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Pré-execução contra a Fazenda Pública.

Uma proposta viável

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Agenda 22/09/2011 às 09:42

Conclusão

É indiscutível que a dívida pública fundada em precatórios merece atenção de todos os setores da sociedade, pela magnitude não só do volume de dinheiro que o Poder Público deve, mas do estrago moral que isso representa para a população, pela perspectiva sempre sombria de que o Estado deve mas não paga, como um mau exemplo que corrompe toda a ideia de constituição do próprio Estado como ente político-jurídico. Dever e não pagar, aliás, seja qual for a obrigação, gera um desconforto que reclama urgência na formação de um pacto nacional de líderes, que exponha, debata e encontre uma solução para o problema.

Por oportuno, a síntese desse problema resume-se na EC nº 62/2009, editada muito mais para fomentar a incredulidade, a desmoralização do Estado frente aos cidadãos, do que para garantir minimamente os direitos dos credores. O § 15 do art. 100 da Constituição Federal desanima os que esperam na fila dos precatórios e ainda não morreram, assim como torna impotentes aqueles que perecerão antes de receber o que o Estado lhes deve, ainda que parte considerável dessa dívida represente parcos recursos para satisfazer necessidades inadiáveis, como a compra de remédios e despesas para transporte e alimentação.

Como é recente a EC nº 62/09, nascida contaminada pelo vício da inconstitucionalidade, e recorrentes as emendas anteriores que se preocupam apenas com a moratória da dívida, a literatura disponível a respeito do assunto não tem muito a acrescentar, razão pela qual se bebeu na fonte da Constituição Federal e se valorizou alguns artigos e notícias publicados na mídia digital, explorando-se o aspecto de atualidade manifestada por profissionais que laboram na área do direito, o que muito contribuiu para oferecer esta modesta colaboração sobre o tema.

Mesmo no campo da Justiça, cujo ordenamento jurídico nacional se mostra pródigo em ditar direitos, cobrar deveres e ameaçar punir de maneira exemplar quem desrespeita a lei, como faz o Estado em relação aos seus devedores, em nenhum momento se mencionou o instituto da intervenção federal como forma coercitiva de se prover decisão judicial (art. 34, VI, CF), preferindo-se a via do entendimento antecipado, da prevenção de litígios, que contemple um plano seguro e duradouro, capaz de resgatar a credibilidade dos poderes constituídos, fundada no respeito dos cidadãos à administração pública, e vice-versa.

Como já foi dito, em concepção filosófica, em Hobbes e Rousseau, o Estado se compõe de indivíduos que transferem compulsoriamente uma parcela do seu direito para que haja segurança entre si e contra o poder de império do Estado. Como pode, pois, o Estado usurpar dos cidadãos duas vezes os seus direitos? A primeira, quando comete ato atentatório ao direito do administrado, reconhecido penosamente em duplo grau de jurisdição; a segunda, quando abusa do direito de defesa, procrastina, e furta-se ao cumprimento de decisão judicial com o propósito de frustrar a entrega do bem da vida àquele a quem pertence o justo direito.

O que chama à reflexão é que essa prática não pode se enraizar de vez, legitimada por uma cultura da impunidade. Pois qualquer que seja o ente estatal devedor - uma prefeitura pobre ou a máquina voraz e arrecadadora da União -, todos são excelentes cobradores de impostos e de qualquer outra espécie de dívida dos cidadãos, mas são reconhecidamente maus pagadores, não afeitos à moralidade pública e insensíveis à dor de milhares de credores que acabam igualmente desamparados pelo Poder Judiciário, que a tudo assiste, sem impor efetividade às suas decisões.

Quando se coloca a ideia de pacto federativo em prol do pagamento dos precatórios, surge obviamente a pergunta: por que envidar esforços para que o Estado pague essa tão absurda conta, cerca de 100 bilhões de reais de precatórios?

A resposta mais óbvia, e também alentadora, é que esse pagamento resgatará muito mais do que uma dívida moral, indecorosa e estimuladora de desobediência civil, pois a satisfação desses créditos, ao longo de dez anos, significará a injeção de recursos na própria economia interna do país, cuja circulação deve gerar distribuição de renda e retorno financeiro para o Estado em forma de impostos.

Outro ganho importante, de efeito pedagógico, será a implementação, logo de início, de uma nova cultura em relação aos procedimentos administrativos e a cautela sempre redobrada no exame de recursos, a fim de exaurir controvérsias e evitar as demandas que só tumultuam o Judiciário e oneram os cofres públicos.

É nesse contexto que vale a pena insistir na criação de alternativas por onde o Estado possa adimplir seu débito com a cidadania. A proposta de pré-execução contra a Fazenda Pública é uma forma de chamamento, de compromisso em torno de um pacto nacional pela moralidade (e eficácia) da administração pública, utilizando-se de instrumentos que por si só já inspiram a noção de Justiça, como é o caso da Constituição Federal e da Lei de Responsabilidade Fiscal, ambas municiadas com mecanismos suficientemente claros para realizar o cumprimento da lei e iluminar o caminho ético do bom senso.

