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Marxismo e a crítica do Direito Penal

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Agenda 02/12/2011 às 13:06

3. Materialismo Histórico

3.1 A Dialética

Já foi ressaltado que o conhecimento em Marx é voltado para a ação. Sua perspectiva é unificar teoria e prática na perspectiva que ele denominava práxis. A práxis nesse caso seria o resultado dialético do confronto entre a teoria e a prática. Nesse sentido a dialética é uma forma de pensar referida por Marx como modelo de estruturação do pensamento. A noção de dialética já existia desde os tempos dos pré-socráticos (KONDER, 1987, p. 7 e Ss.), entretanto o que Marx faz é reestruturar o conceito de dialética de Hegel a partir da idéia de materialismo de Feuerbach. O método dialético em geral é conhecido pela contraposição entre tese e antítese gerando uma síntese.

Hegel retoma de Heráclito a idéia de ‘luta e unidade dos opostos’. Para o filósofo alemão, a História nasce da sucessão das idéias, através do embate entre os aspectos opostos dessas idéias, isto é, suas contradições. Para Hegel, a contradição é o motor do pensamento e, consequentemente, é o motor da História. A História é o pensamento que se concretiza. O pensamento não é estático: ele se processa por contradições que são superadas e substituídas por novas contradições e assim por diante. (GADOTTI, 1987, p.57)

Mas dialética vai além de um impulso lógico ou retórico. “A síntese é a visão de conjunto que permite ao homem descobrir a estrutura significativa da realidade com que se defronta, numa situação dada”. (KONDER, 1987, p. 37). Leandro Konder apresente 4 elementos centrais a idéia de dialética essenciais para entender a perspectiva de Marx: a) transformação – a dialética implica em constante mudança do mundo, impossibilidade de constância absoluta da realidade; b) contradição – no mundo a compreensão da realidade se dá através da contraposição de opostos; c) totalidade – segundo Hegel “A verdade está no todo”, porém a totalidade se dá através de um nível de generalização abrangente; d) mediação – a existência de etapas para encontrar a totalidade parte do abstrato para o concreto, da aparência a essência. (Cf. KONDER, 1987, passim). Esse movimento dialético poderia ser resumido pela expressão Aufheben, que tem o sentido de conservar, negar e elevar a outro nível, tudo ao mesmo tempo.

Hegel usou a palavra alemã aufheben, um verbo que significa suspender. Mas esse suspender tem três sentidos diferentes. O primeiro sentido é o de negar, anular, cancelar (como ocorre, por exemplo, quando a gente suspende um passeio por causa do mau tempo, ou quando um estudante é suspenso das aulas e não pode comparecer à escola durante algum tempo). O segundo sentido é o de erguer alguma coisa e mantê-la erguida para protegê-la (como a gente vê, por exemplo, num poema de Manuel Bandeira, quando o poeta fala do quarto onde morou há muitos anos e diz que ele foi preservado porque ficou "intacto, suspenso no ar"). E o terceiro sentido é o de elevar a qualidade, promover a passagem de alguma coisa para um plano superior, suspender o nível. Pois bem: Hegel emprega a palavra com os três sentidos diferentes ao mesmo tempo. Para ele, a superação dialética é simultaneamente a negação de uma determinada realidade, a conservação de algo de essencial que existe nessa realidade negada e a elevação dela a um nível superior. (KONDER, 1987, p. 26)

Resumindo a perspectiva de dialética marxista, Engels criou o resumo denominado “Três leis da dialética” em sua obra Dialética da natureza. Seriam elas:

1) lei da passagem da quantidade à qualidade (e vive-versa);

2) lei da interpenetração dos contrários;

3) lei da negação da negação. (KONDER, 1987, p. 58)

A primeira lei expõe que a mudança nem sempre ocorre no mesmo ritmo, a transformação ocorre por vezes em ritmo lento, as vezes em ritmo acelerado, o que Marx chamava de saltos. O exemplo de Engels refere-se ao processo de fervura da água que “vai esquentando, vai esquentando, até alcançar cem graus centígrados e ferver, quando se precipita a sua passagem do estado líquido ao estado gasoso” (KONDER, 1987, p. 58).

A segunda lei propõe que todos os aspectos da realidade se entrelaçam, em diferentes níveis, e dependem uns dos outros, assim nada pode ser compreendido isoladamente, é preciso levar em conta a conexão entre cada uma delas.

A terceira lei explica que “o movimento geral da realidade faz sentido, quer dizer, não é absurdo, não se esgota em contradições irracionais, ininteligíveis, nem se perde na eterna repetição do conflito entre teses e antíteses, entre afirmações e negações. A afirmação engendra necessariamente a sua negação, porém a negação não prevalece como tal: tanto a afirmação como a negação são superadas e o que acaba por prevalecer é uma síntese, é a negação da negação”. (KONDER, 1987, p.59).


