RESUMO
O presente artigo pretende demonstrar a incompatibilidade das restrições impostas pelo legislador à legitimação ativa para as ações coletivas em face do princípio do amplo acesso à justiça. Tem como escopo demonstrar que estas restrições afastam o cidadão do Poder Judiciário, deixando ele por vezes de defender seus interesses, que em determinados casos convergem a interesses de inúmeros outros sujeitos (interesses difusos), diante do excesso de condições que lhe são impostas para que possa ter seu pleito inicialmente conhecido. Este estudo passa por uma introdução a respeito do nascimento destes interesses, faz uma diferenciação técnica entre direito e interesse, elabora conceitos básicos sobre o tema, vindo a terminar nas mencionadas restrições e no paralelo entre estas limitações e a garantia constitucional de acesso ao Judiciário.
1. Introdução
Constante evolução das relações sociais faz surgir, diante do Poder Judiciário, conflitos novos a cada dia, exigindo do Poder Legislativo uma constante atualização das normas pátrias.
A sociedade neoliberal fez acentuar a necessidade de criação de um novo ramo do direito, já que a antiga divisão direito público e direto privado tornou-se insuficiente à classificação das categorias que consideram a natureza jurídica dos interesses, surgindo os direitos coletivos lato sensu.
O atual estágio de desenvolvimento da sociedade – apelidada, por alguns, como de massa – exige dos legisladores e operadores do direito a compreensão dos fenômenos sociais sob uma perspectiva ampla, coletiva.
Os direitos ou interesses transindividuais (difusos, coletivos e individuais homogêneos) sempre existiram; não são novidade de algumas poucas décadas. Nos últimos anos, apenas se acentuou a preocupação doutrinária e legislativa em identificá-los e protegê-los jurisdicionalmente, agora sob a égide do processo coletivo.
A razão consiste em que a defesa judicial de interesses transindividuais de origem comum tem peculiaridades: não só esses interesses são intrinsecamente transindividuais, como também sua defesa judicial deve ser coletiva, seja em benefício dos lesados, seja ainda em proveito da ordem jurídica. Dessa forma, o legislador estipulou regras próprias sobre a matéria, especialmente para solucionar problemas atinentes à economia processual, à legitimação ativa, à destinação do produto da indenização e aos efeitos de imutabilidade da coisa julgada.
A respeito do tema, confira as ponderações de Ricardo de Barros Leonel:
Nos conflitos de massa que caracterizam a sociedade moderna e cada dia incidem em maior intensidade, abandonando as típicas confrontações individualísticas entre sujeitos determinados, fica patente a imprescindibilidade de compreensão dos instrumentos postos pelo legislador à disposição dos interessados, a fim de que seja viável e adequada a defesa de tais interesses ou direitos de natureza não individual. [01]
A proteção destes direitos ou interesses surgiu no nosso país através de leis esparsas como a lei da Ação Civil Pública, da Ação Popular, o Código de Defesa do Consumidor, dentre várias outras.
Tais instrumentos normativos vêm disciplinando relações judiciais coletivas, mas estão longe de ser satisfatórios à efetiva tutela dos interesses postos em discussão. Isso porque, apesar de existir um sistema de tutela coletiva, pouco se sabe a respeito da teoria do direito coletivo, que haveria de embasar este sistema.
Não bastasse a rasa teoria processual coletiva, os diplomas legais que regem este sistema ainda padecem de um grave vício: o restritíssimo rol de legitimados ativos à propositura das respectivas ações.
Atento aos interesses políticos justamente de limitar e restringir o manuseio dos instrumentos processuais coletivos postos à disposição da sociedade, que constituem, na prática, um controle dos cidadãos aos excessos cometidos pelo Poder Público, o legislador cuidou em criar uma lista bem exígua de pessoas legitimadas ao manejo destas ações, afastando o cidadão do Poder Judiciário.
Neste aspecto, confira as constatações do Professor Vicente de Paula Maciel Júnior:
Entretanto, as forças dominantes nos processos de definição de competência de poder e muitas vezes os próprios agentes políticos, vem determinando a exclusão dos indivíduos nos processos judiciais através da limitação da legitimação para agir. Ou seja, o sistema baseado nos direitos subjetivos vem privilegiando a tutela individual dos direitos e admitindo pouquíssimos avanços quanto às demandas contra os agentes políticos ou mesmo quanto a legitimação para que concorrentemente os sujeitos possam participar da correção sobre a deliberação de alguns atos de poder. [02]
Isso significa dizer que a vítima da violação ao seu direito não pode, por si só, de forma direta, demandar judicialmente no sentido de fazer com que impedir que determinada ameaça se concretize, ou mesmo que a já concretizada lesão cesse. Não pode esta vítima pretender em seu nome pleitear a reparação deste dano.
