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A fungibilidade das tutelas de urgência e sua aplicação nas decisões judiciais

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Agenda 28/06/2011 às 09:32

4 APONTAMENTOS ACERCA DA TUTELA CAUTELAR E DA TUTELA ANTECIPADA

Neste capítulo faremos alguns apontamentos acerca da tutela cautelar e da tutela antecipada, diferenciando-as entre si, a fim de evitar confusões entre os termos como ocorre habitualmente na prática forense.

4.1 A tutela cautelar

Como mencionamos no capítulo 1, a maior parte dos doutrinadores de Direito Processual Civil divide o processo em três espécies: o de conhecimento, o de execução e o cautelar.

O processo cautelar tem como objeto a tutela cautelar, que é uma espécie de tutela de urgência, como já classificamos no capítulo 2.

Neste capítulo, buscando diferenciar a tutela cautelar da tutela antecipada é necessário conceituá-la, explicar seus requisitos e, não menos importante, entender a questão da satisfatividade desta tutela, assunto este de grande divergência na doutrina e jurisprudência.

4.1.1 Conceito

Segundo Câmara (2005, p. 17):

Denomina-se medida cautelar o provimento judicial capaz de assegurar a efetividade de uma futura atuação jurisdicional. É normalmente concedida através de um processo destinado à verificação de seu cabimento e, em seguida (no mesmo processo) à sua efetivação, a que se dá o nome de processo cautelar. Diz-se que ela é normalmente concedida no processo cautelar porque não se pode negar a existência de casos em que a medida cautelar é concedida no bojo de outro processo, de conhecimento ou de execução.

Assim, a tutela cautelar é um tipo de provimento judicial que visa garantir a efetivação de uma futura atuação jurisdicional.

Para Wambier, Talamini e Almeida (2008), medida cautelar é termo genérico que abrange todo meio processual que tem como objetivo garantir a eficácia de um provimento jurisdicional.

Theodoro Júnior (2009, p. 488) em sua brilhante lição, conceitua:

Assim visto o problema, podemos definir a medida cautelar como a providência concreta tomada pelo órgão judicial para eliminar uma situação de perigo para direito ou interesse de um litigante, mediante conservação do estado de fato ou de direito que envolve as partes, durante todo o tempo necessário para a definição do direito no processo de conhecimento ou para a realização coativa do direito do credor sobre o patrimônio do devedor, no processo de execução.

Complementando a lição de Theodoro Júnior, trazemos à baila a lição de Ovídio A. Baptista da Silva (2000, p. 17):

A tutela cautelar faz parte do gênero tutela preventiva e tem por fim dar proteção jurisdicional ao direito subjetivo ou a outros interesses reconhecidos pela ordem jurídica como legítimos, mas que não se identificam com os denominados direitos subjetivos. Na verdade, a tutela cautelar tem por fim proteger não apenas direitos subjetivos, mas igualmente, e, poderíamos dizer até, preponderantemente, proteger pretensões de direito material, ações e exceções, quando seus respectivos titulares aleguem que tais interesses, reconhecidos e protegidos pelo direito, encontrem-se sob ameaça de um dano irreparável.

Desta forma, diante dos vários conceitos aqui apresentados, podemos afirmar que a tutela cautelar é uma espécie de provimento judicial que tem como objetivo garantir a efetividade dos direitos e da própria pretensão ameaçada de sofrer mal irreparável.

4.1.2 Classificação das tutelas cautelares

Seguindo os ensinamentos de Theodoro Júnior (2009), a tutela cautelar pode ser classificada da seguinte maneira quanto à finalidade e objeto:

a)Medidas para assegurar bens;

b)Medidas para assegurar pessoas;

c)Medidas para assegurar provas.

Segundo o autor, as medidas cautelares que têm por fim garantir bens visam garantir uma futura execução; as medidas para assegurar pessoas têm por fim a guarda provisória destas e, por fim, as medidas para resguardar provas compreendem a coleta de elementos de convicção, antecipadamente, para uma futura utilização na instrução de um processo.

O autor afirma existir ainda duas classificações presentes no Código de Processo Civil que dividiriam as medidas cautelares em típicas (também chamada nominadas) e atípicas (ou inominadas), bem como em medidas preparatórias e medidas incidentes.

Entretanto, como ressalta Câmara (2005), não há consenso na doutrina quanto à classificação da medida cautelar.

