Desde o advento da Lei Complementar n° 118/2005, que objetivou flagrantemente reduzir o prazo prescricional para os contribuintes reclamarem por pagamentos indevidos de impostos sujeitos a lançamento por homologação, como é o caso do imposto de renda, travou-se uma intensa discussão acerca da constitucionalidade do seu artigo 4°, que ordenou a aplicação retroativa da lei em prejuízo de milhares de contribuintes.
Apenas para elucidar a questão, vale frisar que a inconstitucionalidade do artigo 4° da citada lei complementar já vinha sendo pregada pelos mais diversos tribunais do país, estando a questão pacificada, inclusive, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, onde prepondera a tese dos "cinco mais cinco".
E pela citada criação jurisprudencial, o contribuinte paga antecipadamente o tributo sujeito a homologação, tendo, o Fisco, o prazo de cinco anos para homologar, expressa ou tacitamente, o procedimento. Como na grande maioria dos casos há inércia por parte do Fisco em homologar o tributo, ao fim do prazo de cinco anos ocorre a homologação tácita do pagamento, tendo início, então, o prazo do artigo 168, do Código Tributário Nacional, para pleitear a repetição do indébito. Assim, o prazo prescricional acaba sendo de dez anos: cinco pela homologação e cinco pelo direito de ação.
Deste modo, o Superior Tribunal de Justiça, em seus julgados mais recentes, entende que, tratando-se de preceito normativo modificativo, e não simplesmente interpretativo, como dispõe o inciso I do citado art. 106 do CTN, o art. 3º da LC 118/2005 só pode ter eficácia prospectiva, ou seja, só pode incidir sobre situações – leia-se, fato gerador - ocorridas após a vigência da lei, que se deu em junho de 2005.
Já tivemos a oportunidade de publicar artigo sobre o tema defendendo a aplicação da LC 118/2005 apenas para aqueles pagamentos ocorridos já sob sua vigência, mantendo-se a tese dos "cinco mais cinco" para os pagamentos realizados antes de sua entrada em vigor. Aliás, com a devida vênia, é o que dita o bom senso.
Ao contrário do pregado pelo legislador ao instituir a referida Lei Complementar, não podemos concordar ser meramente interpretativa uma lei que tem o evidente objetivo de instituir direito novo, reduzindo um prazo prescricional em nítido benefício do fisco. Como bem pregado pelo ilustre Ministro do STJ, Teori Zavascki, "somente a jurisprudência é que pode, legitimamente, alterar a jurisprudência".
Há quem defende, ainda, que o cômputo do prazo prescricional deve se dar da data do ajuizamento da ação, e não do pagamento indevido, o que também não merece prosperar, visto que o que importa, realmente, é a homologação do pagamento indevido, sendo que somente a partir de então é que surge o direito do contribuinte em requerer a devolução do que eventualmente pagou a maior, pois enquanto não restar homologado o pagamento, não há efetivamente uma lesão a um direito, mas uma mera expectativa de lesão. Homologado o pagamento, seja de forma tácita ou expressa, surge imediatamente o direito do contribuinte de se insurgir requerendo o que lhe for de direito.
Não menos importante, o fato de o Art. 4º, segunda parte, da LC 118/2005, que determina a aplicação retroativa do seu Art. 3º para alcançar inclusive fatos passados, ofende o princípio constitucional da autonomia e independência de poderes (CF, art. 2º) e o da garantia do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada (CF, art. 5º, XXXVI).
A maioria esmagadora da doutrina sempre rechaçou a aplicação retroativa da citada lei, como o respeitado doutrinador Hugo de Brito Machado Segundo, que assim se posicionou:
"O prazo de 5 anos para se pleitear a restituição de tributos pagos indevidamente, relativamente aos tributos submetidos a lançamento por homologação, deixou de ser contado a partir da homologação, que, quando tácita, ocorre cinco anos após o fato gerador, e passou a sê-lo em face do pagamento antecipado. Na prática, como dificilmente ocorre uma homologação expressa, a alteração implicou em encurtamento na contagem do prazo prescricional, de 10 (5+5) para 5 anos.
