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Lei do Abate e Justiça Militar

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3. A Lei do Abate ou do Tiro de Destruição

O douto Engenheiro Aeronáutico Maurício Pazini Brandão [12] analisa o caso do vôo KAL-007 em 1º de setembro de 1983, no auge da Guerra Fria, em que o Boeing 747 da Korean Air Lines, de Nova Iorque a Seul, com escala em Anchorage (Alasca), foi abatido por um caça Sukhoi Su-15 Flagon sobre o Mar do Japão tendo sobrevoado espaço aéreo soviético. Sobretudo, traz [13] importantes conceitos da Escola Superior de Guerra (ESG):

"(...) Nação é um grupo complexo, constituído por grupos sociais distintos que, em princípio, ocupando, um mesmo Espaço Territorial, compartilham da mesma evolução histórico-cultural e dos mesmos valores, movidos pela vontade de comungar um mesmo destino."

(...)

"Por outro lado, Poder Nacional é a ‘capacidade que tem o conjunto interagente dos homens e dos meios que constituem a Nação, atuando na conformidade com a vontade nacional, de alcançar e manter os Objetivos Nacionais.’ Esses Objetivos ‘são aqueles que a Nação busca satisfazer, em decorrência da identificação de necessidades, interesses e aspirações, em determinada fase de sua evolução histórico-cultural.’ Em outras palavras, o Poder Nacional é a ferramenta que o Estado possui para buscar a consecução dos Objetivos Nacionais."

(...)

"(...) Segundo a ESG, ‘Soberania é a manutenção da intangibilidade da Nação, assegurada a capacidade de autodeterminação e de convivência com as demais Nações em termos de igualdade de direitos, não aceitando qualquer forma de intervenção em seus assuntos internos, nem participação em atos dessa natureza em relação a outras Nações.’"

(...)

"A Soberania de um Estado estende-se ao seu território terrestre, às águas nacionais e ao espaço aéreo adjacente a ambos. Portanto, depreende-se, para o cidadão, como um dever do Estado como pessoa jurídica, monitorar e policiar o seu espaço aéreo, de forma que dele façam uso autorizado, conduzindo ações lícitas e seguras, tanto para aqueles que voam, quanto para aqueles que permanecem na superfície."

"Portanto, um Estado Soberano deve possuir capacidade de conduzir ações de controle sobre o seu espaço aéreo..."

Ainda [14],

"O monitoramento do espaço aéreo é a condição sine qua non para o seu controle. Para as atividades militares de defesa aérea, foi criado o Sistema de Defesa Aeroespacial (Sisdabra), ativado em 1980. Este Sistema tem como órgão central o Comando de Defesa Aeroespacial Brasileiro (Comdabra), com sede em Brasília (DF), ativado em 1995. O Comdabra é um Comando Combinado, composto por militares das três Forças Armadas (Marinha, Exército e Aeronáutica), tendo como Comandante um Major-Brigadeiro, Oficial-General de três estrelas da Fab."

"Como órgão central, o Comdabra recebe do Sisdabra informações em tempo real de todo e qualquer tráfego aéreo visualizado pelos radares do Sistema. Em caso de necessidade, o Comando pode mobilizar e lançar no mínimo tempo meios de defesa contra ameaças percebidas em seus radares. Esses meios podem ser aeronaves de caça, helicópteros ou baterias de artilharia antiaérea. Em tempos de paz, o Comdabra fica subordinado, dentro da estrutura do Comando da Aeronáutica, ao Comando-Geral de Operações Aéreas (Comgar). Em tempos de conflito, a subordinação do Comdabra é feita diretamente ao Presidente da República."

Sobretudo, assevera o douto Maurício Pazini Brandão [15]:

"O Brasil tem sido historicamente um dos primeiros países do planeta a aderir e a ratificar os mais importantes tratados e acordos do Direito Aeronáutico Internacional. Começando pelas Convenções de Varsóvia em 1929 e de Chicago em 1944, mais uma vez o nosso país tornou-se signatário da Convenção da Aviação Civil Internacional de maio de 1994. Nessa Convenção, ficou definido que os Estados contratantes reconhecem que cada Estado deve evitar recorrer ao uso de armas contra aeronaves civis em voo e que, em caso de interceptação, as vidas das pessoas a bordo e a segurança da aeronave não podem ser postas em perigo..."

