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A fungibilidade das tutelas de urgência e sua aplicação nas decisões judiciais

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Agenda 28/06/2011 às 09:32

3 TUTELA DE URGÊNCIA

No capítulo anterior abordamos o assunto processo e tutela jurisdicional. Entendemos ser o processo instrumento para o exercício da ação e mecanismo pelo qual alcançamos a tutela jurisdicional prestada pelo Estado-Juiz.

Ainda, ao classificarmos as tutelas jurisdicionais nos deparamos com uma espécie de tutela diferenciada, sendo citada como exemplo desse tipo de medida a tutela de urgência.

Agora, neste capítulo, visando melhor compreender as tutelas de urgência, buscaremos esclarecer questões como a morosidade da justiça, o conceito de urgência, entre outras indagações, vez que tais temas estão estritamente ligados às tutelas de urgência, na medida em que justificam o surgimento destas no Direito Processual Civil.

3.1 A morosidade da justiça

O inciso XXXV, do art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil dispõe que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito".

Por meio deste artigo, a Constituição Federal (CF) consagrou o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, que nas palavras de Horcaio (2008, p. 724-725) significa:

Princípio segundo o qual a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, garantindo o livre acesso ao Judiciário, tendo a parte direito a ver apreciadas pelo juízo competente as suas razões e a ver fundamentadas as decisões que lhes negam conhecimento.

Ao consagrar tal princípio, o Estado tomou para si o poder-dever de tutelar, cabendo a este promover a Justiça, pois proibida a autotutela, salvo exceções previstas em lei.

Com o avanço tecnológico no mundo e a agilidade dos meios de comunicações e transporte, as relações humanas tornaram-se mais comuns e práticas, vez que ocorrem de forma mais dinâmica e impessoal.

Entretanto, tais facilidades ocasionaram a massificação de relações sociais, e consequentemente, a expansão de conflitos gerados pelo convívio cotidiano dos seres humanos. É como diz o brocardo jurídico: Ubi homo societas ibi societas; ubi societas, ibi jus - onde está o homem, está a sociedade; onde está a sociedade, está o direito.

Para a solução de tais conflitos, o Estado propiciou aos seus tutelados o acesso à justiça, por meio dos processos.

Segundo Bedaque (2009, p. 12-13):

A proibição da autotutela leva à absoluta imprescindibilidade do processo, para tornar efetivo o ordenamento jurídico substancial. A previsão de situações de vantagem, sem possibilitar a defesa dos interesses pelos próprios meios e sem dotar o titular desses interesses de mecanismos adequados a tanto, seria o mesmo que estabelecer regras sem sanção para o inadimplemento.

Assim, com a proibição da autotutela, o Estado teve que criar mecanismos judiciais e extrajudiciais para alcançar a pacificação social nas relações estabelecidas entre os homens.

Ocorre que o célere desenvolvimento da sociedade ainda não é acompanhado pelo Direito, nem tampouco pelos mecanismos estatais disponíveis para a execução da justiça.

A Constituição Federal em seu art. 5º, inciso LXXVIII, dispõe que "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação".

Tal preceito não é fácil de ser cumprido, por diversos fatores. No cenário atual brasileiro, vislumbra-se a demora do processo judicial e a situação de que nem sempre o demandante pode aguardar a providência judicial, pois o seu direito está em risco. O processo também está sujeito às intervenções do tempo, sendo, por isso, necessários mecanismos que possam garantir uma tutela efetiva ao litigante, caso contrário, poderá sofrer danos irreparáveis, enquanto seu direito perece juntamente com um processo que foi ineficaz.

Segundo Bedaque (2009, p. 15):

A grande preocupação da ciência processual contemporânea está relacionada, portanto,à eficiência da Justiça, que se traduz na busca de mecanismos para alcançar a efetividade da tutela jurisdicional. Na medida em que cabe ao direito processual a sistematização do método estatal de solução de controvérsias, devem os estudiosos dessa ciência voltar sua atenção para a criação de meios aptos à obtenção do resultado desejado.

