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Possibilidade da compensação das contribuições previdenciárias com créditos de outros tributos federais

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Caso o legislador desejasse vedar a compensação de crédito de outros tributos federais com os débitos de contribuições previdenciárias, teria mantido a norma inserta no § 2º do art. 89 da Lei nº 8.212/91, modificando apenas o órgão arrecadador para a SRFB. Mas assim não fez, mantendo a coerência lógico-sistemática da compensação de tributos administrados pela SRFB.

 

 

 

1.Introdução do tema

Cediço, que segundo as normas brasileiras de tributação, a compensação é elencada como uma das formas de extinção do crédito tributário (art. 156, II, do Código Tributário Nacional[1]), razão pela qual se torna de grande interesse para o contribuinte utilização deste instituto jurídico, com o fito de dar quitação aos débitos decorrentes da relação tributária com o Estado fiscal.

A compensação tributária, no sistema tributário brasileiro, parte da autorização dada pelo Código Tributário Nacional, para que ente da federação, no âmbito de sua competência, possa permitir ao contribuinte compensar créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou não, do sujeito passivo contra a Fazenda Pública. É a redação presente no caput do art. 170, da mencionada codificação, verbis:

“Art. 170. A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda pública.”

Importante frisar que, na a presente exposição, com o fito de não se perder o foco da abordagem que se propõe, não se adentrará na polêmica acerca da auto-aplicabilidade ou não do direito subjetivo do contribuinte à compensação genericamente prevista no art. 170, do Código Tributário Nacional. Isto porque, no tocante ao direito à compensação entre contribuições previdenciárias e demais tributos federais, entende-se existir, no plano jurídico, regramento legal para tanto. Torna-se, portanto, prescindível abordar, neste trabalho, a necessidade ou não de lei específica autorizando a compensação de tributos.

Em relação às contribuições previdenciárias, antes da fusão da Receita Federal com a Receita Previdenciária, nos idos de 2007, promovida pela Lei nº 11.457/07, as hipóteses de compensação deste tributo estavam bem delineadas na legislação de regência, no seguinte sentido:

a)Compensação voluntária, via declaração (GFIP[2]), somente entre créditos tributários de contribuições previdenciárias e créditos desta mesma contribuição, decorrentes de pagamento indevido. (Art. 89, Lei nº 8.212/91);

b)Compensação de ofício, realizada entre créditos tributários de contribuições previdenciárias e créditos desta mesma contribuição de competência do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS (Art. 89, § 8º, da Lei nº 8.212/91, inserido pela Lei nº 11.196/05)

c)Compensação de ofício, realizada entre créditos de quaisquer tributos federais com débitos de contribuições previdenciárias, cuja competência era exercida pela Secretaria da Receita Federal. (Art. 7º, § 2º, Decreto-Lei nº 2.287/86, com redação que lhe foi dada pelo art. 114, da Lei nº 11.196/05)

E enquanto vigente o art. 89, § 2º, da Lei nº 8.212/91, que, frisa-se, foi objeto de revogação pela Medida Provisória nº 449/08, convertida na Lei nº 11.941/09, havia expressa disposição de que a compensação de contribuições previdenciárias somente poderiam ser realizadas com créditos tributários decorrentes dessas  mesmas contribuições. Vejamos, verbis:

“Art. 89. (...)

 § 2º Somente poderá ser restituído ou compensado, nas contribuições arrecadadas pelo INSS, valor decorrente das parcelas referidas nas alíneas "a", "b" e "c" do parágrafo único do art. 11 desta Lei.”[3]

Conquanto vigente o dispositivo acima, quando da entrada em vigor da Lei nº 11.457/07[4], o art. 26 desta lei trouxe uma inovação legislativa atinente à compensação de contribuições previdenciárias após a unificação da arrecadação, que, no mínimo, requer profunda reflexão por parte dos operadores do direito, dedicados aos estudos tributários. E acerca dessa reflexão é que se empreenderá esforços ao longo dessa breve análise, sobretudo pela atual existência de duas circunstâncias, que influenciam o interprete da norma, no caso em questão:

1º) A partir de Dezembro de 2008 – data da entrada em vigor da MPv 449/08 – foi revogada a restrição contida no § 2º, do art. 89, da Lei nº 8.212/91. A mencionada medida provisória foi convertida na Lei nº 11.941/09, que manteve a revogação;

2º) Os tribunais brasileiros, interpretando a norma inserta, no art. 26, Parágrafo Único, tem lhe conferido uma interpretação rasa, baseada em sua literalidade, impedindo a compensação entre contribuições previdenciárias e outros tributos federais. 

