um poder supremo, concentrado na figura do rei, e, assim, a concepção clássica de soberania como um poder absoluto passa a prosperar.

1.1 A Soberania Clássica

À medida que o processo de centralização do poder na pessoa de um rei com amplos poderes se efetivou, foram se criando condições propicias para o aparecimento de escritores e críticos, que desenvolveram teorias acerca da organização do Estado, suas formas de condução e justificação.

Nesta esteira, em matéria de soberania estatal há que se destacar que a dimensão e a finalidade deste trabalho não comportam um exame particularizado de todos os seus teóricos, e, por isso, o estudo aqui desenvolvido se ocupará da referência a apenas algumas das inúmeras formulações sobre o assunto, para que, com isto, se possa compor um perfil acerca de sua definição clássica, uma vez que é a partir de seus preceitos que se dará o enfrentamento do tema central desta investigação.

A partir do esclarecimento acima, no intuito de reunir elementos teóricos que possam influir na construção de um conceito clássico de soberania, esta investigação optou por mapear o pensamento do jurista francês Jean Bodin (1529-1596), considerado o precursor da ideia clássica de soberania, reconhecida como um poder absoluto dos Estados, e, o ideário do inglês Thomas Hobbes (1588-1679), que em sua edificação sobre um "Super Estado", o Leviatã, muito acrescentou na formulação de uma definição de soberania absoluta, ilimitada e incontestável.

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Nesta esteira, o pensamento de Bodin foi anunciado no ano de 1576em sua obra Les Six Livres de la République (Os seis livros da República), onde tratou de forma sistematizada a problemática envolvendo a soberania à época.

Pelo pensamento de Bodin, o rei que estava sob o império da lei, adquire a posição de soberano capaz de dizer a lei. Esta é a grande inovação introduzida por sua doutrina. O monarca de Bodin poderia exercer sua soberania (souveraineté), sem interrupção e sem sujeição a ordem de outrem, estando este vinculado unicamente à lei natural. Por este motivo o monarca, dotado da vitaliciedade, poderia renunciar ao poder, transmitindo a quem bem entendesse tais prerrogativas. O rei só prestava contas à divindade, e a mais ninguém. (FRIEDE, 1989, p. 332).

Segundo José Luiz Quadros de Magalhães (2002, p. 123):

A palavra soberania tem sua raiz no francês antigo souverana, que por sua vez deriva do baixo latim superanus, significando superioridade. Bodin pela primeira vez utiliza o termo souveraineté para no século XVI designar o poder supremo da república.

O conjunto de ideias trazido acima esclarece que a soberania está vinculada a uma percepção de poder, a "um poder de organizar-se juridicamente e de fazer valer dentro de seu território a universalidade de suas decisões nos limites dos fins éticos de convivência." (REALE, 2002, p. 127).

Ao poder absoluto de Bodin está ligada a sua crença na necessidade de concentrar o poder totalmente nas mãos de uma única pessoa: o monarca. O poder soberano só existe quando o povo se despoja do seu poder e o transfere inteiramente ao governante.

A soberania, para Bodin, é uma qualidade essencial do Estado, adquirindo, em sua teoria, as características de um poder superior, incondicionado e ilimitado.

Nesta esteira, o exercício da soberania não se submete a um tempo determinado, não sofrendo, desta feita, qualquer restrição de natureza cronológica. Na teoria desenvolvida por Jean Bodin, o caráter perpétuo da realeza transfere-se para a República, visando evitar com isto, algum tipo de confusão entre a sociedade política e a pessoa do rei. E, conforme assinalou o próprio autor, "seja qual for o poder e a autoridade que o soberano concede a outrem, ele não concede tanto que não retenha sempre mais". (BODIN, 1992, p. 227). Em outras palavras: aquele que recebe o poder absoluto apenas de forma temporária não pode ser denominado soberano, o sendo apenas detentor ou depositário.

O princípio da summa potestas é, portanto, do Estado, sendo dele a supremacia do poder, e não do governante que atua em seu nome. Uma vez estabelecido que o caráter perpétuo da soberania possua o sentido de continuidade do poder no tempo, pode-se deduzir que tal adjetivo encontra-se unido de forma indissociável ao poder público, não dependendo daquele que venha a assumi-lo. A soberania tem em si o condão de passar para outras mãos, sem, contudo desaparecer.