Com fulcro no "caput" do artigo 178 da Constituição da República ("A lei disporá sobre a ordenação dos transportes aéreo, aquático e terrestre, devendo, quanto à ordenação do transporte internacional, observar os acordos firmados pela União, atendido o princípio da reciprocidade"), com a redação dada pela emenda constitucional nº 7, de 15 de agosto de 1995, o CBA foi alterado por norma conhecida como Lei do Abate ou do Tiro de Destruição: a lei federal nº 9.614, de 5 de março de 1998, para incluir hipótese destruição de aeronave:

"Art. 1º O art. 303 da Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986, passa a vigorar acrescido de um parágrafo, numerado como § 2º, renumerando-se o atual § 2º como § 3º, na forma seguinte:"

"Art. 303. ........................................................................................

........................................................................................................

§ 2º Esgotados os meios coercitivos legalmente previstos, a aeronave será classificada como hostil, ficando sujeito à medida de destruição, nos casos dos incisos do caput deste artigo e após autorização do Presidente da República ou autoridade por ele delegada.

§ 3º A autoridade mencionada no § 1º responderá por seus atos quando agir com excesso de poder ou com espírito emulatório."

Segundo a Força Aérea Brasileira [16], essa lei instituiu novidades:

"A lei em questão introduziu conceitos novos, tornando-se necessária a definição das expressões meios coercitivos, aeronave hostil e medida de destruição. Ademais, passou a ser imprescindível que o novo dispositivo fosse aplicado dentro de uma moldura de rígidos preceitos de segurança, com o pleno esclarecimento dos procedimentos e das condições em que a medida de destruição poderia ser executada. Todos estes aspectos demandaram a necessidade de regulamentação do citado dispositivo legal, por intermédio de um decreto presidencial."

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Publicada no dia seguinte e por força de seu art. 2º, a Lei do Abate entrou em vigor nesta data, tendo como fundamento o § 1º do artigo 142 da Constituição da República ("Lei complementar estabelecerá as normas gerais a serem adotadas na organização, no preparo e no emprego das Forças Armadas"), que foi regulamentado pelos artigos 16-A e 18, inciso VII, da lei complementar federal nº 97, de 09 de junho de 1999, com a redação dada pela lei complementar federal nº 136, de 25 de agosto de 2010:

"Art. 16-A. Cabe às Forças Armadas, além de outras ações pertinentes, também como atribuições subsidiárias, preservadas as competências exclusivas das polícias judiciárias, atuar, por meio de ações preventivas e repressivas, na faixa de fronteira terrestre, no mar e nas águas interiores, independentemente da posse, da propriedade, da finalidade ou de qualquer gravame que sobre ela recaia, contra delitos transfronteiriços e ambientais, isoladamente ou em coordenação com outros órgãos do Poder Executivo, executando, dentre outras, as ações de:"

"I - patrulhamento;"

"II - revista de pessoas, de veículos terrestres, de embarcações e de aeronaves; e"

"III - prisões em flagrante delito."

"Parágrafo único. As Forças Armadas, ao zelar pela segurança pessoal das autoridades nacionais e estrangeiras em missões oficiais, isoladamente ou em coordenação com outros órgãos do Poder Executivo, poderão exercer as ações previstas nos incisos II e III deste artigo."

"Art. 18. Cabe à Aeronáutica, como atribuições subsidiárias particulares:"

(...)

