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A fungibilidade das tutelas de urgência e sua aplicação nas decisões judiciais

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Agenda 28/06/2011 às 09:32

5 A FUNGIBILIDADE DAS TUTELAS DE URGÊNCIA E SUA APLICAÇÃO NAS DECISÕES JUDICIAIS

Percorremos um longo caminho até este capítulo. Analisamos conceitos, classificações, teorias, e etc., para que pudéssemos desenvolver o tema proposto neste trabalho: A fungibilidade das tutelas de urgência e sua aplicação nas decisões judiciais.

Agora, a partir de todo conhecimento adquirido, ou aprimorado, durante o desenrolar deste trabalho, poderemos entender a fungibilidade das tutelas de urgência, constatar a sua aplicação nas decisões judiciais e até mesmo comentar tais pronunciamentos.

5.1 Conceito de fungibilidade

Para que possamos entender a fungibilidade das tutelas de urgência, precisamos, primeiramente, compreender o significado desse termo.

Segundo Horcaio (2008, p. 452), fungibilidade é a "possibilidade de substituição da quantidade e da qualidade de alguma coisa".

Já, segundo R. Limongi França (apud Jean Carlos Dias, 2003, p. 53):

A fungibilidade tem sido conceituada como "a propriedade do que é substituível, i. e., que pode – em razão de sua natureza, de suas qualidades ou de suas funções – sofrer uma permutação, que elimina o objeto inicialmente existente". (Grifo do autor)

O Código Civil trata sobre a fungibilidade ao discorrer sobre os bens. De acordo com o art. 85, do CC, "são fungíveis os móveis que podem substituir-se por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade".

O conceito legal destaca a idéia de substitutividade e inespecificação. Por não possuírem características específicas, esses bens podem ser substituídos por outros bens, desde que da mesma espécie, qualidade e quantidade, sem prejuízo algum, ao contrário, gerando o mesmo efeito jurídico (DIAS, 2003).

Desta forma, nota-se que a fungibilidade, tanto no Direito Civil como no Direito Processual, traduz uma idéia de substituição sem prejuízo jurídico em decorrência da própria natureza, semelhante, dos objetos a serem substituídos.

No Direito Processual Civil, a adoção da fungibilidade justifica-se na cambiariedade de formas e procedimentos em que não há, em tese, prejuízo substancial à finalidade a elas estipulada (DIAS, 2003).

5.2 A fungibilidade como princípio no Direito Processual Civil

Nem todos os princípios possuem uma proposição jurídica. Há aqueles que, na maioria das vezes, servem para manter o equilíbrio do sistema jurídico, quando há conflito entre dois ou mais princípios do Direito (DIAS, 2003).

Esclarece Dias (2003, p. 55):

As contradições entre princípios, em realidade, não são consideradas como verdadeiras contradições à medida que o próprio sistema oferece meios de superação dos conflitos através da incidência de outros princípios que representam um compromisso de ajustamento.

Assim, há no sistema jurídico, princípios que operam significando valores jurídicos, enquanto que há outros que apenas atuam como harmonizadores, permitindo que os princípios possam coexistir no mesmo plano jurídico.

O princípio da fungibilidade é exemplo de princípio que atua de forma reguladora.

Para percebermos essa função reguladora basta pensarmos na seguinte hipótese. O Direito Processual Civil adota o princípio da regulação das formas, segundo o qual, prescrevendo a lei um modo de execução de determinado ato, não haveria como executá-lo de outra maneira.

Esse princípio foi reduzido no Código de Processo Civil de 1973, que no art. 244 passou a esclarecer que "quando a lei não prescrever determinada forma, sem cominação de nulidade, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade"; essa atenuação ocorre em virtude do princípio da instrumentalidade, na qual o uso das formas subordina-se às finalidades do processo (DIAS, 2003).

Assim, conforme leciona Dias (2003, p. 56), "nesse sentido, é de se reconhecer que há incidência geral do princípio, determinando que, se o ato não atender à forma e à finalidade, não deve produzir qualquer efeito processual".

Entretanto, o Direito Processual atende, ainda, ao princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, segundo o qual a atuação jurisdicional se estende a todos os membros da sociedade, garantindo o livre acesso à Justiça (DIAS, 2003).

Dessa forma, ocorre um conflito entre os princípios da relevância das formas, que determina a adoção da forma prevista em lei sob pena de o ato não produzir efeito jurídico, e da inafastabilidade do controle jurisdicional, que determina que a jurisdição deve atuar, independentemente do aspecto formal, produzindo efeitos jurídicos (DIAS, 2003).

Ocorrendo o conflito entre os princípios, geralmente, outro princípio passa a atuar visando regularizar a situação jurídica, como ensina Dias (2003, p. 57):

Como se vê, quando ocorre uma situação de conflito entre princípios, gerada pela deficiência objetiva das regras processuais ou da própria decisão judicial, a solução sistemática se corporifica no ajustamento entre eles, geralmente realizado pela incidência de um outro princípio, desta feita, de natureza aberta.

Nesse caso, o princípio que gera o equilíbrio é o princípio da fungibilidade. Esse princípio apregoa a necessidade da prestação da tutela jurisdicional com a necessidade de atendimento das formas (DIAS, 2003).

A fungibilidade garante a flexibilização da forma. Entretanto, essa flexibilização é possível apenas quando os princípios estiverem em conflito em decorrência de obscuridade, falta de clareza da norma. Não é intenção do princípio da fungibilidade privilegiar a ignorância da lei (DIAS, 2003).

Cheim Jorge (apud Dias, 2003, p. 58) explica que "a possibilidade de utilização do princípio da fungibilidade está vinculada a duas vicissitudes. A primeira liga-se à circunstância de se evitar o formalismo excessivo (...) A segunda, e talvez a mais contundente, é revelada pela especial circunstância de um erro de sistema".

