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Dano imaterial: a compreensão dos interesses jurídicos e de sua lesão segundo volume tridimensional da dignidade humana

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Agenda 11/01/2012 às 13:56

5. O dano moral coletivo no direito brasileiro

O dano moral coletivo é resultado das premissas da moderna teoria da responsabilidade civil, cujos alicerces se encontram na ampla tutela dos interesses jurídicos, individuais e transindividuais. O processo de sua elaboração percorreu, no direito brasileiro, três etapas.

A primeira etapa foi demarcada pela superação da visão patrimonialista do direito privado, o que se deu através do reconhecimento dos danos morais individuais, com espeque na teoria do interesse. É nesta etapa em que se pacifica o entendimento de que todo interesse ou bem objeto de proteção legal, quando ofendido, enseja a responsabilidade do ofensor pela reparação ou compensação.

A segunda etapa se verificou na elaboração de um conceito objetivo de dano moral, apartando dos elementos deste instituto a dor e quaisquer outros fatores subjetivos de aferição. Primeiramente foi concebida a objetividade dos direitos da personalidade, para em seguida se acolher a possibilidade de dano moral contra a pessoa jurídica, entidade desprovida dos atributos da alma humana, porquanto decorrente de construção jurídica.

A terceira etapa se iniciou com a tutela infraconstitucional dos interesses coletivos, o que se operou com as de número 4.717/65 e 7.347/85, vindo a ganhar imperatividade máxima da Constituição Federal de 1988, embora o seu aperfeiçoamento só se completou com a edição da Lei nº 8.078/90 e da Lei complementar 75/93.

No momento em que as três gerações dos direitos fundamentais ganham status de direitos fundamentais, o núcleo normativo da dignidade humana se avoluma, a fim de garantir respeito aos interesses individuais, coletivos e difusos. A teoria do interesse, inicialmente manipulada a favor do dano moral individual, serve agora de argumento para a prevenção e para a repressão de toda conduta lesiva aos interesses (e bens) consagrados pelo direito.

O dano, então, torna-se coletivo, na medida em que são afetados bens cuja titularidade pertence a coletividades de pessoas. Também assume a qualidade de moral ou imaterial, de acordo com a natureza destes bens violados, ou da natureza do patrimônio por eles constituído: o patrimônio ideal. O adjetivo moral que acompanha esta categoria de danos não deveria, contudo, atrair o elemento subjetivo "dor", nem se vincula direta indiretamente à moral das pessoas físicas. Por esta razão, preferível a denominação "imaterial" em lugar de moral, evitando-se os equívocos impertinentes.

Xisto Tiago de Medeiros Neto (2007, p. 46) elenca entre os fatores que impulsionaram a conceituação do dano moral coletivo o que ele intitula "coletivização do direito", movimento pelo qual se deferiu às coletividades despersonalizadas a titularidade de bens de valor economicamente inestimável, ainda que socialmente relevantes. Em verdade, este movimento surgiu como resposta aos efeitos funestos da globalização do capitalismo e da massificação da sociedade, conduzindo o processo jurisdicional ao atendimento dos novos conflitos transindividuais.

Observados os pressupostos da recepção do dano moral coletivo, e ainda seguindo o magistério de Medeiros Neto, pode-se deixar aqui, para fins didáticos, o conceito desta espécie de dano como sendo

"lesão intolerável a direitos transindividuais titularizados por uma determinada coletividade, desvinculando-se, pois, a sua configuração da obrigatória presença e constatação de qualquer elemento referido a efeitos negativos, próprios da esfera da subjetividade, que venham a ser eventualmente apreendidos no plano coletivo". (MEDEIROS NETO, 2007, p. 47).

Alguns interesses passíveis de dano moral coletivo foram mencionados da Constituição de 1988, a saber, os previstos nos artigos 225, 227 e 230. Também dispôs a Carta Magna sobre a defesa do consumidor (elencando seus interesses entre os bens de natureza coletiva lato sensu no artigo 24, VIII), do "meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida", da criança, do adolescente e do idoso. E para garanti-los, o Constituinte instituiu os instrumentos previstos no artigo 5º, incisos LXX (mandado de segurança coletivo) e LXXIII (ação popular), e no artigo 129, III (ação civil pública).