Há que se obtemperar que tais limitações vão de encontro ao princípio constitucional de amplo acesso ao Poder Judiciário, previsto na nossa Constituição Federal dentro das garantias e direitos fundamentais assegurados aos cidadãos (art. 5º, inciso XXXV).
Este artigo jurídico se propõe exatamente a demonstrar que as restrições existentes à titularidade da legitimação ativa para a propositura de ações coletivas ferem o princípio constitucional em voga, não merecendo subsistir.
2. O nascimento das relações jurídicas metaindividuais (coletivas, difusas, individuais homogêneas)
Com o advento da Revolução Industrial, a produção industrial tomou conta do mundo, inaugurando uma era de evolução tecnológica, econômica e até mesmo social. A partir da Revolução Industrial o volume de produção aumentou extraordinariamente: a produção de bens deixou de ser artesanal e passou a ser maquinofaturada; as populações passaram a ter acesso a bens industrializados e deslocaram-se para os centros urbanos em busca de trabalho. As fábricas passaram a concentrar centenas de trabalhadores, que vendiam a sua força de trabalho em troca de um salário.
Foi o marco da evolução da fase individualista da sociedade para o surgimento da cultura de massa: trabalho, produção, consumo, meio ambiente, etc.
As relações trabalhistas, o consumismo em excesso, e a própria consciência do cidadão de que pode fiscalizar o Poder Público e exigir dele o cumprimento da lei e a proteção do patrimônio público gera situações em que vários interesses individuais convergem na mesma direção, cabendo, muitas vezes a proteção unificada destes interesses, que passam a ser conhecidos como interesses transindividuais ou metaindividuais.
Os interesses metaindividuais enquadram-se como uma terceira categoria de interesses, situando-se entre os interesses privados e os públicos. São interesses que excedem o âmbito estritamente individual, mas não chegam propriamente a constituir interesse público.
Os interesses transindividuais ou metaindividuais ultrapassam o limite da esfera jurídica de determinando indivíduo, abarcando um número indeterminado ou determinável de pessoas (depende da sua classificação específica: se coletivos, difusos ou individuais homogêneos) têm natureza híbrida, universal e indivisível. Afloraram a partir da massificação da economia neoliberal, diante a imensidão de pessoas que se encontram na mesma situação jurídica.
O primeiro passo para a "revelação" dos interesses difusos deu-se com o advento da Revolução Industrial e a conseqüente constatação de que os valores tradicionais, individualistas, do século XIX, não sobreviveriam muito tempo, sufocados ao peso de uma sociedade "de massa". Tércio Sampaio Ferraz Júnior se interroga sobre a razão pela qual os interesses difusos vieram "aflorar agora, nesta segunda metade do século XX, com essa intensidade pelo menos", para constatar, então, que o fenômeno está ligado ao tipo de sociedade ao qual vivemos, que é chamada sociedade de massa".
Na sociedade globalizada não há lugar para o homem enquanto indivíduo isolado; ele é tragado pela roda-viva dos grandes grupos e corporações: não há mais preocupação com as situações jurídicas individuais, o respeito ao individuo enquanto tal, mas ao contrario, indivíduos são agrupados em grandes classes ou categorias, e como tais, normatizados. [03]
O nascimento destes interesses difusos e coletivos acarretou um sério problema ao Direito Processual Civil, na medida em que a mera importação dos conceitos individuais deste ramo do direito não se presta a tutela daqueles interesses já que o processo civil foi todo construído sob a égide das relações individualistas.
O Brasil tem hoje uma vasta e moderna legislação destinada a proteção destes direitos, como por exemplo, a Lei da Ação Civil Pública e a Lei da Ação Popular, o Código de Defesa do Consumidor, o Estatuto da Criança e do Adolescente, dentre outros. No entanto, tais mecanismos não se mostram tão eficazes dada a falta de suporte doutrinário que fundamentem estes novos institutos jurídicos.
