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A tutela inibitória do ilícito: apontamentos doutrinários

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Agenda 07/02/2012 às 08:28

2. Os novos direitos

A tutela inibitória do ilícito destina-se, essencialmente, à tutela de direitos não patrimoniais, dentre os quais inserem-se parte dos chamados "novos direitos". Por "novos direitos" entenda-se as novas categorias de direitos conquistadas historicamente pela sociedade contemporânea, englobando, essencialmente, os direitos de segunda (direitos sociais), terceira (direitos transindividuais), quarta (biodireito) e quinta (direitos os sistemas informatizados e de comunicação) dimensões. Todavia, esse processo de criação e multiplicação de novos direitos insere, por igual, novos direitos na primeira dimensão desta taxionomia jurídica (v.g., direitos e garantias individuais fundamentais do acusado amplamente estendidos na Constituição de 1988), não sendo pois fenômeno exclusivo das demais categorias dimensionais de direitos.

Dentre os direitos de terceira dimensão, a título de exemplo, insere-se o direito fundamental ao meio ambiente sadio e equilibrado (art. 225 da Constituição) - muito ameaçado e lesado hodiernamente, conforme professa o magistério de Eladio Lecey, reportando-se a Norberto Bobbio:

O direito ao meio ambiente tem sido elencado dentre os novos direitos, como salienta Norberto Bobbio na sua magnífica obra A Era dos Direitos: "Ao lado dos direitos sociais, que foram chamados de direitos de segunda geração, emergiram hoje os chamados direitos de terceira geração, que constituem uma categoria, para dizer a verdade, ainda excessivamente heterogênea e vaga, o que nos impede de compreender do que efetivamente se trata. O mais importante deles é o reinvidicado pelos movimentos ecológicos: o direito de viver num ambiente não poluído" (obra citada, p. 5 e 6) [11]

Tratam-se de novos direitos porque são fruto de luta e conquista do homem ao longo do tempo, nascendo, por assim dizer, deste contínuo movimento histórico de evolução jurídica, tal qual sintetiza a seguinte passagem de Norberto Bobbio: "Nascem quando devem ou podem nascer, sendo direitos históricos, surgindo de lutas em defesa de novas liberdades contra velos poderes (op. e p. cit)" (Norberto Bobbio apud Eladio Lecey).

A Constituição Cidadã foi pródiga na positivação destes novos direitos. Por isso mesmo, os "novos direitos" hoje encontram-se na pauta do Poder Judiciário, o qual é constantemente provocado a se pronunciar sobre os mesmos, inclusive relativamente a políticas públicas que são demandadas para a realização destes novos direitos (veja-se, por exemplo, no âmbito da Justiça Federal, a crescente demanda envolvendo direito à saúde, previdência social, assistência social, etc).

Posto isto, é fundamental estabelecer a ligação entre os "novos direitos" e o papel da tutela inibitória do ilícito, o que procurar-se-á estabelecer no tópico adiante.

2.1 Os direitos não patrimonais, novos direitos e a tutela inibitória

Fixada que seja premissa de que os "novos direitos" nascem em função de um processo contínuo e histórico de luta em uma sociedade plural e complexa, compete ao Poder Judiciário engajar-se, quando provocado, de forma eficaz no intuito de concretizar da melhor maneira esses direitos, seja individual e/ou coletivamente.

A tutela inibitória é vocacionada à efetiva defesa dos direitos ditos não patrimoniais, encontrando-se atualmente satisfatoriamente positivada em nível constitucional e subconstitucional. Todavia, ainda que assim não fosse, cumpre anotar que os direitos não patrimoniais, dentre os quais se inserem parte dos "novos direitos", fazem emergir por si só a necessidade de prevenção, revelando-se incapaz de prestar essa proteção jurídica o processo civil clássico, reparatório e direcionado à tutela do dano, atrelado ao dogma da incoercibilidade do (não) fazer.