Calamandrei (apud Câmara, 2005) classificava as medidas cautelares em quatro tipos:

a) medidas de antecipação da instrução, que têm como objetivo a produção antecipada de provas que serão utilizadas em um futuro processo;

b) medidas de garantia da futura execução forçada, que visam garantir a efetividade da execução, evitando que os bens sejam dispersos pelo executado;

c) medidas antecipatórias, que regulamentam provisoriamente uma condição fundamental, que futuramente será substituída pela sentença definitiva; e, por fim,

d) medidas que consistem na imposição de uma caução, que nas palavras de Câmara (2005, p. 19), a "prestação é exigida como requisito para que se possa obter um posterior provimento jurisdicional".

Já para Carnelutti (apud Câmara, 2005) há três tipos de medidas cautelares. São elas:

a) medidas cautelares inibitórias, como a manutenção de posse e o seqüestro;

b) medidas cautelares restitutórias, como a reintegração de posse; e,

c) medidas cautelares antecipatórias, como a produção antecipada de provas.

Outra classificação citada por Câmara (2005) é a de Galeno Lacerda, que propõe três critérios de classificação das medidas cautelares: quanto à finalidade; quanto à posição processual e o caráter da medida; e quanto à natureza.

Segundo esta classificação, quanto à finalidade, as medidas cautelares seriam:

a) de segurança quanto à prova;

b) de segurança quanto aos bens; e,

c) de segurança mediante antecipação provisória da prestação jurisdicional.

Quanto à posição e o caráter da medida, esta poderia ser antecedente ou incidente, sendo que esta última se subdividiria em preventivas e repressivas.

No que tange à natureza da tutela cautelar, as medidas podem ser jurisdicionais e administrativas (que podem, ainda, ser divididas em voluntárias e concedidas de ofício pelo juiz).

Por fim, citamos a classificação adotada por Câmara (2005), que a faz dividindo em três critérios: quanto à tipicidade, quanto ao momento da postulação e quanto à finalidade.

Quanto à tipicidade, as medidas cautelares podem ser típicas, isto é, aquelas previstas no nosso ordenamento jurídico, e atípicas, que embora não previstas no ordenamento jurídico podem ser concedidas pelo juiz por meio do poder geral de cautela.

Quanto ao momento da postulação, as medidas cautelares podem ser antecedentes, que são as pleiteadas antes da instauração do processo principal, e incidentes, pleiteadas no curso do processo principal.

Finalmente, quanto à finalidade, o autor admite a existência de três categorias de medidas cautelares:

a) medidas de garantia da cognição, que visam garantir a eficácia de um futuro processo cognitivo;

b) medidas de garantia da execução, que visam garantir a eficácia de um futuro processo executivo; e, por fim,

c) medidas que consistem em uma caução.

Como visto, não há consenso na doutrina acerca da melhor forma de classificar a tutela cautelar, havendo semelhanças entre algumas classificações, e entre outras, total discrepância. Entretanto, como menciona Câmara (2005) acerca das classificações doutrinárias, todas possuem qualidades inegáveis e nenhuma é inteiramente imune a críticas.

4.1.3 O fumus boni iuris e o periculum in mora

Na doutrina não há consenso quanto a estes elementos. Para alguns doutrinadores o fumus boni iuris e o periculum in mora são condições especiais da ação cautelar; já para outros, seriam elementos que se situam no mérito da ação cautelar.

Há ainda uma corrente intermediária que defende que o fumus boni iuris compõe o mérito da ação cautelar, enquanto que o periculum in mora seria condição genérica da ação; e há, ainda, o entendimento de Eduardo Arruda Alvim, para quem tais elementos seriam a causa de pedir do processo cautelar (apud CASTAGNA, 2008).

Descobrir a natureza desses elementos não é útil ao presente trabalho, nem tampouco indicar qual a corrente seria a mais adequada. No momento interessa-nos apenas entender tais elementos, sem adentrarmos em grandes discussões doutrinárias, que por muito se delongariam.

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4.1.3.1 O fumus boni iuris

Na ação cautelar não é necessário a prova cabal da existência do direito alegado pelo demandante, vez que, comumente, tal prova é feita no processo principal após uma longa instrução processual.

Como já dissemos a tutela cautelar é espécie de tutela de urgência e por isso não é prestada com base em cognição exauriente, mas tão somente em cognição sumária.

Assim, para a concessão da tutela cautelar é necessário a presença do fumus boni iuris, traduzido por "fumaça do bom direito".