O professor Doutor Vicente de Paula Maciel bem pondera os efeitos do surgimento deste novo ramo do processo:
Há uma grande perplexidade na doutrina nacional e estrangeira sobre os direitos coletivos e são diversas as soluções de cada país para conferir efetividade a estes direitos. Temos no Brasil um sistema de ações coletivas, mas estamos longe de um consenso sobre o que sejam os direitos (ou interesses) difusos, coletivos, homogêneos, etc. Ou seja, temos tutelas processuais, mas a doutrina e a jurisprudência estão repletas de indagações sobre a legitimação, os efeitos, a forma, a extensão daquilo que estamos tutelando. [04]
Esta evolução cultural, decorrente do avanço tecnológico, da explosão populacional, dos bens de consumo impõe também uma evolução no próprio Estado Democrático de Direito, que não pode deixar de tutelar de forma adequada e específica as relações jurídicas novas de tamanha dimensão.
3. Direitos ou interesses difusos e coletivos?
Questão técnica que se mostra de grande valia a qualquer estudo que tenha como escopo as ações coletivas é a diferenciação do conceito de "direitos subjetivos" e de "interesses subjetivos".
Tratam-se, evidentemente, de situações jurídicas diferentes, cuja distinção se mostra importante para o estudo desta ciência do direito.
As leis brasileiras tratam de ambos os institutos, o que demonstra que existe, a rigor, distinção entre eles. Veja alguns exemplos:
CF. Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: (...) III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;
Lei n. 7.347/85. Art. 5º. § 5.° Admitir-se-á o litisconsórcio facultativo entre os Ministérios Públicos da União, do Distrito Federal e dos Estados na defesa dos interesses e direitos de que cuida esta lei.
Lei n. 8.078/90. Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.
A respeito do tema, elucida Maciel Junior o seguinte:
A legislação brasileira, em diversas passagens fala da tutela dos interesses e direitos difusos, coletivos. A nomenclatura revela que haveria uma distinção entre as expressões. Se adotássemos a definição de Ihering de que os direitos são interesses juridicamente tutelados, teríamos de admitir que tanto os interesses quanto os direitos difusos representam exatamente a mesma coisa, não havendo divergência ontológica entre as expressões, o que cairia no vazio. [05]
Começaremos pelos conceitos.
O interesse é uma manifestação de vontade individual do sujeito, em relação a determinado bem. Trata-se de um conceito eminentemente individual, pois reflete a intenção de determinado sujeito, que reside na esfera psíquica deste indivíduo.
O interesse não tem proteção jurídica do Estado ou da sociedade, exatamente dado o seu caráter individual e volitivo, não podendo o sujeito exigir a satisfação deste seu interesse por imposição.
Em sua obra, Mancuso leciona:
Os interesses "simples" – já o vimos – caracterizam-se pelas circunstancias de se reportarem a anseios, aspirações, desejos, cuja realização não é incentivada, nem tampouco protegida ou mesmo defendida pelo Estado. Trata-se de tendência à satisfação de uma necessidade, mas tal se passa no campo psíquico do sujeito, que deseja tal satisfação, mas não pode exigi-la do Estado ou de terceiro. [06]
Por sua vez, o direito subjetivo é aquele que encontra proteção do Estado, quer através da sua previsão no direito material, quer através da tutela jurisdicional.
Explica Barros Leonel que o direito subjetivo nada mais é do que "a posição de vantagem assegurada pelo ordenamento jurídico material, que permite ao seu titular, numa situação concreta, invocar a norma a seu favor." [07]
Nota-se que, no caso dos direitos, a concepção se volta à esfera pública na medida em que visam a proteção e estabilização das relações sociais.
Existe uma clara correlação entre os institutos: os interesses individuais podem vir a se tornar direitos subjetivos. A partir do momento em que determinado interesse vem a ser reconhecido pela sociedade, tanto através do consenso social com a sua contemplação na norma de direito material, quanto de forma compulsória, através do pronunciamento judicial, este interesse consolida-se como um direito subjetivo, garantindo ao seu titular a proteção efetiva do Estado.
Mais uma vez vale citar o I. D. Vicente de Paula Maciel que no sentido de que o direito nasce do interesse:
O direito subjetivo somente existe a partir do momento em que a sociedade espontaneamente confere validade ao interesse da parte, ou quando o sujeito consegue o reconhecimento judicial, através de um processo de validação de seu interesse.
