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Análise acerca dos efeitos da conversão da união estável em casamento

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Agenda 07/07/2011 às 07:39

CONCLUSÕES

Em todo trabalho acadêmico, a escolha do objeto da pesquisa implica, de certo modo, uma adesão a determinados pontos de vista a respeito do tema estudado. Ao longo da exposição, como era necessário, muitas assertivas foram feitas acerca do tema delimitado, baseadas em estudos já conhecidos de diversos doutrinadores, sendo certo que, para ser rigorosamente completa, precisaria decompor-se em outros itens, além dos eleitos pelo autor.

Dada a inadequada regulamentação do artigo 226, § 3º, da Constituição Federal, pelas leis ordinárias que lhe seguiram, e a natureza essencialmente polêmica do tema proposto, fomos instados a emitir, ao longo da exposição, diversas assertivas pessoais a respeito dos pontos suscitados, na tentativa de interpretar o dispositivo constitucional, combinado com as Leis nº 8.971/94 e 9.278/96, bem comocom o Código Civil de 2002.

Como "conclusão" [56] deste trabalho, não temos a preocupação primordial de reapresentar resumidamente cada um dos pensamentos lançados, mas sim de deixarmos nossa modesta contribuição àqueles que, no futuro, venham se embrenhar na análise dos diversos aspectos jurídicos que envolvem a conversão da união estável em casamento.

A seguir, então, nossas conclusões de ordem genérica:

a)A Constituição Federal de 1988 avançou extraordinariamente ao reconhecer e atribuir existência jurídica à união estável, bem como ao admitir a possibilidade de sua conversão em casamento. No entanto, coube à legislação ordinária, mais tarde, regular o disposto no artigo 226, § 3º, da Carta Magna, o que foi feito – ainda que a nosso ver de maneira não totalmente acertada –, por intermédio das Leis nº 8.971/94 e 9.278/96, bem como pelo Código Reale de 2002;

b)O próprio Código Civil, no artigo 1.723, traz os elementos indispensáveis à configuração da união estável, a saber: "É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família". Do conceito legal, portanto, vê-se que a publicidade, a continuidade e a durabilidade, são requisitos absolutamente necessários para a caracterização da união estável. Mas não é só: há de haver o manifesto propósito de se constituir um núcleo familiar, pois de nada adiantaria, por exemplo, que os conviventes co-habitassem ou tivessem filhos se não fosse para constituir família. Aí a união estável não se caracterizaria pela falta de affectio maritalis. Ainda que não expressos na lei, outros requisitos podem ser mencionados para a configuração da união estável, tais como a ausência de formalismo, a diversidade de sexos (i.e., uniões homossexuais, homoafetivas ou homoeróticas estão excluídas do conceito de união estável), a unicidade de vínculo e a inexistência de impedimentos matrimoniais;

c)A Lei nº 8.971/94 nada dispôs acerca da possibilidade de conversão da união estável em casamento, tendo disso se incumbido, entretanto, a Lei nº 9.278/96, no seu artigo 8º. Porém, esta lei deixou de especificar, como deveria, aspectos importantes, tais como as formalidades, a necessidade da expedição de editais e proclamas, os efeitos da conversão etc., o que deu azo à expedição do Provimento da CGJSP nº 10/1996, o qual vedava a menção no assento do Registro Civil das Pessoas Naturais da data do início da convivência. À época, o requerimento de conversão deveria ser apresentado, por expressa disposição legal, ao Oficial do Registro Civil da Circunscrição dos conviventes, regra que não mais vige entre nós, mormente após a entrada em vigor do Código Civil de 2002;

d)O artigo 1.726 do Código Civil de 2002 dispõe que "A união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil". Embora a lei não tenha esclarecido adequadamente quem seria esse "juiz" (i.e., se o Juiz de Casamentos ou o Juiz de Direito), é nosso entendimento que não se cogitou da atuação do Juiz de Casamentos (ou Juiz de Paz), porquanto o ato de conversão da união estável prescinde de celebração solene. Ademais, fosse intenção do legislador manter a regra de antanho, contida no artigo 8º da Lei nº 9.278/96, não haveria necessidade de substituir a expressão "...por requerimento ao Oficial do Registro Civil..." por "...mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil". Aí bastaria manter o texto de lei pretérito. Parece-nos até mesmo lógico ter havido alteração da "regra do jogo", descabendo ao jurisdicionado fazer a interpretação da lei que melhor lhe convenha. Na dúvida, socorre-se da hermenêutica, notadamente do critério integrativo, eis que o sistema jurídico não possui lacunas (plenitude lógica do sistema), sendo que ele mesmo oferece os critérios de solução (artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil [57], e artigo 126 do Código de Processo Civil [58]);