"VII - preservadas as competências exclusivas das polícias judiciárias, atuar, de maneira contínua e permanente, por meio das ações de controle do espaço aéreo brasileiro, contra todos os tipos de tráfego aéreo ilícito, com ênfase nos envolvidos no tráfico de drogas, armas, munições e passageiros ilegais, agindo em operação combinada com organismos de fiscalização competentes, aos quais caberá a tarefa de agir após a aterragem das aeronaves envolvidas em tráfego aéreo ilícito, podendo, na ausência destes, revistar pessoas, veículos terrestres, embarcações e aeronaves, bem como efetuar prisões em flagrante delito."

"Parágrafo único. Pela especificidade dessas atribuições, é da competência do Comandante da Aeronáutica o trato dos assuntos dispostos neste artigo, ficando designado como ‘Autoridade Aeronáutica Militar’, para esse fim."

No entanto, a Lei do Abate demorou para ser regulamentada [17]:

"A partir de abril de 2003, um grupo de trabalho constituído por integrantes do Ministério da Defesa, do Ministério da Justiça, do Ministério das Relações Exteriores, do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República e especialistas do Comando da Aeronáutica se reuniu com o objetivo de estudar todos os aspectos pertinentes à regulamentação da Lei do Tiro de Destruição, tais como procedimentos de interceptação aérea, normas internacionais da aviação civil, medidas de integração de procedimentos com os países vizinhos e legislação de países interessados no tema e que mantêm normas específicas sobre responsabilidade civil de seus cidadãos, quando estes tenham apoiado direta ou indiretamente a destruição de aeronave civil."

O então Ministro da Defesa José Viegas Filho [18] asseverou:

"O governo está sinalizando claramente sua disposição em combater, com as armas adequadas, a invasão de nossas fronteiras por quadrilhas internacionais de narcotraficantes."

"Entretanto, em razão da falta de regulamentação da lei, as aeronaves de interceptação da FAB não tinham poder de dissuasão suficiente para ver obedecidas suas ordens de identificação e de pouso. A despeito de, em muitas situações, ter se chegado ao tiro de advertência, havia desobediência às ordens emitidas, caracterizando-se situação similar a da resistência à prisão."

Segundo a Câmara dos Deputados [19], as razões dessa demora:

"Depois de quase vinte anos, desde a regulamentação do Código Brasileiro de Aeronáutica, entra em vigor, no próximo domingo, a Lei do Abate: conjunto de procedimentos de segurança que autorizam a derrubada de aeronaves suspeitas em espaço aéreo brasileiro. A medida visa a retirada do Brasil das rotas aéreas internacionais do tráfico de drogas. Só no ano passado, segundo informações do Comando da Força Aérea, em Brasília, cerca de quatro mil aeronaves invadiram e circularam o espaço aéreo brasileiro clandestinamente. A maioria dos casos foi registrado na Região Amazônica, onde, apesar da atuação do Sistema de Vigilância da Amazônia (SIVAM), traficantes e contrabandistas insistem em afrontar os aviões da FAB. Em muitos casos, o clandestino simplesmente fecha as cortinas da aeronave e segue viagem, como se nada estivesse acontecendo. Sem mecanismos legais para agir em casos como este, restava aos pilotos da Aeronáutica acompanharem os aviões ilegais, até que eles deixassem o espaço aéreo brasileiro, sem tomar conhecimento, sequer, da carga transportada. Agora, com a entrada em vigor da Lei do Abate, a história será outra, espera o deputado Moroni Torgan, do PFL do Ceará."

"Sonora: ‘É algo com muita responsabilidade, de quem não quer, de forma nenhuma, que o contrabando de armas, as drogas, e outros tipos de delitos estejam acontecendo e, infelizmente, não temos armas nenhuma para detê-los.’