O que se tem antes desse momento é o interesse do sujeito, portanto, um interesse subjetivo, que ainda não é direito subjetivo. Somente haverá direito subjetivo se o interesse do sujeito for validamente reconhecido pelos processos de validação (reconhecimento espontâneo da sociedade ou atividade substitutiva estatal – devido processo legal). [08]
Uma vez transposta a barreira da validação, quer social, quer judicial, o interesse transmuda sua natureza jurídica, vindo a se estabelecer como direito subjetivo.
Um bom exemplo para elucidar a questão foi dado pelo Professor acima citado em sua obra: um sujeito pode manifestar seu interesse em ser mantido em seu emprego. No entanto, a simples manifestação deste interesse não significa a sua transformação em direito. [09] Sua intenção não lhe garante proteção jurídica, não antes de ser este interesse validado.
Caso não existisse a diferenciação deste instituto, algumas situações ficaram sem explicação, como quando existem vários interesses contrastantes perante determinada norma. Se não houvesse distinção entre direitos e interesses, não haveria como explicar a solução de demandas que envolvam vários titulares de direitos conflitantes em face da mesma norma.
Diante de um conflito de interesses, mostra-se imprescindível o reconhecimento judicial de qual interesse deve prevalecer, transformando-o em direito.
Feitas a diferenciação da concepção dos direitos e dos interesses, passamos, em breves linhas, dos conceitos de interesses coletivos, difusos e individuais homogêneos.
4. Conceitos: interesses difusos, interesses coletivos e interesses individuais homogêneos
Os interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos são espécies do gênero interesses metaindividuais.
Os interesses metaindividuais enquadram-se como uma terceira categoria de interesses, situando-se entre os interesses privados e os públicos. São interesses que excedem o âmbito estritamente individual, mas não chegam propriamente a constituir interesse público.
4.1. Interesses difusos
São os interesses que pertencem a um número indeterminável de pessoas, não sendo possível especificar os titulares destes interesses. Os interesses difusos são também indivisíveis, eis que uma lesão a esse direito atinge todas as pessoas (indetermináveis) que o possuem. Os interesses difusos são oriundos de uma situação de fato.
Em sua obra, Mancuso dá as principais notas das características destes interesses: (i) indeterminação dos sujeitos; (ii) indivisibilidade do objeto; (iii) intensa conflituosidade; (iv) duração efêmera, contingencial. [10]
4.2. Interesses coletivos
Os titulares são determinados ou determináveis, pertencem a um grupo, categoria ou classe. São também indivisíveis. Caso seja reparado para um, será reparado para todos. Lesou a um, lesou a todos. Origina-se de uma relação jurídica (preexistente).
A distinção entre os difusos e coletivos é bem pontuada por Barros Leonel:
De pronto, é possível identificar dois dados diferenciadores: maior limitação dos interesses coletivos, em virtude da existência do dado organizativo do grupo interessado (ausente nos difusos), e existência de uma relação jurídica embasando o liame existente entre os interessados.
Estes interesses são também inerentes a pessoas indeterminadas a principio, mas determináveis, pois o vinculo entre elas é mais solido, decorrente de uma relação jurídica comum. Aqui também o objeto ao qual se volta o interesse é indivisível, satisfazendo a todos ao mesmo tempo, sendo todo o grupo lesado coetaneamente na hipótese de violação
Deste modo, os coletivos distinguem-se dos difusos, ambos indivisíveis, pela sua origem, na medida em que nestes o vinculo relaciona-se a dados acidentais ou factuais, enquanto naqueles a ligação dos integrantes do grupo, categoria ou classe decorre de uma relação jurídica. [11]
4.3. Interesses individuais homogêneos
Cuidam-se de interesses individuais tratados de forma coletivizada. Interesses individuais homogêneos possuem causa comum que afeta, embora de modo diverso, número específico de pessoas, com conseqüências distintas para cada uma delas.
Em que pese serem os direitos individuais homogêneos provenientes de causa comum que atinge a todos os lesados, são metaindividuais apenas para fins de tutela judicial coletiva, porque continuam a possuir, no plano do direito material, característica individual clássica. Trata-se, então de prerrogativa processual concedida em razão da homogeneidade causal.