Pois bem. Antes mesmo dessa requerida profundidade de reflexão sobre a norma prevista no art. 26, da Lei nº 11.457/07, os tribunais brasileiros e, em especial, o Superior Tribunal Justiça já se manifestou a respeito da possibilidade ou não de compensação entre contribuições federais e os demais tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil. A Segunda Turma do Excelso Tribunal, em julgado datado 05 de abril de 2011[5], tratou tão logo de manifestar-se sobre o tema, com uma análise no mínimo incipiente e uma conclusão sobremaneira prematura.

Afirma-se com toda essa contundência, porquanto o referido tribunal superior, a partir de uma interpretação isolada e literal do Parágrafo Único, do art. 26, da Lei nº 11.457/07, caminha à singela conclusão de que este dispositivo legal:

 “(...) consignou expressamente que o art. 74 da Lei 9.430/96 não se aplica às exações cuja competência arrecadatória foi transferida, ou seja, vedou a compensação entre créditos de tributos que eram administrados pela antiga Receita Federal com débitos de natureza previdenciária, até então sob o pálio do INSS.” (p.08).

Em outro julgado, mais recente da mesma turma julgadora, reafirma-se o entendimento exposado no início do ano de 2011:

“É incontroverso que, em regra, os créditos do contribuinte contra a Receita Federal do Brasil podem ser compensados com quaisquer débitos tributários administrados pelo mesmo órgão, por meio da declaração eletrônica (DECOMP), nos termos do art. 74 da Lei 9.430⁄1996 (redação dada pela Lei 10.637⁄2002).

Ocorre que o art. 26, parágrafo único, c⁄c o art. 2º da Lei 11.457⁄2007 afastou expressamente essa prerrogativa em relação às contribuições sociais do art. 11, parágrafo único, "a", "b" e "c", da Lei 8.212⁄1991 (contribuições patronais, dos empregadores domésticos e dos trabalhadores) e àquelas instituídas a título de substituição:

 Art. 26. O valor correspondente à compensação de débitos relativos às contribuições de que trata o art. 2º desta Lei será repassado ao Fundo do Regime Geral de Previdência Social no máximo 2 (dois) dias úteis após a data em que ela for promovida de ofício ou em que for deferido o respectivo requerimento.

Parágrafo único. O disposto no art. 74 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, não se aplica às contribuições sociais a que se refere o art. 2º desta Lei.

 A intenção do legislador foi, claramente, resguardar as receitas necessárias para o atendimento aos benefícios, que serão creditadas diretamente ao Fundo do Regime Geral de Previdência Social, nos termos do art. 2º, § 1º, da Lei 11.457⁄2007.”[6] (Destaquei)

Todavia, a atividade interpretativa de uma norma jurídica, com a utilização de um único método, in casu o gramatical (ou filológico), redunda, não raras vezes, em equívocos e desvios da verdadeira intenção da lei, sobretudo em vista da necessária coerência entre normas de um sistema jurídico. Certo é que a sistematicidade de um conjunto de normas jurídicas visa, sobretudo, evitar a ocorrência de antinomias que acabam por revelar grave insegurança jurídica para os destinatários das normas.

O presente trabalho, sem a pretensão de esgotar o tema, objetiva – via método de interpretação lógico-sistemático – demonstrar a que veio a norma inserta, no Parágrafo Único, do art. 26, da Lei nº 11.457/07, ultrapassando a leitura simplesmente gramatical desta, até então realizada pelo Superior Tribunal de Justiça.

Com base na análise abaixo depreendida demonstrar-se-á, em seguida, que a partir da revogação do § 2º, do art. 89, Lei nº 8.212/91, operada pela Lei nº 11.941/09, inexiste qualquer óbice legal para a compensação entre contribuições previdenciárias e os demais tributos federais administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil.