"O texto da Lei do Abate foi aprovado pelo Congresso em 1998 e esperou seis anos para ser regulamentado graças a pressões internacionais, principalmente por parte do governo dos Estados Unidos, que alegavam motivos econômicos para inibir a regulamentação da lei. Antes do "Tiro de Destruição", as esquadrilhas de reconhecimento e destruição, espalhadas em bases estratégicas do território nacional, terão que seguir roteiro composto por oito procedimentos, que vão da verificação da regularidade da aeronave, feita via rádio junto ao Departamento de Aviação Civil (DAC), até o disparo de tiros de advertência com munição luminosa. Medidas que, segundo o Comando da Força Aérea, são mais que suficientes para determinar as intenções do piloto. Só então, o comandante da Aeronáutica autoriza a derrubada do avião." (nossos destaques)

Decorridos seis anos, foi editado o decreto nº 5.144, de 16 de julho de 2004. Publicado em 19 de julho de 2004 e por força do artigo 12, apenas entrou em vigor noventa dias após essa data, e desde então estabelece os procedimentos a serem seguidos com relação a aeronaves hostis ou suspeitas de tráfico de substâncias entorpecentes e drogas afins, levando em conta que estas podem apresentar ameaça à segurança pública.

É considerada aeronave suspeita de tráfico de substâncias entorpecentes e drogas afins aquela que se enquadre em uma das seguintes situações: adentrar o território nacional, sem Plano de Vôo aprovado, oriunda de regiões reconhecidamente fontes de produção ou distribuição de drogas ilícitas; ou omitir aos órgãos de controle de tráfego aéreo informações necessárias à sua identificação, ou não cumprir determinações destes mesmos órgãos, se estiver cumprindo rota presumivelmente utilizada para distribuição de drogas ilícitas (art. 2º).

As referidas aeronaves estarão sujeitas às medidas coercitivas de averiguação, intervenção e persuasão, de forma progressiva e sempre que a medida anterior não obtiver êxito, executadas por aeronaves de interceptação, com o objetivo de compelir a aeronave suspeita a efetuar o pouso em aeródromo que lhe for indicado e ser submetida a medidas de controle no solo pelas autoridades policiais federais ou estaduais. Essas medidas de averiguação visam a determinar ou a confirmar a identidade de uma aeronave, ou, ainda, a vigiar o seu comportamento, consistindo na aproximação ostensiva da aeronave de interceptação à aeronave interceptada, com a finalidade de interrogá-la, por intermédio de comunicação via rádio ou sinais visuais, de acordo com as regras de tráfego aéreo, de conhecimento obrigatório dos aeronavegantes. Já as medidas de intervenção seguem-se às medidas de averiguação e consistem na determinação à aeronave interceptada para que modifique sua rota com o objetivo de forçar o seu pouso em aeródromo que lhe for determinado, para ser submetida a medidas de controle no solo. Por fim, as medidas de persuasão seguem-se às medidas de intervenção e consistem no disparo de tiros de aviso, com munição traçante, pela aeronave interceptadora, de maneira que possam ser observados pela tripulação da aeronave interceptada, com o objetivo de persuadi-la a obedecer às ordens transmitidas (art. 3º).

A aeronave considerada hostil é aquela suspeita de tráfico de substâncias entorpecentes e drogas afins que não atenda aos procedimentos coercitivos descritos (averiguação, intervenção e persuasão) e estará sujeita à medida de destruição (art. 4º).

Consoante os artigos 5º e 6º do decreto acima, a medida de destruição consiste no disparo de tiros, feitos pela aeronave de interceptação, com a finalidade de provocar danos e impedir o prosseguimento do vôo da aeronave hostil e somente poderá ser utilizada como último recurso e após o cumprimento de todos os procedimentos que previnam a perda de vidas inocentes, no ar ou em terra. Deve obedecer às seguintes condições:

- emprego dos meios sob controle operacional do Comdabra;

- registro em gravação das comunicações ou imagens da aplicação dos procedimentos;

- execução por pilotos e controladores de Defesa Aérea qualificados, segundo os padrões estabelecidos pelo Comdabra;

- execução sobre áreas não densamente povoadas e relacionadas com rotas presumivelmente utilizadas para o tráfico de substâncias entorpecentes e drogas afins; e

- autorização do Presidente da República ou da autoridade por ele delegada.