Assim, o princípio da fungibilidade possui um caráter instrumental, pois sua aplicação elimina os efeitos negativos da formalidade do processo e previne prejuízos que poderiam advir às partes em razão da pouca clareza das normas quanto à aplicabilidade de formas e procedimentos. O princípio da fungibilidade funciona como uma ferramenta sistemática, que dá validade ao processo a fim de que esse produza um fim público: a prestação jurisdicional (DIAS, 2003).

Nas palavras de Dias (2003, p. 59):

Nessa direção, o princípio da fungibilidade apresenta-se como uma válvula de escape metodológica, para que, em situações de debilidade do sistema positivo quanto à indicação dos meios adequados para se obter uma decisão judicial, seja possível a prestação jurisdicional visando à proteção maior ao direito substancial e à própria sociedade.

Assim, a forma não pode ser um óbice para a atuação da jurisdição, pois o acesso à Justiça é direito fundamental garantido na Carta Magna (art. 5º, inciso XXXV, da CF/88).

Nesse sentido, leciona Dias, em sua brilhante lição (2003, p. 59):

A fungibilidade no processo, então, assume a finalidade objetiva de possibilitar, o mais rápido possível, a atuação jurisdicional, ainda que limitando a extensão do formalismo ao processo. Ao lado isso, há uma inegável visão utilitarista do processo, quando este é tomado como um meio de produção de um determinado objeto, qual seja, a decisão judicial.

Evidentemente, o princípio da fungibilidade atua de forma residual no sentido de que deve ser invocado para regular situações excepcionais, quando os meios ordinários não se revelam adequados para o transporte do pedido de tutela jurisdicional. Esse princípio não busca a eliminação da formalidade do processo, mas a racionalização da formalidade como meio de obtenção de decisões judiciais.

É nesse sentido, que o princípio da fungibilidade tem um caráter eminentemente operacional, isto é, voltado para a dinâmica processual, e não para o aspecto da elaboração de regulação dos instrumentos.

Assim, podemos afirmar que o princípio da fungibilidade possui exatamente a idéia de substituição sem prejuízo, em razão, obviamente, da falta de clareza sobre qual seria a forma ou o procedimento adequado. Como dito anteriormente, não há a intenção de privilegiar a falta de conhecimento ou técnica processual, mas de amenizar o rigorismo formal a fim de que as partes não sofram prejuízos em razão de erros do próprio sistema processual.

O princípio da fungibilidade tem a finalidade de garantir a segurança, pois oferece aos jurisdicionais decisões judiciais eficazes. E por prestigiar a segurança, deve esse princípio ser usado com cautela, pois se trata de princípio residual, servindo apenas para suprir determinadas necessidades estritamente especificadas e relacionadas à deficiência de operacionalidade do próprio sistema.

5.3 Manifestações não-urgentes do princípio da fungibilidade

O princípio da fungibilidade atua em diversas áreas do Processo Civil. Embora nosso foco seja a incidência desse princípio no âmbito das tutelas de urgência, analisaremos a manifestação não-urgente deste no Direito Processual Civil, a fim de que possamos compreender o seu modo de incidência.

A primeira incidência do princípio da fungibilidade, fora das medidas de urgência, ocorre no âmbito recursal.

A regra da fungibilidade dos recursos encontrava amparo no art. 810 do Código de Processo Civil de 1939, que dispunha que "salvo a hipótese de má-fé ou erro grosseiro, a parte não será prejudicada pela interposição de um recurso por outro, devendo os autos serem enviados à Câmara ou Turma, a que competir o julgamento".

Embora não tenha sido mantida essa redação no novo Código de Processo Civil (de 1973), o princípio da fungibilidade consagrou-se no sistema jurídico brasileiro.

Assim, para que ocorra a incidência deste princípio recursal, é necessário o preenchimento de dois requisitos: a) ocorrência de dúvida objetiva; e, b) inexistência de erro grosseiro (DIAS, 2003).

Luiz Guilherme Marinoni (apud Dias, 2003, p. 69), explica o que seria a dúvida objetiva:

É preciso, portanto, que haja dúvida fundada e objetiva, capaz de autorizar a interpretação inadequada do sistema processual e seu uso equivocado, diante do caso concreto (...) Esta dúvida do sistema processual pode derivar: a) da própria impropriedade presente na lei processual (...); b) da discussão doutrinária ou jurisprudencial a respeito da natureza jurídica de certo ato processual (...); e c) ou ainda quando o juiz profere um ato judicial pelo outro.

Assim, para a maioria dos processualistas civis, a dúvida objetiva está ligada à linguagem inadequada, que gera discussão na doutrina e na jurisprudência sobre qual seria o mecanismo adequado para pleitear a tutela judicial pretendida. Não sendo o caso desta hipótese, não pode haver a aplicação do princípio da fungibilidade.

Quanto ao requisito de inexistência de erro grosseiro, aponta Nelson Nery Júnior (apud Dias, 2003, p. 72) que "(...) configura erro grosseiro a imposição do recurso errado, quando o correto se encontra indicado expressamente no texto da lei".

Há, todavia, na doutrina, aqueles que entendem que erro grosseiro é expressão equivalente à dúvida objetiva. Nesse sentido, Cheim Jorge (apud Dias, 2003, p. 73):

A grande diferença entre a nossa posição e a expressa por esses dois autores é que entendemos ser desnecessária a diferença traçada entre a dúvida objetiva e a inexistência de erro grosseiro (...) o entendimento expressamente consignado de seus autores serve, justamente, para ratificar nossas afirmações anteriores de que a dúvida objetiva e a inexistência de erro grosseiro são expressões equivalentes e que possuem mesmo significado.