2.A interpretação lógico-sistemática e a preservação da boa técnica legislativa

A interpretação, na ciência do Direito, pode se definir como a operação racional tendente a determinar o sentido de determinada norma jurídica, definir-lhe os contornos e seu alcance, com o fito de direcionar a conduta humana. E por isso mesmo, como bem adverte Tércio Sampaio Ferraz Junior:

“A determinação do sentido das normas, o correto entendimento do significado dos seus textos e intenções, tendo em vista decidibilidade de conflitos constitui tarefa da dogmática hermenêutica. Trata-se de uma finalidade prática, no que se distingue de objetivos semelhantes das demais ciências humanas. Na verdade, o propósito básico do jurista não é simplesmente compreender um texto, como faz, por exemplo, o historiador ao estabelecer-lhe o sentido e o movimento no seu contexto, mas também determinar-lhe a força e o alcance, pondo o texto normativo em presença dos dados atuais de um problema. Ou seja, a intenção do jurista não é apenas conhecer, mas conhecer tendo em vista as condições de decidibilidade de conflitos com base na norma enquanto diretivo para o comportamento.”[7]

Assim, para desempenhar essa tarefa de conhecer a norma jurídica, para fins de “decidibilidade de conflitos”, o intérprete tem como instrumentos interpretativos diversos métodos aos quais se lança mão, na tarefa de desvendar o sentido e o alcance do objeto de interpretação: a norma jurídica.

Vários métodos (processos) interpretativos se põem como instrumento para o intérprete, como, por exemplo, os métodos gramatical, histórico, sociológico, teleológico, axiológico, lógico-sistemático, etc..

Lúcida e percuciente é a lição de Vicente Ráo ao asseverar que:

“Seja qual for a doutrina que se adote, certo é que os textos consagradores de normas positivas de direito precisam ser, preliminarmente, analisadas.

E, para conduzir e orientar a análise, vários processos existem, que não se excluem reciprocamente, antes, reciprocamente se completam até alcançarem o resultado final, isto é, o resultado da interpretação, que é, em sua substância, una e incindível.”[8]

Portanto, não deve prevalecer apenas um método (processo) interpretativo na análise do conteúdo e alcance de determinada norma, sob pena de subverter o verdadeiro sentido que lhe confere o sistema jurídico em que se insere.

Levanta-se a presente discussão, porquanto, os tribunais brasileiros, em especial o Superior Tribunal de Justiça, ao interpretarem a norma inscrita no art. 26, Parágrafo Único, da Lei nº 11.457/07, têm utilizado, isoladamente, único e exclusivamente o método de interpretação gramatical (ou filológico). E, por conseguinte, vêm concluindo, de forma incipiente – a partir de perfunctória análise do texto legal – pela existência de uma suposta vedação à compensação de créditos de tributos federais com débitos de contribuições previdenciárias e vice-versa.

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Entretanto, brilhante é a advertência de Vicente Ráo, ao afirmar que:

O emprego isolado da interpretação filológica e o abuso das regras e filigramas gramaticais estagnam e mumificam o sentido dos textos, impedem sua adaptação às necessidades sociais sempre mutáveis e sempre revestidas de modalidades novas, dificultam a evolução natural do direito.

O processo gramatical dever ser aplicado, na interpretação, até o limite do indispensável; seu uso excessivo manteria o intérprete dentro de uma concepção empírica do direito objetivo.

Finda a interpretação gramatical, desde que não haja apurado um sentido inequívoco, imperativo e cogente, continue o interprete o seu trabalho, socorrendo-se dos subseqüentes processos para confirmar, ou, possivelmente, aperfeiçoar, ou mesmo alterar o resultado que, de início, alcançou.”[9] [Destaquei]

Aperfeiçoar é preciso. Alterar é preciso, uma vez que, no caso em tela, a interpretação gramatical, que vem sendo inadvertidamente utilizada, isolou um comando normativo de todo seu contexto sistêmico, fazendo com que o interprete (o Poder Judiciário) criasse uma restrição a um direito (o de compensação) que a norma invocada não objetivou restringir.

Façamos, pois, uma profunda e detalhada análise do texto normativo, inserto no art. 26 da Lei nº 11.457/07, superando a interpretação gramatical e evoluindo, em sentido, através do método lógico-sistemático[10], na medida em que, “melhor se apura o pensamento contido em uma sentença, quando se enquadra na ordem sistemática do conjunto de disposições de que faz parte, ou quando se a confronta com disposições outras, mas ligadas, todas, entre si, por identidade ou afinidade de princípios.”[11] [Destaque nosso]

Eis, então, o texto legal objeto da controvérsia:

“Art. 26. O valor correspondente à compensação de débitos relativos às contribuições de que trata o art. 2o desta Lei será repassado ao Fundo do Regime Geral de Previdência Social no máximo 2 (dois) dias úteis após a data em que ela for promovida de ofício ou em que for deferido o respectivo requerimento.