Tal morosidade no sistema judiciário possui diversos fatores, como a crescente (e invencível) demanda processual, número reduzido de servidores e juízes, procedimentos demasiadamente burocráticos, atos protelatórios das partes, entre outras causas.

O legislador tem buscado criar mecanismos aptos a solucionar as controvérsias em tempo hábil, com procedimentos diversificados e caracterizados pela celeridade com que se desenvolvem, como por exemplo, a tutela antecipada, as liminares, as cautelares, mandado de segurança, etc.

Entretanto, a celeridade processual não se encontra apenas no aperfeiçoamento da legislação processual, mas também na necessidade de o Estado destinar maior percentual de seu orçamento a fim de suprir muitas das necessidades estruturais do Poder Judiciário (BEDAQUE, 2009).

Do mesmo modo se prescinde uma melhor distribuição de competência, vez que existem locais que possuem dois ou mais juízes, entretanto, não possui se quer metade do número de processos de locais onde há apenas um juiz.

Complementa Bedaque (2009, p. 16) que:

Deve ainda o Estado-Administração conscientizar-se de que o processo não constitui mecanismos para protelar o cumprimento de suas obrigações. Não se ignora que o Poder Executivo é o maior causador de processos, muitas vezes defendendo teses absolutamente ilegítimas, nas quais insiste mesmo quando já rejeitadas reiteradas vezes em última instância.

Além dos problemas estruturais existentes no Poder Judiciário, temos ainda que o processo necessita por si só de tempo. Seu desenrolar e conclusão demandam tempo, não podendo ser resolvidos instantaneamente.

O processo está estritamente ligado ao tempo. Para que o magistrado profira uma sentença é necessário que este esteja convencido da veracidade dos fatos narrados e da incidência do direito ao caso concreto. Tais certezas normalmente são alcançadas a partir de provas robustas produzidas pelas partes principalmente em audiência.

Nesse sentido, explica Theodoro Júnior (2005, p. 21-22):

O provimento judicial não pode ser ministrado instantaneamente. A composição do conflito de interesses, mediante o processo, só é atingida pela seqüência de vários atos essenciais que ensejam a plena defesa dos interesses das partes e propiciam ao julgador a formação do convencimento acerca da melhor solução da lide, extraído o contato com as partes e com os demais elementos do processo.

De tal sorte, entre a interposição da demanda e a providência judicial satisfativa do direito de ação (sentença ou ato executivo), medeia necessariamente certo espaço de tempo, que pode ser maior ou menor conforme a natureza do procedimento e a complexidade do caso concreto.

O ideal seria que a lide fosse composta no mesmo estado em que se achava ao ser posta em juízo e, por isso, ordinariamente, as sentenças são reconhecidas como declarativas e de efeito retroativo ao momento da propositura da ação.

O constituinte ao consagrar o princípio do acesso à Justiça, não estabeleceu apenas um direito de ingresso em juízo, mas também um dever do Estado de atender seus jurisdicionados concedendo a cada um exatamente aquilo que possui como direito.

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Conforme Bedaque (2009, p. 18):

(...) Quem procura a proteção estatal, ante a lesão ou a ameaça a um interesse juridicamente assegurado no plano material, precisa de uma resposta tempestiva, apta a devolver-lhe, da forma mais ampla possível, a situação de vantagem que faz jus.

Assim, cabe ao Estado oferecer a tutela jurisdicional efetiva e tempestiva à parte vencedora, ou seja, aquela que produza os efeitos concretamente esperados e que seja concedida a tempo de a parte usufruir de seus direitos.

Justifica-se aí o uso cotidiano das tutelas de urgências, vez que em meio à morosidade da justiça os operadores do Direito têm buscado utilizar mecanismos que socorram rapidamente aqueles que necessitam da jurisdição estatal.