Não há como negar que a lei inovou no plano normativo, pois retirou das disposições interpretadas um dos seus sentidos possíveis, justamente aquele tido como correto pelo STJ, intérprete e guardião da legislação federal. Tratando-se de preceito normativo modificativo, e não simplesmente interpretativo, o art. 3º da LC 118/2005 só pode ter eficácia prospectiva, incidindo apenas sobre situações que venham a ocorrer a partir de sua vigência."
Evidente tal pensamento, pois o pagamento, por si só, não produz o efeito de extinguir o crédito tributário, o que só ocorre com a homologação. E com o advento do art. 3º, da LC 118/2005, o pagamento passou a ter o efeito de extinguir o crédito tributário, pelo menos para fins de contagem do prazo previsto no art. 168 do CTN.
O que se percebe, na verdade, é que o artigo 3º instituído pela LC 118/2005 não está efetivamente interpretando o art. 168, I, do CTN, mas sim, alterando o § 1º, do art. 150, do citado diploma legal. Portanto, não se pode admitir tratar-se de norma meramente interpretativa.
Ademais, conforme já exposto, O STJ já havia considerando ilegítima a aplicação retroativa do art. 3º da LC 118/05, declarando inconstitucional a determinação em sentido contrário constante no art. 4º, segunda parte, da referida Lei Complementar. E isso, tendo em vista os princípios basilares dispostos na Constituição Federal, entre eles, a garantia do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada.
Inúmeros julgados do STJ já se depararam com a questão da prescrição em ações de repetição do indébito tributário, sendo pacífico o entendimento de que as disposições da LC 118/2005 só se aplicam aos casos em que o PAGAMENTO do tributo se deu em data posterior a sua vigência, não considerando a data da distribuição da ação para fins de contagem do prazo prescricional. São os precedentes: EResp 641.231/DF; AgRg no REsp 1.063.110/SP; AgRg-REsp 1.109.315; AgRg-REsp 1.097.922; REsp 1.091.205; AgRg-REsp 1.062.983; AgRg-EDcl-REsp 1.003.778, etc.
Assim, frisa-se que a lei a ser observada é a vigente na data do pagamento do tributo, eis que ai surgiu a ilegalidade passível de repetição, e não a data do ajuizamento da ação, como frequentemente defende a União.
Ao estabelecer tamanho disparate jurídico, parece que legislador da LC 118/2005 esqueceu-se que vivemos em um Estado democrático de direito, onde as regras jurídicas devem ser preexistentes, viabilizando desta forma, vislumbrar todos os efeitos jurídicos dela decorrentes, até porque, é a sociedade a destinatária final destes preceitos e é ela quem a lei deve proteger.
Qualquer inversão neste sentido, de querer mudar as regras ao seu bel prazer, surpreendendo a coletividade com comandos arbitrários, enseja violação ao princípio da segurança jurídica, que tem por escopo primordial garantir a estabilidade das relações perpetradas sob a vigência de um determinado instituto jurídico.
Assim, não restam dúvidas de que a pretendida redução do prazo prescricional para a repetição do indébito tributário nos lançamentos por homologação era uma aberração jurídica, sendo que a questão por fim foi decidida no âmbito do Supremo Tribunal Federal.
A análise da questão, que causa grande repercussão e trazia ansiedade no meio jurídico, estava pendente de julgamento desde março de 2010, quando um pedido de vista do ministro Eros Grau suspendeu o julgamento definitivo da matéria.
E tendo sido, o Ministro Eros Grau, sucedido pelo ministro Luiz Fux, coube ao mais novo membro da nossa Corte Suprema dar a resposta à sociedade. E para o alívio de milhares de contribuintes, em 04 de agosto de 2011 o Ministro Fux também votou pelo desprovimento do recurso. Ele concordou com a relatora, Ministra Ellen Gracie, no sentido de que a LC 118/2005 não é uma norma interpretativa, pois cria um direito novo, no interesse da Fazenda.
É bom frisar que esse já era um entendimento que vinha sendo pregado pelo agora Ministro do STF, quando ainda compunha o STJ, que sempre entendeu pela aplicação da prescrição decenal como conseqüência da aplicação da tese dos "cinco mais cinco".