Parágrafo único.  O disposto no art. 74 da Lei no 9.430, de 27 de dezembro de 1996, não se aplica às contribuições sociais a que se refere o art. 2º desta Lei.”

Antes de mais nada, insta salientar, por oportuno, que por disposição expressa na Lei Complementar nº 95/98 toda e qualquer edição de atos normativos, em especial as leis, devem prezar pela “clareza, precisão e ordem lógica” (art. 11, caput, Lcp 95/98). Tais adjetivos aplicáveis à edição de uma norma jurídica estão relacionados à boa técnica legislativa, sendo norma cogente para todos os entes da federação e entidades da administração indireta que produzem normas jurídicas. Portanto, na interpretação de uma norma jurídica, tal como se objetiva fazer nesse tópico, faz-se necessário conferir sentido ao texto legal de forma a harmonizá-lo em sua estrutura, tanto dentro do artigo em que se insere, quanto ao restante do texto da lei que se refere.

Em especial, para obtenção da ordem lógica do texto normativo, prescreve o art. 11, III, da Lei Complementar nº 95/98, verbis:

“Art. 11. As disposições normativas serão redigidas com clareza, precisão e ordem lógica, observadas, para esse propósito, as seguintes normas:

(...)

 III - para a obtenção de ordem lógica:

a) reunir sob as categorias de agregação - subseção, seção, capítulo, título e livro - apenas as disposições relacionadas com o objeto da lei;

b) restringir o conteúdo de cada artigo da lei a um único assunto ou princípio;

c) expressar por meio dos parágrafos os aspectos complementares à norma enunciada no caput do artigo e as exceções à regra por este estabelecida;” [Destaque nosso]

Em relação ao dispositivo acima transcrito, pede-se especial consideração, porquanto tais diretrizes de técnica legislativa, conjuntamente com a interpretação lógico-sistemática, irão permear toda a análise que se segue e serão fundamentais para a correta apreensão do conteúdo e alcance da norma inscrita no Parágrafo Único, do art. 26, da Lei nº 11.457/07.


3.O Contexto sistemático-normativo que se insere o art. 26, da Lei nº 11.457/07

Caminhemos, pois, passo-a-passo no micro universo normativo no qual se insere o art. 26, da Lei nº 11.457/07. Vejamos:

- Lei nº 11.457/07 – Cediço que o referido diploma normativo procedeu à fusão da Secretaria da Receita Federal com a Secretaria da Receita Previdenciária, criando a cognominada “SUPER RECEITA”, cujo órgão passou a ser chamado de “Secretaria da Receita Federal do Brasil” (SRFB). E no contexto da referida fusão, foram criadas regras para a estrutura administrativa e de procedimentos administrativos para harmonização e operacionalização da reunião das competências de administração, fiscalização e arrecadação dos tributos federais, incluindo agora as contribuições previdenciárias, previstas no art. 11. Parágrafo Único, “a”, “b” e “c”, da Lei nº 8.212/91.

- O Capítulo I (DA SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL) da referida lei cuida da nova estrutura e competência da SRFB, estabelecendo em seu art. 2º, verbis:

“Art. 2º Além das competências atribuídas pela legislação vigente à Secretaria da Receita Federal, cabe à Secretaria da Receita Federal do Brasil planejar, executar, acompanhar e avaliar as atividades relativas a tributação, fiscalização, arrecadação, cobrança e recolhimento das contribuições sociais previstas nas alíneas a, b e c do parágrafo único do art. 11 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, e das contribuições instituídas a título de substituição. (Vide Decreto nº 6.103, de 2007).

§ 1o O produto da arrecadação das contribuições especificadas no caput deste artigo e acréscimos legais incidentes serão destinados, em caráter exclusivo, ao pagamento de benefícios do Regime Geral de Previdência Social e creditados diretamente ao Fundo do Regime Geral de Previdência Social, de que trata o art. 68 da Lei Complementar no 101, de 4 de maio de 2000.

§ 2o  Nos termos do art. 58 da Lei Complementar no 101, de 4 de maio de 2000, a Secretaria da Receita Federal do Brasil prestará contas anualmente ao Conselho Nacional de Previdência Social dos resultados da arrecadação das contribuições sociais destinadas ao financiamento do Regime Geral de Previdência Social e das compensações a elas referentes.

