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Reflexões sobre o ensino jurídico no Brasil

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3.COMO COLOCAR O DIREITO A SERVIÇO DA SOCIEDADE

As preocupações com o ensino do direito,voltam-se prioritariamente para as questões didático - pedagógicas e ao exame do currículo dos cursos universitários, como observa o professor Wanderlei Rodrigues [24].

O ponto fulcral da questão vem sendo esquecido: como colocar o direito a serviço da sociedade, buscando a justiça social e propiciando o exercício pleno da democracia?

Na linha dos estudiosos entendemos que é necessário uma reformulação na maneira de ensinar e a mudança na estrutura do pensamento do direito é o ponto de partida para integrá-lo à realidade social.

O ensino do direito está distante da realidade social, haja vista que não acompanha a evolução paradigmática de valores e princípios. E mais, não vai a campo.

É preciso valorizar o estágio. A nova Lei do Estágio n. 11.788, de 25 de setembro de 2008, veio moralizar esta forma de contratação, tutelar o estagiário e buscar, de fato, inserir o estudante em ambientes que funcionem como "incubadoras de conhecimento" – propiciando aprendizado e aprofundamento da formação. E não permitir que os jovens profissionais sejam apenas mão de obra barata para o mercado.

De grande valia foi a instituição, pelas Universidades, de escritórios-modelo de assistência jurídica dentro do próprio campus. O acadêmico precisa ver o direito sendo, com efeito, aplicado e entender que nem toda norma positiva se adequa ao caso concreto que visa regular.

Regis de Morais assinala com maestria que precisamos parar de ser infiéis conosco mesmos, parar de trair as nossas comunidades e trazer a vida das cidades para dentro das escolas:

De que precisamos libertar-nos? De todas as infidelidades que praticamos diariamente contra nós mesmos e contra os que estão no caminho conosco. Por exemplo: as escolas têm que parar de trair suas comunidades. Quero dizer: é preciso trazer a vida da cidade para dentro das escolas e, ao mesmo tempo, levar a escola para a cidade. Todos têm o que ensinar a todos, mesmo na correria das grandes cidades e no interior dos efeitos lamentáveis das lutas de classes [25].

Na esteira de nossos ilustres professores, acompanhamos o pensamento de Wanderlei Rodrigues, quando escreve que os educadores precisam despir-se da roupagem, apenas, positivista ou do ideal jusnaturalista no intuito de compor uma nova forma de pensar que possa contribuir para estruturar o direito contemporâneo: "O mestre que domina totalmente o conteúdo dogmático de sua disciplina pode ser um bom professor, mas nunca será um educador" 34.

É correto o pensamento dos autores que evidenciam a importância do conhecimento dogmático pelo professor, no entanto este conhecimento deve ser amplamente debatido e "socializado" com os alunos para verificar a legitimidade destes dogmas perante a sociedade.

Não é à toa que muitos códigos são, atualmente, verdadeiras colchas de retalhos, repletos de alterações e devendo ser analisados conjuntamente a uma série de leis esparsas que regulam as mesmas matérias. Todas estas alterações legislativas são, em verdade, iniciativas desesperadas dos poderes estatais de incutir realidade no bojo dos dogmas jurídicos.

Nesse tocante, ressaltem-se, ademais, normas que visam tratar de forma especial situações que evadem à generalidade dos casos, tais como o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90); o Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), o Estatuto Nacional das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (LC 123/2006); o Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90); entre outras.

Não bastasse, o judiciário toma para si este fardo e acaba imiscuindo-se, inclusive, no mérito administrativo – supostamente intangível – no afã de ver aplicados princípios constitucionais implícitos que as leis e regulamentos infralegais recorrentemente negligenciam.

Muito se tem discutido, em termos de graduação sobre a pesada carga de teoria e a falta de atividades práticas em sala de aula. A prática não é somente aquela direcionada para as atividades diárias dos operadores jurídicos, mas levando em conta a criação do conhecimento por cada estudante. A discussão é prática, a interação, o acompanhamento do direito vivo – o aplicado dia-a-dia nos Tribunais Pátrios, o defendido constantemente pelos causídicos em suas teses. A teoria é mais do que a dogmática e a prática transcende a operação. A formação integral exige o olhar sistêmico do direito.

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A obra Pedagogia do Oprimido, de Paulo Freire [26], tem ampla aplicação neste tema. É uma obra que continua muito atual e cria caminhos que nos levam a refletir e repensar a forma de ensinarem todos os campos.

A obra nos remete, também, a repensar o ensino jurídico que precisa ser avaliado e confrontado com a realidade vigente. É necessário rever o conceito tradicional da ciência do direito, questionar as concepções sobre a lei e a coerção, para romper com o paradigma atual.

Os estudantes devem ter a oportunidade de questionar como e por quê as leis são feitas desta ou daquela forma. Investigar as origens dos problemas sociais, entender a técnica legislativa, sentir-se como juízes do que está sendo posto para a sociedade e não pessoa que atende servilmente o que está escrito na lei, sem preocupar-se com a intenção ou o espírito do legislador.

