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Ato do príncipe

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Agenda 01/10/2001 às 00:00

V – CONCLUSÃO.

Postas as considerações acima, entendo que a Medida Provisória que altera a Lei 9649/98 é inconstitucional por não atender aos seus pressupostos específicos, quais sejam: a relevância e urgência.

É perfeitamente possível alteração de qualquer lei ordinária, desde que pelo processo legislativo próprio previsto no art. 59 da CRFB. Entretanto, se houver, em nome do interesse público, relevância e urgência, na sua alteração, a Medida Provisória é a providência cautelar colocada nas mãos do Chefe do Executivo Federal para atender ao bem comum.

A Medida Provisória é o bote de salvação da sociedade, diante do naufrágio legislativo, que o Chefe do Executivo Federal lança ao mar para atender aos interesses sociais face a uma situação atual de perigo.

Trata-se de medida a ser adotada em caráter excepcional e não ordinário. O Chefe do Executivo não pode subtrair as funções dos demais poderes com a edição reiterada de Medidas Provisórias. Governar o País através de Medida Provisória é fechar, por via oblíqua, o Congresso Nacional quebrando a independência e harmonia entre os Poderes desestabilizando o regime democrático conquistado, aos poucos e as duras penas com derramamento de muito sangue, pelo povo brasileiro durante as últimas décadas.

O Ministério Público, alçado ao patamar de instituição essencial a função jurisdicional (art. 127, caput, da CRFB) não pode se quedar inerte diante desses atos, em especial quando se quer afastá-lo da persecução penal. Nem na época da ditadura, que inclusive, nesse ponto, era mais honesta, houve tamanha desfaçatez. Naquela época o Dr. Hélio Pereira Bicudo(22) sofreu todas as investidas por parte do regime militar, porém o período era totalitário: aquelas eram as regras do jogo(23). Hoje não se justifica tal comportamento.

A persecução penal deve ser exercida pelo Ministério Público com o auxílio direto da polícia que não pode ter suas funções subtraídas por um ato manu militari, como se estivéssemos na época da ditadura em que a polícia era seu braço direito. Ou será que estamos e não percebemos? Será que por trás da cortina do Estado Constitucional Democrático de Direito há um ditador travestido de democrata com o escuso objetivo de proteger a sua Corte? Será que a "Constituição Cidadã" é apenas uma folha de papel, como dizia Ferdinand de Lassalle(24), sem corresponder a Constituição real?

Com a palavra, a sociedade civil !!!!


NOTAS

1. MP nº 2143-31, de 02 de abril de 2001.

2. Cf. arts. 127, §1º c/c 128, §5º, I, ambos da CRFB

3. Lei 9649/98 –

"Art. 1o (...)

§ 1o Integram a Presidência da República como órgãos de assessoramento imediato ao Presidente da República:

(...)

§ 3o Integram ainda a Presidência da República:

I - a Corregedoria-Geral da União;

4. Loïc Wacquant. AS PRISÕES DA MISÉRIA. 1 edição. Rio de Janeiro. Jorge Zahar. 1999. P. 7.

5. Cf. art. 60, §4º da CRFB.

6. Cf. art. 60, §4º, IV c/c art. 127, caput, ambos da CRFB.

7. TEORÍA DE LA CONSTITUCIÓN. 1 edição 2 reimpressão, Madrid, Alianza Universidad Textos, 1996, 119.

8. Segundo Manoel Gonçalves Ferreira Filho é aquele que retira sua força do Poder constituinte originário. Portanto, é um poder subordinado limitado pelas regras de fundo estabelecidas pelo Poder constituinte originário. É também condicionado porque está sujeito as regras de forma estabelecidas pelo Poder constituinte originário (O Poder Constituinte. 3 edição, São Paulo, Saraiva, 1999, 112).

9. Introducción Al Derecho Procesal Penal. 1 edição, Buenos Aires, Ad Hoc, 1993, p. 149.

10. É crível, embora perfeitamente lícito, a luta, interna corporis, por aumento de salário fazendo com que se negocie frente aos Poderes Executivo e Legislativo para que a categoria receba, via lei complementar ou qualquer outro ato normativo, uma maior remuneração. Não nego nem desconheço a real defasagem salarial, mas que é de todo o funcionalismo público e não só da Magistratura e do Ministério Público. Não pode nem deve haver privilégios. Nesse caso, se tivermos que pagar caro, em nome da sociedade, para exercermos nossas prerrogativas e deveres constitucionais, que assim o seja. É o nosso ônus. Do contrário, estaremos sempre nas mãos dos políticos e, conseqüentemente, sem a verdadeira independência funcional de que precisamos.

11. Jornal "O GLOBO" de 24 de abril de 2001, "O PAÍS", p. 03.

12. Art. 55 da CRFB de 24/01/67 com a Emenda nº 1 de 17/10/69.

13. MEDIDAS PROVISÓRIAS. 1 edição, Nossa Livraria, 1991, p. 57.

14. Art. 62 da CRFB - Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional, que, estando em recesso, será convocado extraordinariamente para se reunir no prazo de cinco dias.