Segundo Vicente Greco Filho (2002, p. 154):

O fumus boni iuris (fumo do bom direito) é a probabilidade ou possibilidade da existência do direito invocado pelo autor da ação cautelar e que justifica a sua proteção, ainda em caráter hipotético. Este pressuposto tem por fim evitar a concessão de medidas quando nenhuma é a probabilidade ou possibilidade de sucesso e, portanto, inútil a proteção cautelar. Para a aferição dessa probabilidade não se examina o conflito de interesses em profundidade, mas em cognição superficial e sumária, em razão mesmo da provisoriedade da medida. O fumus boni iuris não é um prognóstico de resultado favorável no processo principal, nem uma antecipação do julgamento, mas simplesmente um juízo de probabilidade, perspectiva essa que basta para justificar o asseguramento do direito.

Complementando, importante lembrar a ilustre lição de Friede, Klippel e Albani (2009, p. 109):

Parece que o ideal seria entendê-lo como a plausibilidade do direito afirmado, numa escala mais simples dentre as probabilidades, pois na verdade, não se busca em cognição sumária fazer um juízo prévio do mérito do processo principal, mas tão-somente entender se é possível a existência do direito alegado pelo requerente no processo principal, para o fim de, tão-somente, entregar uma tutela conservativa.

Por fim, trazemos à baila os ensinamentos de Wambier, Talamini e Almeida (2008, p. 40):

A expressão fumus boni iuris significa aparência de bom direito, e é correlata às expressões cognição sumária, não exauriente, incompleta, superficial ou perfunctória. Quem decide com base em fumus não tem conhecimento pleno e total dos fatos e, portanto, ainda não tem certeza quanto a qual seja o direito aplicável. Justamente por isso é que, no processo cautelar, nada se decide acerca do direito da parte. Decide-se: se A tiver o direito que alega ter (o que é provável), devo conceder a medida pleiteada, sob pena do risco de, não sendo ela concedida, o processo principal não pode ser eficaz (porque, por exemplo, o devedor não terá mais bens para satisfazer o crédito).

Igualmente, podemos afirmar que o fumus boni iuris pode ser entendido como a plausibilidade do direito alegado pelo autor. Não é necessária a plena convicção do magistrado acerca do fato e da existência do direito, mas apenas que seja possível que o autor esteja certo quanto ao que alega.

Cabe ao Estado-Juiz averiguar a probabilidade do direito do autor para que se possa conceder a tutela cautelar. Importante frisar que o fumus não é o único requisito a ser preenchido para que se conceda a tutela cautelar, sendo necessário, na verdade, a presença de outro requisito, o periculum in mora, que será adiante explicado.

Por fim, vale lembrar que a certeza quanto à existência do direito do autor torna a tutela cautelar inadequada, pois diante de tal fato melhor seria a concessão imediata da tutela jurisdicional definitiva e satisfativa (CÂMARA, 2005).

4.1.3.2 O periculum in mora

O periculum in mora (ou perigo na demora) é outro requisito essencial para a concessão da tutela cautelar.

A medida cautelar tem como objetivo evitar que a tutela do direito pleiteado por ação, a ser proposta ou já em curso, venha a ser inútil ou ineficaz. Assim, para que a parte possa ter direito a tutela cautelar é necessário que comprove que necessita de uma medida urgente, pois o decurso do tempo acarretará lesão grave e de difícil reparação.

O risco de lesão ocasionada pelo decurso do tempo é o que se chama de periculum in mora.

Segundo Castagna (2008, p. 182-183):

O periculum in mora, por sua vez, nas palavras do art. 798 do CPC, corresponde ao receio de que uma parte, antes do julgamento da lide principal, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação. Constitui o risco de dano ao direito da parte pela provável demora da prestação jurisdicional definitiva, afetando a utilidade a eficácia da sentença de mérito a ser prolatada no processo de conhecimento ou a satisfação do credor, no processo de execução.

Complementando, esclarece Wambier, Talamini e Almeida (2008, p. 40) que "é significativa da circunstância de que ou a medida é concedida quando se a pleiteia ou, depois, de nada mais adiantará a sua concessão. O risco da demora é o risco da ineficácia".

Percebendo o magistrado a existência desses dois elementos (fumus boni iuris e periculum in mora) deverá conceder a tutela cautelar.

