4.O objetivo do Parágrafo Único, do art. 26, da Lei nº 11.457/11 e a possibilidade de compensação entre contribuições previdenciárias e demais tributos federais
Visto isso, remanesce a indagação: Qual é o objetivo da norma positivada no Parágrafo Único, do art. 26, da Lei nº 11.457/07?
A resposta é obtida de acordo com o contexto normativo em que se insere o “caput” do art. 26, qual seja: a equalização da compensação entre créditos de tributos federais e débitos de contribuições previdenciárias, seja ela realizada de ofício, seja ela realizada voluntariamente (por requerimento).
Por conseguinte, o Parágrafo Único deste dispositivo, cujo objetivo há de ser o de trazer os aspectos complementares à norma enunciada no caput ou exceção a esta, vem operacionalizar a equalização do fluxo financeiro pretendida no caput. E por isso, a regra positivada no Parágrafo Único deve ser lida no sentido de que “o procedimento” de compensação previsto no art. 74, da Lei nº 9.430/96 não se aplica às compensações de ofício ou a requerimento do contribuinte, quando estiverem envolvidos créditos de tributos federais e débitos de contribuições previdenciárias.
E não se aplica o mencionado procedimento administrativo-fiscal por uma razão lógica e sistêmica da compensação pós-unificação da arrecadação dos tributos federais, promovida pela Lei nº 11.457/07.
Cediço que o procedimento administrativo de compensação, previsto no art. 74, da Lei nº 9.430/96, é o denominado “Compensação por declaração”, ou seja, o próprio contribuinte realiza a compensação e a informa à SRFB (Atualmente conhecida como Declaração de Compensação - DCOMP).
Entretanto, o procedimento da compensação por declaração é incompatível com o procedimento de equalização do fluxo de recursos financeiros, prevista no art. 26, da Lei nº 11.457/07. E o incompatível pelos seguintes motivos:
1º) Necessidade de controle prévio da compensação de crédito de tributos federais (exceto previdenciários) com os débitos de contribuição previdenciária, para fins de determinação do quantum a ser repassado para o Fundo do RGPS.
2º) O exíguo lapso temporal para o repasse da União para o Fundo do RGPS dos valores compensados nos débitos de contribuição previdenciária, vez que fixado dois dias úteis da data da compensação de ofício ou do deferimento do requerimento.
Interessante mencionar ainda, que a Lei nº 11.457/07 faz referência à data do deferimento do REQUERIMENTO. Tal requerimento somente pode ser considerado o pedido administrativo prévio, na compensação voluntária, realizada pelo contribuinte.
É inegável que a compensação via requerimento é completamente distinta da compensação via declaração. Nesta o contribuinte realiza a compensação e, ato seguinte, informa à SRFB, que tem determinado prazo para homologá-la ou não. Naquela, o contribuinte faz um pedido administrativo que será analisado pela SRFB, que poderá deferi-lo ou não.
Com efeito, já se sabe até mesmo por expressa menção no Parágrafo Único do art. 26, da referida Lei que o procedimento via DCOMP não se aplica às compensações referidas no “caput”.
E mais, sabe-se que a compensação entre crédito de contribuição previdenciária e débitos desta mesma contribuição é realizada por declaração, na denominada GFIP[16], pois desnecessária, nestes casos, a equalização de recursos financeiros entre a União e o INSS (RGPS).
Com efeito, não faria qualquer sentido dizer que o vocábulo “requerimento”, a que se refere o caput do art. 26, da Lei nº 11.457/07, estaria ligado à compensação entre crédito de contribuições previdenciárias e débitos dessas mesmas contribuições.
Dessarte, tem-se que a compensação poderá ocorrer em momentos distintos a depender do tipo de procedimento adotado.
E por isso, ao contrário do que até então tem trilhado os Tribunais brasileiros, o Parágrafo Único, do art. 26, da Lei nº 11.457/07 ao invés de vedar a compensação entre créditos de tributos federais e débitos de contribuições previdenciárias, está a viabilizá-la, ao dar operacionalidade ao caput do artigo que está a complementar.