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Entretanto, para a maioria da doutrina, há sim dois requisitos: dúvida objetiva e inexistência de erro grosseiro.

Quanto ao erro grosseiro, esclarece Dias (2003, p. 73):

O erro grosseiro se apresenta quando a lei processual é clara quanto à aplicabilidade de determinado recurso, e, mesmo assim, a parte pretende a tutela por meio claramente diverso do indicado.
Ele é uma qualificação do erro normal, tentando, assim, emitir a indicação de uma gravidade maior no uso inadequado do instrumento processual cabível.

Complementa, ainda, a lição de Teresa Arruda Alvim Wambier (apud Dias, 2003, p. 73), que destaca que "existe erro grosseiro quando a despeita da clareza da regra processual e da inexistência de qualquer dúvida a respeito, a parte se utiliza de instrumento inadequado para veicular sua pretensão".

Dessarte, havendo dúvida objetiva e inexistindo erro grosseiro, poderá haver a aplicação do princípio da fungibilidade no plano recursal.

Entretanto, o princípio da fungibilidade, em sua manifestação não-urgente, não está presente apenas nos recursos; ele incide, ainda, nas ações possessórias e nos ritos. Vejamos.

A fungibilidade das ações possessórias encontra previsão expressa no art. 920, do Código de Processo Civil, que assim prescreve:

Art. 920. A propositura de uma ação possessória em vez de outra não obstará a que o juiz conheça o pedido e outorgue a proteção legal correspondente àquela, cujos requisitos estejam provados.

Tal fungibilidade é permitida porque muitas vezes torna-se duvidoso o pedido que efetivamente deveria ser formulado, vez que nem sempre é fácil diferenciar a situação fática que está ocorrendo.

Nelson Nery Júnior aponta que o princípio da fungibilidade apenas incide nos interditos possessórios, não havendo sua incidência em matérias que envolvam posse, como imissão ou ação reivindicatória. Aponta ainda que devem estar preenchidos os requisitos para a concessão da tutela a ser ofertada, e não da tutela pleiteada (DIAS, 2003).

Pondera Dias (2003, p. 77) que "o princípio da fungibilidade agiria para autorizar o juiz a proferir providência diferente da pleiteada, quando verificada uma alteração da situação após o ajuizamento".

Assim, pode-se notar a incidência do princípio da fungibilidade nas ações possessórias a fim de promover uma tutela jurisdicional efetiva, em razão da deficiência sistemática gerada pela instabilidade da situação de fato (DIAS, 2003).

A aplicação do princípio da fungibilidade ocorre também entre o rito ordinário e os ritos especiais, onde é permitida a flexibilização da forma (DIAS, 2003).

Essa fungibilidade baseia-se no princípio da preferibilidade, que aduz que a parte pode utilizar o rito ordinário, mesmo que tenha estruturado um procedimento especial para a tutela que pretende (DIAS, 2003).

A fungibilidade entre o rito ordinário e os ritos especiais é permitida desde que tal opção não produza prejuízo à parte adversária, atuando o princípio como verdadeiro moderador dos demais princípios e regras processuais (DIAS, 2003).

Ainda, o princípio da fungibilidade não está presente apenas no campo recursal, nas ações possessórias ou nos ritos; no processo civil ela também é prevista no campo das tutelas de urgência.

A fungibilidade é aplicada nas tutelas urgentes de natureza cautelar, encontrando, inclusive, respaldo legal para sua aplicação. Vejamos:

Art. 805. A medida cautelar poderá ser substituída, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, pela prestação de caução ou outra garantia menos gravosa para o requerido, sempre que adequada e suficiente para evitar a lesão ou repará-la integralmente.

Assim, conforme leciona Dias (2003), a fungibilidade nas medidas cautelares, tem o significado de modificação ou substituição de medida atípica por outra da mesma natureza.

Esclarece Dias (2003, p. 166) que:

A possibilidade de modificação ou substituição de medidas cautelares, como aplicação do princípio da fungibilidade, em verdade, assegura que essas tutelas que têm a finalidade de preservar a eficácia do processo principal possam revestir-se da forma adequada para essa defesa.

O mesmo autor esclarece ainda que é importante entender que essa fungibilidade se instaura em razão de uma deficiência processual de prever todos os meios cautelares possíveis, e por isso mesmo, é possível ao juiz substituir a medida cautelar requerida pela parte, por exemplo, por outra que seja menos gravosa ao requerido (DIAS, 2003).

Essa possibilidade de variação da tutela cautelar não ocorre nas tutelas de natureza antecipatória, pois, notadamente, a tutela antecipada possui feição de decisão de mérito, e em decorrência dos princípios da demanda e do dispositivo, o juiz não pode antecipar efeitos que não foi "expressamente pleiteado pela parte, nem prover de forma diferente do que a própria parte formulou em seu pleito, excetuado, por evidente, o aspecto puramente quantitativo" (DIAS, 2003, p. 175).

5.4 A fungibilidade das tutelas de urgência de acordo com o art. 273, §7º, do CPC

Muitas são as dúvidas e divergências existentes na doutrina e na jurisprudência acerca das diferenças ontológicas e funcionais da tutela cautelar e da tutela antecipada, principalmente, no que diz respeito à qual seria a mais adequada para a defesa de determinadas pretensões.

Longe de terminar tais impasses, a sistematização das tutelas de urgência é medida necessária, não apenas para o aprimoramento da ciência processual, mas principalmente para que o operador do Direito possa utilizá-las de forma segura e eficaz.