Conforme o artigo 10, esta autorização foi expressamente delegada pelo Presidente da República ao Comandante da Aeronáutica. Consoante o então Tenente Alessandro Silva [20],

"O disparo final irá ocorrer, conforme a lei, sobre áreas pouco povoadas e dentro de zonas utilizadas pelo tráfico de drogas. Os procedimentos envolvem a gravação de imagens das aeronaves, pelos pilotos, e o registro das conversas mantidas por rádio entre pilotos militares e civis."

Como o Comandante da Aeronáutica ostenta a patente de oficial-general (art. 5º, "caput", da lei complementar federal nº 97, de 1999), o foro especial é o Colendo STM (artigo 6º, inciso I, alínea "a", da lei federal nº 8.457, de 1992). Os demais oficiais, são julgados em Conselho Especial de Justiça. Caso envolva apenas os demais oficiais, estes serão julgados em Conselho Especial de Justiça; caso só praças, serão julgados em Conselho Permanente de Justiça (artigo 27 da lei federal nº 8.457, de 1992).

Segundo a Força Aérea Brasileira [21]:

"No total, são oito os procedimentos a serem seguidos pelas autoridades de defesa aérea para o policiamento do espaço aéreo. Somente quando transgredidos os sete procedimentos iniciais é que a aeronave será considerada hostil, e estará sujeitas à medida de destruição, que consiste na realização de disparo de tiros, feitos pela aeronave de interceptação, com a finalidade de provocar danos e impedir o prosseguimento do vôo da aeronave transgressora."

Situação da aeronave

Nível de medida

Procedimentos

Normal

Situação de Normalidade

Verificação das condições de vôo da aeronave.

 

Suspeita

Medidas de Averiguação

1) Reconhecimento a Distância;

2) Confirmação de Matrícula;

3) Contato por Rádio na Freqüência de Emergência;

4) Sinais Visuais.

Medidas de Intervenção

5) Mudança de rota;

6) Pouso Obrigatório.

Medidas de Persuasão

7) Tiros de Advertência.

Hostil

Medidas de Destruição

8) Tiro de Destruição.

Quadro – Passos da Execução da Lei do Tiro de Destruição

Fonte: Força Aérea Brasileira www.fab.mil.br/portal/imprensa/Noticias/2004/NOTICIAS/3007_abate.htm

Os procedimentos de averiguação, intervenção e persuasão deverão ser objeto de avaliação periódica, com vistas ao seu aprimoramento (artigo 9º).

Com fundamento no princípio da publicidade ("caput" do artigo 37 da Carta Magna), além da publicação do decreto no Diário Oficial da União, o art. 7º obrigou que: "O teor deste Decreto deverá ser divulgado, antes de sua vigência, por meio da Publicação de Informação Aeronáutica (AIP Brasil), destinada aos aeronavegantes e de conhecimento obrigatório para o exercício da atividade aérea no espaço aéreo brasileiro."

Com espeque no artigo 11 do decreto, o Ministério da Defesa, por intermédio do Comando da Aeronáutica, deveu adequar toda documentação interna ao disposto no referido decreto. A interceptação de aeronave está disciplinada no item 4.8 da ICA 100-12 "Regras do Ar e Serviços de Tráfego Aéreo", com reedição aprovada pela portaria DECEA nº 05 /SDOP, de 27 de fevereiro de 2009.

Ressalta-se da ICA 100-12 o seguinte:

"4.8.1 A interceptação de aeronaves civis será evitada e somente será utilizada como último recurso. Todavia, o Comando da Aeronáutica se reserva o direito de interceptar qualquer aeronave, a critério dos órgãos de defesa aérea ou das autoridades responsáveis pela execução das missões de defesa aeroespacial."