Nesta senda, os direitos não patrimoniais fazem emergir o direito à inibição, independentemente de qualquer previsão normativa na legislação infraconstitucional processual, porquanto esse direito à prevenção do ilícito emerge da atuação concreta da norma (a tutela inibitória também retira seu fundamento de validade do direito material), no entendimento de Luiz Guilherme Marinoni:

Os direitos transindividuais exigem que sejam evitadas condutas que possam lesá-los. Deste modo, são instituídas normas de direito material que proíbem ou impõem determinadas ações. Como já foi dito, estas normas possuem caráter preventivo. Com efeito, se um direito não-patrimonial, para ser efetivo, depende da sua inviolabilidade, as normas materiais de imposição ou proibição de condutas prestam verdadeira tutela preventiva aos direitos transidividuais. [...] A questão que mais interessa surge quando é necessária a atuação jurisdicional. Deixe-se claro, em um primeiro momento, que, para a efetividade do direito não-patrimonial, não importa a existência da norma material capaz de lhe outorgar prevenção. É que a tutela inibitória é inerente a todo e qualquer direito não-patrimonial. Se o direito à tutela inibitória é co-natural ao direito não-patrimonial, e as modernas Constituições garantem o direito à tutela jurisdicional efetiva, a legislação processual está obrigada a instituir técnicas processuais realmente capazes de prestá-la. [...] [12]

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Ora, se a prevenção é inerente a todo e qualquer direito de cunho não patrimonial (direito à personalidade, direito à vida, direito à saúde, direito ao meio ambiente, patrimônio artístico, histórico, paisagístico, etc.), deve-se buscar a inibição antes de procurar-se a reparação.

Terezinha Scwenck defende a opinião aqui perfilhada no que pertine ao uso da tutela inibitória para a defesa dos "novos direitos": "É perfeitamente possível o uso da tutela inibitória prevista no art. 461 do CPC diante da ameaça ou ofensa ao direito novo (...). [13]

Para tal mister, deve-se buscar a inibição do ilícito em sua forma individual (art. 461 do CPC) ou em sua forma coletiva (art. 84 do CDC), a depender da espécie de direito ameaçado de lesão.

2.2 Tutela inibitória coletiva

O direito brasileiro sempre privilegiou a tutela repressiva em função do dogma da incoercibilidade do fazer ou não fazer, relegando-se a proteção inibitória a questões envolvendo posse e propriedade (direitos patrimoniais, portanto), o que é um enorme contrasenso, porém revela a ideologia individualista até outrora impregnada no ordenamento jurídico pátrio.

Sobre o assunto, destacam-se as considerações de Sérgio Cruz Arenhardt relativamente a perspectiva histórica do dogma ou princípio da incoercibilidade das prestações (nemo ad factum praecise cogi potest [14]) e o equívoco em que se toma tal princípio a fim de obstar a plena eficácia da tutela específica:

Evidentemente, esta característica da condenação (sua ausência de coercibilidade direta) constitui reflexo direto da aplicação do princípio, de índole tipicamente liberal-burguesa, segundo o qual nemo ad factum praecise cogi potest. Sobre tal verdadeiro dogma, acentua Chiarloni que "a canonização, na cultura jusnaturalística francesa, do princípio nemo ad factum praecise cogi potest constitui realmente um reflexo do secular processo de dissolução da sociedade feudal e da conseqüente afirmação, mesmo nas relações privadas, dos valores de autonomia, liberdade e igualdade, que serão posteriormente ratificados pela revolução e analiticamente codificados na legislação napoleônica. [...] Ainda, porém, que se possa ter por razoável a justificativa para a existência do princípio como exposta pela doutrina, é de se ver que nem sempre tais valores – cruciais para o ordenamento jurídico – merecerão a prevalência que normalmente se lhes dá. Outrossim, mesmo que se possa ter como normal a idéia de que constranger alguém a prestar um fato sempre resulta em um fato mal prestado, também é preciso considerar que essa conclusão não merece o caráter absoluto com que vem comumente exposto. Se a liberdade e a dignidade do réu são importantes, também são a liberdade e a dignidade do autor da demanda. E quiça esses valores 9do autor) realizem-se precisamente na execução de certo fato por parte do réu, caso em que, certamente, fazer prevalecer sempre o interesse do réu – convertendo a prestação em perdas e danos – será desconsiderar os mesmos valores atribuídos à pessoa humana do "credor". [...] [15]

Paulatinamentefoi sendo possível ultrapassar o dogma da incoercibilidade das prestações (positivas e/ou negativas) e corrigir o erro histórico no que tange ao "apequenamento" da tutela inibitória pelo processo civil clássivo, iniciando-se uma mudança paradigmática, justamente, com a Lei de Ação Popular (Lei nº 4.717/65), nos exatos termos dos dizeres de Sérgio Cruz Arenhardt:

