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O Judiciário contra si mesmo e contra o espoliado.

Enriquecimento sem causa X redução de multas processuais

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6.Uma proposta alternativa

Essa questão, inclusive, não é novidade para o primeiro articulista, pois, no exercício da função de Juiz Federal Titular da 4ª Vara Federal de Niterói, já teve a oportunidade de lidar com o problema. A Caixa Econômica Federal, instituição cujo viço financeiro é notório, ignorou solenemente, meses e meses a fio, determinação judicial. De nada adiantou existir uma multa fixada, talvez por conhecerem seus advogados o estímulo moralmente torto que as reduções de multa proporcionam. O fato é que, quando finalmente cumpriram a decisão, a multa já era astronômica.

Uma digressão: na maior parte das vezes não é. Talvez fruto dos vencimentos reduzidos, os magistrados costumam se assustar com multas de dezenas de milhares de reais ou até de umas poucas centenas. Não percebem que para as empresas, multas com menos de cinco dígitos, no mais das vezes, são ínfimas, sem qualquer poder punitivo ou dissuasório.

Não era o caso. A multa ultrapassava algumas centenas de milhares de reais. Não por não achar que o caso era emblemático e seria exemplar, mas por conhecer a jurisprudência reinante e ora criticada, foi buscada uma que parecesse atender ao desígnio de evitar multas altas em mãos do ofendido.

Como se sabe na ausência de norma específica, o juiz recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito conforme disposto no artigo 4º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (antiga Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro) [05] e no artigo 126 do Código de Processo Civil [06].

Com base nessa premissa o primeiro articulista buscou inspiração na Lei Penal (artigo 43, I do Código Penal, combinado com o artigo 45, §1º do mesmo diploma) e, assim como se faz com prestações pecuniárias criminais, dirigidas a orfanatos e asilos, foi determinado que 20% da multa fossem entregues ao ofendido, o que já era um valor bem razoável, e 80% fossem depositados para instituição de caridade de idoneidade notória e reconhecida.

A decisão foi clara para indicar que o valor integral, embora pudesse ser visto como exagerado para a parte ofendida, era mais do que necessário para exercer o caráter punitivo e educativo em face da envergadura econômica da instituição bancária.

Infelizmente, o tribunal reformou a decisão, reduziu a multa a valores ridículos para uma instituição bancária e, assim, premiou a Caixa pela inércia e disse a todos – à Caixa, aos demais Poderes, aos bancos, a quem mais pudesse interessar – que as decisões judiciais não devem ser levadas a sério. Não o tivesse feito, ou seja, tivesse o tribunal levado a sério as decisões dele mesmo emanadas, e com base na lei material e processual, os efeitos seriam os seguintes:

1.A Caixa Econômica Federal sentiria forte desestímulo a não cumprir as decisões judiciais, o que também influenciaria outras instituições financeiras.

2.A diretoria da Caixa, para proteger a instituição, certamente iria determinar, por instrução interna, que houvesse mais presteza diante de ordens judiciais.

3.A chefia imediata do advogado que tratou a ordem com menoscabo tomaria providências, provavelmente repreendendo-o pelo prejuízo causado ao banco, medida que funcionaria como estímulo para que nem ele, nem os demais advogados da instituição renovassem a conduta.

4.A publicação da decisão no Diário Oficial levaria os advogados de todo o país a começar a alertar seus clientes a respeito do risco de ignorar determinações judiciais.

5.O ofendido teria uma compensação maior pelo desgosto de ser lesado no mérito da causa, tanto que obteve ordem em seu favor, e depois foi lesado na demora da Caixa em cumprir a determinação. Entenderia que tem um Poder Judiciário firme na proteção dos cidadãos e sairia mais satisfeito.

6.A instituição de caridade teria numerário que serviria para ajudar necessitados, recebendo verba lícita, decorrente de multa por conduta ilícita da Caixa.

7.A imprensa daria conta de, ao noticiar a punição exemplar, fazendo com que empresários, comerciantes, empreendedores e a população em geral soubessem que há juízes no país, que suas decisões devem ser respeitadas, contribuindo não só para aumentar a admiração do povo pelo Poder, que tem, por sinal, se saído bastante mal nas pesquisas de credibilidade, como anotado supra.

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8.O Judiciário teria dado uma contribuição para que a cultura do "jeitinho" e do "mau fornecedor" fosse combatida, prestigiando uma cultura de respeito, probidade e cumprimento das obrigações.

O caso citado pelo segundo articulista buscou essa mesma direção. Ao invés de o valor da execução permanecer 100% com a consumidora, foi proposto que, mantida a condenação, 30% seriam revertidos para instituições de caridade.

Nem a sentença e nem o acórdão fizeram menção à proposta de doação, o que reforça que a medida judicial deve ser cumprida independentemente do que o consumidor fará com o valor da multa. De toda sorte, o compromisso da consumidora será mantido.


Conclusão

Verificar que por erro conceitual e inadmissível pusilanimidade, o Judiciário tem sido complacente com àqueles que insistem no descumprimento das determinações impostas.

Existe urgente necessidade de que as decisões sejam mantidas, sob pena de desprestigiar o Poder e remeter aos jurisdicionados, conforme bem ressaltou a Ministra Nancy Andrighi, mensagem de falta de seriedade e, conforme pesquisas, de que o Judiciário privilegia os ricos.

Reduzir as multas premia a má conduta e incentiva o menoscabo às determinações do Poder Judiciário. Mantê-las estimula os melhores valores da correção e da Justiça, razão pela qual registramos elogios e, em nome de todos, o agradecimento aos magistrados que se recusam a diminuí-las.


Referências bibliográficas

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http://michaelis.uol.com.br. (s.d.). Acesso em 26 de agosto de 2011, disponível em Michaelis: http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=enriquecimento


Notas

§ 1° A conversão da obrigação em perdas e danos somente será admissível se por elas optar o autor ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente.

§ 2° A indenização por perdas e danos se fará sem prejuízo da multa (art. 287, do Código de Processo Civil).

§ 3° Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu.

§ 4° O juiz poderá, na hipótese do § 3° ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do preceito.

§ 5° Para a tutela específica ou para a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz determinar as medidas necessárias, tais como busca e apreensão, remoção de coisas e pessoas, desfazimento de obra, impedimento de atividade nociva, além de requisição de força policial.

  1.  Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.
  2. Fonte:http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portuguesportugues&palavra=enriquecimento
  3. Fonte: www.aggio.jor.br/jornal14/credibilidade14.htm
  4. Agravo de Instrumento nº 0036358-76.2011.8.19.0000.
  5. Art. 4º.  Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. (Decreto-Lei 4.657/1942, com as alterações dadas pela Lei 12.376/2010).
  6. Art. 126.  O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito.
Sobre os autores
William Douglas Resinente dos Santos

Juiz Federal no Rio de Janeiro. Mestre em Direito pela UGF. Pós-graduado em Políticas Públicas e Governo pela EPPG/UFRJ. Professor e Palestrante.

Marcus Fábio Segurasse Resinente

Advogado. Especialista em Direito do Consumidor e em Direito dos Contratos pela Fundação Getúlio Vargas – FGV.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, William Douglas Resinente; RESINENTE, Marcus Fábio Segurasse. O Judiciário contra si mesmo e contra o espoliado.: Enriquecimento sem causa X redução de multas processuais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3099, 26 dez. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20722. Acesso em: 22 dez. 2024.

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