3.2 Conceito de urgência

Segundo o Dicionário Michaelis, urgente é:

1 Que urge; que se deve fazer com brevidade; que não se pode adiar. 2 Iminente; imediato. 3 Rápido, veloz. 4 Angustioso. 5 Apertado, estreito. 6 Que indica urgência. 7 Que tem efeito rápido, imediato.

Ainda, segundo o Dicionário Aurélio é algo "que não pode ser adiado ou retardado; que urge: um negócio urgente".

Para o direito, urgente é a situação que precisa ser solucionada o mais breve possível, sob o risco de o direito pleiteado judicialmente se dissolver pela ação do tempo.

Como exemplo de urgência, podemos citar a existência de uma ação de execução, onde o executado está a dilapidar seu patrimônio visando não haver bens para uma futura penhora (garantia do crédito). O exequente, diante dessa situação de urgência, pode requerer uma medida cautelar de arresto para salvaguardar os bens que garantirão a execução.

3.3 Conceito de tutela de urgência

Após conceituarmos urgência, passemos então a conceituação de tutela de urgência segundo a doutrina processual.

Segundo Ricardo Alessandro Castagna (2008, p. 111):

Considera-se tutela de urgência o provimento autônomo ou dependente destinado à prestação da tutela jurisdicional em tempo inferior àquele inerente ao processo plenário e exauriente, para proteção ou satisfação de um direito material debatido em juízo.

Assim, entende-se por tutela de urgência aquele provimento judicial concedido a fim de abreviar o tempo, fazendo com que o direito da parte vencedora não venha a sofrer com os efeitos da demora.

Ainda, segundo Ragone "a tutela de urgência é, na verdade, modalidade de tutela jurisdicional diferenciada, cuja característica fundamental consiste no fator tempo, ou seja, é prestada de forma mais rápida, assegurando, com isso, a utilidade do resultado" (apud BEDAQUE, 2009, p. 26).

As tutelas de urgência justificam-se pela impossibilidade de se aguardar a efetividade dos comandos existentes no processo, pois essa demora gera a inutilidade da tutela requerida (REIS FRIEDE, RODRIGO KLIPPEL E THIAGO ALBANI, 2009).

As principais características dessas tutelas seriam a rapidez com que dão origem ao provimento jurisdicional e a sumariedade da cognição judicial (BEDAQUE, 2009).

Desse modo, as tutelas de urgência é técnica processual criada para prover ao jurisdicionado proteção efetiva nos casos em que a demora do processo extingua sua utilidade e do próprio direito material (FRIEDE, KLIPPEL e ALBANI, 2009).

É meio pela qual as partes podem fazer valer o princípio do acesso à Justiça, não apenas com o ingresso em juízo, mas também com a efetiva tutela prestada.

3.4 Espécies de tutelas de urgência

As tutelas de urgência são espécies de tutela jurisdicional que devido as suas características comuns, principalmente a sumariedade da cognição e a urgência, podem ser enquadradas em um mesmo gênero.

Como já visto, tem como objetivo tornar a tutela jurisdicional, prestada pelo Estado, efetiva.

No ordenamento jurídico brasileiro, várias são as espécies de tutela de urgência que buscam cumprir o objetivo primeiro dessas medidas: a efetividade.

Como exemplo, podemos citar a tutela cautelar, prevista no art. 796 e seguintes do CPC; a tutela antecipada, prevista no artigo 273 do CPC; a tutela específica, prevista no art. 461 e 461-A do CPC; o mandado de segurança, previsto na CF/88, no art. 5º, inciso LXIX e regulado pela Lei 12.016/09, entre outras.

No presente trabalho, abordaremos apenas as espécies denominadas cautelar e tutela antecipada, vez que a fungibilidade que ocorre entre esta e aquela é o enfoque da presente pesquisa.

3.5 Características comuns à tutela cautelar e à tutela antecipada

Embora a tutela cautelar e a tutela antecipada possuam peculiaridades que as distinguem uma da outra, há um consenso na doutrina em afirmar que as mesmas possuem características que lhes são comuns.