4.1.4 Poder geral de cautela

Aduz o artigo 798 do Código de Processo Civil:

Art. 798. Além dos procedimentos cautelares específicos, que este Código regula no Capítulo II deste Livro, poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação.

O Código de Processo Civil previu diversas medidas cautelares específicas, chamadas de cautelares nominadas.

Entretanto, devido ao infinito número de possibilidades que podem ocorrer no dia a dia que podem gerar lesão grave e de difícil reparação a direito de outrem, torna-se impossível ao legislador prevê e normatizar todas essas possibilidades.

Assim, criou o legislador o "poder geral de cautela", também chamado de poder cautelar geral ou poder cautelar genérico (CÂMARA, 2005).

Leciona Câmara (2005, p. 47):

O poder geral de cautela é, portanto, um poder atribuído ao Estado-Juiz, destinado a autorizar a concessão de medidas cautelares atípicas, assim compreendidas as medidas cautelares que não estão descritas em lei, toda vez que nenhuma medida cautelar típica se mostrar adequada para assegurar, no caso concreto, a efetividade do processo principal. Trata-se de poder que deve ser exercido de forma subsidiária, pois que se destina a completar o sistema, evitando que fiquem carentes de proteção aquelas situações para as quais não se previu qualquer medida cautelar típica.

Nas palavras de Bedaque (2009, p. 229) "o poder geral de cautela corresponde à possibilidade de se conceder cautelar inominada para situações não tipificadas pelo legislador".

Assim, existindo risco de grave lesão, de difícil reparação, a direito de outrem, e não havendo cautelar específica para a situação, pode o juiz conceder a tutela cautelar inominada.

O poder geral de cautela é discricionário. Essa discricionariedade não é a mesma aplicada ao Direito Administrativo que possibilita ao agente público a escolha de fazer ou não fazer determinado ato, em matéria processual o juiz não pode deixar de praticar um ato necessário para a garantia da tutela efetiva, mas apenas dar-lhe forma prática, preenchendo a idéia genérica com os dados da situação prática, conforme ensina Teresa Arruda Alvim Wambier (apud THEODORO JÚNIOR, 2009, p. 504):

(...) É claro que ao aplicador da norma imprecisa não compete deixar de aplicá-la, mas terá de dar-lhe aplicação prática, completando a idéia genérica da lei com dados de um juízo concreto sobre as particularidades do caso sub examine. Dessa maneira, há necessariamente um espaço criativo reservado ao juiz no momento de concretização do preceito legal.

Finalizando, importante ressaltar que esse poder atribuído ao juiz não é ilimitado e arbitrário; o poder geral de cautela sofre limitações como o preenchimento do requisito "necessidade", pois somente medida realmente necessária é deferida; a impossibilidade de que essas medidas assumam o caráter satisfativo, pois seu objetivo é apenas conservar a possibilidade de realização do direito; entre outras limitações (THEODORO JÚNIOR, 2009).

4.1.5 A questão da satisfatividade

Antes do surgimento da tutela antecipada, as situações urgentes que mereciam uma tutela jurisdicional, com cognição sumária, se realizavam por meio da tutela cautelar.

A tutela cautelar embora tenha como objetivo apenas a proteção do direito almejado pela parte e posto sobre julgamento perante o Estado, acabava por vezes satisfazendo a própria pretensão da parte, antecipando os efeitos de uma sentença que só viria no final da lide.

Essa situação era tolerada pela doutrina e jurisprudência nessa época, já que não havia no ordenamento jurídico uma forma de sumarização do direito subjetivo.

Com o advento da tutela antecipada, essa situação passou a ser controversa entre os estudiosos do direito, pois, para alguns doutrinadores, com a positivação da tutela antecipada não poderia a cautelar ser satisfativa, como ocorria em alguns casos, pois o efeito satisfativo antecipado seria apenas da medida prevista no art. 273 do CPC.

A doutrina majoritária entende que a cautelar não pode ser satisfativa. Nesse sentido citamos como defensores desse posicionamento os autores Ovídio Araújo Baptista da Silva, Kazuo Watanabe, Teori Albino Zavascki, Luiz Guilherme Marinoni, Cândido Dinamarco, Humberto Theodoro Júnior, Arruda Alvim, Ada Pellegrini Grinover, Nelson Nery Junior e Victor Bomfim Marins (GEONES MIGUEL LEDESMA PEIXOTO, 2003).