Tanto é assim, que com o fito de eliminar o último óbice quanto à compensação entre contribuições previdenciárias e créditos de outros tributos federais, a Lei nº 11.941/09 revogou, expressamente o § 2º, do art. 89, da Lei nº 8.212/91, que previa:
“Art. 89. As contribuições sociais previstas nas alíneas “a”, “b” e “c” do parágrafo único do art. 11, as contribuições instituídas a título de substituição e as contribuições devidas a terceiros somente poderão ser restituídas ou compensadas nas hipóteses de pagamento ou recolhimento indevido ou maior que o devido, nos termos e condições estabelecidos pela Secretaria da Receita Federal do Brasil. (Redação dada pela Medida Provisória nº 449, de 2008)
(...)
§ 2º Somente poderá ser restituído ou compensado, nas contribuições arrecadadas pelo INSS, valor decorrente das parcelas referidas nas alíneas "a", "b" e "c" do parágrafo único do art. 11 desta Lei. (Revogado pela Medida Provisória nº 449, de 2008) (Revogado pela Lei nº 11.941, de 2009)
Significa isso que, acaso o legislador desejasse vedar a compensação de crédito de outros tributos federais com os débitos de contribuições previdenciárias, teria mantido a norma inserta no § 2º, do art. 89, da Lei nº 8.212/91, modificando apenas o órgão arrecadador para a SRFB. Mas assim não fez, mantendo a coerência lógico-sistemática da compensação de tributos administrados pela SRFB.
Enfim, podemos resumir o contexto lógico-sistemático em que está inserido o art. 26, da Lei nº 11.457/07 e a finalidade do disposto em seu Parágrafo Único, da seguinte forma:
I)A compensação de créditos de tributos federais com contribuições previdenciárias será realizada via requerimento do contribuinte, por força do art. 26, caput, da Lei nº 11.457/07, dispositivo este que está inserido no Capítulo III, que cuida do Processo Administrativo Fiscal, dentro da Lei que trouxe o regramento da criação da “Super Receita”;
II)Consequentemente, até mesmo por necessidade de controle da compensação, para fins de repasse, pela União, do valor compensado ao Fundo do RGPS, não poderá ser utilizado o procedimento de compensação por declaração (DCOMP), prevista no art. 74, da Lei nº 9.430/96, conforme dispõe o Parágrafo Único, do art. 26, da Lei nº 11.457/07.
III)Por outro lado, no caso de compensações de créditos de contribuições previdenciárias com débitos de outros tributos federais torna-se viável utilização da DCOMP, tendo em vista de inexistirem valores a serem repassados ao Fundo do RGPS, dispensando a utilização da compensação via requerimento.
Acerca do item III acima, explica-se melhor.
5.Viabilidade da utilização da DCOMP quando se tratar de compensação entre crédito de contribuição previdenciária e débitos de outros tributos federais
Até então trabalhamos o conteúdo e alcance da norma inscrita no art. 26, da Lei nº 11.457/07, que é no sentido de regulamentar a compensação de créditos de tributos federais (exceto contribuições previdenciárias) com débitos de contribuições previdenciárias. No tocante a referida compensação chega-se à conclusão lógico-jurídica de que se faz necessária realização de requerimento perante a SRFB.
Por outro lado, a Recorrente entende que no caso inverso – compensação de créditos de contribuições previdenciárias com débitos de outros tributos federais – torna-se despicienda a utilização do requerimento, nos termos do art. 26, da Lei nº 11.457/07, tendo em vista que inexistirá qualquer repasse ao Fundo do RGPS, pela União, de valores compensados com os outros tributos federais. Existirá sim um acerto contábil-financeiro dentro da própria estrutura da União (SRFB), através da diminuição do valor a ser vertido para o Fundo do RGPS, nos termos do art. 2º, § 1º, da Lei nº 11.457/07.