Pode-se arrazoar que a soberania afirma-se como um poder absoluto e perpétuo na doutrina de seu primeiro teórico, sendo este o grande legado de Bodin para a formação do Estado Moderno. (AMARAL JÚNIOR, 2011, p. 31).

A teoria esposada por Jean Bodin é com muita frequência compreendida como a precursora de uma concepção clássica de soberania na qual o soberano exerceria um poder ilimitado, sem estar subordinado a qualquer superior na ordem interna, tampouco sujeito a qualquer tipo de vinculação no plano internacional. Não parece ter sido este o caminho traçado pelo francês, uma vez que considerava a subordinação do soberano ao Direito natural, a Deus e às leis fundamentais dos reinos. O monarca por ele idealizado não carregava consigo a tirania. Aliás, tal estigma era inaceitável desde Platão e Aristóteles, conforme lembra Chevalier, apontando que a monarquia de Bodin era "aquela em que os súditos obedecem às leis do monarca e o monarca as leis da natureza, continuando a pertencer aos súditos a liberdade natural e a propriedade dos bens". (CHEVALIER, 1993, p. 61).

Nesta mesma direção Lewandowski (2004, p. 227 e 228) adverte que a afirmação de que o rei não estava submetido à lei, atribuída a Bodin, deve ser vista com moderação; o monarca continuava subordinado ao direito. Não lhe era autorizado descumprir as leis por mero capricho nem lhe era permitido o arbítrio - a finalidade da lei era a justiça.

A obra de Bodin deve ser analisada como um todo dotado de coesão e coerência, assinalando sempre que o seu pensamento está intensamente enraizado na ideologia da época que indicava a superioridade da lei divina.

É inegável que os estudos de Jean Bodin despertaram nos grandes filósofos políticos da modernidade a necessidade de em certo período de suas obras realizarem uma reflexão acerca da soberania. Ainda que relacionadas somente, dado o momento histórico em que foram elaboradas, ao Estado Absolutista, tais incursões revelaram-se de enorme valia para a solidificação e entendimento do conceito clássico de soberania, com o escopo de, com tal formulação, realizar a sua correlação com temas da atualidade.

Justamente abordando a importância do conceito clássico de soberania, Luigi Ferrajoli (2002, p. 15) afirma ter ocorrido um aperfeiçoamento da ideia de soberania à época do absolutismo europeu.

Ainda nos dizeres do jurista italiano:

Com a consolidação dos Estados nacionais e com a sua plena autonomização dos vínculos ideológicos e religiosos, que haviam cimentado a civitas christiana (nação cristã) sob a égide da Igreja e do Império, cai todo e qualquer limite à soberania estatal e se completa, com sua plena secularização, sua total absolutização. (FERRAJOLI, 2002, p. 16 e 17)

E, inaugurando a edificação intelectual em tempos de poder absoluto, a visão de Thomas Hobbes, integrante da chamada "Escola do Contrato Social" preceitua que os homens, tendo por objetivo a obtenção da convivência pacífica, passam a sujeitar-se às leis e a um poder de forma absoluta. "A nação, unida em uma única pessoa, se denomina Estado. Esta é a criação daquele grande Leviatã, ou falando com maior respeito daquele Deus mortal, ao qual devemos, abaixo do Deus imortal, nossa paz e nossa defesa". (HOBBES, 1979, p. 137).

Do mesmo modo, para que o processo de criação do Estado possa trazer alguma segurança, os homens renunciam a seu poder, transferindo-o para a guarda e uso de uma "pessoa" que o aufere atuando com exclusividade em relação ao que lhe foi repassado, incutindo-lhes um dever de obediência a todas as determinações advindas do detentor do poder, desde que isto seja seguido por toda a coletividade, por meio de um contrato político que asseguraria a paz e a defesa comum de todos. (AZAMBUJA, 2005, p. 59).