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Referências

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Notas

  1. HARADA, Kiyoshi. Precatórios. Uma voz abalizada em defesa da ética e da moral. Investidura Portal Jurídico, 27/06/2009. Disponível em: http://www.investidura.com.br/bibliotecajuridica/artigos/politica/3777-precatorios-uma-voz-abalizada-em-defesa-da-etica-e-da-moral.html. Acesso em 12 de setembro de 2010.
  2. Constituição Federal, art. 1º, incisos I, II, III e IV; art. 2º; e art. 3º, incisos I e IV.
  3. WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil, volume 1 : teoria geral do processo e processo de conhecimento / Luiz Rodrigues Wambier, Flávio Renato Correia de Almeida, Eduardo Talamini ; coordenação Luiz Rodrigues Wambier. - 6a. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2003. pp 59-62.
  4. NERY JUNIOR, Nelson. Código de processo civil comentado e legislação extravagante : atualizado até 1º de março de 2006 / Nelson Nery Junior, Rosa Maria de Andrade Nery. - 9. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2006. pp 898-899.
  5. MEDINA, José Miguel Garcia. Execução / José Miguel Garcia Medina. – 2. ed. rev. e atual. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2011 - (Processo Civil Moderno) ; 3) p. 97.
  6. MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. Código de processo civil interpretado : artigo por artigo, parágrafo por parágrafo – 4ª edição – Barueri, SP : Manole, 2004. pp. 1093-1096.
  7. SANTOS, Moacyr Amaral, 1902-1983. Primeiras linhas de direito processual civil - São Paulo : Saraiva, 2003. Vol. 3: 21. ed. atual.; v. 1: 22. ed. rev. e atual.; v. 2: 20. ed. rev. / por Aricê Moacyr Amaral Santos. p. 286.
  8. Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil. p. 244. Disponível em: www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/Anteprojeto.pdf. Acesso em 5 de novembro de 2010.
  9. Precatórios. Proposta alternativa da PEC nº 12/06. Neste artigo, Kiyoshi Harada faz interessante análise da PEC nº 12, quando ainda tramitava no Congresso Nacional, e à sua crítica em relação à constitucionalidade do Projeto de Emenda Constitucional em curso, ao teor do art. 60, § 4º da Constituição Federal, oferece ao legislador alternativas que visam cessar o caráter de transitoriedade das emendas, que nada resolvem, e impor "a inserção de regras mínimas, porém, claras na Constituição Federal, para prevenir novos atrasos e aperfeiçoar a redação de seus textos para harmonizar com a realidade e a jurisprudência do STF, tomando-se os cuidados para não fazer inovações que prejudiquem a vasta jurisprudência formada em torno de precatórios." Disponível em: Revista JusNavegandi. 05/2009 > http://jus.com.br/revista/texto/12922/precatorios-proposta-alternativa-da-pec-no-12-06. Acesso em 6 de novembro de 2010.
  10. KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito. 6ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 225.
  11. WAMBIER, Luiz Rodrigues. Op. cit. pp 115 e 116.
  12. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro : Forense, 2004. pp 3 e 4.
  13. ASSIS, Arakem de. Manual de execução / Arakem de Assis. – 13ª ed. rev., ampl. e atual. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 450.
  14. IstoÉ. Edição nº 2066, de 17/06/2009. Calote oficial. Governos manobram para mudar a Constituição e não pagar precatórios aos contribuintes.
  15. Site Contas Abertas. Disponível em:
  16. >http://contasabertas.uol.com.br/WebSite/Noticias/DetalheNoticias.aspx?Id=2830. Acesso em: 7 de novembro de 2010.

  17. THEODORO JUNIOR, Humberto. Op. cit. p. 258.
  18. Jean-Jacques Rousseau. Do Contrato Social. Editora Nova Cultural. 2000. São Paulo. p. 71.
  19. Thomas Hobbes de Malmesbury. Leviatã – Ou Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil. Editora Nova Cultural. 2000. São Paulo. pp. 113-121.
  20. A Lei n. 10.259/01 definiu as obrigações de pequeno valor conforme aquelas que se inserem na competência do Juizado Especial Federal Cível (art. 17, §1º), isto é, até 60 salários mínimos, informados no caput do art. 3º. Esses limites podem ser diferenciados para os demais entes federativos, nos termos do parag. 5º do art. 100, CF., EC nº 37 e art. 87 do ADCT. O parágrafo único desse art. estabelece que o excedente da OPV será pago através de precatório, nos moldes do parag. 3º do art. 100, CF.
  21. Art. 100, § 16. A seu critério exclusivo e na forma de lei, a União poderá assumir débitos, oriundos de precatórios, de Estados, Distrito Federal e Municípios, refinanciando-os diretamente. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009).
  22. Lei Complementar nº 101/2000. Art. 10.A execução orçamentária e financeira identificará os beneficiários de pagamento de sentenças judiciais, por meio de sistema de contabilidade e administração financeira, para fins de observância da ordem cronológica determinada no art. 100 da Constituição.
  23. Resolução nº 92, de 13 de outubro de 2009. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/index.php?option=com_content&view=article&id=9110:resolucao-no-92-de-13-de-outubro-de-2009&catid=57:resolucoes&Itemid=1085> acesso em: 10 de novembro de 2010.
  24. Op. cit.: Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil. pp. 207/217.
  25. CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. Teoria Geral do Processo / Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover, Cândido R. Dinamarco : prefácil do Prof. Luís Eulálio de Bueno Vidigal. – 6ª ed. ampl. e atualizada. – São Paulo : Ed. Revista dos Tribunais, 1986. p. 277.
  26. Constituição Federal, art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...] § 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
Sobre o autor
Reginaldo de Santana Lima

Advogado, professor universitário, licenciatura plena em Filosofia, pós-graduado em ciências penais e processo civil, doutorando pela Universidade de Buenos Aires (UBA).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Reginaldo Santana. Pré-execução contra a Fazenda Pública.: Uma proposta viável. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3004, 22 set. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20034. Acesso em: 24 nov. 2024.

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