5. Da legitimação ativa para a propositura das ações coletivas na defesa dos interesses difusos
Conforme já mencionado, a proteção dos interesses difusos e coletivos no nosso ordenamento ocorre através de leis esparsas que tratam das matérias de dimensão transindividual.
Todas estas leis têm um ponto em comum: todas elas criam limitações à legitimidade ativa para a propositura das ações coletivas.
Por exemplo: a lei da Ação Civil Pública confere apenas ao Ministério Público, à Defensoria Pública, à União, Estados, Distrito Federal e Municípios, autarquias, empresas públicas, fundações ou sociedades de economia mista e a associações que atendam às exigências impostas da respectiva lei.
Nos mesmos moldes, em se tratando de ações coletivas, o Código de Defesa do Consumidor limita os legitimados às seguintes entidades: o Ministério Público, a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal, as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos pelo CDC e as associações que também atendam `as exigências daquele diploma legal.
Suficientes estes dois exemplos.
Vê-se que o ajuizamento das ações coletivas aqui no Brasil não pode ser feito diretamente por qualquer cidadão, titular do direito difuso violado. Criou-se uma espécie de legitimação extraordinária (há controvérsias doutrinárias neste ponto) onde entes públicos, sindicais, associações "representam" os interessados difusos e coletivos.
Barros Leonel pondera:
A definição da legitimação ativa para as demandas coletivas é questão que envolve dificuldades legislativas, em virtude da complexidade teórica e prática da matéria. Esta dificuldade decorre de que, quando se trata da defesa em juízo dos interesses supra-individuais, normalmente aquele que se pretende legitimado não é diretamente titular daqueles, ou, ainda que o seja, não exerce esta posição de preeminência em caráter de exclusividade.
Basta recordar que no nosso sistema o direito de ação é ordinariamente conferido a quem é titular da situação protegida, na legitimação ordinária, e excepcionalmente conferido a quem não é titular dos direitos ou interesses e promove sua defesa em nome próprio e no interesse alheio, na legitimação extraordinária ou substituição processual. Somente é possível agir em juízo, na defesa do interesse que não é do próprio demandante, quando há expressa autorização legal neste sentido. [12]
Esta limitação é vista por muitos como influencia do individualismo no modelo coletivo:
Ephraim de Campos Jr. (1985, p. 86-96) admite grandes dificuldades enfrentadas na questão da legitimação quando se trata dos interesses coletivos ou difusos em face de haver um declínio da concepção individualista do processo, normalmente centrada nas relações intersubjetivas, para a adoção de uma nova perspectiva, hoje direcionada para a solução de conflitos metaindividuais. Para o autor, a solução da legitimidade nessas categorias de interesses poderia ser encontrada com a admissão da substituição processual, adotando-se a legitimação extraordinária concorrente dos diversos co-interessados, o que viabiliza uma tutela efetiva com favorecimento de todos os substituídos em virtude da atividade do substituto. [13]
A intenção do legislador em criar barreiras ao acesso do cidadão ao judiciário visa, de forma subvertida, a proteção do próprio poder público. O acesso amplo e irrestrito dos cidadãos ao poder judiciário poderia se transformar em um mecanismo forte e eficiente de controle da administração, controle este que definitivamente não se quer sofrer.
Maciel Junior bem destacou a origem e a razão deste problema, argumentando que "os agentes políticos tendem a criar ou atribuir competências aos chamados órgãos ‘intermediários’ (Ministério Público, associações, Órgãos de Defesa do Consumidor, Delegacias de Ordem Econômica, Ombudsman) e que em muitos casos pertencem ao próprio governo" [14].
Vincenzo Vogoriti, citado na obra de Maciel Júnior, defende a importância da participação do indivíduo que passa a superar a idéia meramente privativista e passa a agir uti cives e não uti singuli. [15]
A legitimação apenas de entidades, na sua grande maioria ligadas ao próprio governo, por si só, já constitui um filtro a esta atuação. No entanto, há que se lançar o seguinte questionamento: os legitimados ativos exercem, de fato, a representação efetiva dos interessados? Eles conseguem realmente atender ao clamor, na defesa destes interesses difusos?
A restrição existente vai exatamente de encontro com a própria natureza dos interesses difusos, criando barreiras ao exercício destes interesses, afastando o cidadão do acesso ao Judiciário.