Interessante é a visão de Norberto Bobbio sobre o pacto social proposto por Hobbes, ao expor que:

A justiça é ordem. Esta teoria surge do fato de considerar como fim último do direito a paz social. Ela sustenta que a exigência fundamental segundo a qual os homens criaram o ordenamento jurídico é de sair do estado de anarquia e de guerra, no qual viveram no estado de natureza. O direito é remédio primeiro e fundamental contra os males que derivam do bellum ommium contra omnes. E esse realizou o seu fim quando, por meio de um poder central capaz de emanar normas coercitivas para todos os associados, é estabelecida uma ordem social, qualquer que seja essa. O direito natural fundamental que essa teoria deseja salvaguardar é o direito à vida. O direito como ordem é o meio que os homens no decorrer da civilização, encontram para garantir a segurança da vida. Um exemplo característico dessa concepção de justiça encontra-se na filosofia política de Hobbes. (BOBBIO, 1997, p. 72).

Ferrajoli atribui a Hobbes a primeira formulação das ideias de Estado-pessoa e da personalidade do Estado, que fornecerão, nas palavras do festejado jurista, "um firme ancoradouro ao atributo da soberania". Igualmente, "querendo dar uma definição do Estado", registra Thomas Hobbes:

Devemos dizer que este é uma única pessoa, cuja vontade, em virtude dos pactos contraídos reciprocamente por muitos indivíduos, deve ser considerada como vontade de todos aqueles indivíduos; e, portanto, pode servir-se das forças e dos haveres individuais para a paz e para a defesa comum. (HOBBES apud FERRAJOLI, 2002, p. 19)

A sociedade humana resultaria, assim, de um pacto tácito entre os homens, que se associavam contra a insegurança, a violência e a selvageria, decorrente do estado de guerra em que viviam. A criação de um acordo, neste moldes, colocaria fim a esse caos, organizando, deste modo, a sociedade política que cederia seus direitos naturais a um poder comum, o Estado.

Tal situação recebe a nomenclatura de "Pacto de União". Isto demonstra que, para Hobbes a soberania é algo absoluto, pois ocorre total transferência dos poderes dos súditos para o soberano, através de um acordo firmado entre os próprios cedentes do poder, sem que ocorra qualquer intromissão do cessionário, o que per si dá a soberania um caráter não só ilimitado, mas também irrevogável, já que não conta com a participação do governante que recebe em suas mãos o poderio popular, a transferência é definida antes da entrada em cena da figura do soberano. Como bem sintetizou Chevalier (1993, p.73 e 74): "É entre si que renunciam, em proveito desse senhor, a todo direito e toda liberdade, nocivos a paz. Estão comprometidos; o senhor que escolheram, não".

Neste contexto, surgia, na concepçãohobbesiana um Estado blindado e incontestável, o Leviatã, que agregava em si as funções de legislador, juiz supremo, senhor da paz e da guerra e de todos os serviços, detinha o direito de recompensar e castigar e por último, era a fonte de todas as honras e dignidades. (JELLINEK, 1994, p. 377 e 378).

A complementação trazida por Ferrajoli à leitura que se faz do pensamento hobbesiano é significativa, afirmando que:

Não menos importantes são as implicações dessa construção em relação à soberania externa. Se o Estado é soberano internamente, ele o é por necessidade, não existindo fontes normativas a ele superiores, também externamente. Mas a sua soberania paritária externa dos outros Estados equivale a uma liberdade selvagem que reproduz, na comunidade internacional, o estado de natural desregramento, que internamente a sua própria instituição havia negado e superado. É assim que a criação do estado soberano como fator de paz interna e de superação do bellum omnium (guerra de todos) entre as pessoas de carne e osso equivale à fundação simultânea de uma comunidade de Estados que, justamente por serem soberanos, transformam-se em fatores de guerra externa na sociedade artificial de Leviatãs com eles gerada. (FERRAJOLI, 2002, p. 20 e 21).

A sociedade internacional do século XVII e XVIII configura-se, ante ao trazido acima, como uma sociedade selvagem em estado de natureza, fazendo prevalecer, não mais os homens naturais de carne e osso do estado de natureza originário, mas, aqui, os Leviatãs: máquinas e lobos artificiais em estado de guerra virtual e permanente, libertos de qualquer vínculo legal e subtraídos ao controle daqueles que os criaram. No mesmo plano, há que reconhecer que, a partir desta absolutização ocorre ainda o paradigma da legitimação da desigualdade entre os povos, aclamando a supremacia do homem branco, alimentando o racismo, e, fomentando de um modo legítimo o expansionismo europeu, seja pela conquista e colonização, seja pela exploração, ou ainda, através da exportação para todas as partes do mundo dos modelos culturais e políticos ocidentais, partindo, pois, do próprio modelo institucional de Estado soberano, e do seu principal corolário, o modelo da guerra entre os Estados. (FERRAJOLI, 2002, p. 22-25).