Assim, segundo a doutrina, quatro seriam as características comuns à tutela cautelar e à tutela antecipada: a finalidade comum, a sumariedade da cognição, a revogabilidade e a provisoriedade. Entretanto, cabe aqui fazer um parêntese quanto à última característica, vez que a doutrina diverge quanto ao uso da terminologia, havendo doutrinadores que utilizam apenas o termo provisoriedade, enquanto outros usam este para as cautelares e o termo temporariedade para a tutela antecipada. Vejamos cada uma das características.

3.5.1 A finalidade comum das tutelas de urgência

A tutelar cautelar e a tutela antecipada possuem como característica comum a sua finalidade: o acesso à justiça.

Segundo Friede, Klippel e Albani (2009, p. 14-15) "(...) a finalidade das tutelas de urgência é garantir, em última análise, a utilidade do processo e a própria possibilidade de fruição do direito material, ambos ameaçados pelo fator tempo".

O acesso à Justiça é fundamento para a existência da tutela de urgência. Nesse sentido, segundo Friede, Klippel e Albani (2009, p. 16):

A partir do momento em que se determina que o direito à tutela de urgência tem sede constitucional, permite-se levar até o Supremo Tribunal Federal a discussão sobre questões jurídicas referentes ao tema (como, por exemplo, a de vedação à concessão de liminares, muito comum em leis infraconstitucionais), bem como o controle concentrado de constitucionalidade de tais tipos de normas, por meio de ADIN ou ADC.

Assim, as tutelas de urgência buscam que o processo seja efetivo, ou seja, que possa proporcionar exatamente aquilo que concedido pelo magistrado. Trata-se de um dos mais úteis instrumentos criados pelo legislador e postos à disposição dos jurisdicionados (FRIEDE, KLIPPEL e ALBANI, 2009).

3.5.2 A sumariedade da cognição judicial

Segundo Friede, Klippel e Albani (2009, p. 16):

A cognição pode ser considerada o cerne do exercício da função jurisdicional, visto que a atividade do magistrado consiste em apreciar os argumentos de fato e de direito deduzidos no processo (ou cognoscíveis de ofício), dando fim à atividade jurisdicional, decidindo ou não a lide.

A cognição é atividade judicial realizada pelo órgão julgador, que aprecia os fatos e o direito alegado pela parte e decide pela procedência ou não do pedido da parte que alega a existência do direito.

As partes trazem em juízo os fatos e o direito alegado, e o Estado-Juiz presta a tutela jurisdicional àquele que faz jus à posição jurídica de vantagem.

A cognição é classificada sob duas perspectivas: a cognição em sentido horizontal e em sentido vertical (FRIEDE, KLIPPEL e ALBANI, 2009).

Sobre a cognição horizontal, leciona Nunes (2000, p. 33-34):

Quanto ao plano horizontal, seria o objeto cognoscível ou o conflito de interesses colocado dentro das suas convenientes limitações pela parte ativa, ou seja, ainda que o conflito na sua extensão tenha maior amplitude, ele é limitado pela conveniência ou, às vezes, pela própria lei, como, por exemplo, quando impede a discussão de questão dominial em sede de ação possessória. (...) Nesse plano, a cognição pode ser plena ou limitada (ou parcial) segundo a extensão permitida.
O limite é imposto ao sujeito cognoscente objetivamente, ou seja, ou pelas partes, que delimitam a extensão do litígio, ou pela própria lei, que restringe a extensão do litígio a parâmetros predeterminados.

Desse modo, entende-se que a cognição horizontal está ligada a apreciação de questões dentro do processo, ou seja, a quantidade de matérias, assuntos ou temas que podem ser analisados pelo juiz, é a extensão ou amplitude da atividade (FRIEDE, KLIPPEL e ALBANI, 2009).

