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A necessidade de uma nova interpretação do Direito.

Estudo de caso: gratuidade judiciária para órfão.

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RESUMO

A Constituição Federal de 1988 estabelece diversos princípios condutores da atividade econômica, garantindo, nesse sentido, a livre iniciativa e a livre concorrência. O alcance aos princípios constitucionais deve perscrutar a inovação legislativa, pois situações há em que a aplicação uniforme de uma regra pode gerar uma situação de desequilíbrio para os agentes econômicos, tendo como conseqüência a dificuldade de atuação no mercado e a conseqüente quebra. Visando tais situações, o legislador pátrio previu no art. 179 da Constituição o fomento à atividade do micro e pequeno empresário, o que foi bem realizado através do advento da Lei Complementar 123/06, que unificou o regime tributário diferenciado desses entes. Tal legislação é sensível no entendimento de que esses atores do cenário econômico desempenham um importante papel na sociedade e na economia, pois fortalecem o desenvolvimento econômico nacional.

Palavras-chave: Isonomia, micro-empresa, tributação.


1 – Introdução

Não se concebe falar em economia moderna sem observar a figura da empresa. Essa instituição, derivada dos ofícios da Idade Média, tem se mostrado historicamente relevante na produção e aplicação das riquezas. O advento da industrialização deu forças para que as empresas massificassem seus produtos e serviços atingindo um mercado mais abrangente.

Das famílias que se estruturavam em torno do ambiente familiar para a produção destinada ao mercado local, as empresas passaram a ter personalidade jurídica própria, distinta dos seus proprietários e trabalhadores, necessitando de um estatuto jurídico próprio e de proteção específica do Estado.

É inegável a farta produção legislativa em torno da atividade econômica e da empresa em si. Conceitos como desenvolvimento econômico estão inseridos na Constituição brasileira como objetivos do país. A noção de desenvolvimento não pode passar ao largo do conceito de igualdade, também festejado na carta magna. Logo, emerge a importância de o Estado favorecer os pequenos agentes econômicos frente aos grandes, para garantir igualdade de oportunidades e, por conseqüência, alcançar os fins da livre concorrência.

O sistema tributário é, pois, meio relevante para que o Estado alcance esse fim, já que o tributo possui funções de estímulo ou repressão de condutas tomadas pelos agentes econômicos. Não se quer dizer, todavia, que o tributo é condição única para o desenvolvimento, pois devem ser garantidas estruturas e garantias básicas para que o empresário possa atuar no mercado.

Com a edição da Lei Complementar 126/06, que unificou o tratamento da micro e pequena empresa, foram criados direitos exclusivos para esses agentes econômicos com o fito de garantir um tratamento diferenciado que pudesse fomentar a sua participação no mercado.


2 – Histórico das micro-empresas no país

O Código Civil Brasileiro não traz um conceito específico do que seja empresa [01]. Ele define, no art. 966 [02], o que é empresário e, no art. 1.142 [03], conceitua estabelecimento. À doutrina coube o papel de definir o que seja especificamente empresa. O professor Waldírio Bulgarelli (2000, p. 54), define empresa como:

Atividade econômica organizada de produção e circulação de bens e serviços para o mercado, exercida pelo empresário, em caráter profissional, através de um complexo de bens. A empresa é composta, basicamente, de três elementos: o empresário, o estabelecimento e a atividade, podendo ser definida como exercício profissional da atividade econômica organizada.

A microempresa, do ponto de vista jurídico, é espécie do gênero empresa. A Lei Complementar n°126/2006, que instituiu o Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, conceitua em seu art. 3°:

Art. 3º  Para os efeitos desta Lei Complementar, consideram-se microempresas ou empresas de pequeno porte a sociedade empresária, a sociedade simples e o empresário a que se refere o art. 966 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, devidamente registrados no Registro de Empresas Mercantis ou no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, conforme o caso, desde que:

I - no caso das microempresas, o empresário, a pessoa jurídica, ou a ela equiparada, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais);

II - no caso das empresas de pequeno porte, o empresário, a pessoa jurídica, ou a ela equiparada, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta superior a R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 2.400.000,00 (dois milhões e quatrocentos  mil reais). 

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Como demonstra Carlos Roberto Arnoldi (2011), a figura da microempresa foi criada no governo militar, com o objetivo de desburocratizar a atividade econômica, para retirar a economia do engessamento em que se encontrava. Surgiu, então, pelo Decreto 90.880/95, com mecanismos para facilitar a abertura e funcionamento das pequenas atividades empresariais.

Outras leis foram editadas para a facilitação da atividade empresarial, notadamente a Lei Complementar n.° 48, que isentou as micro e pequenas empresas de ICM e de ISS. É dessa época também a criação do CEBRAE – Centro Brasileiro de Apoio à Pequena e Média Empresa [04].

