O conceito de ação penal, consoante tratado em outro artigo de nossa autoria [01], coube à doutrina, já que o Código de Processo Penal e o Código Penal não o estabeleceram, segundo Borges da Rosa [02]. Para alguns autores, "é o direito do Estado-acusação ou da vítima de ingressar em juízo, solicitando a prestação jurisdicional, representada pela aplicação das normas de direito penal ao caso concreto" [03], para outros, é um "direito conexo [formalmente] a uma pretensão, sendo necessária a existência de um litígio", que se constui na fase da persecutio criminis. [04](grifo do autor)
Edilson Mougenot Bonfim [05], concordando, sem, contudo, adotar posição definitiva sobre o tema, transcreve a lição de Frederico Marques, que a conceitua como direito de "agir exercido perante os juízes e tribunais da justiça criminal". Enquanto isso o Professor Rogério Lauria Tucci aduz que a ação é a "atuação correspondente ao exercício de um direito abstrato (em linha de princípio, até porque, com ela, se concretiza), autônomo, público, genérico e subjetivo, qual seja, o direito à jurisdição". [06]
Há quem diga que a ação nada mais é do que o direito de pedido de provimento jurisdicional quando violada efetiva ou aparentemente a norma penal, momento em que nasce a pretensão punitiva do Estado (nessa ocasião, o direito de punir sai do plano abstrato e se apresenta no concreto). [07]
Vale ressaltar que do crime nasce o direito de punir e não a ação, que preexiste ao ilícito penal, consoante lição de Frederico Marques. [08]
Dentre as diversas conceituações da doutrina, aquela esposada pelo Professor Rogério Lauria Tucci aparenta ser a mais completa e a que contempla a teoria da ação adotada pelo ordenamento jurídico pátrio. Indubitavelmente, a ação penal é direito abstrato, que se concretiza quando há a existência do direito material – fruto da subsunção do fato à lei penal, que o torna fato típico –; autônomo, pois independe do Direito Penal para existir no plano abstrato, pelo contrário, preexiste ao Direito Penal; público, pois a ação penal sempre será pública, independentemente do titular da ação; genérico e subjetivo, pois a todos os membros da sociedade assiste o direito de ver o infrator julgado e punido pelo ilícito penal cometido.
Conceituado esse instituto processual penal – embora também regulado no Código Penal -, urge agora tratar da questão da classificação da ação penal em pública e privada.
As expressões "pública" e "privada", qualificadoras das ações penais, são equivocadas, pois toda ação penal é pública, haja vista o interesse social na punição do infrator. Na realidade, o que faz a ação ser classificada em pública ou privada é a legitimidade para iniciá-la. O equívoco foi corrigido, parcialmente, pela Lei n. 7.209/1984, que reformou a parte geral do Código Penal, ao mencionar no artigo 100 deste diploma legal "ação pública e de iniciativa privada".
Nesse sentido é a lição de Mirabete ao aduzir que a diferença entre ação penal pública e privada cinge-se à legitimidade para ajuizá-la. Se promovida pelo Ministério Público, é penal pública, se pela vítima ou seus representantes legais, é penal privada. Ressalta ainda a revogação do artigo 26 do Código de Processo Penal pelo artigo 129, inciso I, da Constituição Federal de 1988. [09]
Guilherme de Souza Nucci [10], que também diferencia a ação penal pública da privada sob a ótica da legitimação ativa, argui que a ação penal pública incondicionada ocorre quando o Ministério Público age de ofício, sem necessidade de demonstração de interesse por parte da vítima, enquanto a ação penal pública condicionada ocorre quando o Parquet depende da manifestação de vontade da vítima, por meio da representação, ou da manifestação de vontade do Ministro da Justiça, por meio da requisição, para iniciar a ação penal.
Notório, pois, que as expressões ação penal pública e ação penal privada são equivocadas, ainda mais se consideradas ao pé da letra. O correto é se falar em ação de iniciativa pública e de iniciativa privada, pois ambas têm como fator diferencial tão somente a legitimidade ativa. Independente de quem for o titular da ação penal, será o Poder Judiciário o responsável pelo processamento e julgamento do fato, e sendo este Poder ente do Estado, tem-se que a ação, em sua essência, é pública. Não pode, de fato, o titular da ação penal privada avocar para si o ius puniendi e processar e julgar, conforme seus ditames, aquele que, em tese, lhe ofendeu algum bem jurídico tutelado pelo direito penal. O julgamento de tal fato cabe ao Poder Judiciário. E dele participará o Ministério Público na condição de fiscal da lei. Portanto, não há se falar em ação privada, considerado o termo "privado" em sua concepção própria. Pela mesma razão, ao se fazer o raciocínio inverso, não se pode falar em ação penal pública, tendo o termo "pública" na concepção própria da palavra, ressalte-se.
Forçoso concluir, então, que a diferença das ações penais está na legitimidade para promovê-la e conduzi-la, sendo que ela será sempre pública, eis que processada e julgada pelo Poder Judiciário e com a participação do Ministério Público, seja como parte, seja como fiscal da lei.
Referência
BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.
LIMA, Marcellus Polastri. Curso de processo penal. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, v. 1.
MIRABETE, Julio Fabrinni. Código de processo penal interpretado. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2003.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 4. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
VASCONCELOS, Fernando Parente dos Santos. Ação penal.
Notas
- VASCONCELOS, Fernando Parente dos Santos. Ação penal. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2930, 10 jul. 2011. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/19516. Acesso em: 11 jul. 2011.
- Apud. NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 4. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 121/122.
- NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 4. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 121/122.
- LIMA, Marcellus Polastri. Curso de processo penal. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, v. 1, p. 198.
- BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 138.
- Apud NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 4. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 121/122.
- CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 275/276.
- Apud NUCCI, Guilherme de Souza. Op.cit., p. 121/122.
- MIRABETE, Julio Fabrinni. Código de processo penal interpretado. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 133.
- NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 4. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 122.