Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

O paradoxo da escravidão no desenvolvimento da Amazônia

Exibindo página 2 de 2
Agenda 11/01/2012 às 16:01

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho escravo contemporâneo, da maneira como foi regulamentado em nossa legislação, começou a ser delineado e intensificado a partir do Golpe Militar de 1964. Por meio do Plano de Integração Nacional, os militares buscaram contornar os problemas da seca e da concentração de terras no Nordeste, ao mesmo tempo em que propunham viabilizar a integração e o desenvolvimento da Amazônia Legal para suprirem uma demanda interna por matérias-primas.

Como forma de implementar essas políticas, estimularam o povo nordestino para irem à referida região, sem, no entanto, garantir a esse contingente de pessoas a infraestrutura necessária para o trabalho e a moradia – condições essas que deveriam ser garantidas pela presença efetiva do Estado.

O desfecho desse cenário foi exatamente o de facilitar a escravização desses trabalhadores, uma vez que o governo privilegiava os grandes produtores rurais em detrimento dos migrantes que lá buscavam melhores condições de vida.

Essa realidade continua a existir na Amazônia, pois ainda hoje persistem as assimetrias históricas entre as regiões do Brasil, muito embora as políticas governamentais procurem mitigar questões socioeconômicas por meio de medidas como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, Bolsa-Família, o aumento da fiscalização pelo Ministério do Trabalho, entre outras políticas.

Dentro desse contexto, alguns outros atores – além dos que já foram citados neste artigo - ganham relevo no processo de combate ao trabalho escravo. Dois exemplos disso são as Organizações Não-Governamentais e a Comissão Pastoral da Terra - movimentos que desempenham função paralelamente ao Estado e, na falta de recursos deste, atuam também complementando-o.

Além disso, o fato de o Brasil ter reconhecido oficialmente a existência do trabalho escravo em seu território marcou uma mudança de postura importante quanto à imagem da nação no cenário internacional. O País passou a fiscalizar as propriedades por meio do Grupo Especial Móvel de Fiscalização, que conta com equipes - compostas por Auditores Fiscais do Trabalho, Procuradores do Trabalho e Policiais Federais - aptas a apurar denúncias e autuar infratores.

Essa e outras iniciativas, tais como o Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo, a criação da Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo e o cadastro de empregadores flagrados utilizando mão de obra escrava, sinalizam um caminho acertado e possível para o enfrentamento e contenção de um emaranhado de problemas de múltiplas causas.

Desnecessário dizer, porém, que o enfoque dessas políticas - apesar de serem bem-vindas - tem por escopo essencial a mitigação de sintomas, e não necessariamente o equacionamento das causas. É evidente, no entanto, que um governo precisa atuar em duas frentes.

Primeiro, enfrentando realisticamente os problemas já identificados e que já se materializaram, o que em certo grau já vem acontecendo; e, segundo, arquitetando estratégias calcadas em perspectivas de médio e longo prazos, a fim de diminuir e contornar o máximo possível desafios de ordem mais estrutural e sistêmica.

Complementando e finalizando, portanto, o que foi dito acima, é imprescindível se destacar a importância do diálogo entre os mais variados atores da sociedade no atual estágio de nossa democracia - como já vem acontecendo entre governo, ONG´s, empresas, imprensa, entre outros -, porque é somente assim, por meio de um debate franco, que as políticas públicas passarão a verdadeiramente representar a totalidade da população brasileira, e não somente alguns segmentos historicamente beneficiados.


Referências Bibliográficas

ALMEIDA, Mauro William Barbosa. Direitos à floresta e ambientalismo: seringueiros e suas lutas. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 19, n. 55, p. 33-53, 2004

BRITO FILHO, José Claúdio M. Trabalho com redução do homem à condição análoga à de escravo e dignidade da pessoa humana. In: Revista Gênesis, Curitiba, n. 137, p. 673-682, mai.2004.

BUCLET, Benjamin. A relação entre a ideologia do desenvolvimento e as formas modernas de escravidão: uma análise a partir de um estudo de caso na Amazônia brasileira. In: Trabalho escravo contemporâneo no Brasil: contribuições críticas para sua análise e denúncia/Org.Gelba Cerqueira e outros. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2008.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

CARTER, Miguel. Combatendo a desigualdade social: o MST e a reforma agrária no Brasil. São Paulo: Editora da UNESP, 2010.

CASTILHO, Ela Viecko Volkmer. As ações do Ministério Público Federal e os limites do Poder Judiciário na erradicação do trabalho escravo. In: Trabalho escravo contemporâneo no Brasil: contribuições críticas para sua análise e denúncia/Org.Gelba Cerqueira e outros. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2008.

