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Pré-execução contra a Fazenda Pública.

Uma proposta viável

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Agenda 22/09/2011 às 09:42

6. O instituto da pré-execução contra a Fazenda Pública.

A definição ou conceito de pré-execução contra a Fazenda Pública consiste na exigência de que o Estado pague à vista a Obrigação de Pequeno Valor (OPV) [19], regulamentada por lei, ou proporcionalmente acima da OPV, se a dívida exceder esse valor, conforme uma tabela progressiva, a que se dá o nome de "régua invertida", porque sua escala de valores estabelece uma proporcionalidade entre o volume da dívida, o valor proporcional a ser pago à vista e o prazo de pagamento das parcelas remanescentes. Ou seja: a adoção desse método estabelece a possibilidade de quitação da dívida estatal em parâmetros suportáveis para os titulares do crédito, sem estrangular as finanças públicas e com a vantagem de contemplar os novos e os antigos credores da administração pública.

Essa pré-execução contra a Fazenda Pública prescinde apenas de uma breve avaliação do art. 100 da Constituição Federal; do conhecimento da metodologia da régua invertida; da fonte de recursos financeiros e da obrigação de pagar; e do necessário controle da Dívida Pública, como se passa a examinar.

6.1. Da reavaliação do art. 100 da Constituição Federal.

O art. 1º da Emenda Constitucional nº 62, promulgada em 9 de dezembro de 2009, deve ser aproveitado em todo o seu conteúdo, excetuando-se o § 15, que será revogado juntamente com o art. 97 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. A manutenção do art. 100 nos moldes que apresenta a EC nº 62 constitui um aperfeiçoamento desse instituto e deve-se integrar a uma nova emenda constitucional que estabeleça a substituição do art. 97 do ADCT, desta vez para contornar a inadimplência estatal e impor novo regramento para a liquidação do atual estoque da dívida, com previsão de zerar o déficit em 10 anos.

6.2. Da execução da dívida da Fazenda Pública pela régua invertida.

O mecanismo da régua invertida consiste em obrigar o Poder Público a depositar parte do crédito, isto é, a Obrigação de Pequeno Valor (OPV) após o trânsito em julgado da sentença condenatória. O cálculo será apurado da seguinte forma: 1º) subtrair do valor líquido a Obrigação de Pequeno Valor (OPV), válido para qualquer execução; 2º) Verificar em até quantos múltiplos de OPV o restante da dívida se enquadra; 3º) Aplicar o percentual correspondente ao múltiplo para depósito imediato; 4º) O índice inversamente proporcional ao depósito imediato será inscrito como precatório; e 5º) Um décimo do percentual do precatório indicará o número de anos em que será quitada a dívida.

Pela tabela da régua invertida, pode-se inferir que: a) O método será aplicado somente às decisões que ocorrerem a partir da vigência de uma nova EC que substitua o art. 97 do ADCT, ainda que se mantenha a integridade do art. 100 da Constituição Federal, com exceção, por óbvio, do § 15; b) Sempre que o valor da condenação ultrapassar a OPV, haverá mais um pagamento imediato, conforme o percentual aplicado; c) O pagamento do valor remanescente será quitado em até 10 anos, de acordo com o índice estipulado.

A tabela a seguir é meramente exemplificativa e tem como hipóteses a aprovação de nova emenda constitucional que substitua o art. 97 do ADCT e a definição do valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) como Obrigação de Pequeno Valor. Sua exposição serve apenas para facilitar a compreensão da régua invertida vinculada à ideia de pré-execução da Fazenda Pública.

Quadro 1: Novos credores, com direito a receber a partir dos exercícios financeiros de 2011/2012. Considera-se o valor hipotético de R$ 20.000,00 como Obrigação de Pequeno Valor (OPV).