Na seara infraconstitucional, o sistema de tutela dos interesses coletivos encontra se consolida com o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e a Lei da Ação Civil Pública (LACP), os quais estabelecem o meio processual adequado à reparação dos danos morais coletivos.

O CDC cuidou do conceito dos interesses transindividuais (coletivos e difusos) e, através de seu artigo 110, acrescentou o inciso IV ao art. 1º da Lei nº 7.347/85, ampliando o cabimento da ação civil pública em defesa de quaisquer interesses coletivos. Por meio dos arts. 90 e 117 do CDC, a ligação entre o CDC e a LACP foi consumada, arrolando-se o sistema de tutela coletiva como mais um ramo do processo jurisdicional.

Por fim, o CDC endossou a tutela jurisdicional dos interesses transindividuais, mediante a atribuição de sua titularidade às comunidades de pessoas, ainda que indeterminadas, equiparando-as ao consumidor, nos termos do parágrafo único de seu artigo 2º.

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O dano moral coletivo, repita-se, é hoje um instituto legal, e não mera concepção doutrinária ou jurisprudencial. O art. 6º, caput e incisos VI e VII, do CDC, referem-se diretamente a tal instituto aos dispor:

são direitos básicos do consumidor: (...) VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos; VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados (...) (grifo nosso).

A Lei nº 7.347/85 (LACP) sofreu a modificação de seu artigo 1º pela Lei 8.884, de 16 de junho de 1994, Lei Anti-Truste, e com isso também passou a admitir, em seu art. 1º, "as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados" aos bens listados em seus incisos sem prejuízo de outros interesses similares, consoante determina o art. 129, III, da CF/1988.

Entretanto, não obstante a ampliação do conceito de dano moral operada pelo sistema de tutela coletiva, ainda persiste no imaginário jurídico um antagonismo terminológico, como se depreende da leitura do artigo anterior: a separação entre dano moral e dano patrimonial, como se o dano moral não afetasse a bens integrantes de um patrimônio. Tal entendimento não se sustenta diante de uma adequada análise terminológica.


6. Dano ao patrimônio imaterial em lugar de dano extrapatrimonial: breve análise terminológica

Conforme já mencionado, o reconhecimento do dano moral coletivo pelo Direito brasileiro terminou por ampliar o universo dos interesses não materiais tutelados pelo Estado. O patrimônio imaterial que antes se restringia aos valores e bens da personalidade, agora passa a ser integrado por bens coletivos, pelos patrimônios social, histórico, paisagístico etc..

Entretanto, ainda reside no senso comum da Doutrina e da Jurisprudência um certo apego ao sentido arcaico do patrimônio, que o concebe como sendo o conjunto de bens pecuniariamente aferíveis de determinado ente, o que ocasiona a frequente utilização da expressão "dano extrapatrimonial" em correspondência ao "dano moral".

Além deste entrave, nota-se que, embora atualmente se comece a vislumbrar a superação do conceito subjetivo do dano moral, a repercussão do dano sobre a vítima ou sobre a coletividade continua demasiadamente valorizada para a consideração de um dano moral como reparável, mitigando-se a teoria do interesse e o valor jurídico que o interesse violado tem em si mesmo, para a sociedade e para o Estado, independente das consequências palpáveis de sua violação.

De fato, é comum o recurso dos juristas à angústia, ao sofrimento, às chagas provocadas na alma da vítima, ou até o clamor social de uma ofensa coletiva, com vistas a sustentar que determinada lesão deve obrigar o seu autor à compensação do ente lesado. Ou seja, o uso do adjetivo moral tem seduzido os estudiosos do direito a visualizar a condenação por danos morais somente quando houver prova de sua repercussão sobre o lesado, exigindo-se indício de prova da extensão da ofensa sobre a alma ou consciência coletiva.

É certo que o sistema jurídico pátrio elenca dois tipos de danos civilmente reparáveis: o patrimonial e o moral. Todavia, o que se pretende demonstrar com este artigo é que tais expressões são inadequadas. A expressão patrimonial conduz ao entendimento de que os danos morais não afetam bens de um patrimônio e a expressão moral geralmente se encontra atrelada (talvez como um ranço) aos efeitos da lesão sobre a alma ou consciência coletiva.