Perante o sistema nacional, o primeiro diploma concebido especificamente para a tutela dos interesses da coletividade foi a Lei 4.717/65 (Lei de Ação Popular), imaginada para a proteção do patrimônio público, pelo cidadão. É bem verdade que leis anteriores previam a legitimidade de associações para a proteção coletiva de interesses de seus membros – como as Leis 1.134/50, ou o primitivo Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei 4.215/63) -, inspiradas nas class actions do direito anglo-americano. Entretanto, a Lei da Ação Popular foi a primeira que efetivamente procurou oferecer tutela coletiva a interesses metaindividuais, razão suficiente para ser considerada marco na história nacional das tutelas de massa. [...] [16]

No entanto, à míngua de uma potencialidade capaz de tutelar os direitos metaindividuais pela Lei de Ação Popular - sobretudo diante da pouca utilização da tutela coletiva via ação popular, tal mudança em rumo à consolidação de uma tutela inibitória coletiva deu-se mais fortemente com a introdução, entre nós, do artigo 11 da Lei de Ação Civil Pública – LACP e do artigo 84 do CDC e, sobremodo, com o promulgação da Constituição Cidadã.

Não há dúvida, ademais, que hodiernamente o sistema de tutela coletiva dos direitos é engendrado, essencialmente, pela conjugação dos dispositivos da Ação Civil Pública e do Código de Defesa do Consumidor, ex vi do disposto no artigo 21 da LACP, o que é de grande importância para admissão da ação inibitória coletiva dita pura (a qual não pressupõe um ilícito anterior), sobretudo em questões envolvendo a delicada problemática ambiental, nos exatos termos das palavras de Luiz Guilherme Marinoni:

[...] Ora, como há um sistema de tutela coletiva dos direitos, integrado, fundamentalmente, pela Lei de Ação Civil Pública e pelo Código de Defesa do Consumidor – em razão do art. 90 do CDC, que manda aplicar às ações ajuizadas com base nesse Código as normas da Lei da Ação Civil Pública e do Código de Processo Civil, e do art. 21 da Lei de Ação Civil Pública, que afirma que são aplicáveis às ações nela fundadas as disposições processuais que estão no Código de Defesa do Consumidor -, não há dúvida de que o art. 84 do CDC sustenta a possibilidade da tutela inibitória pura para qualquer direito difuso ou coletivo. A ação inibitória coletiva pura tem sido utilizada com certa freqüência, sendo significativo o seu uso nas ações que, visando à proteção do meio ambiente, impedem, v.g., que uma fábrica que ameaça agredir o meio ambiente inicie as suas atividades. [17]

Em suma, presente algum direito ou interesse metaindividual a ser tutelado (difuso, coletivo ou individual homogêneo - art. 81 do CDC), ameaçado de lesão, viável se afigura o manejo de ação coletiva lato sensu (Ação Civil Pública, Ação Popular, Ação Popular Ambiental, Ação Coletiva stricto sensu, etc) na perspectiva de obter-se a inibição do ilícito, ou seja, a defesa in natura do direito material protegido.

2.3 O direito ao acesso à ordem jurídica justa mediante a outorga da tutela jurisdicional eficaz e adequada e o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional

É acertado compreender que a inviolabilidade de determinados direitos – notadamente não patrimoniais, é a via mais adequada para a sua preservação, afigurando-se necessária a tutela inibitória ou preventiva no mote de assegurar a efetiva tutela dos direitos em seu estado natural. Tal operatividade depende do reconhecimento do direito à ordem jurídica justa mediante a outorga da tutela jurisdicional eficaz e adequada.

Reprise-se que a tutela inibitória do ilícito visa a garantir a integridade do direito, voltando-se para o futuro, constituindo uma das modalidades de tutela específica, devendo ser priorizada em relação à tutela ressarcitória e/ou reparatória, porquanto esta é voltada ao aspecto patrimonial dos direitos. Por força do delineamento legal, a tutela específica não está jungida ao princípio da congruência ou adstrição da lide aos limites do pedido, sendo a tutela jurisdicional mais apropriada à proteção de direitos não patrimoniais.

Nessa ordem de idéias, o acesso à justiça não deve ser visto como a mera possibilidade de se protocolizar uma ação junto ao Poder Judiciário. O acesso à justiça é mais do que isso e deve ser compreendido como um acesso à ordem jurídica justa (Dinamarco) ou à justiça substancial (Watanabe apud Dinamarco), o que certamente exige o manejo correto, pelo profissional da advocacia encarregado de defender a causa, da tutela inibitória em um campo onde a inviolabilidade do direito é a única alternativa à proteção jurídica efetiva.