Nesse sentido, citamos a lição de Nelson Nery Júnior (apud Castagna, 2008, p. 162):

Com a instituição da tutela antecipatória dos efeitos da sentença de mérito no direito brasileiro, de forma ampla, não há mais razão para que seja utilizado o expediente das impropriamente denominadas "cautelares satisfativas", que constitui em si uma contradictio in terminis, pois as cautelares não satisfazem: se a medida é satisfativa é porque, ipso facto, não é cautelar. (Grifo do autor)

Entendemos que a satisfatividade proveniente da tutela cautelar pode tornar a sentença inócua. Por exemplo, em uma cautelar inominada que pleiteia ordem para transfusão de sangue não permitida pela família por motivos religiosos, se concedida liminarmente a tutela cautelar, uma futura sentença deferindo o pedido será sem efeito, pois no plano fático a transfusão já se realizou.

Didaticamente, o correto seria o ajuizamento de ação de conhecimento cumulada com pedido liminar de antecipação de tutela. Entretanto, por diversos motivos, nem sempre é isso que ocorre.

Em um caso como o do exemplo acima é melhor o magistrado conceder a tutela cautelar satisfativa do que indeferir o pedido e aguardar o ajuizamento da ação correta, pois esta demora poderá ocasionar a cessação do direito pleiteado: in casu, o direito à vida.

Desta forma, não podemos negar a existência da cautelar satisfativa. Não apenas pelo exemplo acima, mas podemos lembrar o caso dos alimentos provisionais. Nos alimentos provisionais a proteção do direito é garantida pela declaração do dever de prestar alimentos, que deverão ser pagos. Ora, o pagamento dos alimentos provisionais é a satisfação do direito de receber prestação alimentícia. Assim, estamos diante de uma cautelar satisfativa, o provimento judicial é provisório, mas satisfaz o direito do requerente. "Eles atendem e realizam a pretensão alimentar. Logo, satisfazem o credor" (BAPTISTA DA SILVA, 2000, p. 41).

Assim, existindo uma situação prática onde haja confusão entre os institutos, deve o magistrado ser flexível em seu julgamento, preferindo abrir mão da caracterização peculiar de cada tutela de urgência para dar espaço à função do processo e à efetividade da tutela jurisdicional (PEIXOTO, 2003).

4.2 A tutela antecipada

A tutela antecipada é considerada uma das maiores inovações dos últimos anos no Processo Civil. Sua criação, por exemplo, tornou possível a cognição sumária no processo de conhecimento, evitando assim os males que um processo demorado causa às partes.

4.2.1 A reforma do CPC e a tutela antecipada

A tutela antecipada foi introduzida no ordenamento jurídico por meio da Lei 8.952 de 13 de Dezembro de 1994. Ocorre que muito antes de seu surgimento na legislação brasileira, notava-se no meio forense a agitação decorrente da necessidade de se evitar os danos causados pela morosidade do processo (THEODORO JÚNIOR, 2009).

Explica Theodoro Júnior (2009, p. 660):

De início, lutava-se apenas pela preservação dos bens envolvidos no processo lento e demorado, afastando-os de eventual situação perigosa à sua conservação, para submetê-los, afinal, à sentença, de forma útil para os litigantes. Com essa preocupação, construiu-se basicamente a teoria das medidas cautelares. Mas ficava fora do campo demarcado para a tutela preventiva um outro grave problema, que era o da demora na prestação jurisdicional satisfativa, o qual, em si mesmo, poderia configurar uma denegação de justiça, ou uma verdadeira sonegação da tutela jurisdicional assegurada entre as garantias fundamentais do moderno Estado Social de Direito.

A evolução do Direito europeu concebeu a tutela provisória não apenas para conservar, mas também para regular a situação jurídica das partes (THEODORO JÚNIOR, 2009).

Nesse panorama evolutivo do Direito em todo o mundo foi que ocorreu a reforma do CPC aqui no Brasil. Sem dúvidas a reforma trouxe como um de seus principais marcos o texto do art. 273, que previu a "antecipação de tutela".

Nas palavras de Kazuo Watanabe (apud Theodoro Júnior, 2009, p. 663), houve, na verdade, "inovação nos tipos de provimentos jurisdicionais, com relevante repercussão nos poderes do juiz".

A possibilidade de se antecipar os efeitos da sentença de mérito concedeu ao magistrado o poder de dirigir um processo caracterizado pela efetividade e tempestividade da tutela jurisdicional.