6.Conclusão
Diante do que se traz à reflexão, pode-se se caminhar às seguintes conclusões:
1.seja via requerimento, nos termos do art. 26, da Lei nº 11.457/07 (compensação de crédito de tributos federais (exceto previdenciários) com débitos de contribuições previdenciárias), seja via DCOMP (crédito de contribuições previdenciárias com débitos dos demais tributos federais), nos termos do art. 74, § 1º, da Lei nº 9.430/96, é plenamente viável a compensação entre contribuições previdenciárias e outros tributos federais;
2.A interpretação literal do Parágrafo Único do art. 26, da Lei nº 11.457/07, conforme tem procedido o Superior Tribunal de Justiça, não se coaduna com a essência da norma interpretada, a partir de um interpretação lógico-sistemática;
3.Com a revogação do § 2º, do art. 89, da Lei nº 8.212/91 foi retirada do ordenamento jurídico a vedação de compensação entre contribuições previdenciárias e demais tributos federais;
4.Corrobora o direito à compensação sob análise, a redação do caput do art. 26, da Lei nº 11.457/07 remete à possibilidade de compensação voluntária entre contribuições previdenciárias e demais tributos federais, ao mencionar o vocábulo “requerimento”;
5.O Parágrafo Único do art. 26, da Lei nº 11.457/07 tem, em verdade, por objetivo dar a devida operacionalização à equalização da compensação entre créditos de tributos federais e débitos de contribuições previdenciárias, seja ela realizada de ofício, seja ela realizada voluntariamente (por requerimento).
Notas
[1] CTN:
“Art. 156. Extinguem o crédito tributário:
(...)
II - a compensação;
(...)”
[2] Guia de Recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e de Informações à Previdência Social – GFIP.
[3] Lei nº 8.212/91:
Art. 11. (...)
Parágrafo único. Constituem contribuições sociais:
a) as das empresas, incidentes sobre a remuneração paga ou creditada aos segurados a seu serviço; (Vide art. 104 da lei nº 11.196, de 2005)
b) as dos empregadores domésticos;
c) as dos trabalhadores, incidentes sobre o seu salário-de-contribuição; (Vide art. 104 da lei nº 11.196, de 2005)”
[4] Lei esta que promoveu a criação da vulga “Super Receita”, sendo tecnicamente preferível, dizer que se procedeu à unificação da arrecadação dos tributos federais – na medida em que há muito assentado que na ordem constitucional vigente, as contribuições previdenciárias são tributos – através da fusão da Secretaria da Receita Federal com a Secretaria da Receita Previdenciária.
[5] STJ. REsp 1235348/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/04/2011, DJe 02/05/2011.
[6] AgRg no REsp 1267060/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/10/2011, DJe 24/10/2011
[7] FERRAZ JUNIOR. Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 252.
[8] VICENTE, Ráo. O direito e a vida dos direitos. 6 ed. Anotada e atual. por Ovídio Rocha Sandoval. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. 512.
[9] Op. cit. p. 514/515.
[10] Em Ráo podemos extrair a lição de que “ao processo gramatical ou filológico segue-se, segundo a ordem natural das coisas, o processo lógico, que em três fases progressivas se desenvolve: o processo lógico analítico (expressão usada, aqui, no sentido amplo de exame lógico), o processo lógico-sistemático e o processo lógico-jurídico, ou científico.” Op. cit. p. 515.
No que tange ao processo lógico-sistemático, podemos dizer sê-lo um método:
“(...) comparativo ensinado pela lógica e revestido de certas peculiaridades próprias da ciência jurídica.
Os processos filológico e lógico-analítico se detêm no conteúdo do texto, ou disposição; ao passo que o processo lógico-sistemático introduz, no exame dos textos, elementos estranhos, pois realiza o confronto de um texto com outro texto da mesma lei (exame do contexto da lei), ou com os textos de outras leis do mesmo sistema jurídico, ou, até mesmo, com textos de outros sistemas jurídicos positivos (direito comparado), desde que todos versem sobre o mesmo instituto, ou mesma relação.” RÁO, Vicente. Op. cit. p. 517.
[11] RÁO, Vicente. Op. cit. p. 517.
[12] DE SANTI, Eurico Marcos Diniz. CANADO, Vanessa Rahal. Direito Tributário e Direito Financeiro: Reconstruindo o conceito de tributo e resgatando o controle da destinação. IN: Contribuições para Seguridade Social. Org. Sacha Calmon Navarro Coêlho. São Paulo: Quartier Latin, 2007. p. 313.