Defendendo a garantia do direito de ação mediante a consecução de um processo justo ou équo, Cândido Rangel Dinamarco participa seu entendimento nos seguintes termos:

Acesso à justiça não equivale a mero ingresso em juízo. A própria garantia constitucional da ação seria algo inoperante e muito pobre se se resumisse a assegurar que as pretensões das pessoas cheguem a o processo, sem garantir-lhes também um tratamento adequado. É preciso que as pretensões apresentadas aos juízes cheguem efetivamente ao julgamento de fundo, sem a exacerbação de fatores capazes de truncar o prosseguimento do processo, mas também o próprio sistema processual seria estéril e inoperante enquanto se resolvesse numa técnica de atendimento ao direito de ação, sem preocupações com os resultados exteriores. Na preparação do exame substancial da pretensão, é indispensável que as partes sejam tratadas com igualdade e admitidas a participar, não se omitindo da participação também o próprio juiz, de quem é a responsabilidade principal pela condução do processo e correto julgamento da causa. Só tem acesso à ordem jurídica justa quem recebe justiça.E receber justiça significa ser admitido em juízo, poder participar, contar com a participação adequada do juiz e, ao fim, receber um provimento jurisdicional consentâneo com os valores da sociedade. Tais são os contornos do processo justo, ou processo équo, que é composto pela efetividade de um mínimo de garantias de meios e de resultados (supra, n. 40 e infra, 79). [18]

Portanto, o acesso à ordem jurídica justa está sujeito à condicionante da outorga da tutela jurisdicional eficaz e adequada, com o efetivo comprometimento do magistrado na consecução de um processo justo ou équo, a fim de que os escopos do processo civil restem plenamente atendidos. [19]

Ao mesmo tempo em que o inciso XXXV do artigo 5º da Constituição de 1988 acolhe a garantia constitucional do direito de ação, mediante a outorga, reitere-se, do acesso à ordem jurídica justa e da tutela jurisdicional eficaz e adequada, positiva expressamente o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, também conhecido como princípio da inarredabilidade, princípio da proteção judiciária, princípio da indefectibilidade, etc, dando suporte ao fundamento constitucional da tutela inibitória.

Andreza Cristina Stonoga, acerca do fundamento constitucional da tutela inibitória, advoga sua tese, com acerto, nos seguintes termos:

A tutela preventiva é intrínseca ao Estado Democrático de Direito. Portanto, não é necessária a previsão infraconstitucional para a propositura da pretensão inibitória. A garantia da inafastabilidade do controle judicial garante a adequada tutela do direito, de molde a se impedir sua violação. A prevenção do ilícito é indispensável para um ordenamento jurídico-constitucional que se funda na dignidade da pessoa humana e que busca garantir, na prática, esse fundamento. O legislador constituinte albergou, no art. 5º, XXXV da Constituição Federal, o direito material de uma adequada tutela preventiva. O legislador infraconstitucional, por sua ez, dispõe à sociedade instrumentos para efetivar a garantia constitucional. Finalmente, se a existência eficaz do direito material depende da efetividade do processo, não se pode negar que a instituição de direitos que não podem ser tutelados pela via ressarcitória faz surgir, logicamente, um direito a uma tutela capz de evitar a violação do direito material. [20]

Neste compasso, cumpre frisar que a expressão "ameaça a direito" prevista no inciso XXXV do artigo 5º da Constituição é o núcleo essencial do direito fundamental à tutela jurisdicional adequada (inibitória, se o caso) em nível constitucional, alçando o legislador constituinte o fundamento constitucional da tutela preventiva como parâmetro suficiente para a sua busca no plano jurisdicional, à luz da cláusula de eficácia dos direitos fundamentais prevista no artigo 5º, § 1º da Constituição de 1988.

À vista desta perspectiva, apenas o fracasso da tutela inibitória do ilícito é que, diante de um processo civil de resultados e cooperativo, abrir-se-á caminho para a tradicional tutela reparatória e/ou ressarcitória do dano, com todos os inconvenientes que essa espécime de tutela apresenta ao jurisdicionado.

Sobre o autor
Ricardo Alessandro Kern

Juiz Federal Substituto da Vara Federal e Juizado Especial Federal Adjunto de Cachoeira do Sul/RS, ex-Procurador Federal, ex-Analista Judiciário Federal, ex-Procurador Jurídico Municipal, Especialista em Processo pela Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL, Especialista em Direito Ambiental e Urbanístico pela UNIDERP, Especialista em Direito Ambiental e Urbanístico pela UNIDERP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

KERN, Ricardo Alessandro. A tutela inibitória do ilícito: apontamentos doutrinários. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3142, 7 fev. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21025. Acesso em: 5 nov. 2024.

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