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Franchising: a Lei nº 8.955/94 em vigor no Brasil é suficiente para regular a relação entre franqueador e franqueado?

Agenda 21/08/2011 às 11:19

Antes de a Lei de Franquia (Lei nº 8.955/94) adotada atualmente pelo Brasil entrar em vigor, não existia nenhuma legislação reguladora desse setor. Assim, não é difícil imaginar as inúmeras injustiças cometidas pelos empresários que se aventuraram à época em atuar nessa área, na medida em que o desenvolvimento do franchising no Brasil se iniciou com empresas franqueadoras estrangeiras que procuraram fincar suas raízes no território nacional de forma desordenada e sem projetos consistentes, ao mesmo tempo em que o país passava por sérios problemas econômicos.

Diante desse cenário desfavorável, surgiu a Lei 8.955/94, ainda hoje em pleno vigor, a qual nunca foi suficiente para regular de forma adequada o franchising no Brasil, especialmente o relacionamento entre franqueador e franqueado, conforme se explica adiante.

Por força da atual Lei 8.955/94, os termos gerais do instituto de franquia se encontram bem delineados e as empresas franqueadoras têm hoje de apresentar, obrigatoriamente, ao potencial franqueado a COF (Circular de Oferta de Franquia), a qual dá ao candidato o prazo mínimo de dez dias para análise de todas as informações pertinentes ao negócio desejado, ainda antes de pagar qualquer taxa, ou assinar o contrato definitivo, junto ao franqueador.

Tais aspectos realmente afugentaram os franqueadores desonestos que apenas objetivavam vender franquias, arrecadando com essa manobra imensuráveis somas em dinheiro, sem ofertarem depois qualquer estrutura aos seus franqueados, deixando-os à própria sorte.

Por outro lado, essa mesma Lei 8.955/1994 não traz regras que enfrentem de maneira detalhada o contrato de franchising, tratando-se a relação de franquia de um ajuste contratual "atípico", ou seja, que não possui uma lei específica que o regule de maneira eficaz.

Perante esse problema estrutural, os mais renomados juristas e os tribunais nacionais já há muito tempo, ainda com mais força após o surgimento do novo Código Civil (Lei 10.406/2002), consolidaram o entendimento de que os princípios gerais do direito civil devem servir como parâmetros para interpretação do contrato de franquia, fixando-se, dessa forma, as regras básicas a serem aplicadas nesse campo.

E não há de se cogitar na aplicação do CDC (Código de Defesa do Consumidor - Lei 8.087/90) na relação de franchising, pois também já está sedimentado no sistema jurídico pátrio que o franqueado não é consumidor por duas razões simples: (i) o franqueado não se enquadra no conceito legal de consumidor, e; (ii) a vulnerabilidade não se caracteriza quando existe uma lei que define as obrigações do franqueador para conceder uma franquia.

De fato, o vínculo empresarial que reveste a relação entre franqueador e franqueado denota características bem diferentes daquelas formadas na relação entre fornecedor e consumidor, motivo pelo qual o potencial franqueado que pretenda ingressar em uma rede de franquia deve estar bem consciente de que o contrato de franquia representa um negócio jurídico celebrado exclusivamente entre empresários, isto é, de direito civil e não consumerista.

Como se vê, embora a proteção prevista na Lei 8.955/1994, tanto na celebração quanto no cumprimento do contrato, vise evitar a prática de abusos de parte a parte, a verdade é que esse mesmo diploma legal, por ser defeituoso, não torna o contrato de franquia um documento vão, sem qualquer relevância jurídica. Ao contrário, as disposições estabelecidas na avença de franchising, por conta disso, ganham demasiada força e acabam, no fundo, ditando toda a relação empresarial mantida entre as partes, dentro obviamente dos limites legais civilistas de âmbito geral.

Logo, mesmo não se aplicando ao contrato de franquia o CDC e sendo imperfeita a Lei 8.955/1994, ainda assim não será lícita qualquer conduta ou cláusula contratual que viole os princípios gerais estabelecidos no Código Civil vigente, ou que represente abuso de poder econômico de uma parte em detrimento da outra mais frágil na relação, geralmente o franqueado.

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Portanto, como as partes devem se reportar ao atual Código Civil para identificar todas as nuances jurídicas relativas ao contrato de franquia, é evidente que alcança especial destaque nessa relação o princípio da boa-fé e o novo dogma da função social do contrato.

Desse modo, no relacionamento entre franqueador e franqueado o princípio da boa-fé contratual e a necessidade de o contrato cumprir a sua função social deverão sempre fazer parte da intenção das partes, as quais terão de observá-los tanto na celebração quanto no cumprimento da avença, e até mesmo na fase pós-contratual, sem nunca perderem de vista a essência do negócio celebrado e a esfera econômica e social que o estiver cercando.

Por fim, é bom lembrar que já existe um projeto de lei que pretende tornar o modelo de franquia um pouco mais seguro, qual seja, o Projeto de Lei 4319/08 que ainda se encontra em votação nas Casas Legislativas do Congresso Nacional e não tem previsão de ser aprovado.

Essa proposta de nova lei, decorrente do processo natural de evolução do franchising e da economia brasileira, recomenda a modificação de alguns itens essenciais a esse setor empresarial, destacando-se, a título de exemplo, o fato de que pela lei em vigor (Lei 8.955/94) qualquer negócio pode logo após a sua inauguração se transformar em franquia, enquanto que pelo novo projeto legal um negócio somente poderá se tornar uma franquia depois do prazo mínimo de 2 (dois) anos de funcionamento, o que protegerá muito mais as duas partes contratantes, a saber, de um lado, os franqueadores sérios que na hora de venderem suas franquias não terão de concorrer com empresas sem qualquer experiência no ramo, e, de outro, os franqueados que dificilmente ingressarão, ou permanecerão, em redes de franquias desonestas que não possuem estrutura adequada e tempo de maturação satisfatório.

Entretanto, até que surja uma legislação muito mais específica de franquia realmente capaz de eliminar as dificuldades que continuam a atingir os participantes dessa espécie negocial, todos no país, ao se depararem com o tema, terão ainda de se valer das disposições genéricas do Código Civil vigente e da incompleta Lei 8.955/94.

Sobre o autor
Daniel Dezontini

Advogado e sócio fundador do escritório Dezontini Sociedade de Advogados (SITE: www.dezontiniadvogados.com.br; BLOG: http://advogadoespecialistalojistapandemia.blogspot.com.br). Pós-graduado em Direito Processual Civil pela PUC/SP, 2006. Especialista em Direito Contratual pelo Centro de Extensão Universitária (CEU) 2007. Inscrito na OAB/SP, desde o ano 2000, sob o nº. 174.853. Graduado pela PUC/SP, 1999. Experiência de mais de 19 (dezenove) anos em escritórios de pequeno, médio e grande porte, sendo o sócio fundador do escritório Dezontini Sociedade de Advogados e tendo atuado em diversas áreas do direito, destacando-se, dentre outras, a Civil, Empresarial, Consumidor, Contratual, Propriedade Intelectual, Trabalhista e Franchising, esta última com maior profundidade a partir de 2006, tanto no tocante às questões extrajudiciais, tais como contratos, consultorias e pareceres, quanto no que diz respeito ao contencioso, judicial ou administrativo, incluída a mediação e a arbitragem.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DEZONTINI, Daniel. Franchising: a Lei nº 8.955/94 em vigor no Brasil é suficiente para regular a relação entre franqueador e franqueado?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2972, 21 ago. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19814. Acesso em: 23 dez. 2024.

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