§ 3o As obrigações previstas na Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, relativas às contribuições sociais de que trata o caput deste artigo serão cumpridas perante a Secretaria da Receita Federal do Brasil.

§ 4o  Fica extinta a Secretaria da Receita Previdenciária do Ministério da Previdência Social.”[ destaque nosso]

- Capítulo III (DO PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL) versa sobre procedimentos a serem adotados nos processos administrativos-fiscais de cobrança, de consulta, de restituição, de compensação e de julgamento, perante a SRFB a partir da assunção da competência de administrar, fiscalizar e arrecadar as contribuições previdenciárias previstas nas Lei nº 8.212/91. Ou seja, todo o contexto normativo disciplinado no referido capítulo não traz qualquer norma de direito material relacionada a tributo, mas tão-somente em relação a procedimentos administrativos-fiscais no âmbito da Secretaria da Receita Federal do Brasil. Não se vislumbra qualquer norma referente a direito material. Nenhuma!! Vejamos o texto legal em comento:

“CAPÍTULO III

DO PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL

Art. 25.  Passam a ser regidos pelo Decreto no 70.235, de 6 de março de 1972:

I - a partir da data fixada no § 1o do art. 16 desta Lei, os procedimentos fiscais e os processos administrativo-fiscais de determinação e exigência de créditos tributários referentes às contribuições de que tratam os arts. 2o e 3o desta Lei;

II - a partir da data fixada no caput do art. 16 desta Lei, os processos administrativos de consulta relativos às contribuições sociais mencionadas no art. 2o desta Lei.

§ 1o  O Poder Executivo poderá antecipar ou postergar a data a que se refere o inciso I do caput deste artigo, relativamente a:

I - procedimentos fiscais, instrumentos de formalização do crédito tributário e prazos processuais;

II - competência para julgamento em 1a (primeira) instância pelos órgãos de deliberação interna e natureza colegiada.

§ 2o  O disposto no inciso I do caput deste artigo não se aplica aos processos de restituição, compensação, reembolso, imunidade e isenção das contribuições ali referidas.

§ 3o  Aplicam-se, ainda, aos processos a que se refere o inciso II do caput deste artigo os arts. 48 e 49 da Lei no 9.430, de 27 de dezembro de 1996.

Art. 26.  O valor correspondente à compensação de débitos relativos às contribuições de que trata o art. 2o desta Lei será repassado ao Fundo do Regime Geral de Previdência Social no máximo 2 (dois) dias úteis após a data em que ela for promovida de ofício ou em que for deferido o respectivo requerimento.

Parágrafo único.  O disposto no art. 74 da Lei no 9.430, de 27 de dezembro de 1996, não se aplica às contribuições sociais a que se refere o art. 2o desta Lei.

Art. 27.  Observado o disposto no art. 25 desta Lei, os procedimentos fiscais e os processos administrativo-fiscais referentes às contribuições sociais de que tratam os arts. 2o e 3o desta Lei permanecem regidos pela legislação precedente.

Art. 28.  Ficam criadas, na Secretaria da Receita Federal do Brasil, 5 (cinco) Delegacias de Julgamento e 60 (sessenta) Turmas de Julgamento com competência para julgar, em 1a (primeira) instância, os processos de exigência de tributos e contribuições arrecadados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, a serem instaladas mediante ato do Ministro de Estado da Fazenda.

Parágrafo único.  Para estruturação dos órgãos de que trata o caput deste artigo, ficam criados 5 (cinco) cargos em comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores DAS-3 e 55 (cinqüenta e cinco) DAS-2, a serem providos na medida das necessidades do serviço e das disponibilidades de recursos orçamentários, nos termos do § 1o do art. 169 da Constituição Federal.

Art. 29.  Fica transferida do Conselho de Recursos da Previdência Social para o 2o Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda a competência para julgamento de recursos referentes às contribuições de que tratam os arts. 2o e 3o desta Lei.

§ 1o  Para o exercício da competência a que se refere o caput deste artigo, serão instaladas no 2o Conselho de Contribuintes, na forma da regulamentação pertinente, Câmaras especializadas, observada a composição prevista na parte final do inciso VII do caput do art. 194  da Constituição Federal.