O julgamento em benefício dos contribuintes pegou a todos de surpresa, eis que não estava previsto na pauta previamente divulgada pela Corte. Até mesmo o Ministro Marco Aurélio expressou seu descontentamento com o resultado do julgado, salientando que ele, juntamente com os Min. Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes, votaram no sentido de dar provimento ao recurso da União, ou seja, restringir o prazo prescricional para cinco anos.
Fato é que o julgamento terá impacto sobre milhares de ações em trâmite, visto que o Recurso Extraordinário analisado pelo STF foi tomado pelo mecanismo da repercussão geral, suspendendo o andamento de todas as ações em que se discute idêntica questão, para que o entendimento tomado no julgado sirva de orientação para todos os casos pendentes de análise.
Contudo, o que ainda não está claro é o início do prazo prescricional estatuído pela LC 118/2005. A relatora do caso, Min. Ellen Gracie, defendeu que os cinco anos se aplicam não para fatos geradores, mas para ações ajuizadas após a entrada em vigor da lei. Contudo, os ministros Celso de Mello e Luiz Fux, entenderam que na contagem considera-se o fato gerador, pouco importando a data da distribuição da ação, corrente da qual nos filiamos, conforme acima exposto.
Ao comentar seu voto na sessão do dia 04 de agosto, o Min. Luiz Fux assim ponderou:
O único destaque que eu faço é que a LC 118 criou um prazo prescricional para propositura de ações de repetição do indébito. Então, o pagamento do indébito é que inaugura o prazo prescricional, e não a propositura da ação, porque com isso se suprime o prazo dos lesados. Quer dizer, a prescrição pressupõe a lesão, então, é da data da lesão que começa a correr o prazo da ação.
Então, a nova lei, ela criou um novo prazo prescricional para a ação de repetição do indébito. Então esse novo prazo prescricional, ele leva em consideração as lesões ocorridas na data da entrada em vigor da LC 118, que é basicamente o que explicitou no seu voto o Min. Celso de Melo, dizendo aplicáveis aos pagamentos indevidos ocorridos após a sua entrada em vigor. Porque, realmente, se a prescrição é da ação, esse prazo de repetição do indébito tem que ser contado a partir da lesão ao direito, que foi o pagamento indevido. [01]
Assim, teremos que aguardar a publicação da decisão pioneira proferida pelo Supremo para sabermos se o início do prazo prescricional previsto pela LC 118/2005 se dará com o pagamento do tributo, ou com a data da distribuição da ação, sendo evidente que a primeira opção é a mais coerente e a mais legítima.
Contudo, de uma forma ou de outra, o julgado já pode ser considerado uma vitória aos contribuintes, dando ainda mais credibilidade ao Supremo, que não se curvou aos evidentes interesses da União.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Hugo de Brito Machado Segundo: "Lançamento por homologação, repetição do indébito e prescrição. O "encurtamento" do prazo levado a efeito pela LC 118/2005". Disponível em <http://www.scribd.com/doc/10492169/MACHADO-SEGUNDO-Hugo-de-Brito-LC-118-e-o-to-Do-Prazo-de-Prescricao>. Acesso em 21 de julho de 2009.
Comentários ao código tributário nacional, volume 2 (arts. 96 a 218) / Coordenador Ives Gandra da Silva Martins. – 5. ed. rev. e atual. – São Paulo : Saraiva, 2008.
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro, 9ª ed. Forense : Rio de Janeiro, 2007, p. 818.
CÂNDIDO, Elton Luiz Bueno. Da repetição do indébito tributário referente a tributo lançado por homologação. Uma síntese da crítica doutrinária e consolidação jurisprudencial após a edição da Lei Complementar n.º 118/2005. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2210, 20 jul. 2009. Disponível em http://jus.com.br/artigos/13176. Acesso em 20 jul. 2009.
Nota
- Transcrição dos comentários tecidos pelo Min. Luiz Fux ao proferir seu voto, conforme gravação da sessão disponibilizada no Youtube: http://www.youtube.com/watch?v=yyrtcRas2jQ