Conforme ensina Melo Filho [27]:

[...] torna-se ingente ao ensino jurídico formatar ‘cientistas do Direito, investigadores objetivos dos processos jurídicos, técnicos legisladores, juízes de personalidade, e não meros leguleios, exegetas, hermeneutas, homens da lei no sentido antigo’, para que o Direito possa assumir uma postura prospectiva e dirigida a uma realidade onde não há ‘habitat’ para as categorias tradicionais, modelos fechados, vestes formalistas e soluções abstratas [...].

Estudiosos do assunto apresentam suas propostas para que o ensino do direito assuma uma postura mais dinâmica em relação aos anseios da maioria dos cidadãos e cumpra, enfim, o seu papel de tornar mais justa a convivência em sociedade:

João Paulo de Souza [28] traz uma proposta interessante, que o direito, seja ensinado, também, em laboratório, entendendo o vocábulo laboratório como "qualquer lugar onde o objeto do conhecimento pode ser submetido a estudo pela observação e/ou experiência empírico crítica", tal como as comunidades\favelas, a associação de moradores, a delegacia de polícia, cadeia pública, órgãos estatais legislativos etc.

Souza preleciona que para adequar o ensino do direito à realidade social vigente, é necessário observá-lo fora das academias e verificar o que acontece nas ruas. É lá que podemos perceber o direito posto ou sonegado.

É interessante o estudo do Direito Alternativo como mais uma forma de ver e ensinar o direito. Ainda como proposta de reflexão do ensino, cita-se Wanderley Rodrigues que apresenta o direito alternativo como uma das possibilidades de resgate da integralidade do jurídico, face ao reducionismo de grande parte dos movimentos críticos existentes.

O Direito Alternativo, em relação à maioria dos movimentos críticos, inova. Ele faz uma opção pelos pobres, uma opção prática e não apenas retórica como se via anteriormente. Sua proposta não se reduz ao estrito universo jurídico - acadêmico, instância regra geral até o então privilegiada [29].

Apresenta-se resumidamente, algumas características movimento do Direito Alternativo:

O movimento engloba o chamado positivismo de combate que visa dar eficácia concreta aos direitos individuais e sociais, já inseridos nos textos de Lei, e que não estão sendo aplicados, para favorecer as classes menos privilegiadas. Esta batalha não vai de encontro ao princípio da legalidade, pelo contrário, apenas procura dar eficácia à Lei.

Impende ressaltar, nesse norte, que alguns direitos são ainda, de fato, absolutamente classistas. O Direito Penal é um bom exemplo, seguido pelo Direito Tributário. São searas em que aqueles que detêm melhores condições, podem munir-se da melhor defesa e respaldar-se nas mais modernas tecnologias, consequentemente, obtendo maior possibilidade de absolvição ou ganho de causa – conforme a hipótese.

O uso alternativo do Direito é o segundo nível invocado pelos defensores do movimento em questão [30].

Conforme lição de Rodrigues [31]:

Ele se caracteriza pela utilização das contradições existentes no sistema, bem como da vagueza ou ambigüidade de suas normas. Parte do pressuposto de que frente a uma antinomia jurídica ou a uma imprecisão significativa, deve o intérprete escolher aquela opção que seja mais comprometida com a democracia e os interesses das classes e grupos menos privilegiados dentro do contexto social. O instrumento principal a ser utilizado no âmbito do uso alternativo do direito é a hermenêutica.

A polêmica no tocante a este movimento, no entanto, reside na aceitação do chamado pluralismo jurídico estudado por autores, tais como, Antônio Carlos Wolkmer [32], Boaventura de Souza Santos e Roberto Lyra Filho. O pluralismo jurídico reconhece que existem outras normas legais e que não são àquelas criadas pelo Estado e devem ser aplicadas diante da lacuna ou injustiça do direito estatal. A existência de outras normas legais e que não são criadas pelo estado é que torna bastante polêmica a questão.

Ressalte-se, por último, e ainda no tocante ao Direito Alternativo, outra frente de luta denominada de "jusnaturalimo de caminhada". Para o jusnaturalismo de caminhada há uma ordem supralegal que entende estar acima da ordem jurídica positivada em favor da aplicação de direitos que se referem à vida e a liberdade.

O estudo do Direito Alternativo merece um aprofundamento por ser bastante amplo, no entanto limitamos a apresentar a proposta, como mais uma opção de mudança, que deve, ser amplamente discutida em todos os níveis de aplicação do direito pela sociedade.

A Mediação vem sendo usada para tentar resolver os conflitos, no entanto, não se trata de nenhuma novidade a sua utilização, haja vista que se atribui a sua origem a Confúcio, na China.

Com a reforma do Código de Processo Civil, em 1994, foram inseridas as audiências de conciliação prévia e com a Lei 9.099/95 – relativa aos juizados especiais cíveis e criminais na justiça comum –, a mediação passou a ser, legalmente, reconhecida no direito brasileiro. A mediação visa à composição dos litígios, a resolução por acordos.