"NOTA: A palavra ''interceptação'', neste contexto, não inclui os serviços de interceptação e escolta proporcionados a uma aeronave em perigo, por solicitação, de conformidade com o Manual Internacional de Busca e Salvamento Aeronáutico e Marítimo (IAMSAR), Volumes II e III (DOC 9731 da OACI)." (nossos grifos)

Antes da regulamentação da Lei do Abate, os caças da FAB apenas acompanhavam as aeronaves até que saíssem do território nacional, como bem relata o então Tenente Alessandro Silva:

"Em 2002, a Força Aérea registrou 3.586 vôos desconhecidos nos céus do Brasil, quase dez vôos por dia. Desconhecido, pela terminologia, não significa ilícito, mas os que não apresentaram plano prévio de vôo, em desacordo com o que exige a lei. Um desses tráfegos ilustra bem o que disse o ministro. No dia 10 de julho de 2002, por volta das 10h30, caças T-27 Tucano interceptaram um avião monomotor Cessna 210 carregado de cocaína, que seguia do Mato Grosso, depois de entrar no país pela fronteira com o Paraguai, rumo a Jataí, em Goiânia-GO. Em um diálogo telefônico captado pela Polícia Federal, um homem acalma um piloto e o orienta a seguir com a carga de droga, pois os caças da FAB nada fariam com ele, a não ser fotografar sua aeronave:

-(Piloto):- O avião pegou "nóis", pai! O avião vai pegar "nóis" aqui!

-(Voz): - Abaixa o vidro e joga fora!

-(Piloto): - Eu estou a mil pés, "ta" quase chegando no chão e o avião está aqui do lado...

-(Voz): - Segura e joga fora!

-(Piloto): - Joga tudo fora?

-(Voz): - Joga tudo fora!

-(Piloto): - Vamos ver quanto tempo eles vão andar mais e, qualquer coisa, eu jogo fora.

-(Piloto, minutos depois): - Estão seguindo "nóis"...

-(Piloto): - É um Tucano.

-(Voz): - Pois é. Vem embora! Não vai derrubar. Ele não derruba. Vem embora direto que eles não derrubam. Só tiram fotos."

Na prática houve redução do tráfego de aeronaves em vôos desconhecidos: 32,3% (de 3585 para 251) nos primeiros trinta dias da aplicação da Lei do Abate ou do Tiro de Destruição, com fundamento nos dados da Comdabra entre os dias 16 de janeiro e 16 de outubro e de 17 de outubro a 16 de novembro de 2004 [22]. Ocorreram pelo menos duas ações que envolveram tiro de advertência:

- em 03 de junho de 2009, um avião monomotor que transportava 176 quilos de pasta base de cocaína foi interceptado por caças da FAB antes de pousar em uma pista de terra em um distrito de Alta Floresta D'Oeste (RO) [23];

- em 31 de agosto de 2009, um avião Cessna 206 C, proveniente de Caiapônia (GO), que transportava 460 quilos de cocaína foi interceptado por caças da FAB e forçado a pousar em fazenda entre Santo Antônio de Leverger e Itiquira (MT) [24].

E teria ocorrido pelo menos uma ação com tiro de destruição: em 29 de outubro de 2009, outro avião monomotor transportava 150 quilos de cocaína e foi interceptado por caças da FAB e forçado a pousar em uma fazenda em Cristalina (GO) [25]

Visando a evitar essas ações militares, entre a Bolívia e o Brasil inúmeras ‘mulas’ (pessoas que carregam consigo entorpecentes principalmente grávidas) passaram a arriscar-se nas estradas fronteiriças em péssimas condições (as ‘cabriteiras’) desafiando as autoridades brasileiras ao esconder drogas dentro do organismo, em um retrato chocante feito pelo douto Manoel Francisco de Campos Neto [26].

Sobre os autores
Milena Hatsumi Ide

Especialista em Direito Público pela Escola Paulista de Direito (EPD)

Geraldo Tomás da Silva Júnior

Especialista em Direito Civil e Processo Civil pelo Legale Cursos Jurídicos.

Luiz Negrão

Especialista em Direito Público pela Escola Paulista de Direito (EPD).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

IDE, Milena Hatsumi; SILVA JÚNIOR, Geraldo Tomás et al. Lei do Abate e Justiça Militar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3046, 3 nov. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20350. Acesso em: 5 nov. 2024.

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