§ 2o  Fica autorizado o funcionamento das Câmaras dos Conselhos de Contribuintes nas sedes das Regiões Fiscais da Secretaria da Receita Federal do Brasil.

Art. 30.  No prazo de 30 (trinta) dias da publicação do ato de instalação das Câmaras previstas no § 1o do art. 29 desta Lei, os processos administrativo-fiscais referentes às contribuições de que tratam os arts. 2o e 3o desta Lei que se encontrarem no Conselho de Recursos da Previdência Social serão encaminhados para o 2o Conselho de Contribuintes.

Parágrafo único.  Fica prorrogada a competência do Conselho de Recursos da Previdência Social durante o prazo a que se refere o caput deste artigo.

Art. 31.  São transferidos, na data da publicação do ato a que se refere o caput do art. 30 desta Lei, 2 (dois) cargos em comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores DAS-101.2 e 2 (dois) DAS-101.1 do Conselho de Recursos da Previdência Social para o 2o Conselho de Contribuintes.” [destaque nosso]

Portanto, partindo da presunção da utilização da boa técnica legislativa pelo legislador, temos que:

1.É Objeto da Lei nº 11.457/07: Criação da “Secretaria da Receita Federal do Brasil”, com centralização neste órgão da administração, fiscalização e arrecadação dos tributos federais e, para tanto, foram criadas regras para a nova estrutura administrativa e de procedimentos administrativos para harmonização e operacionalização da reunião das competências;

2.Capítulo III (Do processo administrativo): Contém tão-somente disposições relacionadas à centralização da administração, fiscalização e arrecadação dos tributos federais e pela SRFB e pela própria denominação administrativos/fiscais do capítulo, cuidando apenas do regramento dos procedimentos administrativos, relacionados à harmonização e operacionalização da reunião das competências; (Consonância com o art. 11, III, “a”, da Lcp 95/98)

3.Art. 26: A norma inscrita no caput diz respeito tão-somente à obrigatoriedade do repasse, pela União (SRFB), do valor correspondente à compensação de débitos relativos às contribuições previdenciárias ao Fundo do Regime Geral de Previdência Social (RGPS). (Assim, todo conteúdo restante do artigo deve se restringir ao assunto tratado em seu “caput”, por força da técnica legislativa prevista no art. 11, III, “b”, da Lcp 95/98)

4.Parágrafo Único do art. 26:  A disposição contida no referido parágrafo se refere ao alinhamento e adaptação do procedimento administrativo de compensação, para operacionalização do repasse do valor correspondente à compensação de débitos relativos às contribuições previdenciárias ao Fundo do Regime Geral de Previdência Social. (Isto porque, os parágrafos devem dispor apenas sobre os aspectos complementares à norma enunciada no caput do artigo e/ou acerca das exceções à regra por este estabelecida, por força da técnica legislativa prevista no art. 11, III, “c”, da Lcp 95/98)

Pois bem. Então quais as razões que levam a conclusão de que a regra contida no Parágrafo Único, do art. 26, da Lei nº 11.457/07, dispõe apenas acerca do alinhamento e adaptação do procedimento administrativo de compensação, para operacionalização do repasse, pela União (SRFB), do valor correspondente à compensação de débitos relativos às contribuições previdenciárias ao Fundo do Regime Geral de Previdência Social?

Prossigamos na análise em busca da resposta a este questionamento.

Preliminarmente, tem-se de evidenciar a seguinte premissa. O dispositivo da art. 26 menciona:

a)Repasse de valores da União (SRFB) para o Fundo do RGPS.

b)Que o referido repasse é correspondente aos valores da compensação de débitos de contribuição previdenciária.

Ora, mas compensação com qual crédito? Com crédito de quaisquer tributos federais, que não o das próprias contribuições previdenciárias? Ou somente com créditos relacionados às contribuições previdenciárias?

Ao que se percebe a regra contida no “caput” do art. 26, da Lei nº 11.457/07 visa equalizar o fluxo de arrecadação e manter íntegra a destinação dos valores arrecadados a título de contribuições previdenciárias, diante da característica marcante das contribuições especiais, necessitando, “para a caracterização de sua espécie, a destinação específica do produto de sua arrecadação.”[12]

E em sendo consistente tal assertiva, a equalização do fluxo de arrecadação, para manutenção da correta destinação dos valores das contribuições previdenciárias ao Fundo do RGPS, somente se justifica se e tão-somente se, na compensação, o valor dos créditos utilizados para o encontro de contas (Débito X Crédito) não forem os das próprias contribuições previdenciárias. Existem, assim, dois cenários para compensação. Explica-se

I)No Cenário 1, tanto o débito de contribuição previdenciária, quanto o crédito decorrentes de indébitos previdenciários, correspondem contabilmente, respectivamente, a um ativo e um passivo da mesma pessoa jurídica, no caso pertencentes ao INSS.