Leciona Friede, Klippel e Albani (2009, p. 19):

A extensão da cognição está ligada à possibilidade de o órgão julgador analisar as três modalidades ou categorias cognoscíveis no processo, que são as condições da ação, os pressupostos processuais e o mérito. O procedimento que permite, em abstrato, a cognição dessas três modalidades, sem restrições, adota o método de cognição plena (cognição horizontal completa). Permitir a cognição não significa implementá-la em todos os casos desenvolvidos por meio deste procedimento. Exemplificativamente, tem-se que demanda que tramita pelo procedimento ordinário pode ser extinta, em dada situação, sem resolução de mérito (casos do art. 267 do CPC). No entanto, era prevista em abstrato a cognição de outras matérias, de forma ampla, como as de mérito.

A cognição vertical por sua vez, está relacionada a profundidade da apreciação da causa pelo julgador.

Explica Friede, Klippel e Albani (2009, p. 20):

Quando se falar em cognição em seu aspecto vertical ou profundidade, quer-se identificar (i) qual o grau de convencimento que o magistrado desenvolveu, ao analisar uma questão – profundidade em seu aspecto subjetivo; bem como (ii) qual foi a quantidade de elementos de convicção, probatórios, que teve à sua disposição – profundidade no sentido objetivo.

A cognição vertical pode ser exauriente ou sumária. Será sumária quando a profundidade da análise, em aspecto subjetivo e objetivo, são realizados de forma mínima, ou seja, o magistrado não possui a certeza das razões do autor, tampouco fez uso de todos os meios de convencimentos disponíveis para alcançar a certeza das razões, mas nelas vê uma plausibilidade. Já a cognição exauriente é completa, pois o juiz está completamente convencido de seu juízo, bem como utilizou todos os elementos probatórios submetidos ao contraditório para decidir (FRIEDE, KLIPPEL e ALBANI, 2009).

As tutelas de urgência são, em regra, proferidas com base em cognição sumária.

3.5.3 A revogabilidade

Aduz o §4º, do art. 273 do CPC, que "a tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada".

No mesmo sentido, em relação à tutela cautelar, aduz o art. 807 do CPC que "as medidas cautelares conservam a sua eficácia no prazo do artigo antecedente e na pendência do processo principal, mas podem, a qualquer tempo, ser revogadas ou modificadas".

Assim, pela leitura dos artigos acima transcritos afirma-se a possibilidade de toda tutela urgente ser revogada a qualquer tempo.

A possibilidade de revogação das tutelas de urgência encontra fundamento no fato de que as medidas de urgência são concedidas com base em cognição sumária, de juízo de plausibilidade, e não de certeza, o que permite mais facilmente o cometimento de erros (FRIEDE, KLIPPEL e ALBANI, 2009).

3.5.4 A provisoriedade e temporariedade

As tutelas de urgência possuem ainda como característica a provisoriedade, no sentido de que a decisão não objetiva eternizar-se, prolongar-se pelo tempo, mas apenas impedir os efeitos deletérios do tempo (FRIEDE, KLIPPEL e ALBANI, 2009).

Segundo Ovídio Baptista da Silva, a tutela cautelar e a tutela antecipada lidam de forma diferente em relação ao fato de não perdurarem no tempo. Segundo esse autor a tutela cautelar seria temporária, enquanto que a tutela antecipada seria provisória (JAQUELINE MIELKE SILVA, 2009).

Leciona Calamandrei (apud MIELKE SILVA, 2009, p. 24):

Temporâneo é, simplesmente, aquilo que não dura sempre, aquilo que, independentemente da superveniência de outro evento, tem por si mesmo duração limitada; provisório é, por sua vez, aquilo que é estabelecido para durar enquanto não sobrevenha um evento sucessivo, em vista e na espera do qual o estado de provisoriedade permanece no ínterim. Nesse sentido, provisório equivale a interino: ambas as expressões indicam aquilo que é estabelecido para durar somente aquele tempo intermediário que precede o evento esperado.