Afinal, não podemos aqui deixar de mencionar o grande debate existente sobre a possibilidade de haver satisfação em uma tutela cautelar, tese com fortes e contundentes argumentos, que acaba por gerar mais dúvida na hora da utilização da tutela de urgência.

Joaquim Felipe Spadoni (apud Castagna, 2008, p. 282), relata:

Se não bastasse a identidade da cautelar e da antecipação de tutela no que diz respeito a suas funções – proteção de eficácia do processo, e se não bastasse a comum dificuldade de distinguir, na prática, quando é o caso de "conservação" ou de "antecipação dos efeitos da decisão de procedência" para o alcance daquele desiderato, a indevida identificação do fumus boni iuris cautelar e da verossimilhança da alegação exigida pelo art. 273 do CPC fez com que ambas as medidas se diferenciassem, em inúmeros casos concretos, por sutilizes nem sempre univocamente perceptíveis (...). (Grifos do autor)

Entretanto, não pode a parte ficar necessitada de uma tutela emergencial, pois embora as discussões aprimorem a ciência processual, acaba por tornar-se, também, uma barreira para a efetividade do processo e da tutela jurisdicional.

Nesse sentido, Humberto Theodoro Júnior (apud Castagna, 2008, p. 283) pondera:

Para ater-se ao rigor técnico classificatório, o juiz pode correr o risco de denegar a tutela de urgência somente por uma questão formal, deixando assim o litigante privado da efetividade do processo, preocupação tão cara à ciência do direito processual contemporâneo. Com efeito, não é esse o rumo em que se orienta esse ramo da ciência jurídica, em nosso tempo.

Assim, buscando evitar essas situações que apenas geram a ineficácia da Justiça, a Lei 10.444, de 7 de maio de 2002, acrescentou ao art. 273 do Código de Processo Civil o §7º, a possibilidade de aplicação do princípio da fungibilidade entre as espécies de tutela de urgência.

Prescreve o art. 273, §7º, do CPC:

§7º Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado.

O caso previsto no dispositivo é a possibilidade de o juiz conceder a tutela cautelar, quando, erroneamente, foi requerido a antecipação de tutela.

Arruda Alvim esclarece que pode haver duas possíveis interpretações na hipótese acima. A primeira seria o caso de erro de nomenclatura, em que o requerente solicitou medida cautelar com o nome de tutela antecipada. A segunda seria a hipótese de o autor ter requerido tutela antecipada, incabível na ação, mas no lugar dela caberia a medida cautelar (CASTAGNA, 2008).

Em ambas as hipóteses há o preenchimento dos pressupostos da tutela que será a deferida, pois para a aplicação da fungibilidade deve haver o cumprimento dos respectivos requisitos, conforme o art. 273, §7º, do CPC.

Assim, conforme ensinamento de Friede, Klippel e Albani (2009, p.168):

Isso porque não interessa o equívoco do requerente ao formular o pedido, sendo certo que o juiz está autorizado a deferir a medida mais adequada a solucionar a situação de urgência constante dos autos, a bem da economia processual, da celeridade e da efetividade processuais.

Nesse ponto, pergunta-se se é necessário, para a aplicação do princípio da fungibilidade, os mesmos requisitos exigidos para a incidência da fungibilidade no âmbito recursal, quais sejam, dúvida objetiva e ausência de erro grosseiro.

Para José Roberto dos Santos Bedaque (2009, p. 418) não há necessidade do preenchimento desses requisitos:

Nessa mesma linha ampliativa da fungibilidade, não parece razoável exigir-se a existência de controvérsia sobre a modalidade de tutela sumária pleiteada pela parte. Em outras palavras, desnecessária à incidência do dispositivo em questão a denominada dúvida objetiva. A intenção do legislador, ao prever expressamente a fungibilidade desacompanhada de qualquer exigência, foi facilitar a obtenção dessa modalidade de tutela jurisdicional. (Grifos do autor)

Em sentido contrário ao posicionamento de Bedaque, temos Ricardo Alessandro Castagna que esclarece (2008, p. 284):

Apesar da ausência de disposição legal a este respeito, inclinamo-nos pela resposta afirmativa. Na medida em que a fungibilidade é exceção ao princípio da adstrição da sentença ao pedido previsto nos arts. 128 e 460 do CPC, segundo os quais o juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte, ou proferir a sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, não pode ser utilizada indiscriminadamente, sob pena de constituir a própria revogação desse princípio. (Grifo do autor)

Assim, de acordo com esse autor, com o qual concordamos, a fungibilidade é justificada em razão da existência de dúvida objetiva e da ausência de erro grosseiro, pois se trata de princípio que é exceção a regra geral de que o juiz está vinculado ao pedido da parte.

Por fim, trazemos à baila a ilustre lição de Joaquim Felipe Spadoni (apud Castagna, 2008, p. 285) que afirma que:

Só se pode admitir que o requerente percorra caminho equivocado quando a sua escolha não esteja bem definida pelo próprio ordenamento ao qual está submetido, quando o equívoco é provocado pelo próprio sistema legal. Mas, quando este ordenamento é claro e inequívoco a respeito de qual o trilho a ser seguido pelo jurisdicionado, a lei deve ser atendida e aplicada na exata medida de sua clareza e definição.

Assim, havendo dúvida de qual a tutela a ser requerida, e não havendo erro grosseiro, pedindo o autor a tutela antecipada, não cabível ao caso, mas, sendo possível o deferimento da tutela cautelar, poderá o juiz assim o fazer, nos termos da lei.

Na atualidade, não há dúvida quanto à aplicação da fungibilidade entre a tutela antecipada e a tutela cautelar, em razão do advento da Lei 10.444 de 2002, que instituiu expressamente o instituto da fungibilidade das tutelas de urgência. Entretanto, a dúvida ainda persiste quanto à possibilidade da aplicação da fungibilidade na via inversa, ou seja, entre uma tutela cautelar e uma tutela antecipada, como abordaremos no próximo tópico.