[13] Art. 7o A Receita Federal do Brasil, antes de proceder à restituição ou ao ressarcimento de tributos, deverá verificar se o contribuinte é devedor à Fazenda Nacional. (Redação dada pela Lei nº 11.196, de 2005)
§ 1o Existindo débito em nome do contribuinte, o valor da restituição ou ressarcimento será compensado, total ou parcialmente, com o valor do débito. (Redação dada pela Lei nº 11.196, de 2005)
§ 2o Existindo, nos termos da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966, débito em nome do contribuinte, em relação às contribuições sociais previstas nas alíneas a, b e c do parágrafo único do art. 11 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, ou às contribuições instituídas a título de substituição e em relação à Dívida Ativa do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, o valor da restituição ou ressarcimento será compensado, total ou parcialmente, com o valor do débito. (Redação dada pela Lei nº 11.196, de 2005)
§ 3o Ato conjunto dos Ministérios da Fazenda e da Previdência Social estabelecerá as normas e procedimentos necessários à aplicação do disposto neste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.196, de 2005)
[4] “O SIAFI é o principal instrumento utilizado para registro, acompanhamento e controle da execução orçamentária, financeira e patrimonial do Governo Federal. Desde sua criação, o SIAFI tem alcançado satisfatoriamente seus principais objetivos :
a) prover mecanismos adequados ao controle diário da execução orçamentária, financeira e patrimonial aos órgãos da Administração Pública;
b) fornecer meios para agilizar a programação financeira, otimizando a utilização dos recursos do Tesouro Nacional, através da unificação dos recursos de caixa do Governo Federal;
c) permitir que a contabilidade pública seja fonte segura e tempestiva de informações gerenciais destinadas a todos os níveis da Administração Pública Federal;
d) padronizar métodos e rotinas de trabalho relativas à gestão dos recursos públicos, sem implicar rigidez ou restrição a essa atividade, uma vez que ele permanece sob total controle do ordenador de despesa de cada unidade gestora;
e) permitir o registro contábil dos balancetes dos estados e municípios e de suas supervisionadas;
f) permitir o controle da dívida interna e externa, bem como o das transferências negociadas;
g) integrar e compatibilizar as informações no âmbito do Governo Federal;
h) permitir o acompanhamento e a avaliação do uso dos recursos públicos; e
i) proporcionar a transparência dos gastos do Governo Federal.”
(Fonte: http://www.tesouro.fazenda.gov.br/siafi/objetivos.asp)
[15] Imposto de Renda da Pessoa Jurídica.
[16] IN/SRFB 900/08:
Art. 44. O sujeito passivo que apurar crédito relativo às contribuições previdenciárias previstas nas alíneas "a" a "d" do inciso I do parágrafo único do art. 1º, passível de restituição ou de reembolso, poderá utilizá-lo na compensação de contribuições previdenciárias correspondentes a períodos subseqüentes.
§ 1º Para efetuar a compensação o sujeito passivo deverá estar em situação regular relativa aos créditos constituídos por meio de auto de infração ou notificação de lançamento, aos parcelados e aos débitos declarados, considerando todos os seus estabelecimentos e obras de construção civil, ressalvados os débitos cuja exigibilidade esteja suspensa.
§ 2º O crédito decorrente de pagamento ou de recolhimento indevido poderá ser utilizado entre os estabelecimentos da empresa, exceto obras de construção civil, para compensação com contribuições previdenciárias devidas.
§ 3º Caso haja pagamento indevido relativo a obra de construção civil encerrada ou sem atividade, a compensação poderá ser realizada pelo estabelecimento responsável pelo faturamento da obra.
§ 4º A compensação poderá ser realizada com as contribuições incidentes sobre o décimo terceiro salário.
§ 5º A empresa ou equiparada poderá efetuar a compensação de valor descontado indevidamente de sujeito passivo e efetivamente recolhido, desde que seja precedida do ressarcimento ao sujeito passivo.
§ 6º É vedada a compensação de contribuições previdenciárias com o valor recolhido indevidamente para o Simples Nacional, instituído pela Lei Complementar nº 123, de 2006, e o Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Simples), instituído pela Lei nº 9.317, de 5 de dezembro de 1996.
§ 7º A compensação deve ser informada em GFIP na competência de sua efetivação.” [Destaque nosso]