Para demonstrar a impropriedade do conceito subjetivo de dano moral, basta discernir "o efeito da conduta (a lesão)" do "efeito do dano (ou repercussão)". Se bem que o efeito do dano sobre o ente ofendido possa influenciar o arbitramento do quantum indenizatório, o dano imaterial precisa ser considerado intolerável por um simples fato: violar determinados bens ideais consagrados pelo direito. Por isso, o que importa é o dano – a repercussão da conduta lesiva sobre determinados bens – e não a repercussão do dano sobre o ofendido, sendo esta repercussão subjetiva relevante apenas para se cogitar dos meios de compensação.

O pensamento ora sustentado se aproxima do raciocínio de Eduardo Zannoni (1982, p. 232-233 apud DINIZ 2008, v. 7, p. 90), para quem o dano moral "não é a dor, a angústia, o desgosto, a aflição espiritual, a humilhação, o complexo que sofre a vítima do evento danoso, pois estes estados de espírito constituem o conteúdo, ou melhor, a conseqüência do dano" Afinal, conclui, "o direito não repara qualquer padecimento, dor ou aflição, mas aqueles que forem decorrentes da privação de um bem jurídico sobre o qual a vítima teria interesse reconhecido juridicamente". A mesma lógica objetiva deve ser utilizada em relação aos danos morais coletivos, tornando dispensável os efeitos materializados na consciência coletiva (clamor social).

Há mais uma razão para não se condicionar a reparação dos danos morais à dor sentida pelo ente ofendido em razão da lesão: os desprovidos de discernimento, isto é, aqueles que não possuem a capacidade de compreender a lesão de seus interesses poderiam ter seus nomes e sua reputação aviltados sem externar qualquer dor, e neste caso o agente da ofensa poderia restar impune? A destruição do patrimônio histórico, se não for verificado em concreto o clamor social que tal ofensa poderia ter causado, teria o condão de impedir o dever de compensar o dano? A nenhuma das indagações a resposta razoável seria positiva.

Assim posto, diante da comum vinculação da expressão "moral" a um conceito subjetivo de dano (dano como efeito da lesão de um bem da vítima sobre a própria vítima), preferível adotar a expressão "imaterial", a fim de qualificar o dano pela natureza do bem ou do interesse afetado, condicionando a sua reparação unicamente à previsão dos tais como direito fundamental.

Por fim, no que tange ao uso do adjetivo "patrimonial" para denotar o dano que se pode medir em dinheiro, pode-se dizer o senso comum juristas incorre em manifesta contradição. A circunstância de a lei pátria utilizar a expressão "dano patrimonial" não ofusca o problema, visto que a adoção de expressões, referendada pela interpretação gramatical, não tem o poder de elidir a interpretação sistemática do ordenamento.

O patrimônio de um ente, indivíduo ou coletividade, não se resume aos valores de expressão econômica, contemplando todos os objetos valorados pelo homem. Tudo aquilo que a mente humana compreende e atribui importância pode integrar o universo das coisas e situações que o Humano deseja, para desenvolver a dignidade do próprio homem, seja do homem isolado, seja do homem aglutinado em grupo ou na sociedade.

A cultura é patrimônio. Então o patrimônio também é "o conjunto acumulado de símbolos, idéias e produtos materiais associados a um sistema social, seja ele uma sociedade inteira ou uma família". Isto porque a cultura se constitui de "tudo o que é feito, modelado ou transformado como parte na vida social coletiva", bem como, em dimensão imaterial, das "idéias que modelam e informam a vida de seres humanos em relações recíprocas" e nos "sistemas sociais dos quais participam" (JOHNSON, 1997, p. 59).

A tutela do patrimônio histórico e cultural mediante ação popular, por exemplo, como estabelece o art. 5º, inciso LXXIII, da CF/1988, ratifica a propriedade do argumento ora utilizado. O disposto em tal artigo não se volta ao valor financeiro dos móveis e imóveis que geralmente são tombados para formar este patrimônio, mas justamente ao valor que supera a materialidade estimável dos mesmos, colimando-se a proteção das idéias, símbolos e instituições que informam a existência humana como um valor em si, sendo tais instituições patrocinadoras da dignificação humana.