A Lei 8.864/94 criou o Estatuto da Microempresa, sendo posteriormente revogado pela Lei 9.841/99, que também foi revogada pela vigente Lei Complementar n° 123, que trouxe tratamento jurídico condizente com os aspectos constitucionais de desenvolvimento econômico e livre iniciativa.

Várias são as benesses conferidas pela legislação citada, muitas de âmbito tributário, o que será objeto do próximo tópico, destaca-se que ao microempresário são conferidos: a) estão dispensadas de empregar e matricular aprendizes nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem (art. 51, IIII); b) possuem linha de crédito exclusiva junto a instituições financeiras (art. 58); c) os protestos em que for devedora a microempresa estão isentos de taxas, custas e contribuições para o Estado (art. 73, I); d) podem demandar em Juizado Especial (art. 74).


3 – A tributação diferenciada advinda da Lei 9.317/96

O maior benefício para a micro e pequena empresa veio em 1996, através da Lei 9.317, que instituiu o regime tributário próprio denominado SIMPLES – Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte. Basicamente, as empresas que optassem pelo regime seriam beneficiadas ao pagar diversos tributos mediante um único recolhimento mensal e proporcional ao seu faturamento.

Tomando o conceito de Ferraz et. al. (1996, p.03), tem-se que competitividade é "a capacidade de a empresa formular e implementar estratégias concorrenciais que lhe permitam ampliar ou conservar, de forma duradoura, uma posição sustentável no mercado".

Em um cenário com concorrentes por um mesmo mercado temos que aquele com maiores recursos e maior eficiência terá superioridade em relação ao outro, eliminando-o, por conseguinte. Esse jogo de forças pode, em algum momento, alterar o equilíbrio de mercado, inviabilizando a concorrência, pois se trata de caso de concorrência imperfeita. Assim, o legislador, ao fornecer um plus ao pequeno e microempresário, através da redução de impostos e encargos sociais [05], permite que ele se aproprie, ao praticar o mesmo nível de preços, de parcela que o seu concorrente pagaria como impostos.

Essa parcela de apropriação, o diferencial para esse empresário, deveria ser revertido em investimentos na própria empresa, possibilitando o seu desenvolvimento. O alcance da política de apoio ao empresário teria, então, o condão de viabilizar a livre concorrência, permitindo que novos agentes ingressassem no mercado e ajudando na manutenção dos já existentes.

O apoio à microempresa apresenta-se relevante, principalmente se considerarmos que elas são as maiores empregadoras do país. De acordo com estudos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, em 2002 foram empregados pelas microempresas 7,3 milhões de trabalhadores. Verificou-se, no mesmo estudo, que 60,8 % dos empregos gerados direta e indiretamente no país advinha desses pequenos e microempresários.

A norma parte do ponto de vista que o pequeno empresário precisa de incentivos para o alcance da igualdade material perante os seus concorrentes de maior porte. Assim, a tutela estatal para que os pequenos empresários passem a atuar ou mesmo continuem em atuação no mercado é de suma importância. Todavia, necessário é o controle sobre tal instituto, sob pena de grassar em injustiça com os demais entes da atividade econômica [06].

Nesse sentido, grande repercussão tem gerado o art. 17, V, da Lei Complementar 123/2006, que expressamente veda o empresário que possua débitos com o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, ou com as Fazendas Públicas Federal, Estadual ou Municipal, cuja exigibilidade não esteja suspensa, de recolher impostos pelo SIMPLES.

Para alguns doutrinadores, a vedação é ilegal, pois incompatível com o texto da norma que garante tratamento diferenciado a pequena empresa. Indica-se que o Estado não pode valer-se de tal prerrogativa para ter seus créditos quitados, sobretudo quando poderia utilizar-se da via da execução fiscal para buscar o pagamento desses tributos.

Tal proposição não tem, todavia, prosperado no Superior Tribunal de Justiça – STJ [07]. Para a Corte, com a qual concordamos, é ilícito ao Estado impor limitações à atividade comercial do contribuinte em caso de inadimplência porque constitui meio de coação ilícito para pagamento de tributo. Contudo, não se sustenta a confusão entre imposição de restrição ao exercício da atividade empresarial com a exigência de requisitos para fins de concessão de benefício.

Nessa senda, importante o destaque de excerto da ementa do RMS 30777/BA, de relatoria do Ministro Luiz Fux, julgado em 30/11/2010:

6. É que o tratamento tributário diferenciado e privilegiado para as micro e pequenas empresas não as exonera do dever de cumprir as suas obrigações tributárias. A exigência de regularidade fiscal do interessado em optar pelo regime especial não encerra ato discriminatório, porquanto é imposto a todos os contribuintes, não somente às micro e pequenas empresas. Ademais, ao estabelecer tratamento diferenciado entre as empresas que possuem débitos fiscais e as que não possuem, vedando a inclusão das primeiras no sistema, o legislador não atenta contra o princípio da isonomia, porquanto concede tratamento diverso para situações desiguais.