5.5 O duplo sentido vetorial

Como vimos, por expressa disposição legal, é possível a fungibilidade da tutela antecipada pela tutela cautelar. Entretanto, o sentido inverso da fungibilidade ainda é motivo de discussão na doutrina e na jurisprudência.

Para Arruda Alvim (apud Castagna, 2008, p. 287) se a parte pedir nominalmente uma medida cautelar, mas que em todos os aspectos enseja uma tutela antecipada, poderá o juiz deferir a antecipação de tutela, pois o erro foi exclusivamente de nomenclatura. Entretanto, o autor assevera que:

Se, todavia, a parte requerer medida cautelar propriamente dita e, portanto, de envergadura menor do que aquilo que poderia ter sido pedido no bojo de uma tutela antecipada, o juiz não poderá hipertrofiar o pedido da parte, acentuar os pressupostos do pedido, acabando por conceder aquilo que a parte não desejou, ou, em relação ao que não expressou sua vontade.

Eduardo Arruda Alvim e Angélica Arruda Alvim (apud Castagna, 2008, p.287-288) também compartilham do mesmo entendimento, e complementam:

Fosse caso de fungibilidade em seu duplo sentido, certamente teria disposto expressamente a propósito o legislador. O princípio da fungibilidade constitui exceção em nosso ordenamento jurídico, podendo ser utilizado, em nosso sentir, nos casos em que a lei o autoriza.

Para Ovídio Araújo Baptista da Silva a medida cautelar e a antecipada não se confundem, pois ambas possuem características próprias, e por isso mesmo não seria possível a fungibilidade entre a medida cautelar e a tutela antecipada (apud MIELKE SILVA, 2009).

Athos Gusmão Carneiro entende da mesma maneira, só que com diferente argumentação. Para o autor seria possível a fungibilidade entre a tutela antecipada e a tutela cautelar, pois aquele que pleiteia "o mais" poderá ter deferido "o menos", entendendo-se como "mais" a tutela antecipada que possui requisitos mais rigorosos, e, como "menos" a tutela cautelar, com pressupostos menos rigorosos. Entretanto, não poderia haver a fungibilidade da tutela cautelar com a tutela antecipada, pois quem pleiteia "o menos" não pode, de forma alguma, ter deferido "o mais" (apud MIELKE SILVA, 2009).

Na defesa da fungibilidade da tutela cautelar pela tutela antecipada, aduz Cândido Rangel Dinamarco (apud Castagna, 2008, p. 286-287):

O novo texto não deve ser lido somente como portador da autorização a conceder uma medida cautelar quando pedida a antecipação da tutela. Também o contrário está autorizado, isto é: também quando feito um pedido a título de medida cautelar, o juiz estará autorizado a conceder a medida a título de antecipação de tutela, se esse for seu entendimento e os pressupostos estiverem satisfeitos. Não há fungibilidade em uma só direção. Em direito, se os bens são fungíveis isso significa que tanto se pode substituir um por outro, como outro por um.

No mesmo sentido, temos a lição de Eduardo Talamini (apud Castagna, 2008, p.287) para quem "por certo, a fungibilidade também se põe no sentido inverso (pedido de tutela antecipada sob as vestes de medida cautelar)".

Do mesmo modo, Humberto Theodoro Júnior e Nelson Nery Jr. apóiam a concessão de tutela antecipada à vista de pedido de medida cautelar, em observância ao princípio da fungibilidade (CASTAGNA, 2008).

Bedaque (2009, p. 417-418), em sua brilhante lição pondera que:

Embora o legislador refira-se somente à possibilidade de substituição da tutela antecipada por cautelar, não pode haver dúvida de que a fungibilidade opera nas duas direções, sendo possível conceder tutela antecipada em lugar de cautelar. Também é preciso deixar claro que a fungibilidade não está limitada apenas a problemas terminológicos. A adequação a ser feita pelo juiz é da própria medida, deferindo aquela mais apta a afastar o risco de inutilidade da tutela final. Nada obsta, portanto, que, diante de pedido de antecipação de efeitos, o juiz defira tutela meramente conservativa e vice-versa. Esse duplo sentido vetorial entre as medidas urgentes sequer necessitaria estar previsto em lei, pois decorre da própria lógica do sistema das tutelas provisórias e instrumentais. (Grifo do autor)

Assim, em se tratando de tutela cautelar incidental, entendendo o juiz que é caso de antecipação de tutela, deverá o magistrado cancelar a distribuição e a autuação em apartado, e receber o pedido como simples petição (CASTAGNA, 2008).

A fungibilidade em exame, nesta direção, somente pode ser aplicada se o pedido de tutela cautelar estiver instrumentalizado em ação cautelar incidental, pois nesse caso já se conhece a pretensão de mérito do autor e os efeitos de uma possível sentença de procedência, podendo assim haver a antecipação do efeito da tutela (CASTAGNA, 2008).

Entretanto, cabe aqui uma ressalva, no sentido de que a fungibilidade não permite que o juiz exceda os limites da própria demanda, ou seja, que conceda a antecipação de efeitos não contidos na pretensão a título de tutela definitiva (BEDAQUE, 2009).

Além do mais, a fungibilidade em duplo sentido vetorial é permitida quando há dúvida objetiva e inexiste erro grosseiro, e quando preenchidos os requisitos da tutela pretendida, pois, como já dito, o princípio da fungibilidade é uma exceção no nosso sistema processual, e de forma alguma, este princípio visa banalizar ou desprestigiar a técnica processual.