3.2 Os Fundamentos do materialismo histórico

Em consonância com os conceitos apresentados a perspectiva histórica de Marx é pautada na perspectiva do homem no mundo.

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Os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem segundo a sua livre vontade; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. A tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos. E justamente quando parecem empenhados em revolucionar-se a si e às coisas, em criar algo que jamais existiu, precisamente nesses períodos de crise revolucionária, os homens conjuram ansiosamente em seu auxilio os espíritos do passado, tomando-lhes emprestado os nomes, os gritos de guerra e as roupagens, a fim de apresentar e nessa linguagem emprestada. (MARX, 1984)

É importante notar que o sentido de materialismo é exatamente a lógica de Marx pautar-se nas condições reais de existência ao contrário de outros filósofos anteriores a Marx.

Historicamente, o materialismo se contrapõe ao idealismo, o qual entende que as transformações na natureza e na História são determinadas por algo exterior a elas: um espírito, uma idéia. Já o materialismo se utiliza dos avanços das ciências e atribui à matéria uma qualidade fundamental: a capacidade de se transformar. Tudo é matéria: o espírito é matéria também, só que mais organizada, mais complexa. A grande contribuição de Marx foi aplicar o método dialético à concepção materialista da natureza e da História. Mostrou que a matéria, além de reagir, também produz transformações qualitativas a partir das contradições existentes no seu interior”. (GADOTTI, 1989, p.66).

Nesse aspecto vale ressaltar o texto Prefácio à "Contribuição à Crítica da Economia Política” de Marx, texto em que apresenta sua principal síntese sobre o Materialismo histórico. Nesse texto Marx explica a existência da chamada infra-estrutura social de base econômica e a superestrutura de base ideológica.

(...) na produção social da própria existência, os homens entram em relações determinadas, necessárias, independentes de sua vontade; estas relações de produção correspondem a um grau determinado de desenvolvimento de suas forças produtivas materiais. A totalidade dessas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem formas sociais determinadas de consciência. (MARX, 1985, p. 233)

A infra-estrutura condiciona o que os homens pensam e como eles vivem. Entretanto tal infra-estrutura não é eterna e nem plenamente estável.

Em certa etapa de seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes, ou, o que não é mais que sua expressão jurídica, com as relações de propriedade no seio das quais elas se haviam desenvolvido até então (...)” (MARX, 1985, p. 233)

Vale aqui ressaltar, as relações de produção são as relações de classe. E as forças produtivas materiais englobam dois conceitos, os meios de produção e a força de trabalho.

As forças produtivas são os vários recursos usados no processo de produção: meios de produção de um lado, e força de trabalho de outro. Meios de produção são recursos produtivos físicos, como ferramentas, máquinas, matérias-primas, e instalações. A força de trabalho inclui não apenas a força dos produtores, mas sua habilidade e o conhecimento técnico – que eles não precisam compreender – utilizado no trabalho. Marx diz, e eu concordo com ele, que essa dimensão subjetiva das forças produtivas é mais importante que a dimensão objetiva, ou seja, que os meios de produção. Ele diz também que, no âmbito da dimensão mais importante, a parte mais suscetível de desenvolvimento é o conhecimento. Nos seus estágios mais avançados, portanto, o desenvolvimento das forças produtivas funde-se ao desenvolvimento da ciência aplicada à produção. (COHEN, 1990, p. 181)

Além disso, as forças produtivas entram em conflito com as relações de produção por não mais suportarem a estabilidade da sociedade. Não há mais como suportar o conflito inerente à luta de classes. É na vida material, portanto, que aparecem os motivos das transformações históricas. Continuando o texto do prefácio de Marx.

“(...) De formas de desenvolvimento das forças produtivas, estas relações se convertem em obstáculos a elas. E se abre, assim, uma época de revolução social. Ao mudar a base econômica, revoluciona-se, mais ou menos rapidamente, toda a imensa superestrutura erigida sobre ela.”(MARX, 1985, p.233)

Os períodos de transformação social que preenchem a História estão recheados de contradições sociais. “É preciso, ao contrário, explicar esta consciência pelas contradições da vida material, pelo conflito que existe entre as forças produtivas sociais e as relações de produção”. (MARX, 1985, p. 233). Porém as formas sociais estão interligadas entre si.