Finalizando o mapeamento teórico acerca da soberania em sua clássica concepção, ao se empreender uma síntese das teorias trazidas em linhas anteriores, constata-se que a noção de soberania está sempre conectada a uma percepção de poder irrestrito.

Percebe-se, deste modo, que o poder soberano não guarda em si a preocupação com sua legitimidade ou juridicidade, importando somente o seu caráter absoluto, sem a admissão de confrontações, possuindo elementos que sejam suficientes para infligir suas decisões.

É quase unânime o reconhecimento, por parte dos estudiosos, de que a soberania, mesmo após anos de evolução, aportou no século XX possuindo ainda como características, unicidade, indivisibilidade, inalienabilidade e imprescritibilidade. Sendo una por não admitir num mesmo Estado a convivência de duas soberanias. Sendo indivisível por se aplicar a universalidade dos fatos ocorridos no Estado, não se admitindo, pois, a existência de várias partes separadas do mesmo Estado. Sendo inalienável, pois o seu detentor acaba por desaparecer quando a perde, seja o povo, a nação ou o Estado. E, sendo imprescritível pelo fato de que nunca seria superior se guardasse em si um prazo certo de duração.

Do que se pode extrair a compreensão que a soberania em seu conceito clássico é a tradução do poder absoluto e perpétuo do Estado, podendo ser apreendida como a prerrogativa que possui o Estado de se conduzir em seu território, definindo, assim, o próprio destino e o de seus nacionais, seja ditando comportamentos, infligindo sanções, condicionando atitudes, enfim, desempenhando a sua jurisdição doméstica, refletindo a imagem de uma fortificação medieval praticamente inexpugnável.

Sobre este tema, Henkin (apud PIOVESAN, 2010, p. 120) elucida que "historicamente, a forma pela qual um Estado trata o indivíduo em seu território era assunto de seu interesse exclusivo, decorrente de sua soberania relativamente ao seu território e da liberdade de agir". E, a explicação para tal costume se dava especialmente pelo uso indiscriminado do discurso da manutenção de suas soberanias, o que atribuía aos Estados um domínio reservado, que era invocado em detrimento de qualquer ato de ingerência perpetrado por outro sujeito da comunidade internacional, mesmo que em sede de proteção dos direitos de seus nacionais.

No entanto, há que se assinalar certa alteração no quadro acima narrado avistando ainda na era moderna, o surgimento dos direitos humanos no pensamento filosófico ocidental no século XVII, atuando como uma teoria abstrata, cuja força se resumia nas exigências formuladas ao poder político que se encontrava constituído, tentando impor limites à ação dos governantes, reagindo contra o Estado absolutista que não conhecia a separação entre o público e o privado, e, combatendo as atitudes do soberano que ao criar as leis não se sente obrigado à respeitá-las. (AMARAL JÚNIOR, 2011, p. 476).

Do exposto, ganha inegável importância a abordagem que será realizada nos próximos tópicos deste trabalho, ao examinar o processo de formação dos direitos humanos, a partir de acontecimentos decisivos na história, demonstrando que, ao menos no campo teórico, em via totalmente oposta à percorrida pela soberania em seu modelo tradicional, ocorreram transformações sintomáticas no relacionamento entre os Estados e seus nacionais, bem como entre estes e a comunidade internacional, alterando as relações de poder observáveis ao longo dos anos.

Sobre o autor
Rodrigo Cogo

Mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU)<br>Professor dos Cursos de Graduação em Direito e Pós Graduação em Direitos Humanos da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS)<br>

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COGO, Rodrigo. Estudos sobre o processo de internacionalização dos direitos humanos.: De Westfália às Nações Unidas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2923, 3 jul. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19427. Acesso em: 23 dez. 2024.

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