5.6 Decisões judiciais acerca da fungibilidade das tutelas de urgência

Estudados os aspectos do princípio da fungibilidade nas tutelas de urgência, resta agora examinar a aplicação desse princípio nas decisões judiciais no Brasil.

Como vimos, não há consenso na doutrina quanto à aplicação do princípio da fungibilidade em seu duplo sentido vetorial; na verdade, parece que estamos, ainda, distantes de uma possível pacificação doutrinária.

Na jurisprudência o cenário não é diferente. Os Tribunais brasileiros ainda não se pacificaram quanto à possibilidade da fungibilidade das tutelas de urgência na mão dupla. Assim como na doutrina, há divergência sobre a incidência desse princípio de forma plena ou não.

A fungibilidade das tutelas de urgência, conforme o texto expresso do art. 273, §7º, do CPC, ou seja, a substituição de tutela antecipada requerida nominalmente, quando na verdade a tutela adequada é a medida cautelar, encontra amparo nos Tribunais brasileiros, sem qualquer ressalva. Vejamos:

E M E N T A – APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE COBRANÇA –FUNGIBILIDADE ENTRE AS TUTELAS DE URGÊNCIA – ARTIGO 273, §7°, DO CPC – FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA – HOSPITAL – IMPOSSIBILIDADE DE CORTE – INTERESSE DA COLETIVIDADE – PRESERVAÇÃO DA VIDA – CAUTELAR CONCEDIDA PRELIMINARES – PEDIDO DE PERÍCIA – INDEFERIMENTO – CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CARACTERIZADO – AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL – PEDIDO JÁ ACOLHIDO – MÉRITO – ÔNUS DA PROVA – ART. 333, DO CPC – CORREÇÃO MONETÁRIA – JUROS DE MORA – DEVIDOS DESDE O VENCIMENTO DA OBRIGAÇÃO – RECURSO DESPROVIDO NA PARTE CONHECIDA.

O Princípio da Fungibilidade permite que o julgador analise as providências de natureza cautelar, mesmo quando requeridas a título de antecipação dos efeitos da tutela, conforme prevê o artigo 273, § 7, do Código de Processo Civil.

Embora seja firme o posicionamento jurisprudencial de que é possível a suspensão do fornecimento de energia elétrica, desde que observados os requisitos da Lei n.º 8.987/95, não é permitido o corte no fornecimento de energia elétrica para hospitais, tendo em vista o interesse da coletividade.

Na esteira dos precedentes do STJ: "Com efeito, a interrupção do fornecimento de energia, caso efetivada, implicaria sobrepor, na cadeia de valores tutelados pelo ordenamento jurídico, o contrato à vida humana e à integridade dos pacientes. Nessas circunstâncias, o interesse coletivo que autoriza a solução de continuidade do serviço é relativizado em favor do interesse público maior: a proteção da vida". (STJ - REsp 621435/SP – Primeira Turma – Rel.ª Min. Denise Arruda – j. em 21.9.2006)

Se o destinatário da prova é o juiz e este considerou que as provas constantes no caderno processual eram suficientes para o regular julgamento da lide, não há falar em cerceamento do direito de defesa, pelo indeferimento do pedido de realização de nova perícia.

Dada a ausência de gravame experimentado pela parte, não deve ser conhecida a matéria referente ao pedido que já foi acolhida em primeiro grau, por ausência de interesse recursal.

Nos termos do artigo 333, do Código de Processo Civil, é da parte-autora o ônus da prova com relação ao fato constitutivo de seu direito, e à parte-ré, em relação à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito alegado na petição inicial.

Tratando-se de mora ex re ou mora automática, vencido o prazo estipulado para o cumprimento da obrigação sem o respectivo adimplemento, os consectários legais (juros de mora e correção monetária) passam a incidir de forma automática, ou seja, independentemente de interpelação do devedor. (TJMS – Apelação 2009.021388-6/0000-00 – Relator: Des. Oswaldo Rodrigues de Melo – Julgado em 23/11/2009). (Grifos nossos)

No mesmo sentido, há a seguinte decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em julgamento do dia 15 de julho de 2010:

AGRAVO DE INSTRUMENTO - DIREITO DE VIZINHANÇA - AÇÃO DEMOLITÓRIA - ANTECIPAÇÃO DE TUTELA - Código de Processo Civil, art. 273, "caput". Requisitos ensejadores. Ausência. Tutela cautelar de urgência. Admissibilidade. Fungibilidade entre a tutela antecipada e cautelar. Possibilidade. Exegese do parágrafo 7°, do art. 273, do CPC, introduzido pela Lei 10.444, de 07/5/2002. Pressupostos da providência de natureza cautelar. Reconhecimento. Decisão reformada.

Presentes os respectivos pressupostos, viabiliza-se a concessão de providência de natureza cautelar de urgência, ainda que pedida a antecipação de tutela, desde que os fatos narrados sejam capazes, segundo a ordem jurídica, de conduzir ao resultado que se postula. RECURSO PROVIDO. (TJSP – Agravo de Instrumento 990.10.290638-8. Relator: Des. Walter Zeni. Julgado em 15 de julho de 2010). (Grifos nossos)

Entretanto, quando se fala na possibilidade da aplicação da fungibilidade em seu duplo sentido vetorial, não há consenso na jurisprudência.

Poucos são os operadores do Direito que negam a aplicação da fungibilidade de forma plena, ou seja, a possibilidade de substituição de tutela antecipada, requerida nos autos, por tutela cautelar, e também o contrário, a fungibilidade de tutela cautelar, requerida pela parte, quando a medida adequada seria a antecipação de tutela. É nesse último ponto que debate-se a doutrina e a jurisprudência.