Por essa razão, a compensação operada reduzirá o produto da arrecadação da contribuição previdenciária (1.000,00 [Débito] – 400,00 [Crédito] = 600,00 [Produto da arrecadação]);

II)Já no Cenário 2, o débito da contribuição previdenciária corresponde a um ativo do INSS. Por outro lado, o crédito de tributo federal (exceto contribuições previdenciárias) correspondem a um passivo da União.

Com efeito, sendo pertencendo a distintas pessoas o ativo (débito previdenciário) e o passivo (crédito de tributo federal), que farão parte da compensação, a equalização se faz necessária, para manter, como já mencionado, a integridade da destinação da arrecadação das contribuições previdenciárias. (1.000,00 [Débito] – 400,00 [Crédito] = 600,00 [Total depois da compensação] + 400,00 [Repasse da União] = 1.000,00 [Produto da arrecadação]);

E é esta equalização de arrecadação que está regulamentada no art. 26, da Lei nº 11.457/07.

Insta ressaltar, nesse ponto, que tal procedimento financeiro-contábil já era adotado desde o ano de 2005, antes mesmo da criação da “Super Receita”, com o advento Lei nº 11.196/05, que modificou o Decreto-Lei nº 2.287/86[13], instituindo a compensação de ofício entre as contribuições previdenciárias e créditos de outros tributos federais.

A Portaria Interministerial do Ministro de Estado da Fazenda – MF e da Previdência e Assistência Social – MPS nº 23 de 02/02/2006, que disciplinou os procedimentos de compensação de ofício supra mencionada, prevê, em seu art. 3º, § 8º, que, verbis:

“Art. 3º A restituição e o ressarcimento de crédito remanescente do procedimento previsto no art 2o ficam condicionados à comprovação da inexistência de débito em nome do sujeito passivo, relativo às contribuições sociais previstas nas alíneas "a", "b" e "c" do parágrafo único do art. 11 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, ou às contribuições instituídas a título de substituição e em relação à Dívida Ativa do INSS.

(...)

§ 8o A extinção de débito de ofício de que trata este artigo será realizada mediante emissão de Guia da Previdência Social (GPS) por meio do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi), observado o seguinte:

I - o valor bruto do crédito, utilizado na extinção do débito em nome do sujeito passivo, será debitado à conta do tributo respectivo;

II - a parcela utilizada para a extinção do débito em nome do sujeito passivo será creditada à conta do INSS.”

Assim poderia ser representado o fluxo da contabilização da compensação de ofício,  de acordo com o método contábil das partidas dobradas no Siafi[14]:

REGISTRO CONTÁBIL DA OPERAÇÃO:

- Passivo a União Federal

- IRPJ[15] a restituir – $ 400,00

- A Contribuição Previdenciária destinada ao INSS – $ 400,00

Observa-se do exemplo de contabilização acima que, por um lado, diminui-se o valor do Imposto de Renda a restituir ao contribuinte. Mas em contrapartida, aumenta-se o valor destinado ao INSS, a título de contribuição previdenciária, de modo que não haja um descompasso nas contas da previdência.

Significa, portanto, que o art. 26, caput, da Lei nº 11.457/07 – a exemplo do que já se previa na Portaria Interministerial do Ministro de Estado da Fazenda – MF e da Previdência e Assistência Social – MPS nº 23 de 02/02/2006 – tem por escopo operacionalizar a transferência de valores dos cofres da União para os do INSS, nos casos de compensação entre contribuições previdenciárias e créditos de outros tributos federais.

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Sobre o autor
Leonardo Farias Alves de Moura

Advogado e Consultor Tributário em Belo Horizonte/MG. Especialista em Direito Tributário.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOURA, Leonardo Farias Alves. Possibilidade da compensação das contribuições previdenciárias com créditos de outros tributos federais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3141, 6 fev. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21023. Acesso em: 23 dez. 2024.

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