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e)A natureza jurídica da sentença de conversão da união estável em casamento é meramente declaratória, pois se limita a declarar os então conviventes, agora, casados, procedendo-se à alteração do estado civil, bem como ordenando o respectivo assento no Livro "B" do competente Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais;

f)São partes legítimas para o ajuizamento da ação de conversão de união estável em casamento as pessoas desimpedidas para casar e que tenham condições de livremente manifestar o seu ato de vontade. O pedido de conversão é de caráter personalíssimo, não havendo que se cogitar de legitimação extraordinária (Código de Processo Civil, artigo 6º), mas sim de litisconsórcio ativo necessário, eis que ambos os conviventes deverão apresentar pedido conjunto e simultâneo ao Juiz de Direito. Caso, eventualmente, ocorra o falecimento de um dos conviventes no curso do processo, a ação judicial será extinta, sem julgamento do mérito, com fundamento no artigo 267, inciso IX, do Código de Processo Civil [59];

g)A conversão da união estável em casamento será provimento de jurisdição voluntária (actio inter volentes), eis que jamais alguém poderá ser compelido a casar contra sua própria vontade. Respeitadas doutas opiniões em sentido contrário, que advogam a possibilidade de os conviventes pleitearem a conversão diretamente ao Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais, mister não deslembrar que, em qualquer caso, somente o Juiz de Direito poderá atribuir efeitos retroativos (ex tunc) à dita conversão;

h)Não há obrigatoriedade de celebração de pacto antenupcial, porém este será necessário se os conviventes desejarem adotar regime matrimonial diverso do legal (i.e., regime da comunhão parcial), sendo nulo se não for feito por escritura pública e ineficaz se não lhe seguir o casamento. De qualquer sorte, será admissível a futura alteração motivada do regime de bens, mediante autorização judicial, e ressalvados direitos de terceiros;

i)Após intensa pesquisa que realizamos, pode-se afirmar que, para a maioria dos doutrinadores, a conversão da união estável em casamento opera efeitos retroativos (ex tunc), ao argumento principal de que, se assim não fosse, nenhuma diferença prática haveria entre a conversão e a mera celebração do casamento (corrente majoritária). Portanto, segundo pensam, a despeito do silêncio da lei, deverá constar no registro do casamento a data do início da união estável convertida, surtindo os respectivos efeitos jurídicos desde então. Na vertente oposta, encontram-se aqueles que, acreditando que os efeitos da conversão da união estável em casamento se projetam para o futuro (ex nunc), defendem que o casamento se submete a regime jurídico diverso, em diferentes aspectos, daquele reservado à união estável (corrente minoritária). Argumentam esses autores que as relações pessoais e patrimoniais da união estável permanecerão com seus efeitos próprios, constituídos durante o período de sua existência até a conversão. Embora reconhecendo a existência de bons argumentos para ambos os lados, filiamo-nos à corrente majoritária acima referida, quer pela consistência da argumentação, quer pela repercussão prática que dela decorre;

j)A posição da jurisprudência no que se refere à conversão da união estável em casamento é bastante díspar, o que atribuímos ao fato de as leis até o momento editadas não terem regulamentado o assunto adequadamente. Com efeito, percebe-se claramente que, ante a omissão legal, a Corregedoria Geral dos Tribunais de Justiça de diversos Estados da Federação passaram a expedir "Provimentos", com o fito de estabelecer diretrizes a serem seguidas pelos Cartórios de Registro Civil das Pessoas Naturais. No entanto, o ideal seria que "de lege ferenda" fossem eliminadas algumas dúvidas relacionadas ao procedimento a ser adotado para a conversão, tais como, a necessidade ou não da expedição de proclamas e editais, os efeitos ex tunc ou ex nunc da conversão, a determinação de qual seria o juiz destinatário do pedido de conversão (i.e., se o Juiz de Direito ou o Juiz de Casamentos) etc.;

k)O Projeto de Lei nº 2.686/96 (Estatuto da União Estável), dispõe sobre a conversão da união estável em casamento em seu artigo 9º. Tem o inegável mérito de simplificar o procedimento de conversão, inclusive com a dispensa de proclamas e editais, bem assim com a explicitação de que o pedido deverá ser dirigido ao Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais (e não mais ao juiz), mas peca, a nosso ver, por não tornar claro se a conversão operará efeitos retroativos ou não.


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Sobre o autor
Tarlei Lemos Pereira

Especialista em Direito de Família e das Sucessões e Mestre em Função Social do Direito pela Faculdade Autônoma de Direito – FADISP; Membro fundador da Academia de Pesquisas e Estudos Jurídicos – APEJUR; Advogado em São Paulo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEMOS PEREIRA, Tarlei. Análise acerca dos efeitos da conversão da união estável em casamento. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2927, 7 jul. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19488. Acesso em: 5 nov. 2024.

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