Assim, a tutela de urgência não tem como objetivo a duração ad eternum no tempo, mas é equivocado dizer que esta é provisória, pois, como visto a tutela cautelar dura por certo tempo, ou seja, é temporária, enquanto que a tutela antecipada é provisória, pois será substituída ao final do processo por decisão definitiva.

3.6 A tutela de urgência e os momentos em que pode ser deferida

Sobre as tutelas de urgência, importante é estudar o momento em que ela pode ser deferida. Segundo Friede, Klippel e Albani (2009), as tutelas de urgência podem ser deferidas liminarmente, após o contraditório do réu, na sentença e em sede recursal. Vejamos cada hipótese.

3.6.1 Medida liminar

Segundo Horcaio (2008) liminar é "medida tomada por ordem judicial com a finalidade de resguardar direitos antes da discussão do feito".

Esclarece Friede, Klippel e Albani (2009, p. 40):

(...) pode-se dizer que liminar transmite um conceito topológico, ou seja, ligado a uma determinada localização espacial. Liminar é tudo aquilo que se realiza no início do procedimento animado pela relação processual.

A liminar é ato jurídico por meio do qual se julga pedido de tutela de urgência sem que se ouça, previamente, aquele que deverá suportar os efeitos negativos do provimento judicial (FRIEDE, KLIPPEL e ALBANI, 2009).

Na prática forense o termo liminar é utilizado de forma equivocada, vez que equiparam a liminar às tutelas de urgência, como se fosse uma nova espécie de tutela de urgência. Entretanto, não se trata de nova espécie, mas apenas de meio de se alcançar a medida de urgência no início do processo. Sua designação é temporal.

Por fim, é necessário fazer uma observação: toda liminar é inaudita altera parte, pois toda liminar é concedida antes do contraditório, ou seja, antes de ser ouvida a parte contrária. É comum o uso do termo inaudita altera parte para diferenciar uma medida liminar concedida antes do contraditório de outra concedida após o contraditório. Entretanto, como já vimos, a liminar é sempre antes do contraditório, e qualquer decisão protetiva proferida após o contraditório é simplesmente uma tutela de urgência, mas não liminar.

3.6.2 Após o contraditório do réu

Esta é a regra no ordenamento jurídico brasileiro, em observância ao princípio do contraditório.

Assim, em regra, as tutelas de urgência são concedidas depois de ouvida a parte contrária, ou seja, após a completa instauração da relação processual e a oportunização de ampla defesa ao requerido.

Nesse sentido, esclarece Friede, Klippel e Albani (2009, p. 46):

Em razão do princípio constitucional do contraditório, a regra é que o deferimento das tutelas de urgência ocorra sempre após a completa instauração da relação processual, sendo garantido o contraditório à parte contrária, tratando como exceção, nos termos do art. 797 do CPC, o deferimento liminar das tutelas de urgência.

Dessa forma, presentes os requisitos necessário para a concessão da tutela de urgência, deve esta ser concedida pelo magistrado, visando garantir o efetivo acesso à Justiça e a tutela jurisdicional.

3.6.3 Na sentença

Segundo Friede, Klippel e Albani (2009), as tutelas de urgência podem ser concedidas quando da sentença em duas situações: a) confirmando ou revogando tutela de urgência concedida anteriormente, e; b) no corpo da sentença, como ato inédito no procedimento.

No primeiro caso, a sentença possui caráter substitutivo mesmo confirmando ou revogando a medida de urgência. Como exemplo dessa primeira situação, podemos citar a antecipação de tutela, que poderá vigorar, enquanto permanecerem seus requisitos, até a sentença que a substituirá em caráter definitivo.

No segundo caso, a tutela de urgência é concedida na sentença retirando o efeito suspensivo, no caso de possível interposição de recurso (Friede, Klippel e Albani, 2009).

3.6.4 Em sede recursal

Como vimos, as tutelas de urgência visam garantir o acesso à justiça, mas não apenas no sentido de garantir o ingresso em juízo, mas abarcando nesse termo a efetividade da tutela jurisdicional a ser prestada pelo Estado. Desta forma, é possível a concessão da tutela de urgência em sede recursal.