José Alcebíades de Oliveira Júnior [33] leciona que:

de imediato, enquanto o direito tradicional moderno tem por finalidade dar uma solução jurídica – legal – a um conflito, sem nenhuma responsabilidade com a sua extinção, a mediação – num plano sociopsicológico para além do legal – renasce com essa pretensão.

O mediador pode encontrar socorro em outras disciplinas ligadas ao direito para o seu trabalho de promoção do bem estar social. O uso de conhecimentos como Pedagogia, Psicologia, Antropologia e Sociologia servem para investigar as causas dos conflitos e podem trazer auxílio na persecução da justiça social. Por esta razão, de meridiana clareza que o conhecimento interdisciplinar impulsiona a resolução dos mais variados conflitos.

Por amor ao argumento, cumpre mencionar, ainda, a Lei n. 9.307/1996, que dispõe sobre a arbitragem e, em seu artigo 13, garante às partes a submeter a apreciação de seus litígios a qualquer pessoa capaz que tenha sua confiança.

Importante este instituto porque possibilita, por exemplo, que conflitos sobre engenharia sejam submetidos à óptica de engenheiros; bem como contendas sobre a medicina, podem ser analisadas por médicos – expertos na matéria que revelem sua imparcialidade e independência.

Evidente que tais peritos não podem proferir soluções que exorbitem os limites da convenção de arbitragem existente ou que extrapolem o senso comum e a ordem jurídica vigente. E o operador do direito será sempre terminante no que concerne à observância da justiça e da legalidade.

Assim, o ensino jurídico deve trilhar caminhos que conduzam para perto da sociedade. Seja através de observação do bairro ou da cidade para ver quais são as necessidades mais prementes, seja elaborando pesquisa nos fóruns locais para analisar como são solucionadas as demandas jurídicas ou, ainda, questionando em sala de aula a validade, a legitimidade ou constitucionalidade de normas jurídicas.

Observa-se, portanto, que se marcha a cada dia para um sistema menos adstrito à regra e mais receptivo aos princípios gerais. A sociedade demanda flexibilidade e o cidadão requer espaço na ordem jurídica, isto é, precisa que seus direitos sejam tutelados de forma justa e estão mais atentos às leis.


4.CONCLUSÃO

O curso de direito deve prover formação humanista, generalista, voltada a capacitar o profissional para a compreensão das transformações velozes da sociedade moderna.

O modelo profissional tecnicista não pode ser abandonado, mas deve ser aprimorado, visando ampliar o senso crítico dos estudantes e formar profissionais cada vez mais empenhados em transformar o meio em que vivem.

O conceito de bacharelismo, compreendido como formação de letrados programados para manter um modelo burocrático e de dominação econômica, deve ser extinto da universidade moderna. O profissional deve formar-se para conviver harmonicamente e solucionar mazelas sociais. Atender aos interesses públicos primários.

O Direito positivo não pode ser tomado como uma ciência autoaplicável alheia a toda evidência de transformação, isto é, precisa-se entender a realidade como um todo interconectado, e, o direito deve preencher as lacunas da sociedade, resolvendo problemas e não obstando o acesso à justiça social.

A formatação do ensino jurídico tem papel determinante na estruturação do novo direito, aquele que propõe alternativas, que procura imiscuir-se na realidade plural que se apresenta e trazer concretismo às garantias fundamentais.

As disciplinas propedêuticas no início do curso atreladas à prática recorrente e a discussão dos dogmas proporciona desenvolvimento integral do operador do direito.

O jovem jurista não deve ser um reprodutor de conceitos, mas um agente irascível na busca do ajustamento e paz sociais, preparado para encarar os desafios de um mundo no qual a diversidade, por um lado, fomenta e nutre as relações humanas, por outro, gera inúmeros conflitos e avidamente requer a quebra dos paradigmas tradicionais.

Sobre as autoras
Denise Teresinha Almeida Marcon

Advogada e Diretora de Empresa, Pós-graduada em Advocacia e Dogmática Jurídica pela Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL; Graduada em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, Bacharel também em Letras Inglês-Português pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC; Ex-Professora do curso de Direito da UNISUL na Disciplina de Processo Civil I - Conhecimento; Membro da Comissão de Direito Imobiliário da OAB/SC; Participou da Comissão de Ensino Jurídico da OAB/SC

Gabriela Almeida Marcon

Advogada, Pós-graduanda em Jurisdição Federal pela Escola Superior da Magistratura Federal de Santa Catarina – ESMAFESC; Bacharel também em Administração Empresarial pela Universidade do Estado de Santa Catarina, UDESC; Membro da Comissão de Estudos Jurídicos e Legislativos da OAB/SC

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARCON, Denise Teresinha Almeida; MARCON, Gabriela Almeida. Reflexões sobre o ensino jurídico no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3027, 15 out. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20258. Acesso em: 25 dez. 2024.

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