São poucas, mas ainda se encontram na jurisprudência decisões que denegam a fungibilidade da tutela requerida a título de medida cautelar pela tutela antecipada. Vejamos:

EMENTA - RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CAUTELAR - CARÁTER INSTRUMENTAL DA AÇÃO PRINCIPAL - TUTELA DE URGÊNCIA - PROVIMENTO DE NATUREZA SATISFATIVA - ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA SENTENÇA PRINCIPAL NO PROCESSO CAUTELAR - IMPOSSIBILIDADE - FUNGIBILIDADE DAS MEDIDAS DE URGÊNCIA - ART. 273, § 7°, DO CPC - APLICAÇÃO NO BOJO DO PROCESSO DE CONHECIMENTO - PROCEDIMENTO CAUTELAR ELEITO - INVIABILIDADE DE CONVERSÃO - RECURSO IMPROVIDO.

O processo cautelar serve ao processo principal para garantir a eficácia do provimento final, não se revestindo de natureza satisfativa. (TJMT – Apelação Cível 42997/2005 – Relator: Des. LICÍNIO CARPINELLI STEFANI. Julgado em 13/03/2006). (Grifos nossos)

No mesmo sentido, há este recente julgado:

PROCESSUAL CIVIL. SFH. MUTUÁRIO. AÇÃO CAUTELAR COM NATUREZA SATISFATIVA. IMPOSSIBILIDADE. EXTINÇÃO. SENTENÇA CONFIRMADA. PRECEDENTES.

1 - A pretensão autoral deduzida nos presentes autos possui caráter de satisfatividade, característica da tutela antecipada, e se traduz pela identidade entre o provimento desejado, em caráter de urgência, e a decisão final a ser proferida.

2 - A medida de urgência a ser, em tese, concedida nas ações cautelares, por outro lado, revestem-se de preventividade porque, além de não possuírem a satisfatividade, prestam-se apenas a impedir que o direito tutelado na ação principal não desapareça.

3 - O que o autor pleiteia nada mais é do que provimento que não possa ser obtido em sede de ação principal, o que inevitavelmente faz concluir que a medida requerida possui, de fato, a natureza satisfativa.

4 - O nosso ordenamento jurídico não admite ação cautelar de cunho satisfativo, pois tem como finalidade garantir a utilidade bem como a eficácia da tutela jurisdicional a ser perseguida em sede de ação de conhecimento. Se assim não fosse, estar-se-ia autorizando, por via transversa, uma espécie de execução provisória.

5 - Com relação à aplicação do § 7º do art. 267 do CPC, é bom lembrar que embora o legislador tenha estabelecido a fungibilidade das medidas de urgência, mencionou apenas a hipótese de o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar e não a possibilidade inversa.

6 - Somente é admitida a fungibilidade para substituir um pedido de tutela antecipada por provimento cautelar, haja vista que os requisitos para a concessão da tutela antecipada seriam mais rigorosos do que os pressupostos da medida cautelar.

7 - Com base no disposto no art. 20 do CPC, os honorários advocatícios são devidos sempre que houver sucumbência o que, in casu, não se configurou, não porque a sentença julgou extinto o processo sem análise de mérito mas porque sequer houve citação da parte ré.

8 - Mostra-se incabível a condenação do autor em honorários advocatícios quando, ante a ausência da citação, não restar configurado o litígio eis que ausente a resistência à pretensão da parte autora, que se traduz na citação e na contestação, independentemente se a sentença proferida nos autos é terminativa ou definitiva 9 - Recurso provido em parte. Sentença parcialmente reformada. (TRF 2ª Região. Apelação Cível 200451010206696 RJ – Relator: Des. Federal Guilherme Calmon Nogueira da Gama. Julgado em 09/11/2009). (Grifos nossos)

Entretanto, pelo entendimento majoritário, tem-se deferido tutela antecipada, quando o pedido era de medida cautelar, desde que preenchidos os requisitos.

Para ilustrar a aplicação do princípio da fungibilidade em nossos tribunais, eis algumas decisões recentes admitindo a fungibilidade em seu duplo sentido vetorial:

APELAÇÃO CÍVEL. SEGURO. PLANO DE SAÚDE. CONTRATO FIRMADO ANTES VIGÊNCIA DA LEI 9.656/98. RENOVAÇÕES CONTRATUAIS SUCESSIVAS. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. EXAMES PARA VERIFICAÇÃO DO DIAGNÓSTICO DE AVC. COBERTURA SECURITÁRIA DEVIDA.

Da cautelar de caráter satisfativo

1.A via processual eleita mesmo que seja inadequada não afasta o exame da pretensão, caso sejam observados os pressupostos justificadores da providência de urgência, de sorte a atender aos princípios da efetividade e da instrumentalidade processual. Fungibilidade das tutelas de urgência.

2.Cumpre salientar que é totalmente prescindível o ajuizamento da ação principal no prazo de 30 dias, estabelecido no art. 806, do CPC, uma vez que o objetivo da medida cautelar proposta era a realização de exame para o diagnóstico de AVC.

3.Dessa forma, reconhecido o caráter satisfativo da cautelar intentada, a prestação jurisdicional se esgota com a concessão da tutela pretendida.

Da legitimidade ativa ad causam

4.Tratando-se de demanda que objetiva a cobertura do plano de saúde, tem o beneficiário legitimidade para postular o cumprimento do contrato, ou para discuti-lo em juízo.

Mérito do recurso em exame

5.O objeto principal do seguro é a cobertura do risco contratado, ou seja, o evento futuro e incerto que poderá gerar o dever de indenizar por parte da seguradora. Outro elemento essencial desta espécie contratual é a boa-fé, na forma do art. 422 do Código Civil, caracterizada pela lealdade e clareza das informações prestadas pelas partes.