Obviamente que os problemas existentes na prestação jurisdicional em nosso país não se restringem apenas em deficiências legislativas; como mencionamos no capítulo 1 deste trabalho, a demora que ocorre na efetivação dos serviços prestados pelo Poder Judiciário é gerada por outros fatores também, mas podemos afirmar que a existência da tutela cautelar e a positivação da tutela antecipada em nosso ordenamento jurídico em muito contribui para amenizar os efeitos da dilação processual, apresentando sim, uma Justiça com melhores resultados.

4.2.2 Conceito de tutela antecipada

Segundo Theodoro Júnior (2009, p. 664):

Diz-se, na espécie, que há antecipação de tutela porque o juiz se adianta para, antes do momento reservado ao normal julgamento do mérito, conceder à parte um provimento que, de ordinário, somente deveria ocorrer depois de exaurida a apreciação de toda a controvérsia e prolatada a sentença definitiva.

O autor ainda explica:

Mais do que um julgamento antecipado da lide, a medida autorizada pelo art. 273 do CPC vai ainda mais longe, entrando, antes da sentença de mérito, no plano da atividade executiva. Com efeito, o que a lei permite é, desde logo, a execução de alguma prestação que haveria, normalmente, de ser realizada depois da sentença de mérito e já no campo da execução forçada. Realiza-se, então, uma provisória execução, total ou parcial, daquilo que se espera venha a ser o efeito de uma sentença ainda por proferir. E nesse âmbito a providência antecipatória tanto pode corresponder a medidas positivas como negativas.

Assim, podemos afirmar que a tutela antecipada é uma espécie de medida de urgência, dotada de satisfatividade, que concede o fruir do direito, o seu exercício, ainda que provisório, surtindo os efeitos da própria tutela almejada para o fim da lide, antes do momento normal para sua concessão.

4.2.3 Natureza jurídica da decisão que antecipa a tutela

Segundo a doutrina majoritária e, Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Francisco Mitidiero (apud Mielke Silva, p. 210), "a decisão que antecipa ou não a tutela jurisdicional no primeiro grau de jurisdição é uma decisão interlocutória (art. 162, §2º, CPC) e desafia o recurso de agravo (art. 522, CPC)".

Já para a autora Mielke Silva (2009), as medidas antecipatórias são, na verdade, decisões de mérito.

Entendemos ser mais adequado o ensinamento de que a natureza jurídica da decisão que concede ou não a tutela antecipada é de decisão interlocutória, por entendermos também que a idéia de mérito está ligada à idéia de declaração quanto ao direito, e que para haver tal proferimento por parte do magistrado é necessária a certeza.

4.2.4 Requisitos para a concessão da tutela antecipada

O art. 273 do CPC apresenta vários requisitos necessários para a concessão da tutela antecipada. Esses requisitos estão distribuídos ao longo do mencionado artigo.

Os pressupostos necessários para a possibilidade de concessão da tutela antecipada encontram-se no caput, no parágrafo segundo, nos incisos I e II, e no parágrafo sexto (FRIEDE, KLIPPEL e ALBANI, 2009).

Os requisitos gerais encontram-se no caput do art. 273, e são eles:

a) requerimento da parte;

b) relação entre os efeitos que se quer antecipar e o pedido principal da demanda;

c) verossimilhança das alegações; e

d) prova inequívoca (FRIEDE, KLIPPEL e ALBANI, 2009).

Sem muita delonga, a tutela antecipada não pode ser concedida de ofício, pois exige o pedido da parte, sendo legitimados para pleitear tal pedido "todos aqueles que se encontram na mesma situação processual do autor, ou seja, o reconvinte ou o réu nas ações dúplices, visto que se coloca na posição de autor" (FRIEDE, KLIPPEL e ALBANI, 2009, p. 137).

O segundo requisito geral é a relação entre os efeitos que se quer antecipar e o pedido principal da demanda, que determina que o juiz só poderá antecipar os efeitos da tutela pretendida na inicial (FRIEDE, KLIPPEL e ALBANI, 2009).