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Parágrafo único - As medidas provisórias perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de trinta dias, a partir de sua publicação, devendo o Congresso Nacional disciplinar as relações jurídicas delas decorrentes.

15. Clémerson Merlin Cléve. ATIVIDADE LEGISLATIVA DO PODER EXECUTIVO. 2 edição, São Paulo, RT, 2000, p. 173.

16. Clémerson Merlin Cléve. Ob. cit. p. 176.

17. Entendo ser essa a natureza jurídica da Medida Provisória, não obstante conhecer a controvérsia doutrinária a cerca do assunto. Para tanto remeto o leitor interessado na matéria para as obras de: Marco Aurélio Greco. MEDIDAS PROVISÓRIAS. São Paulo, RT, 1991, p. 9 onde o autor diz ser um ato administrativo com força de lei; Sérgio Andrea Ferreira, Medida Provisória: :natureza jurídica, RTDP, São Paulo, nº1, 1993, p. 151 onde o autor diz tratar-se de um ato de governo; Saulo Ramos. Medida Provisória, A nova Ordem constitucional – aspectos polêmicos, Rio de Janeiro, Forense, 1990, p. 530 onde o autor diz tratar-se de um poder de cautela legislativa e; Pontes de Miranda. Comentários a Constituição de 1967, 2 edição, São Paulo, RT, 1979, t. III, p. 141-142 onde o autor referindo-se ao Decreto- Lei diz tratar-se de uma lei sob condição resolutiva.

18. Art. 82 do Código Civil - A validade do ato jurídico requer agente capaz (art. 145, I), objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei (arts. 129, 130 e 145) (no original sem remissão).

19. DIREITO ADMINISTRATIVO. 4 edição, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 1999, p. 70.

20. Lei 9649/98 com a MP nº 2143-31, de 02/04/01 - "Art. 14 -A. À Corregedoria-Geral da União, no exercício de sua competência, cabe dar o devido andamento às representações ou denúncias fundamentadas que receber, relativas a lesão, ou ameaça de lesão, ao patrimônio público, velando por seu integral deslinde.

§ 1o À Corregedoria-Geral da União, por seu titular, sempre que constatar omissão da autoridade competente, cumpre requisitar a instauração de sindicância, procedimentos e processos administrativos outros, e avocar aqueles já em curso em órgão ou entidade da Administração Pública Federal, para corrigir-lhes o andamento, inclusive promovendo a aplicação da penalidade administrativa cabível.

§ 2o Cumpre à Corregedoria-Geral da União, na hipótese do parágrafo anterior, instaurar sindicância ou processo administrativo ou, conforme o caso, representar ao Presidente da República para apurar a omissão das autoridades responsáveis.

§ 3o A Corregedoria-Geral da União encaminhará à Advocacia-Geral da União os casos que configurem improbidade administrativa e todos quantos recomendem a indisponibilidade de bens, o ressarcimento ao erário e outras providências a cargo daquela Instituição, bem assim provocará, sempre que necessária, a atuação do Tribunal de Contas da União, da Secretaria da Receita Federal, dos órgãos do Sistema Federal de Controle Interno e, quando houver indícios de responsabilidade penal, do Departamento de Polícia Federal e do Ministério Público, inclusive quanto a representações ou denúncias que se afigurarem manifestamente caluniosas (sem grifos no original).

21. Instituciones de Derecho Constitucional. Primeira reimpressão da 1 edição, Buenos Aires, Ad Hoc, 2000, p. 101/102.

22. Confronte a obra de Hélio Pereira Bicudo. MEU DEPOIMENTO SOBRE O ESQUADRÃO DA MORTE. 2 edição, São Paulo, Pontifícia Comissão de Justiça e Paz de São Paulo, onde autor narra suas investidas contra o "Esquadrão da Morte" e, ao mesmo tempo, contra o regime militar que apoiava a ação dos grupos de extermínios. Livro que entre outros fatos mostra a elaboração da Lei Fleury.

23. O leitor deve consultar na íntegra o Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968 onde foram suprimidos direitos e garantias fundamentais.

24. Dizia Lassalle: "Onde a Constituição escrita não corresponder à real, irrompe inevitavelmente um conflito que é impossível evitar e no qual, mais dia menos dia, a constituição escrita, a folha de papel, sucumbirá necessariamente, perante a constituição real, a das verdadeiras forças vitais do país". A Essência da Constituição, 4 edição, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 1998, p. 47.

Sobre o autor
Paulo Rangel

promotor de Justiça no Rio de Janeiro, professor da Faculdade Cândido Mendes, da Escola da Magistratura e do CEPAD, mestrando em Direito Processual Penal e Criminologia da Universidade Cândido Mendes

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RANGEL, Paulo. Ato do príncipe. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 51, 1 out. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2047. Acesso em: 23 nov. 2024.

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