Nenhuma formação social desaparece antes que se desenvolvam todas as forças produtivas que ela contém, e jamais aparecem relações de produção novas e mais altas antes de amadurecerem no seio da própria sociedade antiga as condições materiais para a sua existência. Por isso, a humanidade se propõe sempre apenas os objetivos que pode alcançar, pois, bem vistas as coisas, vemos sempre, que esses objetivos só brotam quando já existem ou, pelo menos, estão em gestação as condições materiais para a rua realização. (...) As forças produtivas, porém, que se desenvolvem no seio da sociedade burguesa criam, ao mesmo tempo, as condições materiais para a solução desse antagonismo. (MARX, 1985, p.233)

Antes de debater as transformações sociais, vale destacar o que em Marx aparece sobre o rótulo de modo de produção:

Modo de produção é um conceito que reúne outros dois conceitos: - meios de produção: instrumentos ou ferramentas utilizadas pelos homens para produzir os meios necessários à sua existência; - relações de produção: são os laços que ligam os homens entre si nas diversas formas de se produzir a existência, dividindo o trabalho em grupos, ou classes, por exemplo entre escravos e senhores, entre empregados e patrões. (GADOTTI, 1989, p. 75).

Em linhas gerais, o modo de produção é a soma das relações de produção e das forças produtivas materiais de uma sociedade. Marx criou um modelo padrão de quatro grandes modos de produção. “A grandes traços podemos designar como outras tantas épocas de progresso, na formação econômica da sociedade, o modo de produção asiático, o antigo, o feudal e o moderno burguês”. (MARX, 1985, p. 233). Porém, tal modelo em nenhum momento é dotado de unilinearidade ou mesmo é um dogma fechado dentro da análise de Marx. Em parte de sua obra Grundisse, traduzida para o português como “Formações Econômicas Pré-capitalistas”, Marx apresenta outros modos de produção.

Falando de modo genérico, pode-se considerar agora três ou quatro vias alternativas de desenvolvimento a partir do sistema comunal primitivo, cada qual representando uma forma de divisão social do trabalho já existente ou implícita nela — a oriental, a antiga, a germânica (embora Marx não a limite, naturalmente, a um só povo) e uma forma Eslava, um pouco obscura, que não será discutida ulteriormente mas tem afinidades com a oriental (pp. 84, 92). Importante distinção se estabelece entre os sistemas que favorecem a evolução histórica e os que se opõem a ela. O modelo elaborado em 1845-6 apenas toca de leve este problema, embora, como vimos, o ponto de vista de Marx sobre desenvolvimento histórico nunca tenha sido simplesmente unilinear, nem o tenha, jamais, encarado como um mero registro do progresso. Seja como for, nos anos 1857-8 o estudo se encontrava consideravelmente mais avançado. (HOBSBAWN, 1986, p.36)

Enfim, não é possível ver a história em Marx como um modelo pronto e acabado, o materialismo histórico é o modelo de História em que a base para análise é proveniente da realidade.

A história não é sucessão de fatos no tempo, não é progresso das idéias, mas o modo como homens determinados em condições determinadas criam os meios e as formas de sua existência social, reproduzem ou transformam essa existência social que é econômica, política e cultural. (CHAUÍ, 1980, p.20)

E o modo de produção capitalista é o ponto atual da caminhada histórica humana. É o tempo em que “Tudo que é sólido derrete-se no ar, tudo o que é sagrado é profanado e os homens são por fim compelidos a enfrentar de modo sensato suas condições reais de vida e suas relações com seus semelhantes."(MARX; ENGELS, 1999, p. 14). Para Marx “As relações burguesas de produção são a última forma antagônica do processo social de produção, antagônica, não no sentido de um antagonismo individual, mas de um antagonismo que provém das condições sociais de vida dos indivíduos”. (MARX, 1985, p. 233). Os conflitos sociais seriam superados com a superação do sistema capitalista. Tal perspectiva é essencial para compreender um padrão de análise do crime a partir de Marx.

A história não é, portanto, o processo pelo qual o Espírito toma posse de si mesmo, não é história das realizações do Espírito. A história é história do modo real como os homens reais produzem suas condições reais de existência. E história do modo como se reproduzem a si mesmos (pelo consumo direto ou imediato dos bens naturais e pela procriação), como produzem e reproduzem suas relações com a natureza (pelo trabalho), do modo como produzem e reproduzem suas relações sociais (pela divisão social do trabalho e pela forma da propriedade, que constituem as formas das relações de produção). E também história do modo como os homens interpretam todas essas relações, seja numa interpretação imaginária, como na ideologia, seja numa interpretação real, pelo conhecimento da história que produziu ou produz tais relações. (CHAUÍ, 1980, p.47).

Sobre o autor
Ivan Furmann

Doutor em Direito pela UFPR. Mestre em Educação. Bacharel em Direito. Professor EBTT no IFC (Instituto Federal Catarinense) Campus Sombrio - Santa Rosa do Sul. Leciona Direito Ambiental, Direito do Trabalho, História, Metodologia Científica e Sociologia..

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FURMANN, Ivan. Marxismo e a crítica do Direito Penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3075, 2 dez. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20556. Acesso em: 18 mai. 2024.

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