Nesse sentido, lecionada Friede, Klippel e Albani (2009, p. 50):

No entanto, vale ressaltar que é possível a análise do pedido de tutela de urgência mesmo em grau recursal, podendo-se buscar a fruição de um bem da vida ou até mesmo obstaculizar este acesso (o que se teria através da concessão do efeito suspensivo ao recurso), pois enquanto não solucionada e definitivamente a lide, ou, após sua solução, não entregue o bem da vida do indivíduo, é possível a obtenção das tutelas de urgência para garantir a referida efetividade da prestação da tutela jurisdicional em qualquer grau de jurisdição.

Enquanto houver urgência para o provimento de uma tutela, não importa em que instância se esteja, a tutela de urgência pode ser pleiteada e concedida.

3.7 A execução das tutelas de urgência

Sobre a execução das tutelas de urgência, explica Friede, Klippel e Albani (2009, p. 53):

Em regra, as tutelas de urgência são decisões condenatórias deferidas para garantir a efetividade da prestação da tutela jurisdicional, tratando de antecipar os efeitos do pedido ou mesmo resguardar uma situação fática/jurídica futura, a fim de evitar lesão irreparável ou de difícil reparação à parte.

Assim, ao deferir uma tutela de urgência o juiz determina uma ação ou uma omissão (obrigação) a ser praticada pela parte ré.

Entretanto, nem sempre essa determinação é cumprida de forma espontânea, necessitando-se então da atuação estatal para garantir o direito da parte credora da obrigação.

Explica Friede, Klippel e Albani (2009, p. 52):

Nesse caso, o Estado é autorizado a tomar atitudes, inclusive de ofício, a fim de obter a satisfação da obrigação, sancionando o devedor, inclusive invadindo sua esfera patrimonial, se for o caso, para que possa conseguir deste, mesmo que de forma forçada, o cumprimento da obrigação.

Essa atuação do Estado-juiz, voltada a obter coercitivamente o cumprimento da obrigação, invadindo a esfera jurídica e patrimonial do devedor, entregando o bem da vida ao credor, se chama de execução forçada.

Essas decisões condenatórias, embora ainda não definitivas, podem ser executadas, pois são títulos executivos judiciais, nos termos do Código de Processo Civil (FRIEDE, KLIPPEL e ALBANI, 2009).

Por serem títulos executivos judiciais, a execução segue o procedimento descrito no Código de Processo Civil.

O Código de Processo Civil prevê ainda a aplicação de astreintes, para o caso de inadimplemento da obrigação imposta, que segundo Marcelo Abelha Rodrigues (apud FRIEDE, KLIPPEL e ALBANI, 2009, p. 56):

é inspirada no direito francês e no instituto do contempt of court do ordenamento anglo-saxão, é forma de coerção psicológica do executado, atuando de modo a pressioná-lo a cumprir a obrigação específica. Também é aplicável nas execuções de fazer e não fazer fundadas em título executivo extrajudicial. A multa tanto pode ser aplicada para servir de técnica de coerção para provimentos antecipatórios urgentes como para provimentos finais não urgentes que concedam a tutela específica.

Resumidamente, a astreintes é meio coercitivo utilizado pelo Estado para que haja o cumprimento da obrigação, pois em caso de inadimplemento haverá a sua incidência.

Por fim, cabe-nos apenas observar que toda medida urgente pode ser executada para que seja cumprida na forma determinada, em conformidade com o CPC, com o objetivo de que a tutela jurisdicional seja efetivamente prestada, ou seja, que não haja lesão a direito.

Sobre a autora
Jacqueline Fernandes Oliveira

Bacharel em Direito. Assessora jurídica do Ministério Público Estadual do Estado de Mato Grosso do Sul

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Jacqueline Fernandes. A fungibilidade das tutelas de urgência e sua aplicação nas decisões judiciais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2918, 28 jun. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19436. Acesso em: 22 dez. 2024.

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