4 – O fomento ao desenvolvimento como corolário da livre concorrência

O princípio da isonomia possui uma acepção horizontal e vertical. A primeira consiste no tratamento igual a pessoas que se encontram em situações semelhantes, enquanto a segunda diz respeito a pessoas que se encontram em situações distintas e que, portanto, merecem tratamento diferenciado no limite do que se diferenciam.

A Constituição, em seu art. 150, II, prevê que é vedado aos entes federados instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente. Tal norma, no momento em que garante o princípio da igualdade àqueles que estão em condições idênticas, deixa implícito que será possível o tratamento desigual àqueles que se encontrem em situações distintas.

Há, por consectário, que se perceber que as discriminações estabelecidas em lei devem ser constitucionalmente justificadas, como bem discorre George Marmelstein (2009, p. 407), se a lei discriminatória não passar no crivo da proporcionalidade, deverá ser anulada. A própria Constituição, como se viu, não proíbe a discriminação em si, mas veda, no entanto, toda aquela discriminação desproporcional, que não seja justificada através de argumentação convincente.

O incentivo à microempresa através da adoção de regimes tributários diferenciados como o SIMPLES e o SUPERSIMPLES visa atingir um direito constitucionalmente elencado, o do desenvolvimento econômico. A expressão "desenvolvimento" vem dita na Carta de 88, além do preâmbulo, em diversos artigos: art. 180 (incentivo ao turismo como fator de desenvolvimento econômico); art. 218 (fomento ao desenvolvimento tecnológico); art. 219 (incentivo e proteção ao mercado interno), entre outros.

Percebe-se que a idéia de desenvolvimento econômico adotada pelo legislador pátrio é holística, considerando que o desenvolvimento econômico deve ser perseguido através do fomento às varias formas de desenvolvimento seja social, cultural, ambiental ou tecnológico.

Funda-se pelo texto do art. 170 da Constituição que a economia brasileira é firmada na forma capitalista. Todavia, não é a economia concebida à margem de princípios e políticas sociais. Vê-se, então, que o equilíbrio do sistema econômico é encontrado com a observância, pelo menos do ponto de vista constitucional, com a harmonia com o rol de direitos sociais. O professor André Ramos Tavares (2006, pág. 134), evidencia o teor do assunto aqui relevado:

Na atual Constituição, é (dever ser) um dos objetivos fundamentais do Estado brasileiro ‘garantir o desenvolvimento nacional’. Obviamente que tal meta insere-se no contexto econômico Constituição, embora nele não se esgote, já que no desenvolvimento há de ser buscado igualmente em outras órbitas, como social, a moral, a política e outras. Interessa aqui sublinhar o desenvolvimento econômico do país como um dos objetivos fundamentais (não apenas um meio para obter outro princípio).

André Elali (2007) é enfático nesse sentido, entendendo que as forças do Estado devem convergir para a tutela e promoção do bem comum, devendo-se diferenciar um verdadeiro desenvolvimento econômico de uma mera modernização, pois essa não contribui para melhorar as condições de vida da maioria da população.

Nesse sentido, foi muito feliz o legislador ao inserir no texto constitucional, implicitamente no art. 170 e explicitamente no art. 179 [08], que as pequenas e microempresas teriam tratamento diferenciado. Como se viu, essas empresas têm vital importância para economia, pois são as que mais empregam e, ainda, possuem ampla capacidade de dinamização e absorção de novas práticas e tecnologias.

O tratamento diferenciado conferido às microempresas não pode ser considerado inconstitucional porque não advém de diferenciação arbitrária ou mesmo absurda; pelo contrário, vem a reboque dos anseios sociais pelo desenvolvimento econômico em seus diversos perfis.

A tendência no mercado é a concentração econômica. Assim, quando a Constituição cria mecanismos para favorecer o acesso e a permanência no mercado não está criando reservas ou barreiras à livre concorrência, mas fomentando-a, notadamente porque o abuso do poder econômico não é incomum no sistema capitalista, sendo papel do Estado impedir tais práticas.

Sobre as autoras
Bruna de Oliveira Araújo

Acadêmica de Direito da Universidade Federal do Piauí

Joana Emília Ribeiro Brandão

Acadêmica de Direito da Universidade Federal do Piauí

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAÚJO, Bruna Oliveira; BRANDÃO, Joana Emília Ribeiro. A necessidade de uma nova interpretação do Direito.: Estudo de caso: gratuidade judiciária para órfão.. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2992, 10 set. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19960. Acesso em: 22 nov. 2024.

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