Múltiplo de

Total da dívida até

Depósito imediato

Crédito/Precatórios

Nº de anos

01

R$ 20.000,00 (OPV)

100%

0

0

02

R$ 40.000,00

90%

10%

1

03

R$ 60.000,00

80%

20%

2

04

R$ 80.000,00

70%

30%

3

05

R$ 100.000,00

60%

40%

4

06

R$ 120.000,00

50%

50%

5

07

R$ 140.000,00

40%

60%

6

08

R$ 160.000,00

30%

70%

7

09

R$ 180.000,00

20%

80%

8

10

R$ 200.000,00

10%

90%

9

 

Múltiplo de 10 em diante

05%

95%

10

Supondo que se admita factível a implementação desse mecanismo, urge que se dê resposta convincente à parcela de credores que já espera na fila dos precatórios há anos, cuja situação caótica espelha críticas de toda sorte, especialmente às moratórias passadas e ao calote institucionalizado pela EC nº 62/09. Entretanto, deve-se chegar ao consenso de que, passados tantos anos de descaso, é impossível o pagamento dessa dívida de uma só vez, o que reclama uma proposta que sinalize concretamente com um adiantamento de parte do crédito e firme um compromisso definitivo que garanta o pagamento do saldo devedor.

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Para resgatar essa dívida, a régua será aplicada com vantagem em dobro para os antigos credores, com a mesma metodologia, isto é, subtrai-se o valor líquido referente à Obrigação de Pequeno Valor (OPV), válido para todos os precatórios pendentes de pagamento; verifica-se em até quantos múltiplos de OPV o resto a pagar se enquadra; aplica-se o percentual correspondente ao múltiplo para depósito imediato (em dobro, como bônus compensatório); o índice inversamente proporcional ao depósito imediato será renovado como precatório; e a última coluna indicará em quantas parcelas anuais será quitada a dívida, conforme o quadro 2.

Quadro 2: Credores remanescentes, com direito a receber a partir dos exercícios financeiros de 2011/2012. Considera-se o valor hipotético de R$ 20.000,00 como Obrigação de Pequeno Valor (OPV).

Múltiplo de

Total da dívida até

Depósito imediato

Crédito/Precatórios

Nº de anos

01

R$ 40.000,00 (OPV)

100%

0

0

02

R$ 80.000,00

90%

10%

1

03

R$ 120.000,00

80%

20%

2

04

R$ 160.000,00

70%

30%

3

05

R$ 200.000,00

60%

40%

4

06

R$ 240.000,00

50%

50%

5

07

R$ 280.000,00

40%

60%

6

08

R$ 320.000,00

30%

70%

7

09

R$ 360.000,00

20%

80%

8

10

R$ 400.000,00

10%

90%

9

 

Múltiplo de 10 em diante

05%

95%

10

Para que esse mecanismo funcione na prática, contemplando os dois estoques de dívidas ao mesmo tempo, será necessário que se discuta a ideia em três blocos distintos: autoridades representantes dos três poderes da República; secretários de Fazenda dos Estados; e representantes de entidades de classe que assinaram a ADI nº 4357 (Ordem dos Advogados do Brasil - OAB; Associação dos Magistrados Brasileiros - AMB; Associação Nacional dos Membros do Ministério Público - Conamp; Associação Nacional dos Servidores do Poder Judiciário - ANSJ; Confederação Nacional dos Servidores Públicos - CNSP; e Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho - ANPT). Do consenso desses três blocos, com certeza, sairá o pacto federativo pelo adimplemento das dívidas dos precatórios.

Para o aprimoramento da régua invertida, é bem-vinda a competência técnica interdisciplinar de profissionais da economia e da matemática financeira.

6.3. Da fonte de recursos financeiros e da obrigação de pagar.

Ultrapassada essa fase, na suposição de que seja viável a aplicação da régua invertida, incube discutir agora sobre a fonte de financiamento que arcará com o déficit acima de R$ 100 bilhões a ser pago em dez anos, sem que isso abale as finanças do Estado e nem ponha em risco a execução do plano na sua integralidade, isto é, sem que haja solução de continidade até zerar o estoque da dívida. Outro ponto importante estará na blindagem do mecanismo da régua invertida contra os meios espúrios de se levar vantagem, seja através da manipulação de dados, fraude, ou qualquer outro artifício que implique vantagens desonestas.