CERQUEIRA, Gelba C. FIGUEIRA, Ricardo R. Introdução. In: Trabalho escravo contemporâneo no Brasil: contribuições críticas para sua análise e denúncia/Org.Gelba Cerqueira e outros. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2008.

ESTERCI, Neide. Escravos da desigualdade: um estudo sobre o uso repressivo da força de trabalho hoje. Rio de Janeiro: CEDI, 1994.

ESTERCI, Neide. FIGUEIRA, Ricardo R. Décadas de combate ao trabalho escravo: avanços, recuos e a vigilância necessária. In: Trabalho escravo contemporâneo no Brasil: contribuições críticas para sua análise e denúncia/Org.Gelba Cerqueira e outros. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2008.

ESTEVA, Gustavo. Desenvolvimento. In: Dicionário do desenvolvimento: guia para o conhecimento como poder. Trad. Vera Lúcia M Joscelyne, Susana de Gyalokay e Jaime A. Clasen. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.

FIGUEIRA, Ricardo Rezende. Pisando Fora da própria sombra: a escravidão por dívida no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004.

MARTINS, José de Souza. A reprodução do capital na frente prioneira e o renascimento da escravidão no Brasil. In: Tempo Social, Rev.de Sociologia USP, vol 06, n. 1-2, p.1-25, 1994.

_____. A escravidão na sociedade contemporânea: a reprodução ampliada anômala do capital e a degradação das relações de trabalho. In: Revista do Ministério Público do Trabalho – Ano XI, Brasília, n.21, mar. 2001.

_____. A irredutível economia da escravidão. O Estado de São Paulo, 26 Jul. 2009.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais Ltda, 2009.

OIT. Uma aliança global contra o trabalho forçado. Genebra: Organização Internacional do Trabalho, 2005.

OIT. O trabalho escravo no Brasil do século XXI. Brasília: Organização Internacional do Trabalho, 2007.

SANT’ANA JÚNIOR, Horácio Antunes. Florestania: a saga acreana e os Povos da Floresta. Rio Branco-AC: EDUFAC, 2004.

SARDAN, Jean-Pierre Olivier. Anthropology and Development: understanding contemporary social chance. London & New York: Zed Books, 2005.

SILVA, José Carlos A. Conversa bonita: o aliciamento e os caminhos que levam à escravidão por dívida. In: Trabalho escravo contemporâneo no Brasil: contribuições críticas para sua análise e denúncia/Org.Gelba Cerqueira e outros. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2008.

VADE MECUM/ Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

VELHO, Otávio Guilherme. Capitalismo autoritário e campesinato: um estudo comparativo a partir da fronteira em movimento. São Paulo: Difusão Editorial, 1979

VIEIRA, Maria Antonieta C. Trabalho escravo, trabalho temporário e migração. In: Trabalho escravo contemporâneo no Brasil: contribuições críticas para sua análise e denúncia/Org.Gelba Cerqueira e outros. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2008.


Notas

  1. Parecer do Relator, Dep. Júlio Delgado, pela constitucionalidade, juridicidade e má técnica legislativa, e, no mérito, pela rejeição dos Projetos de Lei nº 5693/2001, 6646/2002, 6934/2002, 194/2003, 368/2003, e 736/2003, e, pela constitucionalidade, juridicidade e técnica legislativa, e, no mérito, pela aprovação do PL 292/2003, apensado aos demais, com emendas.

  2. Sobre o tema ver Velho (1979), Esterci (1994), Martins (1994), Figueira (2004).


Abstract: This article focuses on the analysis of slave work in rural areas in the Legal Amazon region after the 1964 military coup.For this reason it redefines the concepts involving slavery contrasting it with the contemporary focus as seen on Article 149 of The Brazilian Penal Code.By bibliography revision it reflects about the connection between the model of development implanted by the military and the generalization of the repressive actions against the work force in the region.It also explores the strategies adopted by each of the main factors involved in the problem,emphasizing the pre-existing social discrepencies.Finally it also analyses the role of the Judiciary power in the resolution of the ongoing probems in the region.

Key Words: Slave work; development; Amazon; military coup.

Sobre a autora
Marluce de Oliveira Rodrigues

Graduada em Direito pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Pós-Graduada em Direito do Trabalho pela Universidade Gama Filho (UGF). Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF). Estudante Pesquisadora no Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Trabalho, Política, Movimentos Sociais e Serviço Social da UFF.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RODRIGUES, Marluce Oliveira. O paradoxo da escravidão no desenvolvimento da Amazônia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3115, 11 jan. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20823. Acesso em: 25 dez. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!