Leciona Friede, Klippel e Albani (2009, p. 142):

O requisito em tela é essencial para que se compreenda o próprio mecanismo de funcionamento da tutela antecipada, visto que deixa transparente a noção de que antecipar a tutela significa permitir o acesso da parte a um efeito prático que a efetivação da tutela jurisdicional definitiva traria ao postulante – em regra o autor, com possibilidades também para o réu. "Assim, pois antecipar os efeitos da tutela pretendida significa antecipar eficácias potencialmente contidas na sentença". (Grifos do autor)

Mais adiante os autores complementam esclarecendo que caso não haja relação entre o pedido que se quer antecipar e o pedido principal da demanda, havendo deferimento da tutela antecipada se estaria proferindo verdadeira decisão extra petita.

Quanto à verossimilhança das alegações, leciona Friede, Klippel e Albani (2009, p. 146):

Verossimilhança pode ser entendida como juízo de probabilidade, o que significa que as alegações fáticas e jurídicas apresentadas, em um juízo sumário e prévio ao mérito, se mostram provavelmente verídicas. (Grifo do autor)

Assim, ao apreciar o pedido de antecipação de tutela deve o magistrado analisar as alegações (fáticas e jurídicas) do requerente, podendo antecipar a tutela se perceber que ambas são verossímeis (FRIEDE, KLIPPEL e ALBANI, 2009).

Por fim, o último requisito geral é a apresentação de prova inequívoca, que segundo os autores Friede, Klippel e Albani (2009), nada mais é, do que prova lícita capaz de convencer o magistrado de que é grande a possibilidade de ser verdadeira a alegação trazida em juízo.

O requisito contido no §2º, do art. 273, do CPC, é chamado pelos autores Friede, Klippel e Albani de requisito negativo. Trata-se da reversibilidade da medida.

Prescreve o §2º, do art. 273, do CPC, que "não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado".

Assim, segundo Friede, Klippel e Albani (2009, p. 150):

O perigo de irreversibilidade centra-se nos efeitos práticos da tutela antecipada, quando, em caso de modificação da decisão concessiva, se perceba a impossibilidade ou dificuldade de restituir as coisas ao estado anterior (status quo ante).

Dessa forma, havendo risco de ser impossível, ou no mínimo difícil, restituir as coisas à forma como era antes não poderá o magistrado conceder a antecipação de tutela.

Preenchidos os requisitos gerais, e ausente o requisito negativo, basta o preenchimento de mais um requisito para a concessão da tutela antecipada.

Alguns doutrinadores preferem chamar esse "requisito" de hipótese ou causa de pedir. São três as hipóteses ou causas de pedir da antecipação de tutela, mas que são alternativas, ou seja, havendo uma das situações descritas poderá haver a antecipação da tutela.

As hipóteses estão elencadas nos incisos I e II, e também no §6º, todos do art. 273, do CPC.

A primeira causa de pedir, do inciso I, é quando "haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação". É o chamado periculum in mora, já abordado neste trabalho, e por isso, não mais versaremos sobre o assunto.

A segunda causa de pedir, do inciso II, é a caracterização de abuso de direito de defesa ou de manifesto propósito protelatório do réu.

Explica Friede, Klippel e Albani (2009, p. 156-157):

Caso a demora natural que o caminhar dos atos processuais causa tornar-se patológica devido ao exercício abusivo do direito de defesa, manifesta-se um exercício ilícito do direito ao contraditório, que deve se ater aos limites da probidade processual, devendo, nos dias de hoje, ser descaracterizada qualquer feição duelística do processo, visto que tal privatismo atenta contra a natureza e o fim públicos do mesmo. Sendo assim, defender-se é um direito, mas que deve ser exercido dentro dos padrões da legalidade e da probidade.

Assim, havendo abuso do direito de defesa, ou manifesto propósito protelatório do réu, poderá o juiz conceder a tutela antecipada.

A terceira e última causa de pedir encontra-se no §6º, do art. 273, do CPC. É a incontrovérsia. Resumidamente, essa incontrovérsia é caracterizada pela ausência de contestação ou pela confissão (no caso dos fatos) de um ou mais pedidos cumulados. Havendo inércia ou confissão da parte contrária, pode o juiz, preenchidos os demais requisitos, antecipar os efeitos da tutela pleiteada (FRIEDE, KLIPPEL e ALBANI, 2009).

Sobre a autora
Jacqueline Fernandes Oliveira

Bacharel em Direito. Assessora jurídica do Ministério Público Estadual do Estado de Mato Grosso do Sul

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Jacqueline Fernandes. A fungibilidade das tutelas de urgência e sua aplicação nas decisões judiciais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2918, 28 jun. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19436. Acesso em: 23 dez. 2024.

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