O dano ao patrimônio imaterial, seja o seu titular um indivíduo, um grupo ou toda a sociedade, deve ser reprimido como uma ofensa ao próprio direito. Ocorre somente que seu enfrentamento não se submete ao ideal de ressarcimento, de retorno ao estado anterior, restando, porém, a busca por medidas compensatórias que promovam a revalorização dos interesses afetados. A reparabilidade da lesão ao patrimônio imaterial, ou simplesmente dano imaterial, confirma a ordem jurídica, reprimindo o ato lesivo e compensando os entes ofendidos com o patrocínio dos bens e interesses afetados.


Conclusão

Diante de tudo o que se expôs no corpo deste artigo, é correto inferir que o dano imaterial é um instituto decorrente da moderna teoria da responsabilidade civil, e que sua compreensão está ligada aos fatores de massificação da sociedade e de globalização do capitalismo. O ponto interessante da hegemonia desta conjuntura reside no fato de o materialismo exacerbado da cultura mercadológica ter gerado uma sobrevalorização dos bens e interesses fora do comércio, elaborando-se a tutela de um patrimônio cada vez menos palpável, apesar de estimado, por vezes, acima dos bens materiais.

Desta forma, a concepção do dano imaterial resulta do aprimoramento científico da teoria do interesse, através da superação da dimensão individual e da subjetividade inerente ao pensamento do século XX, bem como pelo reconhecimento de um patrimônio ideal, que se encontra fora do comércio. Neste aspecto, qualquer interesse jurídico deve ser respeitado em sua constituição anatômica, respeitando-se assim o sujeito e o objeto que o interessa, pouco importando se o sujeito é indivíduo ou coletividade, e também se o objeto tem correspondência financeira ou não.

Não há se olvidar, todavia, a relevância do conceito de dano imaterial como um gênero de lesões reprimidas pelo direito conquistou o seu espaço com a elaboração do dano moral coletivo. É com a ampliação do núcleo normativo da dignidade da pessoa humana em três direções, ou dimensões, que a presente discussão ganha utilidade. Primeiro porque a noção de patrimônio começa a exorbitar da tradição individual patrimonialista. Segundo porque a repercussão do dano sobre o ente ofendido se torna dispensável, tendo em vista que o valor do bem em si é que passa a legitimar a reação do Estado e não o clamor social causado pelo dano, que dificilmente é mensurado.

O conceito de dano imaterial consubstancia a matriz objetiva da teoria do interesse, podendo ser compreendido como toda lesão a um bem insuscetível de avaliação em dinheiro ou ao interesse que lhe corresponda, estando a responsabilidade do ofensor condicionada apenas à inclusão do interesse ou bem entre os direitos fundamentais, seja qual for a sua dimensão (individuais, coletivos ou difusos).

Por último, destaca-se que a lógica de repressão ao dano imaterial não é a do ressarcimento ou restauração. Não se pode falar neste caso em retorno ao estado anterior do patrimônio ideal. Mas como o direito não pode tolerar a violação dos bens que protege, porque tais ofensas são indiretamente violações do direito e do Estado, nem pode deixar em situação de insegurança os sujeitos aos quais reconhece direitos e deveres, surge a necessidade de compensar o ente lesado por meio de uma indenização razoável, uma indenização arbitrada mediante critérios objetivos, embora inexistente a relação de equivalência entre dano e compensação.


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Nota

01 Um estudo pontual sobre os interesses jurídicos é realizado na Monografia apresentada pelo autor deste artigo, intitulada O dano moral coletivo nas relações de trabalho.

Sobre o autor
Antônio Carlos Barros de Andrade Filho

Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Feira de Santana (BA).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANDRADE FILHO, Antônio Carlos Barros. Dano imaterial: a compreensão dos interesses jurídicos e de sua lesão segundo volume tridimensional da dignidade humana. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3115, 11 jan. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20826. Acesso em: 23 nov. 2024.

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