A primeira questão, atinente à fonte de financiamento, e que entrelaça pacto federativo e vontade política, pode ser resolvida a partir do levantamento da disponibilidade financeira de cada ente estatal e o aporte de recursos do Governo Federal. Assim, para cumprir as metas de adimplemento anual, os Estados, Municípios e Distrito Federal poderiam zerar essas despesas através de financiamentos assumidos pela União [20], já previstos no § 16 do art. 100 da Constituição Federal, que expressamente autoriza essa possibilidade, mediante lei específica, com previsão de refinanciamento aos tomadores do empréstimo.

Esse mecanismo de refinanciamento é relativamente simples porque os depósitos disponibilizados pela União, em conta própria para cumprir única e exclusivamente a finalidade de pagar dívidas de precatórios, serão descontados durante o exercício financeiro seguinte, dos repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e do Fundo de Participação dos Estados (FPE), sem nenhum risco de desvio de finalidade por parte dos entes federativos e nem de calote destes em relação aos cofres da União. A inevitável pressão sobre as contas públicas, contudo, principalmente de Estados e Municípios, terá efeito pedagógico necessário.

O impacto maior, sem dúvida, ocorrerá no primeiro ano de vigência da pré-execução contra a Fazenda Pública, em consequência da aplicação da régua invertida sobre o montante da dívida dos precatórios novos e antigos.

6.4. Do necessário controle das dívidas da Fazenda Pública.

Em relação às dívidas de Precatórios, o controle da execução orçamentária dos Estados e Municípios estará sujeito à Lei de Responsabilidade Fiscal [21], cujo cumprimento exigirá austeridade dos órgãos de controle externo, como é o Tribunal de Contas da União e dos Estados, e do próprio Poder Judiciário, pelo art. 100, § 6º, da Constituição Federal, cabendo ao Presidente do Tribunal determinar o pagamento integral dos valores requisitados para precatórios e autorizar o sequestro da quantia respectiva, a requerimento do credor para os casos de preterimento de seu direito de preferência ou de não alocação orçamentária do valor necessário à satisfação do seu crédito.

Cumprir a lei e atender às metas de zerar os estoques das dívidas de precatórios em dez anos, como sugere este plano, passam a ser condição sine qua non em relação ao pacto federativo, com engajamento de todas as entidades de classe já mencionadas e o monitoramento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão de controle do Poder Judiciário que já mantém o Cadastro Nacional de Condenações Cíveis por Ato de Improbidade Administrativa, necessário às garantias constitucionais do art. 5º, CF, onde se encontra o polo dos credores, punindo os maus admininistradores públicos, insertos no § 4º, art. 37 da Constituição Federal.

Bem a propósito, o CNJ editou a Resolução nº 92 [22], criada em outubro de 2009, que dispõe sobre a Gestão de Precatórios no âmbito do Poder Judiciário, com a instituição do Sistema de Gestão de Precatórios (SGP), como banco de dados de caráter nacional a ser alimentado pelos Tribunais de Justiça dos Estados, consignando, no art. 1º, o nome do tribunal, unidade judiciária e número do processo judicial que ensejou a expedição do precatório; datas do trânsito em julgado da decisão; valor do precatório, data da atualização do cálculo e entidade de Direito Público devedora; e natureza do crédito, se comum ou alimentar.

Para que o controle seja pleno, são fornecidos ainda o valor total dos precatórios expedidos pelo tribunal até 1º de julho de cada ano; valor total da verba orçamentária anual de cada entidade de Direito Público da jurisdição do Tribunal destinada ao pagamento dos precatórios; percentual do orçamento de cada entidade sob a jurisdição do Tribunal destinado ao pagamento de precatórios; e valor total dos precatórios não pagos até o final do exercício, por entidade. Por razões óbvias, o disposto nesse art. 1º não se aplica aos pagamentos de obrigações definidas em lei como de pequeno valor, conforme seu § 5º, por ser verba de quitação imediata.