6.Há perfeita incidência normativa do Código de Defesa do Consumidor nos contratos atinentes aos planos ou seguros de saúde, como aquele avençado entre as partes, podendo se definir como sendo um serviço a cobertura do seguro médico ofertada pela demandada, consubstanciada no pagamento dos procedimentos clínicos decorrentes de riscos futuros estipulados no contrato aos seus clientes, os quais são destinatários finais deste serviço.

7.Incidência da legislação atual atinente aos planos e seguros privados de assistência à saúde em razão da adequação do contrato a esse regramento jurídico, pois em função do seu caráter de ordem pública, tem as normas em questão aplicação imediata ao caso em concreto.

8.Impossibilidade de a demandada limitar o tipo de tratamento ou de medicamento a ser alcançado á parte segurada para tratamento de sua moléstia. A interpretação mais adequada ao referido pacto, sob o ponto de vista teleológico, deve levar em conta a natureza do procedimento clínico a ser realizado, a fim de se preservar a vida, valor maior a ser resguardado.

9.Assim, manter a condenação da demandada a prestar a cobertura postulada na inicial é à medida que se impõe.

Rejeitadas as preliminares e, no mérito, negado provimento ao apelo. (TJRS. Apelação Cível nº 70031854680. Relator: Des. Jorge Luiz Lopez do Canto. Julgado em 28/10/2009). (Grifos nossos)

E ainda, o seguinte julgamento do mesmo tribunal:

Apelação. CAUTELAR. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. FUNGIBILIDADE. POSSIBILIDADE. repasse de frutos de imóveis comuns. natureza de alimentos. Cabimento.

(Preliminar) Fungibilidade da tutela cautelar e antecipatória de tutela.

A fungibilidade das tutelas de urgência - medida de natureza cautelar e antecipação de tutela - deve ser aplicada quando o julgador identificar que a parte equivocou-se ao ingressar com pedido cautelar, quando na verdade, a natureza da pretensão é antecipatória. É a chamada fungibilidade inversa, pois vai no sentido contrário à previsão legal do artigo 273, §7º do Código de Processo Civil. Hipótese amplamente difundida por essa Corte e que melhor atende a instrumentalidade e a necessidade de ágil prestação jurisdicional, exigida pelas tutelas de urgência. Caso em que, de ofício, se recebe ação cautelar incidental como novo pedido de antecipação de tutela.

Mérito

Os valores de alugueis de imóveis comuns que eram repassados à apelante possuíam caráter alimentar, pois, em razão de recebê-los, dispensou o pagamento de pensão alimentícia.

Caso em que, demonstrada a verossimilhança da alegação e perigo de dano de difícil reparação, de rigor o repasse de alugueis à apelante para manutenção de sua sobrevivência.

DE OFÍCIO, RECEBERAM A CAUTELAR COMO RENOVAÇÃO DO PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA E DERAM PROVIMENTO AO APELO. (TJRS. Apelação Cível nº 70036796118. Relator: Des. Rui Portanova. Julgado em 22/07/2009). (Grifos nossos)

No mesmo diapasão, temos:

Agravo de instrumento - Separação litigiosa - Pedido de concessão de cautelar de separação de corpos - Incompatibilidade de ritos - Inexistência - Fungibilidade das tutelas de urgência - Art. 273, §7° do CPC – Inteligência - Recurso não conhecido em parte e, na parte conhecida, provido.

"Nada impede que o pedido de afastamento do cônjuge do lar seja formulado nos autos da ação de separação a título de tutela antecipada".

"Adotou-se, em relação às tutelas de urgência, cautelares ou antecipatórias, o principio da fungibilidade (...). Embora o legislador refirasse somente à possibilidade de substituição da tutela antecipada por cautelar, não pode haver dúvida de que a fungibilidade opera nas duas direções, sendo possível conceder a tutela antecipada em lugar da cautelar".

A pertinência da retirada do réu do lar comum deverá ser aferida pelo juiz de primeiro grau, sob pena de supressão de grau de jurisdição, recomendada a realização de audiência de justificação. (TJSP – Agravo de Instrumento 990.10.037899-6. Relator: Des. Jesus Lofrano. Julgado em 23/03/2010). (Grifos nossos)

Assim, por todo exposto, percebe-se que na maioria das vezes têm ocorrido a aplicação do princípio da fungibilidade de maneira ampla pelos tribunais, que entendem que a sua aplicação obedece ao princípio da instrumentalidade, da celeridade processual e da economia.

Nota-se ainda que a aplicação da fungibilidade nas tutelas de urgência, em seu duplo sentido vetorial, acarreta tutelas jurisdicionais mais eficazes e temporais.

Afinal, não se pode negar que a tutela cautelar e a tutela antecipada em muitas situações se assemelham e acabam por gerar no operador do Direito a dúvida de qual seria o mecanismo adequado para se pleitear o desejado.

O sistema processual tem buscado se aprimorar, mas ainda possui muitas lacunas e imprecisões. Desta forma, o jurisdicionado não pode ficar à mercê do sistema, ou ser prejudicado por falhas legislativas.

O princípio da fungibilidade, aplicado de forma ampla nas tutelas de urgência, desde que preenchidos os requisitos já estudados, é a forma de garantir uma ciência jurídica mais justa, com tutelas jurisdicionais que efetivamente resguardem os direitos individuais e coletivos.

Sobre a autora
Jacqueline Fernandes Oliveira

Bacharel em Direito. Assessora jurídica do Ministério Público Estadual do Estado de Mato Grosso do Sul

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Jacqueline Fernandes. A fungibilidade das tutelas de urgência e sua aplicação nas decisões judiciais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2918, 28 jun. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19436. Acesso em: 23 dez. 2024.

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