6.5. Do conceito de pré-execução contra a Fazenda Pública.

Para se determinar o conceito de pré-execução, no exato contexto de execução contra a Fazenda Pública, é necessário deslocar o eixo da discussão para o campo da execução em geral, notadamente o que dispõe o Anteprojeto do Código de Proceso Civil [23], arts. 697 a 737, em que a relação entre particulares deve ser paradigma como efeito psicológico para o primeiro momento desta proposta de pré-execução, qual seja: o cumprimento da sentença referente à Obrigação de Pequeno Valor para todos os credores, mas que engloba, no plano concreto, o múltiplo correspondente à outra parte da dívida, que deve ser depositada de imediato.

Embora a ideia de pré-execução contra a Fazenda Pública se espelhe na execução contra o devedor particular, isto é, sem privilégios, o que ainda não seria possível, a proposta tem objetivo ainda maior: retirar o procedimento do plano de execução em sentido estrito, de execução forçada, e transportá-la para o plano em que o devedor (Poder Público) satisfaça voluntariamente sua obrigação. Vale dizer, em significado técnico, que sendo espontâneo o adimplemento nem de execução se poderia chamar, posto que a própria sentença constitutiva já estaria revestida da executividade própria, ainda que em sentido genérico [24].

Ultrapassado esse obstáculo, isto é, admitida essa forma de satisfação da parte primeira da obrigação, cujo pagamento contemple indiscriminadamente todos os créditos, sobre natureza e valor, e aceita pacificamente a inscrição do saldo remanescente à conta dos precatórios judiciais para pagamento parcelado conforme a tabela da régua invertida, consolidada estará a ideia de pré-execução, sobretudo porque parte do crédito, mesmo que se considere pequena, já se transferiu para o patrimônio financeiro do credor, e, mais importante ainda, a perspectiva desse credor receber suas parcelas remanescentes passa a desfrutar de credibilidade.

A favor desse novo ambiente, ganha vigor o estatuto da Lei de Responsabilidade Fiscal, o § 6º do art. 5º da Constituição Federal e a efetividade das decisões judiciais emanadas dos Tribunais de Justiça, amparados ainda pelo art. 2º da Resolução nº 92 do CNJ, que, através do Sistema de Gestão de Precatórios (SGP), também delegará poderes para que o Presidente do Tribunal, verificada a insuficiência da verba orçamentária para pagamento do precatório, solicite informações ao chefe do Executivo local e adote as medidas administrativas necessárias à efetivação do pagamento dentro do prazo constitucional.

Assim, pré-execução contra a Fazenda Pública significa o pressuposto da efetividade das decisões judiciais transitadas em julgado que satisfaz a obrigação de pagar a dívida do Poder Público através da antecipação de parte do crédito, o que serve de mecanismo de prevenção, de alerta, para que a Administração Pública labore com zelo, no estrito dever [25], com a obrigação antecipada de preservar a integridade dos direitos dos administrados. A ideia de pré-execução deve despertar uma consciência de que sai muito mais barato para a Administração Pública e para a própria economia do país prevenir o cometimento de erros e abusos na sua relação com os administrados do que pagar caro, e de modo antecipado, parte considerável dos créditos reconhecidos na Justiça, logo após o final da demanda.

Sobre o autor
Reginaldo de Santana Lima

Advogado, professor universitário, licenciatura plena em Filosofia, pós-graduado em ciências penais e processo civil, doutorando pela Universidade de Buenos Aires (UBA).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Reginaldo Santana. Pré-execução contra a Fazenda Pública.: Uma proposta viável. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3004, 22 set. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20034. Acesso em: 24 nov. 2024.

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